Eu não entendo nada de finanças. Nem quero. Mas o teatro dos ocupantes do Rendeiro não logra comover-me. Não me toca, não se me inscreve cá dentro, conforme diria o outro. Apenas me faz pensar.
Se há uns anos atrás uma qualquer pitonisa governamental tivesse descido à praça a recomendar a estes piquenos aforradores que mudassem de critérios, e não entregassem dinheiro a vigaristas nem a aventureiros a troco de promessas tentadoras, não faltaria berreiro. O mercado sacrossanto, a liberal escolha, a individual iniciativa, a ganância geradora, a livre concorrência, o fim das tutelas estatais, esse comunismo enfim!
Agora que as barbas ardem, já clamam porque o governo!...enquanto o Rendeiro passa descontraído. Queremos o nosso dinheiro!... com os impostos daqueles que os pagam, pois claro.
Há nisto tudo alguma mascarada e muita desfaçatez. E o governo devia ter deixado falir o banco na altura oportuna, aplicando-se aos depósitos as normas em vigor. Que pensam eles que aconteceu a milhares de depositantes de instituições que faliram por esse mundo fora? Que é feito de tanta livre escolha?!
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
Aclaramento
Ainda bem que as eminências médicas decidiram finalmente que em Portugal a homossexualidade não é uma doença a reclamar remédio. E eu fico mais descansado, com a certeza de que não terei à perna um dia destes um curandeiro qualquer.
Ainda o não disseram três doutores. Mas o mais certo é também não ser moléstia mórbida a heterossexualidade, equipa em que, mal ou bem, tenho jogado.
Ainda o não disseram três doutores. Mas o mais certo é também não ser moléstia mórbida a heterossexualidade, equipa em que, mal ou bem, tenho jogado.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Pai Natal
Diz-se que nascer é uma benesse. E assim será. Mas a bênção verdadeira consiste em ser infante no seio dum casalinho português da middle-class. É uma cornucópia de bem-aventuranças bem digna do Pai Natal.
A primeira decisão que os papás tomam, mal o infante se instala nas suas vidas, é deixarem de ser mulher e homem. Abdicam da condição, no bom propósito de se tornarem papás a tempo inteiro.
Há um tempo em que o infante se limita a deglutir, a dormir e a defecar. E os dois papás, enquanto seguem ansiosamente o gráfico dos pesos e medidas, vivem o seu período de exaltação.
Depois o infante começa a gatinhar, começa a gaguejar, ensaia os primeiros gestos de representação. É então que os dois papás, mais a família inteira, e também os amigos que vieram, lhe oferecem o papel de prima-donna e lhe cedem o palco inteiro. Organizam no salão uma roda em volta dele e cada um a seu modo o estimula. A mamã pede-lhe um gesto, a tia dá-lhe uma deixa, a avó bate-lhe palminhas à precocidade. E o infante faz o pino, puxa a orelha do gato, deita a linguita de fora, cospe na mão da madrinha. A distância entre o infante e um macaquito de circo reduz-se perigosamente. Mas ganha imenso a alegria do salão e a felicidade colectiva.
O infante já descobriu que está no centro dum mundo onde nada mais existe que o seu egoísmo cruel. E estabelece metodicamente a sua ditadura, em que vai introduzindo invencíveis tácticas de guerrilha. Não tem horas de dormir ou de comer, nem de chegar ou partir, nem de falar ou de ouvir.
O casalinho há muito que anda esfalfado, que não dorme, que não vive. Evita lugares públicos onde se exija alguma compostura, e há muito tempo que trabalha a meio gás. Mas assume esse calvário em função dum projecto de família, e mais que tudo em função do seu projecto de futuro.
Tendo assim sido menino, o infante faz-se criança, e torna-se adolescente, e há-de alcançar um dia a maturidade. Na escola descobriu o telemóvel, conheceu o mp3 dum companheiro, ouviu falar duma nova play-station. E só há boa cara para os papás se eles aceitarem o negócio. Caso contrário não abre a porta do quarto. Depois a cena repete-se por aquela marca de roupa, por um acessório gótico, por um camuflado da guerra do Afeganistão.
Um dia a criança quer ir à discoteca. E os papás, que já não têm vida própria, que têm que trabalhar, que deixaram de ter intimidade, que há muito se não entendem, que padecem de impotência irreversível, pagam a um segurança profissional que a venha buscar a casa, e a devolva às quatro da manhã.
Os papás já não são uma família. A criança agora só tem mamã, porque o papá foi-se embora. E um dia o adolescente, desinteressado da escola, vai à sua viagem de finalistas, porque no último período fez um esforço que afinal não resultou. A mãe arranja um segundo trabalho, porque um só não chega para as encomendas. Além dum carro para poder ir às aulas, ela tem que pagar as propinas numa privada, onde o infante se há-de licenciar um dia em Relações Internacionais.
A primeira decisão que os papás tomam, mal o infante se instala nas suas vidas, é deixarem de ser mulher e homem. Abdicam da condição, no bom propósito de se tornarem papás a tempo inteiro.
Há um tempo em que o infante se limita a deglutir, a dormir e a defecar. E os dois papás, enquanto seguem ansiosamente o gráfico dos pesos e medidas, vivem o seu período de exaltação.
Depois o infante começa a gatinhar, começa a gaguejar, ensaia os primeiros gestos de representação. É então que os dois papás, mais a família inteira, e também os amigos que vieram, lhe oferecem o papel de prima-donna e lhe cedem o palco inteiro. Organizam no salão uma roda em volta dele e cada um a seu modo o estimula. A mamã pede-lhe um gesto, a tia dá-lhe uma deixa, a avó bate-lhe palminhas à precocidade. E o infante faz o pino, puxa a orelha do gato, deita a linguita de fora, cospe na mão da madrinha. A distância entre o infante e um macaquito de circo reduz-se perigosamente. Mas ganha imenso a alegria do salão e a felicidade colectiva.
