sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Aproveita e refresca-te

Nesta brisa de oásis e palmeiras e mistérios.

Estradas

Do Porto a Vilar Formoso vão 250 quilómetros pela A25. Qualquer Audi de 6 cilindros faz isso em hora e meia, mesmo que falte pagá-lo ao banco. O meu antigo duque, pachorrento, muito ajoujado de tralhas, leva duas horas e meia.
Antes da A25, havia o IP5. Saído da inteligência cavaquista, depressa os condutores indígenas o transformaram na estrada da morte. Realmente morriam nele que nem tordos, porque os tordos também voam sempre da mesma maneira, quer faça chuva, quer sol, seja de dia ou de noite. E os camionistas queixavam-se dos declives. Nem com travão eléctrico resistiam às descidas de Sever do Vouga.
Antes do IP5 havia a estrada antiga, que levava seis horas no trajecto. Nas curvas do Côa da EN16, e nas estradinhas do vale do Vouga, nem sequer caberiam os camiões que hoje transitam.
Faço o regresso pela A4 e pelo IC5, que vai do Pópulo a Vila Flor, a Carrazeda, a Alfândega, a Miranda, a Mogadouro, a Moncorvo, a Freixo-de-Espada-à-Cinta, porque todos são filhos de Deus. Uma beleza, chego a Amarante num ai. E só falta o túnel do Marão, que estes escroques vão pagar com sobre-custas e quatro anos de atraso.
Agora põe-se o problema das PPP's. Queriam os mandantes da Europa, e os seus lacaios indígenas, que as estradas portuguesas fossem as antigas, por causa da dívida soberana?!  Vão-se foder uns e outros!

Era muito bom que os russos sossegassem

Doutro modo (muito a sério) fica em risco o orçamento do combustível.

No Parlamento

O vice-primeiro ministro, o Portas, declarou-se em estado de choque quando ouviu, preto no branco, o nome de José Sócrates, essa assombração vinda da bancada do PS.
Não surpreende, o coitado! É um dos representantes mais visíveis da oligarquia decadente, indigna e muito antiga, que ainda recende ao mênstruo das noivas do direito de pernada.
A ele não fará falta, digo eu. Mas dói-lhe vê-la a acabar.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Sebastianismo 5

[anterior]
]No que diz respeito à figura do Bandarra, não há entorses significativas da história. Respeita-se que a sua primeira fase é messiânica, em resposta às aflições da população judaica refugiada em terras fronteiriças (os marranos), a qual buscava nas suas Concordâncias as promessas da vinda do Messias de que falava o Livro. Que só mais tarde aparecerão as versões sebastianista, providencialista e visionarices quejandas. Respeita-se que o Encoberto era essa figura a vir, e que surgiu originalmente em lendas castelhanas. Respeita-se que o Bandarra começou a fazer Trovas à maneira duns profetas da Castela fronteiriça. Admite-se implicitamente que o 2º corpo das Trovas é apócrifo, e afirma-se explicitamente que o 3º corpo não é da sua autoria. Já não é pouco!

E o que dizem estes farsantes bandarristas?!
«A obra de António Quadros sobre o sebastianismo (Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista), é uma das mais importantes exegeses sobre a origem, a história e a difusão internacional do movimento sebastianista publicada em Portugal na segunda metade do séc. XX segundo um sentido providencialista (...). Segundo o autor, "perante o traumatismo, perante a fractura, perante a inferioridade moral ou o conflito psíquico que são a derrota de Alcácer e o regime filipino", o português, activando uma projecção mental de carácter religioso, vê despertar no seu inconsciente os apelos da leitura da Bíblia pela qual o sofrimento pessoal é elevado à dignidade de sofrimento da colectividade a um nível mítico, consciencializando a necessidade de uma expiação histórica: as Trovas de Bandarra, fundadas em leituras da Bíblia velha, adequam-se ao estado de espírito pátrio, e o Desejado passa a Encoberto. (...) E conclui terem sido "António Vieira e muito mais tarde Fernando Pessoa" os ampliadores do sebastianismo ao mito do V Império das Trovas de Bandarra. (...)
Neste sentido, para António Quadros o movimento sebastianista, ainda que desprezado pelas elites racionalistas, de educação europeia, evidencia-se, a par da gesta dos Descobrimentos, como uma das mais importantes características da cultura portuguesa, identificando-a e singularizando-a. (...) António Quadros considera a existência dum pré-sebastianismo, anterior ao séc. XVII, isto é, de condições mentais e sociais propícias ao advento do movimento propriamente dito. (...) "Camões é o maior dos sebastianistas" (...) Impregnando o inconsciente colectivo português, contaminando-o de sonho e esperança, o sebastianismo será doravante cantado de um modo permanente pelos poetas, tematizado pelos dramaturgos,  e interrogado pelos pensadores, de Diogo de Teive a Natália Correia, de Gil Vicente a José Régio, do padre António Vieira a Fernando Pessoa. (...)
 António Quadros eleva a obra de António Sérgio a centro detractor da teoria sebastianista. Sérgio é estatuído como adversário frontal do sebastianismo. (...) Trata-se de compreender a diferença radical entre história positiva, fundada em factos e documentos, e mito, estrutura inconsciente da mentalidade dos povos, de que a poesia seria a intérprete mais correcta. (...) De facto António Sérgio, como qualquer historiador positivista ou empirista, alimentado exclusivamente de factos, não compreendeu a profundidade e a natureza do mito sebastianista. Considerou o mito sebastianista uma criação espúria à cultura portuguesa. "O messianismo português, originou-se não de uma psicologia da raça, mas sim de condições sociais semelhantes às dos judeus, reforçadas pelas ideias do messianismo dos judeus, e pela mentalidade dos eclesiásticos barrocos, educados na leitura dos profetas da Bíblia (...).O se]bastianismo não constituiria assim um sentimento histórico genuinamente português, mas apenas um fenómeno social e intelectual das elites, nomeadamente das ordens religiosas, especialmente dos jesuítas.»
Seguir-se-ão outras abencerragens.
[seguinte]

