«A Líbia está no mais caótico ponto desde a destituição e
morte de Khadafi . A Líbia mergulhou num inexorável processo de “somalização”.
Poderia escolher outros títulos dos (poucos) analistas e jornalistas atentos à
tragédia líbia. Para onde olham os europeus? Olham, e algo relutantemente, para
a Ucrânia ou para o Iraque, de maior importância geopolítica. Durante semanas,
os media estiveram ocupados com Israel e Gaza — de audiência garantida. Depois
da morte do extravagante e fotogénico Khadafi , foram esquecendo a tragédia
líbia.
Não se trata aqui de explicar a Líbia mas de apenas dizer ao
que chegou. Trípoli, a capital, é palco de combates desde 13 de Julho. Milícias
disputam o aeroporto, com armas pesadas. Na segunda-feira houve um
bombardeamento aéreo. Na terça, disparos de rockets sobre bairros do centro. É
normal o corte da electricidade, da rede de telemóveis, da Internet ou da água.
Fugiram os técnicos estrangeiros.
As Filipinas repatriaram os 3000 médicos e enfermeiros que lá
tinham, criando um sério problema sanitário. Em Benghasi, foi proclamado um
“emirado islâmico”. Entram na Líbia jihadistas vindos da Síria, o que preocupa
os Estados Unidos, a Europa e os países vizinhos. Mas uma outra coisa toca a
Europa. A Líbia está pejada de africanos (e de líbios em pânico) ansiosos por
atravessar o Mediterrâneo. Se as comportas se abrirem, haverá uma incomen-surável
vaga de refugiados — muitos deles destinados à sepultura naquele mar a que os
italianos já chamam “Cemitério”.
As centenas de milícias controlam tudo — cidades, ministérios,
aeroportos e terminais de petróleo. Guerreiam-se para disputar recursos e
rendas. A Líbia de Khadafi não tinha Estado, exército nem polícia. A força era
monopólio da guarda pretoriana e dos espiões do ditador. A Líbia não tem as fundas
divisões étnicas ou religiosas da Síria e do Iraque. Tem cerca de 140 grupos
tribais. Escreveu a historiadora Linda Anderson que os ocidentais se equivocaram:
a prioridade não era a democratização mas a construção de um Estado.
Os líbios elegem parlamentos. O primeiro, de maioria
“islamista”, foi feito refém de milícias em Trípoli. O segundo, eleito em Junho
e de maioria “liberal”, está reunido em Tobruk, a 1500km da capital, para
evitar o sequestro. Apela a uma intervenção internacional e quer dissolver as
milícias. Mas o parlamento não é o poder. O poder reside nas tribos e, cada vez
mais, nas milícias. E os rótulos ideológicos não são para levar a sério:
encobrem muitas vezes interesses mafiosos.
“Sem lei nem ordem”, morrem as normas, dissolve-se o tecido
social e sobe o risco de guerra civil. O “vazio de poder” cria bárbaros e abre
espaço a santuários terroristas. Que mais é preciso dizer?!»
[JAF na Revista do PÚBLICO]
Realmente muito pouco: só falta aqui um silêncio, uma afirmação e uma pergunta!
- O silêncio é sobre o que a Líbia era, no tempo do "extravagante" Kadhafi. O mundo que existe assim, não o é por mero acaso.
- Os directos e pessoais responsáveis por isto são os EUA de
Bush, e os canalhas europeus da NATO, que se puseram ao seu serviço ao cheiro do petróleo, e em nome da liberdade.
- Por que julgam os fariseus ocidentais que ao jornalista
decapitado pelo ISIS foi vestida uma fralda laranja, da cor das torturas de Guantânamo?