O infante já descobriu que está no centro dum mundo onde nada mais existe que o seu egoísmo cruel. E estabelece metodicamente a sua ditadura, em que vai introduzindo invencíveis tácticas de guerrilha. Não tem horas de dormir ou de comer, nem de chegar ou partir, nem de falar ou de ouvir.
O casalinho há muito que anda esfalfado, que não dorme, que não vive. Evita lugares públicos onde se exija alguma compostura, e há muito tempo que trabalha a meio gás. Mas assume esse calvário em função dum projecto de família, e mais que tudo em função do seu projecto de futuro.
Tendo assim sido menino, o infante faz-se criança, e torna-se adolescente, e há-de alcançar um dia a maturidade. Na escola descobriu o telemóvel, conheceu o mp3 dum companheiro, ouviu falar duma nova play-station. E só há boa cara para os papás se eles aceitarem o negócio. Caso contrário não abre a porta do quarto. Depois a cena repete-se por aquela marca de roupa, por um acessório gótico, por um camuflado da guerra do Afeganistão.
Um dia a criança quer ir à discoteca. E os papás, que já não têm vida própria, que têm que trabalhar, que deixaram de ter intimidade, que há muito se não entendem, que padecem de impotência irreversível, pagam a um segurança profissional que a venha buscar a casa, e a devolva às quatro da manhã.
Os papás já não são uma família. A criança agora só tem mamã, porque o papá foi-se embora. E um dia o adolescente, desinteressado da escola, vai à sua viagem de finalistas, porque no último período fez um esforço que afinal não resultou. A mãe arranja um segundo trabalho, porque um só não chega para as encomendas. Além dum carro para poder ir às aulas, ela tem que pagar as propinas numa privada, onde o infante se há-de licenciar um dia em Relações Internacionais.
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Baronatos
O que se passa em Portugal há décadas, na gestão das faculdades de medicina e na formação de novos médicos, devia fazer-nos reflectir. Porque mostra exemplarmente o género de políticos e a espécie de médicos que nos têm tratado da Saúde.
Impossibilitados de aceder às faculdades de medicina por limitações e numerus clausus de natureza perversa, 1300 jovens portugueses frequentam actualmente cursos na Europa: em Espanha, na Chéquia, em Malta, em cascos de rolha.
Centenas de milhares de portugueses não têm médico de família.
Em 34 municípios da região norte havia, em 2008, menos de um médico por cada mil habitantes.
Em muitas regiões do país, os concursos para médicos de família ficam sistematicamente desertos.
Há muitos anos que Portugal contrata os médicos que não tem em Espanha, no Uruguai, na Papuásia, onde os houver.
Mais de metade dos médicos inscritos na Ordem tem hoje mais de 50 anos.
Um médico em cada oito tem mais de 65 anos.
Em resultado das duas anteriores, muitas escalas da urgência alimentam-se de turbo-médicos.
Em Moçambique há 800 médicos, e em Angola 2400.
E no entanto, a propósito da abertura dum curso de medicina na Universidade de Aveiro, o bastonário da Ordem dos Médicos não tem parado de verberar a decisão do governo, porque dentro de poucos anos haverá médicos no desemprego.
Uma atitude assim é um despautério escandaloso. Ao bastonário dos médicos é indiferente que o país se transforme e evolua, ou siga sendo o logradouro da bicharada, atávico e tolhido há muitas gerações. Importante é mantê-lo neste regime de captura, ao serviço dos seus interesses corporativos.
Mais vergonhosa do que isto só a atitude dos governos, e dos inúmeros ministros da Saúde, que há décadas são cúmplices deste regabofe.
O governo actual vem finalmente agitar as águas turvas. Isso explicará o frenesi com que uns farsantes, e outros videirinhos, lhe pedem a cabeça.
Impossibilitados de aceder às faculdades de medicina por limitações e numerus clausus de natureza perversa, 1300 jovens portugueses frequentam actualmente cursos na Europa: em Espanha, na Chéquia, em Malta, em cascos de rolha.
Centenas de milhares de portugueses não têm médico de família.
Em 34 municípios da região norte havia, em 2008, menos de um médico por cada mil habitantes.
Em muitas regiões do país, os concursos para médicos de família ficam sistematicamente desertos.
Há muitos anos que Portugal contrata os médicos que não tem em Espanha, no Uruguai, na Papuásia, onde os houver.
Mais de metade dos médicos inscritos na Ordem tem hoje mais de 50 anos.
Um médico em cada oito tem mais de 65 anos.
Em resultado das duas anteriores, muitas escalas da urgência alimentam-se de turbo-médicos.
Em Moçambique há 800 médicos, e em Angola 2400.
E no entanto, a propósito da abertura dum curso de medicina na Universidade de Aveiro, o bastonário da Ordem dos Médicos não tem parado de verberar a decisão do governo, porque dentro de poucos anos haverá médicos no desemprego.
Uma atitude assim é um despautério escandaloso. Ao bastonário dos médicos é indiferente que o país se transforme e evolua, ou siga sendo o logradouro da bicharada, atávico e tolhido há muitas gerações. Importante é mantê-lo neste regime de captura, ao serviço dos seus interesses corporativos.
Mais vergonhosa do que isto só a atitude dos governos, e dos inúmeros ministros da Saúde, que há décadas são cúmplices deste regabofe.