Perpetuum mobile

Ou vira o disco e toca a mesma!

Zé Luís

Leio numa revista a tua última crónica, e lá me apareces tu a pedir colo. Devias saber que não é para isso que a literatura existe. 
Depois, na livraria, folheio-te em Galveias. E lembras-me um gaiato à procura duma voz, a ensaiar um fraseado, a ver se aplaina um discurso, um modo, um estilo seu. Olha-me para o Camarneiro, que te anda perto, mas já não tem essas hesitações. 
Diz-se que te lêem aos milhares, por esse mundo além. Pois por ti folgo, que te há-de fazer bem ao ego. Mas se o fenómeno literário é uma coisa que não podes dispensar na tua vida, não te deixes ir na conversa dos editores de sucesso. A literatura não é coisa que ande suspensa dos anseios de alma de viúvas sensíveis, e menos ainda dos caprichos volúveis de consumidores iletrados. Isso é mercado, ou elixir de droguista, para não dizer apenas alienação. 
O único aval do que escreves é o tempo de vida que o espera. E durar pouco é o destino dos equívocos.

Soma e segue

A herança do cabrão do Sócrates.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Exotismos de corte

Os de hoje e os de há 200 anos. A sangria das vítimas é a mesma, muito embora não pareça.

Nunca é tarde!

Durão Barroso admite actividades políticas futuras, no país ou no estrangeiro. E tem lá boas razões. É que ficou, na Faculdade de Direito de Lisboa, uma belíssima secretária de mogno, no gabinete dum fascista saneado. Na altura não houve modo de carregar o mostrengo para a sede dos educadores do proletariado, na avenida Álvares Cabral. Mas nunca é tarde, para as causas justas!

Tradição

Há vozes por aí, a sugerir que o PR devia entregar a Sócrates a Ordem Militar de Cristo. Para cumprir as tradições.
A moeda tem duas faces. Na das caras, está um Cavaco medíocre, cobarde e vingativo, sem outras considerações que não seja o seu umbigo. Um tal gesto custar-lhe-ia os olhos da cara e nem o esboçará.
Já na das coroas, a comenda que a Sócrates convém já a lá tem, e a tradição não tem lugar aí. É a medalha da diferença. 
Ora a pátria fará bem em manter as distâncias, entre patriotas malquistos como sempre, e esta tropa de nefastos traidores.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Atlas do Corpo e da Imaginação, ou as funções da puta da literatura

Ó Tavares, M de Mike, com a máxima franqueza! 
Tenho ali esses dez quilos de balastro, que trouxe para casa como literatura. Troco isto por um café no Majestic.
Escreveste Jerusalém e pincelaste um bairro? Tudo bem! Agora leva lá o Nobel, que alguém senil te pendurou ao pescoço. Mas tira-me o tijolo cá de casa!

Pior que em 2011?!

Então o cabrão do Sócrates não fodeu isto tudo?! 
[Já agora, onde é que fica hoje o palácio de inverno?]