O governo actual vem finalmente agitar as águas turvas. Isso explicará o frenesi com que uns farsantes, e outros videirinhos, lhe pedem a cabeça.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
A complexidade e o caos
Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Num ensaio intitulado “ Do progresso, suas leis e suas causas” o filósofo inglês Herbert Spencer, que viveu no século XIX, escreveu: “Na Sociedade, no Governo, na Indústria, no Comércio, na Linguagem, na Literatura, na Ciência e na Arte, o progresso esteve sempre associado a um processo de evolução, através de sucessivas transformações, do mais simples para o mais complexo. Essencialmente, o progresso tem consistido na transição do homogéneo para o heterogéneo.”
Na verdade as sociedades primitivas eram muito simples na sua organização, havendo entre os seus membros muito pouca diferenciação de funções. Quase todos eles se ocupavam da caça ou da recolha dos alimentos que a natureza oferecia. E, nessas sociedades, a escolha das chefias baseava-se no processo natural de seguir o mais forte ou o mais apto.
A domesticação de animais e plantas permitiu criar excedentes alimentares. Esse facto conduziu à sedentarização e fez aparecer na sociedade outras funções, as quais, numa primeira fase, eram de carácter religioso, militar ou administrativo. Mais tarde o desenvolvimento da indústria e do comércio trouxe os artesãos, os mercadores, os médicos, os artistas, os escritores. Surgiram depois os banqueiros, os agiotas e os prestamistas.
E as sociedades foram-se tornando, pouco a pouco, mais estruturadas e diferenciadas. Em particular, a nossa civilização global é caracterizada por uma extrema complexidade, traduzida na especialização, na diferenciação de funções, e na existência de acentuadas hierarquias entre os seus membros. O todo é suportado por uma panóplia de ferramentas, de equipamentos e de infra-estruturas de apoio, interligadas pela rede informática, pela rede eléctrica e pela rede de comunicações. E onde existe uma grande interdependência entre as vários partes do sistema organizativo.
Esta sofisticação traz consigo algumas desvantagens como, por exemplo, o acréscimo do risco de ruptura de um ou vários elementos do sistema, o qual fica, assim, mais vulnerável. E a complexidade tem ela própria, inerente, um custo de manutenção, que está associado a um “input” energético sempre crescente, exigido para a alimentar.
A questão da complexidade crescente na evolução (num sentido não necessariamente darwinista) tem sido tratada por vários autores. Um deles, Joseph Tainter, no seu livro “O colapso das sociedades complexas”, aborda a importante relação da complexidade com o colapso. Sugere mesmo uma definição de colapso, que para ele é "uma rápida redução da complexidade".
A tese de Tainter pode resumir-se à seguinte ideia: quando a introdução dum acréscimo de complexidade num sistema exigir um custo superior ao benefício que ela produz, o sistema tende a colapsar. É o próprio autor que nos explica o conceito: “Em civilizações antigas que tive oportunidade de estudar, como foi o caso do Império Romano, verifiquei que o maior problema que elas enfrentaram foi quando tiveram de suportar custos muito elevados, apenas para manter o “status-quo”. Tinham de investir enormes somas para resolver problemas, sem retorno positivo. Muitas vezes apenas para manter o que já existia. Isto reduziu a vantagem de ser uma sociedade complexa”.
Na extrema sofisticação que caracteriza o nosso mundo “civilizado”, convém não ignorar estes princípios. No século XXI, o mundo vai ter de ocupar-se a manter e reparar as grandes estruturas criadas no século passado. Isto com um custo que, em certos casos, pode ser superior ao custo de as construir. E não devemos esquecer que as sociedades complexas são mais propensas ao aparecimento de acontecimentos insólitos e impactantes, como foi o caso do 11 de Setembro (aquilo que alguém designou como “cisnes negros”).
A este propósito ocorre perguntar: por que não valorizar mais as coisas simples? Já lá vai o tempo em que as castanhas assadas se embrulhavam em papel de jornal, em que nas nossas aldeias se criavam animais, em que o queijo e os enchidos se curavam ao calor das lareiras. Em nome sabe-se lá de quê, criaram-se normas para complicar as coisas, inclusive um organismo (a ASAE) para as fiscalizar e fazer aplicar.
A acreditar em Tainter, o futuro pode ser bem mais promissor para as sociedades simples. Afinal foram os Bárbaros que venceram os Romanos!
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Num ensaio intitulado “ Do progresso, suas leis e suas causas” o filósofo inglês Herbert Spencer, que viveu no século XIX, escreveu: “Na Sociedade, no Governo, na Indústria, no Comércio, na Linguagem, na Literatura, na Ciência e na Arte, o progresso esteve sempre associado a um processo de evolução, através de sucessivas transformações, do mais simples para o mais complexo. Essencialmente, o progresso tem consistido na transição do homogéneo para o heterogéneo.”
Na verdade as sociedades primitivas eram muito simples na sua organização, havendo entre os seus membros muito pouca diferenciação de funções. Quase todos eles se ocupavam da caça ou da recolha dos alimentos que a natureza oferecia. E, nessas sociedades, a escolha das chefias baseava-se no processo natural de seguir o mais forte ou o mais apto.
A domesticação de animais e plantas permitiu criar excedentes alimentares. Esse facto conduziu à sedentarização e fez aparecer na sociedade outras funções, as quais, numa primeira fase, eram de carácter religioso, militar ou administrativo. Mais tarde o desenvolvimento da indústria e do comércio trouxe os artesãos, os mercadores, os médicos, os artistas, os escritores. Surgiram depois os banqueiros, os agiotas e os prestamistas.
E as sociedades foram-se tornando, pouco a pouco, mais estruturadas e diferenciadas. Em particular, a nossa civilização global é caracterizada por uma extrema complexidade, traduzida na especialização, na diferenciação de funções, e na existência de acentuadas hierarquias entre os seus membros. O todo é suportado por uma panóplia de ferramentas, de equipamentos e de infra-estruturas de apoio, interligadas pela rede informática, pela rede eléctrica e pela rede de comunicações. E onde existe uma grande interdependência entre as vários partes do sistema organizativo.
Esta sofisticação traz consigo algumas desvantagens como, por exemplo, o acréscimo do risco de ruptura de um ou vários elementos do sistema, o qual fica, assim, mais vulnerável. E a complexidade tem ela própria, inerente, um custo de manutenção, que está associado a um “input” energético sempre crescente, exigido para a alimentar.
A questão da complexidade crescente na evolução (num sentido não necessariamente darwinista) tem sido tratada por vários autores. Um deles, Joseph Tainter, no seu livro “O colapso das sociedades complexas”, aborda a importante relação da complexidade com o colapso. Sugere mesmo uma definição de colapso, que para ele é "uma rápida redução da complexidade".
A tese de Tainter pode resumir-se à seguinte ideia: quando a introdução dum acréscimo de complexidade num sistema exigir um custo superior ao benefício que ela produz, o sistema tende a colapsar. É o próprio autor que nos explica o conceito: “Em civilizações antigas que tive oportunidade de estudar, como foi o caso do Império Romano, verifiquei que o maior problema que elas enfrentaram foi quando tiveram de suportar custos muito elevados, apenas para manter o “status-quo”. Tinham de investir enormes somas para resolver problemas, sem retorno positivo. Muitas vezes apenas para manter o que já existia. Isto reduziu a vantagem de ser uma sociedade complexa”.
Na extrema sofisticação que caracteriza o nosso mundo “civilizado”, convém não ignorar estes princípios. No século XXI, o mundo vai ter de ocupar-se a manter e reparar as grandes estruturas criadas no século passado. Isto com um custo que, em certos casos, pode ser superior ao custo de as construir. E não devemos esquecer que as sociedades complexas são mais propensas ao aparecimento de acontecimentos insólitos e impactantes, como foi o caso do 11 de Setembro (aquilo que alguém designou como “cisnes negros”).
A este propósito ocorre perguntar: por que não valorizar mais as coisas simples? Já lá vai o tempo em que as castanhas assadas se embrulhavam em papel de jornal, em que nas nossas aldeias se criavam animais, em que o queijo e os enchidos se curavam ao calor das lareiras. Em nome sabe-se lá de quê, criaram-se normas para complicar as coisas, inclusive um organismo (a ASAE) para as fiscalizar e fazer aplicar.
A acreditar em Tainter, o futuro pode ser bem mais promissor para as sociedades simples. Afinal foram os Bárbaros que venceram os Romanos!
domingo, 20 de dezembro de 2009
Em Nome da Pátria
Brandão Ferreira, que foi piloto da FAP, acaba de publicar um livro de muitas páginas, a que chamou EM NOME DA PÁTRIA - Portugal, o Ultramar e a Guerra Justa. É um livro surpreendente, que ele consagra à verdade histórica e aos bons portugueses. E ainda (não satisfeito com tanto) para que, na eterna luta, o Bem vença o Mal.
Eu tropecei nele há dias, quando não resisti a entrar na livraria. E foi enquanto lhe passava os olhos que me senti a viajar às arrecuas, a um tempo antigo, escuro e doloroso.
Os guerrilheiros africanos ainda são, no livro, os terroristas. As colónias seguem sendo as nossas províncias ultramarinas, que representavam 95% do território nacional e 60% da população portuguesa. Do colonialismo português não se poderá falar, por causa da tal verdade histórica, e porque isso envolveria ambições imperiais que não tivemos. O que Portugal realizou foi uma peculiar acção colonizadora, paternal e abençoada. A guerra das colónias era uma guerra justa, e ao fazê-la tinha o país toda a razão do seu lado.
Aqui é forçoso concluir que o Mondlane, o Nino Vieira, o Amílcar Cabral, o Agostinho Neto e outros eram todos portugueses maus. Assim como o Gungunhana, e os sumbes amotinados, e os ambuílas, e os cuanhamas, e outros muitos ao longo de muito tempo. Fossem eles portugueses bons e outro galo cantaria!
As Forças Armadas sustentaram um conflito de que estávamos a sair vitoriosos. E vitoriosos dele sairíamos, se a vontade de defesa nacional não tivesse claudicado, na sequência dos acontecimentos que se seguiram ao golpe de estado de 25 de Abril de 1974. Essa aventura duns rapazes nada patriotas e pouco responsáveis, agindo na ressaca duma noite mal passada.
Aqui o autor muda a ordem dos factores, põe o efeito no lugar da causa. Mas a sua arrogância vai mais longe. Permite-lhe verberar o comando de Vassalo e Silva na Índia, e considerar lícita a ordem de Salazar que pretendeu apenas ganhar tempo, trocando a vida do contingente por oito dias de teatro diplomático internacional.
Esbarra uma pessoa neste arrazoado e não acredita no que está a ouvir. Mas vai-se ver melhor e compreende-se. O autor terminou a Academia Militar em 1974. Depois fez um tirocínio de 18 meses na América. Ao regressar, a guerra era passado, e ele já não teve o privilégio de participar nela. Em 99 passou à reserva, e foi comandante de linha aérea. Algures neste percurso fez-se mestre em estratégia no ISCSP.