Património

Esse escarcéu do cante alentejano como património imaterial é um exercício de risco. Se o cabrão deste governo sabe disso, o mais certo é acabarem os Ceifeiros de Pias trocados por uns patacos. A trotar ombro com ombro e a chilrear dós de peito, ao compasso dum investidor chinês, dum mafioso do México.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Divagações

O metro vinha da Maia, com uma carruagem cheia de pilritos-das-praias. Pilotavam bagagens com rodinhas e tinham aterrado em Pedras Rubras a vinte euros por cabeça, atraídos pelo low-cost e pela movida da cidade.
O metro tem destas coisas. Mete-se pelo aeroporto adentro, vai ao deserto de Fânzeres, à Póvoa, ao Senhor de Matosinhos. Falta-lhe chegar a Gondomar e ao hospital de Gaia para cumprir integralmente o seu papel.
O metro foi a grande aquisição do Porto na última dúzia de anos. Só com ele deixou a cidade de ser uma paróquia, e até o comportamento público dos utentes sofreu alterações. Ao pé dele, a Casa da Música é um objecto exótico de utilidade mais que duvidosa, que uma elite de pacóvios engendrou. Custa, no mínimo, dez milhões por ano, sem valer um décimo da fortuna que nele está enterrada.
Os pilritos-das-praias falavam francês, e não foi sem emoção que lhes ouvi a toada. Cresci numa geração de influência francesa, em que a língua e a cultura da França eram rudimentos da escola. Nada como é hoje em dia, em que o inglês se tornou língua única. Qualquer cafre a arranha com sucesso, essa língua de farrapos, incluindo uns tipos lá do Texas.
Para além do enigma que constitui (por não haver nenhum efeito sem causa), o apagamento cultural da França é uma das tragédias da Europa. Mas a verdade é que, na 2ª Guerra Mundial, só duas coisas salvaram a honra da França da traição das suas elites: foi a voz do general de Gaulle refugiado na Inglaterra, e o sacrifício dos maquisards que deram o corpo às balas e enfrentaram a besta. As elites montaram o circo de Vichy e submeteram-se, tornaram-se colaboracionistas, e entregaram aos nazis os judeus e as minorias infra-humanas em vagões de gado.
Depois disso, de Gaulle ainda mandou bugiar a América, e recusou o papel de pau-mandado na NATO. Mas o espírito francês nunca mais se recompôs, e a Europa resvalou para o que hoje é. Não estão apenas em causa a filosofia e a cultura das Luzes, o racionalismo iluminista, as conquistas universais da Revolução, as barricadas da Comuna. Até o francês deixou de se falar.

Ó Jerónimo!

Há cem anos que assim é, já ninguém estranha. Mas sabe-se onde te dói.

Até futuro aviso

Não contes mais com o meu voto, ó Europa que desprezo! Por isto e mais por aquilo.

domingo, 26 de outubro de 2014

Enxames

Tenho umas colmeias na encosta. Mais ou menos entregues a si próprias, desde que as gralhas montaram um carrocel assassino, e devoram as abelhas uma a uma. 
Há dias uma colmeia enxameou, coisa normal para os finais de Abril, ou Maio, vá lá Junho.
Dado que estamos no final de Outubro, das duas uma: ou é o mundo que anda de pernas para o ar, ou houve ali uma penhora do fisco. 
Se for verdade que um mal nunca anda só, o mais certo é serem as duas juntas.

Aviso ao trânsito

Se não sabes o que é o auto-frugalismo, e muito menos és capaz de o praticar, provavelmente estás f...eito!

sábado, 25 de outubro de 2014

Lugar do morto

Trabalhavam todos num gabinete ali ao Campo Pequeno, pejado de estiradores e dirigido por um engenheiro dos comboios. Ele era o único Velho do Restelo que há séculos ficara na praia, a protestar contra a insânia. Os outros todos eram retornados que as marés da história tinham arrojado ali à beira-Tejo, e traziam a cabeça atravancada dos destroços das gestas gloriosas, e os olhos cheios de miragens e sertões. Engenheiros avulsos, agentes técnicos, desenhadores, topógrafos, porta-miras e condutores de jipes, eram parte do milhão de expatriados chegados de escantilhão, com uma mão atrás e outra à frente.
Precisavam todos dum barco salva-vidas, para escapar ao naufrágio. E ele surgira com os planos de reactivar a exploração dos ferros da serra do Reboredo, lá para Trás-os-Montes. Os minérios deviam chegar ao complexo de Sines, em vagões ferroviários. De modo que era preciso fazer o que nunca fora feito, uma ligação entre o Pocinho e Vila Franca das Naves, e às linhas que iam para Sul.
Tão náufrago como eles, por tempestades diferentes, eu era para todos o capitão vermelho. Regressado dum exílio preventivo, não tinha profissão certa, nem família regular, nem domicílio, nem direito a uma aspirina. E precisava de matar a fome. Por uns tempos, entre Sines e Moncorvo, fui motorista daqueles técnicos todos.
E foi assim que assisti, em charnecas do Alentejo que não sei onde ficaram, às terraplanagens dum imenso terminal ferroviário. Os besouros de aço tinham tracção dupla, com um motor atrás e outro à frente, e arrastavam a carapaça rente ao solo. Uma vez aberta uma comporta ventral, eram verdadeiros devoradores de terras. Enchiam a barriga, fumegavam paisagem afora, e iam despejá-las lá ao longe.
Coube-me um dia levar a Moncorvo um jovem engenheiro, ordenadíssimo e meticuloso. Dormimos duas noites no Carvalhal, imersos no nevoeiro duma hospedaria clandestina, entre arrepios de frio e paredes greladas de humidade. Mas chegou o fim-de-semana e voltámos a Lisboa.
Nesse tempo o IP2 não existia, nem havia A23. A estrada da Beira seguia há séculos as curvas de nível, e a viagem durava uma eternidade. Mas o homem não gostava da minha condução de aviador e assustou-se. Chegou a Celorico e quis parar na estação, onde ficou à espera dum comboio.
No lugar dele eu tinha feito o mesmo. Para dizer tudo, era o lugar do morto.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Exames