Quer dizer, o sr. tenente-coronel parece mas não foi. Nunca provou as guerras africanas, e assim tão pouco lhe custa mandar a realidade às malvas. Tudo quanto faz sobre o assunto é teorizar by the book. E estaria no seu integral direito de escolar aplicado, se o que pratica não fosse um exercício de renovada mistificação e antiquíssima trapaça. Nos arquivos, donde foi desenterrar anacronismos, não encontrou notícias do Exercício Alcora, nem dos planos do regime colonial de pôr nas mãos da defunta Rodésia e do extinto apartheid sul-africano a tarefa de esmagar os terroristas maus portugueses.
Adriano Moreira, que terá sido seu mestre no Instituto, cedeu à obra um prefácio. A perspectiva do autor tem parentesco com a iluminação do V Império, que não se apagou de Vieira a Agostinho da Silva.
Se não há ironia nisto, nem esse parentesco é verdadeiro. O V Império é um Além de iluminados, é o prado metafísico onde pastam os visionários, resguardados das contingências do mundo. Não é o caso desta obra, que, a despeito da miopia, em momento algum se afasta da factualidade concreta. Nem do autor, que está parado no tempo, confuso no nevoeiro. Segue padrões muito antigos, quando invoca a Pátria em vão.
Eu tropecei nele há dias, quando não resisti a entrar na livraria. E foi enquanto lhe passava os olhos que me senti a viajar às arrecuas, a um tempo antigo, escuro e doloroso.
Os guerrilheiros africanos ainda são, no livro, os terroristas. As colónias seguem sendo as nossas províncias ultramarinas, que representavam 95% do território nacional e 60% da população portuguesa. Do colonialismo português não se poderá falar, por causa da tal verdade histórica, e porque isso envolveria ambições imperiais que não tivemos. O que Portugal realizou foi uma peculiar acção colonizadora, paternal e abençoada. A guerra das colónias era uma guerra justa, e ao fazê-la tinha o país toda a razão do seu lado.
Aqui é forçoso concluir que o Mondlane, o Nino Vieira, o Amílcar Cabral, o Agostinho Neto e outros eram todos portugueses maus. Assim como o Gungunhana, e os sumbes amotinados, e os ambuílas, e os cuanhamas, e outros muitos ao longo de muito tempo. Fossem eles portugueses bons e outro galo cantaria!
As Forças Armadas sustentaram um conflito de que estávamos a sair vitoriosos. E vitoriosos dele sairíamos, se a vontade de defesa nacional não tivesse claudicado, na sequência dos acontecimentos que se seguiram ao golpe de estado de 25 de Abril de 1974. Essa aventura duns rapazes nada patriotas e pouco responsáveis, agindo na ressaca duma noite mal passada.
Aqui o autor muda a ordem dos factores, põe o efeito no lugar da causa. Mas a sua arrogância vai mais longe. Permite-lhe verberar o comando de Vassalo e Silva na Índia, e considerar lícita a ordem de Salazar que pretendeu apenas ganhar tempo, trocando a vida do contingente por oito dias de teatro diplomático internacional.
Esbarra uma pessoa neste arrazoado e não acredita no que está a ouvir. Mas vai-se ver melhor e compreende-se. O autor terminou a Academia Militar em 1974. Depois fez um tirocínio de 18 meses na América. Ao regressar, a guerra era passado, e ele já não teve o privilégio de participar nela. Em 99 passou à reserva, e foi comandante de linha aérea. Algures neste percurso fez-se mestre em estratégia no ISCSP.
Quer dizer, o sr. tenente-coronel parece mas não foi. Nunca provou as guerras africanas, e assim tão pouco lhe custa mandar a realidade às malvas. Tudo quanto faz sobre o assunto é teorizar by the book. E estaria no seu integral direito de escolar aplicado, se o que pratica não fosse um exercício de renovada mistificação e antiquíssima trapaça. Nos arquivos, donde foi desenterrar anacronismos, não encontrou notícias do Exercício Alcora, nem dos planos do regime colonial de pôr nas mãos da defunta Rodésia e do extinto apartheid sul-africano a tarefa de esmagar os terroristas maus portugueses.
Adriano Moreira, que terá sido seu mestre no Instituto, cedeu à obra um prefácio. A perspectiva do autor tem parentesco com a iluminação do V Império, que não se apagou de Vieira a Agostinho da Silva.
Se não há ironia nisto, nem esse parentesco é verdadeiro. O V Império é um Além de iluminados, é o prado metafísico onde pastam os visionários, resguardados das contingências do mundo. Não é o caso desta obra, que, a despeito da miopia, em momento algum se afasta da factualidade concreta. Nem do autor, que está parado no tempo, confuso no nevoeiro. Segue padrões muito antigos, quando invoca a Pátria em vão.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Palcos
Tou aqui a escrever à pressa a ver se ainda vou a tempo. É que não quero perder o S. João por nada deste mundo.
A última vez que lá fui explanaram-me em palco um romance inteirinho. Um daqueles russos à maneira, a abarrotar de pormenores de alma, que leva bem à vontade seis meses a soletrar. E ainda aproveitei o segundo intervalo para ir ao casamento da prima Balbina. Era coisa apalavrada há muito e custou-me desamparar a rapariga. Mas lá voltei a tempo de assistir ao desenlace e participar nas palmas, quando os actores andam fora e dentro, fora e dentro, fora e dentro, a plateia toda em pé e uns espontâneos aos gritos.
Agora prometem-me a leitura dos versos integrais do Paraíso Perdido, a propósito dum enredo qualquer do Mestre Gil. É certo que tenho para esta noite a viagem a Cancún, uma semana inteira, a aproveitar as pechinchas da gripe dos porcos, a esquivar-me aos frios que aí andam. Mas a coisa promete tempo para tudo, e paraísos perdidos é comigo. Se nunca falhei nenhum, não ia agora faltar ao do S. João. Nem aos aplausos finais.
A última vez que lá fui explanaram-me em palco um romance inteirinho. Um daqueles russos à maneira, a abarrotar de pormenores de alma, que leva bem à vontade seis meses a soletrar. E ainda aproveitei o segundo intervalo para ir ao casamento da prima Balbina. Era coisa apalavrada há muito e custou-me desamparar a rapariga. Mas lá voltei a tempo de assistir ao desenlace e participar nas palmas, quando os actores andam fora e dentro, fora e dentro, fora e dentro, a plateia toda em pé e uns espontâneos aos gritos.
Agora prometem-me a leitura dos versos integrais do Paraíso Perdido, a propósito dum enredo qualquer do Mestre Gil. É certo que tenho para esta noite a viagem a Cancún, uma semana inteira, a aproveitar as pechinchas da gripe dos porcos, a esquivar-me aos frios que aí andam. Mas a coisa promete tempo para tudo, e paraísos perdidos é comigo. Se nunca falhei nenhum, não ia agora faltar ao do S. João. Nem aos aplausos finais.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Fado antigo
O periclitante governo de Sócrates é uma tripla ironia. À portuguesa. À primeira não tem alternativa, no deserto político instalado. À segunda não tem pernas para andar, porque lhas tolhe a maioria absoluta do sr. Aguiar-Branco. E à terceira ficará na história, por duas decisões demolidoras: o TGV, tal como foi lançado, e o novo aeroporto, conforme está previsto.
Nem um nem outro têm sustentação, nem correspondem ao que o país precisa. Económica, técnica e financeiramente, ambos são equívocos fatais. São o temerário passo em frente de quem chegou à beira do precipício.
Um dia serão capelas imperfeitas, ou palácios da Ajuda inacabados, que a nossa colectiva inconsciência por fim assimilará. Para que se cumpra a tradição das quimeras, e o velhíssimo fado da pobreza.
Nem um nem outro têm sustentação, nem correspondem ao que o país precisa. Económica, técnica e financeiramente, ambos são equívocos fatais. São o temerário passo em frente de quem chegou à beira do precipício.
Um dia serão capelas imperfeitas, ou palácios da Ajuda inacabados, que a nossa colectiva inconsciência por fim assimilará. Para que se cumpra a tradição das quimeras, e o velhíssimo fado da pobreza.
domingo, 13 de dezembro de 2009
Elites, idiotas úteis e papagaios avençados
As elites dirigentes, que há séculos se ocupam em conduzir a pátria pela trela, desprezam há muito o contacto com a realidade. Substituíram-na por mitos, que poupam muito trabalho e servem bem para atestar a escudela do povo, enquanto guardam para si os lombinhos da presa.
Mas nunca lhes faltaram profetas do futuro, pensadores visionários, idiotas úteis, e múltiplos papagaios avençados a espalhar as boas novas.
Agostinho da Silva julgava que Portugal civilizou a Ásia, a África e mais a América. Só lhe faltou civilizar a Europa, coisa que não perde pela demora!
Caetano Veloso, entrevistado no último Ípsilon, encantou-se com a ideia e declara amar a frase, que acha uma pérola de ousadia criativa. A ideia é muito bonita, porque é muito desabusada e na contramão do óbvio.
Alexandra Lucas Coelho, o papagaio de serviço, lá justificou a avença.
As elites aconchegaram os flancos nos coxins do 5º Império.
Os portugueses embarcam para a Europa, a ver se matam a fome.
A pátria é que não sai da cepa torta.
Mas nunca lhes faltaram profetas do futuro, pensadores visionários, idiotas úteis, e múltiplos papagaios avençados a espalhar as boas novas.
Agostinho da Silva julgava que Portugal civilizou a Ásia, a África e mais a América. Só lhe faltou civilizar a Europa, coisa que não perde pela demora!
Caetano Veloso, entrevistado no último Ípsilon, encantou-se com a ideia e declara amar a frase, que acha uma pérola de ousadia criativa. A ideia é muito bonita, porque é muito desabusada e na contramão do óbvio.
Alexandra Lucas Coelho, o papagaio de serviço, lá justificou a avença.
As elites aconchegaram os flancos nos coxins do 5º Império.
Os portugueses embarcam para a Europa, a ver se matam a fome.
A pátria é que não sai da cepa torta.
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Comédia
Que Vasco Graça Moura escreva no jornal pérolas como “A porcaria”, em que insulta os eleitores para achincalhar adversários políticos, ainda vá que não vá. Qualquer urso em duas patas, ao longe, parece um homem. E um urso que traduz Dante está familiarizado com a Comédia Divina, e as outras comédias todas.
Já, porém, que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, ilustríssima eminência, terceira anda do poder, vá buscar à lixeira a preciosidade, e a desfralde como bandeira no seu site, é mais que um gesto de urso que aprecia a comédia. Ursos que tais são as personagens dela.
Já, porém, que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, ilustríssima eminência, terceira anda do poder, vá buscar à lixeira a preciosidade, e a desfralde como bandeira no seu site, é mais que um gesto de urso que aprecia a comédia. Ursos que tais são as personagens dela.
sábado, 5 de dezembro de 2009
Mandá-los foder!