Nunca tinha feito uma colonoscopia, achou o clínico que era altura de a fazer. E eu, que desconto 3,5% do salário para a Saúde, pensei que era boa a hora. E lá fui fazer o exame sem pruridos de consciência.
Detectaram-se umas anomalias. E ali mesmo o médico as tratou, fazendo-me sentir num bloco de operações. A coisa fez-me pensar.
A relação que mantenho com a medicina (psiquiatria, cirurgia, clínica generalista, outra que seja) foi sempre de confiança um tanto cega. Faça eu o que tenho a fazer, é a eles que a Saúde compete. Há quarenta anos dizíamos nós nos Dembos, se chegarmos vivos a Luanda, os doutores não nos deixam morrer. A história nunca o desmentiu, e eu próprio comprovei isso com surpresa.
A peripécia de hoje deixou-me outra vez surpreendido. E em boa hora lá fui, fazer o exame. Antes que uns vândalos acabem também com isto, com a Saúde e connosco, com a competência e o saber onde existirem, com a eficácia dos serviços públicos. Como se todos fôssemos meninos injustamente mimados! 

Certos climas que aí andam

Ouvi dizer, sem embandeirar em arco, que estas castanhas da Lapa são das melhores do mundo. Serão farroncas. Mas de facto não se encontram no mercado, como essas duns castinçais que há pr'aí. Montam-nas em camiões e levam-nas para a Europa, que está longe de as merecer. Eles lá sabem porquê.
Este ano a colheita foi metade. Não agradam aos castanheiros da Lapa certos climas que aí andam.

Quem não sabe... pois explica!

Miguel Real publicou o ensaio O Romance Português Contemporâneo 1950/2010. O que sempre seria um exercício de arrojo e risco, acabou na irrelevância. Numa balbúrdia amadora. Na equívoca salgalhada. Como se fizessem falta ainda, à literatura ou ao leitor.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Ainda a hidra

Isto

Era o que a PT já foi.

Lendo, na Visão, o currículo do formador Passos Coelho, alegado chefe do governo de Portugal

Já aqui foi dito, cinco mil vezes, desde há muito tempo, que o PPD é actor primeiro no palco da tragédia nacional, que não ocupa sozinho.
Mas desta vez a hecatombe é de escacha-pessegueiro.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Futricas

 O aeroporto do Funchal estava deserto, por causa da ventania. Windshear e rajadas de 35/40 nós obrigavam os futricas a divergir para o Porto Santo, para as Canárias, ou para a origem.
 Justamente em Porto Santo havia uma evacuação médica para o Funchal. 
Foi então que a tripulação dos mestres veio explicar como resolver a coisa: optou por uma pista com 10 nós de vento de cauda...
... e lá entregou a cartinha a Garcia. Nunca as mãozinhas lhe doam!

Ponto por ponto

O essencial tá ali!

Na Covilhã

Shame on you, UBI!

terça-feira, 21 de outubro de 2014

O que é

E o que deve ser.

O sétimo de cavalaria

Com excepção dos cínicos diletantes, que se não misturam com a choldra do vulgo; dos numerosos broncos iletrados, que preferem a mini gelada; e dos muitos papagaios que ganham por avença, toda a gente reconhece a vantagem de antecipar as eleições de 2015. Menos o triste do Passos. Esse declara, com arrogância fingida, que elas devem ter lugar nos prazos constitucionais. Coisa diversa só revendo a Constituição.
O Passos é um espantalho que já só se arrisca à rua em viatura blindada. E a arrogância com que fala diz mais do seu desespero do que do senso político com que ninguém contaria.
Está fartinho de saber que não ganha as eleições em Outubro, para o PS do Costa. E sabe ainda melhor que a vida do país só perde em ter um orçamento feito por um governo de malas aviadas, que se destina a ser executado por um governo diferente. Mais avisado seria que fosse o próprio a fazê-lo.
É por isso que todas as associações patronais aconselham eleições antecipadas. É por isso que os partidos e o mundo do trabalho as pedem. E é de crer que o próprio comité central, uma vez que tanto tarda a remoção do governo que ajudou a entronizar e tanto jeito lhe deu, as não enjeitaria.
Era agora o tempo de chegar à cena o sétimo de cavalaria, e a oportunidade de o Cavaco se distinguir do venerando Thomaz num rodapé da história. Atentos os deveres que a Constituição lhe impõe e ele jurou defender, é do interesse nacional antecipar as eleições de Outubro de 2015. Mas porém, se o país está à espera, convém que espere sentado.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Sócrates

19 Outubro.

Mais lenha

Para a fogueira onde a Europa se queima, e que a América ateou com o nine eleven

domingo, 19 de outubro de 2014

Falares de homem

« (...) Mas certo é que mata caça quem porfia. O viajante ouviu finalmente uns falares de homem, dobrou uma esquina e entrou nesta ruela, que vai ter a um logradouro sem saída. Entre duas casas brancas, de cimento, logo lhe deram os olhos num majestoso alpendre de granito, de vasta escadaria e corrimão de pedra a que faltam pedaços, alguns a escorregar, mal seguros num ferro. No logradouro ao fundo andam dois homens ocupados, na verdade com ar de poucos amigos, e um cão que está preso a um arame ladra desaustinado. O viajante hesita, enquanto observa a cantaria espessa e regular, as flores do sabugueiro a espreitar por dois janelões, e a carranca de pedra a sair da parede, uma cabeça de carneiro já gasta e puída. Ainda a hesitar sobe a escada e encontra duas portas, aqui viveu o juiz de paz, ali foi em tempos a casa da câmara de Sebadelhe. Isto cogita o viajante, sem certezas nenhumas.
- Que tem que fazer aqui?
A pergunta chega de um dos homens, que avança para o viajante com olhar torvo, e um banco de metal agressivo nas mãos. O viajante, que detesta contendas, fica desamparado. Observa outra vez o empedrado da rua, levanta as mãos em sinal de rendição, dá mais uma mirada às casas do juiz de paz.
- Quer comprar?
- Que ideia a sua! Ando apenas a ver estas vidas antigas, julguei que era pública a rua!
E foi, mas já deixou de ser. O homem fez dela coisa sua, porque tudo o que há nela lhe pertence, menos as casas velhas.
- Você entra por aqui sem dizer nada... sabe-se lá o que anda pelo mundo, hoje em dia!
Por sorte sua, o viajante nunca desejou ser dono duma rua. E, se não tiver a pinta dum celerado vulgar, concorda pelo menos que não basta ver as caras para saber dos corações. Não está em terra sua, por isso concilia, harmoniza, pede desculpas da intrusão.
- Quer beber um copo?
Assim a quente, ainda tomado de brios, o viajante está a pontos de recusar, mas aceita. Porque beber aqui um copo em sociedade é o mesmo que assinar um tratado de paz. Preferia um copo de vinho, mas acaba a engolir um Ricard espúrio, que uma mulher trouxe lá de cima. Sentou-se com o anfitrião no vasto palanquim de cimento que ele construiu por cima da estrada, e ambos conversaram finalmente, com o vale da Ribeirinha em frente.
Nos tempos antigos o homem era jornaleiro, fazia o que calhava, aí no campo. Nunca chegou a trabalhar nas minas, que sempre lhe faltou a terceira classe. Depois andou emigrado em França, a trabalhar nos batimãs, e viveu treze anos num autocarro velho, parado num beco de Champigny. Quando lhe chegou a altura, comprou tudo o que havia nesta rua e reconstruiu a casa onde vive. Faltam-lhe as duas casas velhas, que há dezassete anos não têm habitantes. Espera vir a comprá-las quando os donos baixarem o preço.
- Um dia põe o seu nome na rua!
A sugestão não presta ao homem, que a rua já é dele. Das eleições da Europa pouco ouviu falar, e não lhe importam. E a única revolução que houve na sua vida foi a emigração. Na sua, e na de muita gente.
O sol já declinou atrás do monte, num poente suavíssimo. Mergulhado em emoções contraditórias, pudesse ele acrescentar o que por dizer ficou, e o viajante estaria de acordo com o seu anfitrião. (...)»

[in Portugalmente - Peregrinação da Lapa a Riba-Côa, Âncora Editora, Lx 2012]

sábado, 18 de outubro de 2014

Ravel

Bolero.

Ó marmelo!

Afinal os políticos, esses cabrões, não são todos iguais!