O primeiro-ministro José Sócrates não será, a vários títulos, flor que dê jeito cheirar. Tem defeitos, limitações, tiques, teimosias, obstinações, tendências para o disparate e fragilidades várias. Além disso veio da província, como diz a outra senhora. Falta-lhe o bafo a que rescendem as elites, e o único pedigree que elas lhe reconhecem é o de arrivista.
Porém, mal ou bem, desde há 35 anos, o governo de Sócrates foi o único que ensaiou alguns pequenos passos para fazer de Portugal um país. Para alterar este triste fadário a que as citadas elites (de políticos, de bispos, de barões, de doutores, de banqueiros, de juízes, de economistas, de empresários) há séculos nos condenaram.
Bem sabemos, claro, que há oposições. E que existe a mirífica esperança de encontrar entre elas qualquer alternativa ao governo de Sócrates. Pois que Sócrates é uma besta refinada!
Mas assistindo ao espectáculo do último debate do governo na Assembleia da República, e atentando no papel desempenhado por Manuela Ferreira Leite, e Aguiar Branco, e Paulo Portas, e Francisco Louçã, e outros quejandos, tudo o que Sócrates devia ter feito era mandá-los foder. E nós com ele, antes que a todos nos fodam, ainda mais.
Porém, mal ou bem, desde há 35 anos, o governo de Sócrates foi o único que ensaiou alguns pequenos passos para fazer de Portugal um país. Para alterar este triste fadário a que as citadas elites (de políticos, de bispos, de barões, de doutores, de banqueiros, de juízes, de economistas, de empresários) há séculos nos condenaram.
Bem sabemos, claro, que há oposições. E que existe a mirífica esperança de encontrar entre elas qualquer alternativa ao governo de Sócrates. Pois que Sócrates é uma besta refinada!
Mas assistindo ao espectáculo do último debate do governo na Assembleia da República, e atentando no papel desempenhado por Manuela Ferreira Leite, e Aguiar Branco, e Paulo Portas, e Francisco Louçã, e outros quejandos, tudo o que Sócrates devia ter feito era mandá-los foder. E nós com ele, antes que a todos nos fodam, ainda mais.
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Petróleo - a hora da verdade
Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
O mês de Novembro que agora termina foi fértil em notícias e acontecimentos relacionados com a energia. Logo no dia 10, foi apresentado em Paris o relatório anual da Agência Internacional de Energia (AIE), relativo a 2009. Refiro-me ao ” World Energy Outlook 2009”, um relatório sempre ansiosamente esperado, muito comentado, amplamente esmiuçado e analisado.
Nos anos recentes a AIE (e sobretudo o seu economista chefe e responsável pelo estudo, o Dr Fatih Birol) tem vindo paulatinamente a tomar posições mais “realistas”, e a alertar o mundo para situações previsíveis de iminente quebra na produção de crude. Ano após ano, têm vindo a ser revistas, sucessivamente em baixa, as estimativas de produção para o ano-meta de 2030: em 2005 eram 120 milhões de barris/dia; em 2006 baixou-se para 115 milhões; neste ano de 2009 a previsão aponta para não mais do que 105 milhões de barris/dia.
Em 2008 a AIE alertou o mundo para o previsível esgotamento rápido dos campos petrolíferos actualmente em exploração. Indicou mesmo a preocupante taxa de 6,5% de diminuição anual da extracção. Foi também nesse ano que se falou da imperiosa necessidade de lançar, até 2030, novos projectos de exploração equivalentes à produção de quatro Arábias Sauditas, só para repor o que se irá perder nas jazidas actuais. Ora um tal objectivo deve considerar-se muito ambicioso e improvável de alcançar, visto corresponder a 40 milhões de barris de crude/dia, quase metade da produção mundial actual.
Porém, as notícias que mais agitaram os interessados nos assuntos da energia foram dois artigos publicados no Guardian: o primeiro no dia 9 de Novembro, véspera da apresentação do relatório anual da AIE; o segundo no dia 14.
No artigo do dia 9, intitulado “Key oil figures were distorted by US pressure”, uma fonte não identificada da AIE afirmava que o início do esgotamento do petróleo está muito mais próximo do que aquilo que se diz. E que só não se diz toda a verdade em virtude da pressão exercida pelos Estados Unidos, os quais, desta forma, pretendem evitar o pânico e a pressão sobre os preços.
No artigo do dia 14, o Guardian publicava as conclusões de um estudo da Universidade de Upsala, que contraria e revê em baixa as previsões da AIE. O artigo baseava-se nos estudos do Dr Kjell Aleklett para concluir que, em 2030, o mundo não extrairá mais do que 75 milhões de barris de petróleo por dia. Ou seja, menos 30 milhões do que aquilo que indicam as previsões da AIE.
Estes escaldantes artigos provocaram reacções. De entre elas sobressai uma carta de Colin Campbel, geólogo reformado, especialista de jazidas e fundador da ASPO, dirigida ao jornal. Nessa carta ele conta todo o historial relacionado com as previsões de produção de petróleo e diz: “Os desafios são muito grandes e torna-se claro que os governantes devem começar a preparar-se urgentemente para o que nos espera. Acredito que os artigos do Guardian possam ajudar a despertar os governantes da OCDE, e servir de pretexto para introduzir novas políticas. E, ao mesmo tempo, permitir que a AIE passe a produzir estatísticas mais realistas sobre a verdadeira situação no que respeita à produção de crude”.
Em Inglaterra não se fizeram esperar outras reacções. Uma organização empresarial veio mesmo pedir ao governo de Gordon Brown que reveja a sua posição sobre a avaliação dos riscos de uma eventual quebra na produção de petróleo.