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Morrer outra vez

Para Castaínço fala o soldado três quatro sete noventa e cinco de setenta e um, para a sua querida mãe irmãos tios sobrinhos padrinhos e mais familiares, desejo um feliz natal e um ano novo cheio de prosperidades para a sua noiva mando um abraço cheio de saudades para todos eu estou bem adeus até ao meu regresso!
Assim bisonho e assustado, de coração aos pulos como se estivesse na mata debaixo de fogo, debitou o soldado três quatro sete noventa e cinco de setenta e um a sua mensagem de Natal. A máquina estava ali montada na parada do quartel da Bambadinca, havia um microfone pendurado por cima num tubo de ferro, a engolir o sobressalto das gargantas ali postas a discursar, era só aguentar o avanço lento da bicha que vinha lá do fundo, das traseiras do comando, chegar ali e descarregar a ânsia da alma para a janela daquele bicho esquisito, que não parava de nos mirar a todos por dentro, com aquele olho estático de vidro que nem pestanejava.
O sargento dera ordens para o pessoal se ataviar a preceito, e não aparecer ali com ar de lagarto das furnas, figura normal de qualquer soldado naquela guerra, para não causar más impressões à malta lá do puto. Mas sempre havia gajos que se estavam cagando para as ordens do sargento, e vieram com barretes todos abandalhados, e queixos mal rapados, e aquele ar de múmias desenterradas com grandes olheiras, que fraca imagem haviam de dar da tropa da Bambadinca. Mas o melhor era aviar porque a malta era muita, e os senhores da televisão não estavam habituados ao calor.
Em fundo havia um plano do edifício do comando, assim foram discutidos os preparativos com os técnicos que andavam por ali com bonés de bico de pato, sempre era uma vista mais aconselhável neste marketing da guerra, e sempre se podia mostrar o brasão da companhia desenhado na parede, pois claro que estes símbolos militares têm o seu fascínio, que seria inconveniente desprezar.
E assim veio a televisão a publicar aquela romaria numa noite de Fevereiro, logo depois do telejornal, o Natal passara há muito mas que havíamos de fazer, tão escasso era o tempo e tão numerosa a tropa, mesmo assim só tínhamos ido a uma dúzia de quartéis em cada província ultramarina, que seria de nós se tivéssemos que percorrer aqueles matos todos, nem a televisão fazia outra coisa senão transmitir mensagens de saudade durante o ano inteiro.
E deste modo se viu o senhor director, nessa noite jantando em família, obrigado a mandar a criada calar aqueles bonecos, quando a enfadonha lengalenga se preparava para arrancar. E logo ali na tasca do Hermínio se gerou grande confusão nos clientes a propósito do tema, queria a dona Conceição desligar o aparelho porque estes programas dos soldados coitados lhe davam apertos no coração, e isto muito embora não tivesse nenhum filho na guerra. Mas saiu-lhe a terreiro o Chico Estivador, para dizer que não senhor, ele havia certas coisas que eram duras de se ver, pois com certeza, mas não tendo ela filhos na guerra, outros podia haver que os tivessem, e que além disso o povo não podia fechar os olhos a certas realidades, bem era até para ele que os fosse abrindo. Houve quem não entendesse de que realidades se tratava, e, quando o Chico começou a explicar, veio logo o Hermínio Tranquilo lembrar-lhe que era melhor guardar a língua na caixa, pois não era a primeira vez que por ali apareciam uns tipos de gabardina, que se demoravam a folhear o Diário de Notícias, ele bem desconfiava quem eles eram e não queria complicações na casa. E largou a calar o aparelho.
E assim foi que a dona Matilde, pessoa até compenetrada das suas obrigações de cidadã, à hora de começar aquele penoso desfile desligou iradamente a televisão, porque não podia sofrer aquela torpe manipulação dos sentimentos de cada um, era do que se tratava. E essa foi também a hora a que o abade de Castaínço, refastelado com gravidade no canapé, se lembrou do breviário do dia. Desligou a televisão, aconchegou os pés à braseira por baixo da camilha ruça, e ficou a murmurar a serenidade de seda das páginas divinas, quando uma levantada gritaria lhe chegou da porta. Foi abrir, era a Maria Rita viúva, a quem tinha morrido há semanas um filho nas guerras de África. Vinha trazida por outros dois, embiocada no xaile de merino preto, e da fenda do bioco saltavam dois olhos de lágrimas, se de angústia, se de esperança, não era possível saber.
Que o meu António tinha acabado de ver o irmão na televisão, lá no café, naqueles programas dos soldados, que ele estava mesmo vivo lá no quartel, tal e qual como os outros, e tinha mandado saudades para todos, nem se esquecera dos padrinhos nem dos amigos.
O padre chamou a si toda a serenidade de séculos de claustro, ele próprio em dificuldades para conter a nuvem de tristeza que ali se lhe abateu na alma. Explicou à pobre viúva que não, aquele papel que ela tinha recebido dos comandantes da tropa é que dizia a verdade sobre o filho. Na televisão, o filme passado hoje tinha sido gravado há três ou quatro meses, em Setembro ou Outubro, muito antes do Natal. Nessa altura estava o filho vivo, ele só morrera em Janeiro.
O senhor abade teria razão. A Maria Rita escancarou os queixais, fitaram-se-lhe os olhos donde fugia um estranho sol longínquo, e lá teve que deixar morrer o filho outra vez.

Natureza

Não há nada pior que a confusão mental, a iliteracia política, a falta de discernimento de que tanto padecemos. É isso que leva muitas vezes o rebanho a entregar as armas, a baixar as bandeiras. Por concluir que os políticos são todos iguais.
Isso nunca foi assim. Basta seguir, mutatis mutandis, as lições da natureza. Uma récua de mulas junta as cabeças em roda, oferece a traseira aos lobos e trata deles a coice. Se forem bois, voltam os cornos para fora e espetam-lhos na barriga. Lição gratuita, elementar e natural.

Leituras

Não tenho estômago para a literatura de mercado e a crítica não ajuda nem existe. Entre os joguinhos duns editores de sucesso e as ousadias dalguns noviços da escrita criativa, a coisa a sério é tristemente rara.
Este viajante Montez meteu os pés ao caminho, atravessou meio mundo até Vladivostok, apanhou o Transiberiano e regressou. E publicou um diário. 
Não é literatura, nem um empolgante relato de viagem. É apenas um texto ligeiro, ilustrado, instrutivo e agradável. Foi um gosto lê-lo.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

As gaitadas da múmia de Boliqueime

A não perder.

O legionário Nogueira e os ganhos eleitorais

Desde 2009 e da ministra sinistra, o investimento na escola pública baixou cerca de metade.

O Salgado, o Carlos Costa, o Cavaco, a Troika e o Governo

Está tudo aqui condensado. 

Imbecis a brincar aos heróis épicos

Com a mão na nossa carteira.

Inquisição

Há-de ser ingenuidade, credulidade minha, excesso de boa-fé. Mas confesso a minha relutância em tomar à letra a afirmação de que qualquer governo, e o actual ministro Crato, têm como objectivo destruir a escola pública que o país foi construindo. A contradição é tão gritante, que me amotina a razão.
Ou amotinava! Pois que o aumento já visto nas protecções ao privado através do cheque-ensino, a coberto da liberdade de escolha, e o enorme caos nas escolas, sem professores nem auxiliares, agravados agora com o corte de 700 milhões na Educação, que o orçamento prevê, tiram-me as teias de aranha. Pior do que isto, para as Luzes dum país, só os séculos da velha Inquisição, de tão funesta herança.

Ao café

A manhã, tão chuvosa e turbulenta, impeliu-me a duas horas de leitura matinal num estanco do bairro. Mas depressa dou comigo numa assembleia popular, que analisava um título do jornal: os portugueses trabalham mais 300 horas por ano do que os alemães.
A duração do trabalho não surpreende ninguém, vem na estatística e será verdade. Já importante é centrar a única questão, como é que os portugueses gastam as horas de trabalho.
A assembleia conclui o que já era sabido: os obreiros portugueses cumprem tão bem ou melhor que os outros europeus, não há ninguém que o não saiba. O que falta às empresas muitas vezes é uma gestão competente. As estatísticas dizem que o nível escolar dos gestores de Portugal é mais baixo do que o dos seus funcionários. Esse facto não diz tudo, mas quer dizer muita coisa.
E nem é surpreendente, atento o legado histórico. Há séculos que a gesta gloriosa e as aventuras do mar dispensaram as elites de administrar o país, de o organizar em termos produtivos, de lhe inventar uma economia. Ainda hoje se ouve, navegar é que é preciso! Semear padrões numas dunas ignotas, trocar missangas por milho num sertão, fazer mulatos nas pretas debaixo dum embondeiro. 
Desde o séc. XVI, as elites reduziram este quintal português a ser viveiro de gente, que transformaram em gado de exportação. Desse tráfego viveram desde então. Raramente isso foi claro como é hoje, governados que estamos pelos netos desses negreiros!

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Assim?!

Ou assado?!

Inverno

A Rosa criou-se numa quinta, onde aprendeu o maneio do gado. E agora tem um rebanho dumas duzentas ovelhas. Na tosquia, é por favor que lhe limpam a lã do quinteiro. Mas não dão nada por ela. E o leite nunca lho tira, com proveito dos cordeiros, que são uns regalões. São as papeladas europeias, com o subsídio por cabeça, que lhe compõem o orçamento. 
Dá gosto ver as ovelhas da Rosa, tão redondas e limpinhas. Não dormem em camas sujas, nem coxeiam das patas infectadas. Têm cornos torneados em forma de caracol. E podiam ser a talha dum altar, se os altares espelhassem aquilo que a vida é. 
O rebanho retoiça na pastagem, delimitada por vedações de arame. E dorme sempre ao relento, quer chova quer faça sol. Em dias de maior gelo, em caso de algum nevão, entra na corte e não sai. As borregas roem feno, batatas, algum petisco de milho... e é só por isso que o Inverno lhes agrada. Mas para a Rosa a questão é indiferente. A trabalheira dela é sempre a mesma.