Este circunstancialismo veio colocar de novo no centro das atenções o problema do pico do petróleo. Tudo começou em 1956 com o alerta de Hubbert King, que anunciou correctamente para 1970 o pico de produção nos Estados Unidos. Seguiu-se em 1957 a esclarecida palestra do contra-almirante Rickover, o pai do submarino nuclear. E finalmente, em 2005, o relatório Hirsh, que concluiu pela necessidade de um largo período de preparação para mitigar os efeitos de uma crise no abastecimento de petróleo.
Estamos a falar do maior desafio que a Humanidade vai ter de enfrentar nos próximos anos. Um desafio que não se resolve com paliativos, nem com hidrogénio, nem com energias renováveis, e possivelmente nem com energia nuclear. Só uma corajosa política de verdade por parte dos dirigentes, e uma mudança nas formas de vida das sociedades, pode contribuir para ajudar a resolver este problema. Preparar a transição com tempo é uma obrigação de todos. E meter a cabeça na areia só agravará a questão.
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
O mês de Novembro que agora termina foi fértil em notícias e acontecimentos relacionados com a energia. Logo no dia 10, foi apresentado em Paris o relatório anual da Agência Internacional de Energia (AIE), relativo a 2009. Refiro-me ao ” World Energy Outlook 2009”, um relatório sempre ansiosamente esperado, muito comentado, amplamente esmiuçado e analisado.
Nos anos recentes a AIE (e sobretudo o seu economista chefe e responsável pelo estudo, o Dr Fatih Birol) tem vindo paulatinamente a tomar posições mais “realistas”, e a alertar o mundo para situações previsíveis de iminente quebra na produção de crude. Ano após ano, têm vindo a ser revistas, sucessivamente em baixa, as estimativas de produção para o ano-meta de 2030: em 2005 eram 120 milhões de barris/dia; em 2006 baixou-se para 115 milhões; neste ano de 2009 a previsão aponta para não mais do que 105 milhões de barris/dia.
Em 2008 a AIE alertou o mundo para o previsível esgotamento rápido dos campos petrolíferos actualmente em exploração. Indicou mesmo a preocupante taxa de 6,5% de diminuição anual da extracção. Foi também nesse ano que se falou da imperiosa necessidade de lançar, até 2030, novos projectos de exploração equivalentes à produção de quatro Arábias Sauditas, só para repor o que se irá perder nas jazidas actuais. Ora um tal objectivo deve considerar-se muito ambicioso e improvável de alcançar, visto corresponder a 40 milhões de barris de crude/dia, quase metade da produção mundial actual.
Porém, as notícias que mais agitaram os interessados nos assuntos da energia foram dois artigos publicados no Guardian: o primeiro no dia 9 de Novembro, véspera da apresentação do relatório anual da AIE; o segundo no dia 14.
No artigo do dia 9, intitulado “Key oil figures were distorted by US pressure”, uma fonte não identificada da AIE afirmava que o início do esgotamento do petróleo está muito mais próximo do que aquilo que se diz. E que só não se diz toda a verdade em virtude da pressão exercida pelos Estados Unidos, os quais, desta forma, pretendem evitar o pânico e a pressão sobre os preços.
No artigo do dia 14, o Guardian publicava as conclusões de um estudo da Universidade de Upsala, que contraria e revê em baixa as previsões da AIE. O artigo baseava-se nos estudos do Dr Kjell Aleklett para concluir que, em 2030, o mundo não extrairá mais do que 75 milhões de barris de petróleo por dia. Ou seja, menos 30 milhões do que aquilo que indicam as previsões da AIE.
Estes escaldantes artigos provocaram reacções. De entre elas sobressai uma carta de Colin Campbel, geólogo reformado, especialista de jazidas e fundador da ASPO, dirigida ao jornal. Nessa carta ele conta todo o historial relacionado com as previsões de produção de petróleo e diz: “Os desafios são muito grandes e torna-se claro que os governantes devem começar a preparar-se urgentemente para o que nos espera. Acredito que os artigos do Guardian possam ajudar a despertar os governantes da OCDE, e servir de pretexto para introduzir novas políticas. E, ao mesmo tempo, permitir que a AIE passe a produzir estatísticas mais realistas sobre a verdadeira situação no que respeita à produção de crude”.
Em Inglaterra não se fizeram esperar outras reacções. Uma organização empresarial veio mesmo pedir ao governo de Gordon Brown que reveja a sua posição sobre a avaliação dos riscos de uma eventual quebra na produção de petróleo.
Este circunstancialismo veio colocar de novo no centro das atenções o problema do pico do petróleo. Tudo começou em 1956 com o alerta de Hubbert King, que anunciou correctamente para 1970 o pico de produção nos Estados Unidos. Seguiu-se em 1957 a esclarecida palestra do contra-almirante Rickover, o pai do submarino nuclear. E finalmente, em 2005, o relatório Hirsh, que concluiu pela necessidade de um largo período de preparação para mitigar os efeitos de uma crise no abastecimento de petróleo.
Estamos a falar do maior desafio que a Humanidade vai ter de enfrentar nos próximos anos. Um desafio que não se resolve com paliativos, nem com hidrogénio, nem com energias renováveis, e possivelmente nem com energia nuclear. Só uma corajosa política de verdade por parte dos dirigentes, e uma mudança nas formas de vida das sociedades, pode contribuir para ajudar a resolver este problema. Preparar a transição com tempo é uma obrigação de todos. E meter a cabeça na areia só agravará a questão.
Subscrever:
Mensagens (Atom)