Castrati

Bispos, reis, aristocratas, poderosos... pelo capricho dum timbre masculino juvenil... davam tudo o que era doutros. Parece hoje!

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Mitologia das cavalgaduras

A hidra vivia num charco grego e era venenosa. Uma simples baforada era fatal. Cortavam-lhe uma cabeça e renasciam duas. Era Portugal tal e qualUma terra que entrou na mitologia pela porta das cavalgaduras: matou o herói e deu a mama à hidra.

Forca

A múmia empalhada de Boliqueime, que Portugal arrasta penosamente às costas, andou por aí de vela acesa, a rezar jaculatórias à economia dinâmica. Mas não passou por Cacia, onde em 2011 estava preparada pela Nissan a produção de baterias para carros eléctricos. A primeira coisa que fez este governo da múmia foi abortar um tal plano, assim como deixar ao abandono a incipiente rede de abastecimento público.
Antigamente havia a forca da comarca. Hoje não há, e faz falta.

O sentido?!

Está em si!

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Vida

Ganhou dinheiro num trópico. Voltou à aldeia. Fez uma casa. Virou-a a sul. Abriu-a ao sol. Morreu.
É forte pena! Porque este mundo vazio é um paraíso perdido.

Sócrates

12 de Outubro.

domingo, 12 de outubro de 2014

Mais que ao modesto herói

[clicar]
Honra ao génio do cronista!

O Montenegro

Além de representar o PPD no parlamento, o Montenegro é um quadrúpede bíblico que aprendeu a zurrar desta maneira e não quer outra. Repete incansavelmente que a troika chegou a Portugal pela mão do Sócrates, de quem o Costa foi número dois.
Claro que o Montenegro se habituou a esta mama retórica, amparado nas blandícias do Seguro, o silencioso e cúmplice SG do PS, recentemente evaporado.
Quem tem memória, sabe muito bem! Sócrates resistiu enquanto pôde, e avisou enquanto procurava caminhos alternativos. À semelhança de Espanha e da Itália, onde a troika bateu com as trombas na porta, com vantagem geral.
Quem é que já esqueceu essa direita alarve e troglodita, com o Catroga à cabeça a salivar, a salientar fundamentais contributos para o memorando, a berrar que era já tarde, que o óptimo era enterrar o PS e chamar a troika?! A qual traria um programa de miséria forçada, e um remédio para as aflições, e a salvação dos náufragos Montenegros?!
Quem é que já esqueceu o visionário Louçã, esse dono da esquerda grande, a decretar que a recusa do PEC IV era já o início da saída da crise que aí chegara?!

A coisa e o seu contrário

Em Amarante, ao fundo do Marão, começa a cheirar a mar e já se tropeça em gente. Chegámos ao país dos marinheiros!
Na adega de São Gonçalo, o fumeiro do Mondim e o vinho verde do Basto compensam-nos dos quilómetros, das vibrações do panzer (essa obra de arte duns visigodos mecânicos!), e do vazio das terras que ficaram lá para trás.
Passamos a vida nisto. A querer agora uma coisa, e logo a desejar o seu contrário.

sábado, 11 de outubro de 2014

Lágrimas do crocodilo

Kobani, essa cidade abandonada a si própria no Curdistão sírio, já está na história como um ferrete ocidental. Como nova traição aos curdos e aos seus peshmergas. Como prova da cobardia, da insensatez política, do egoísmo cego, da incapacidade dúplice e da irrelevância da Turquia do Erdogan, da Europa, da NATO e da América, face à barbárie do Estado Islâmico do Califado. Só faltam as lágrimas do crocodilo, que hão-de chegar a seu tempo. 

Aí está!

O que já não era novidade!

Os elefantes brancos também morrem

Passo em Castelo Melhor, com saudades de rever os cavalinhos do Côa, na margem da Penascosa. Mas o polo local do Parque já fechou, e o mesmo acontece em Muxagata. Apenas a sede central funciona, no Museu de Arte Rupestre. E a visita aos cavalinhos requer marcação antecipada.
Uma vez posto de pé o grande elefante branco, lá lhe engendraram a Fundação do Côa-Parque, para fazer o milagre de o dirigir. Muitas vezes falta a luz, não há aquecimento. E as funcionárias, na condição de supra-numerárias, pastoreiam o tédio como podem. Agora a direcção demitiu-se, à espera doutra melhor. E elas temem pelo salário.
Lá em baixo, impassível, corre o Douro, a sentir perto o Pocinho. A esse ao menos não há barragem que o pare, enquanto não chega à Foz.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Sebastianismo 4

[anterior]
« (…) Seguindo a lição de Fernando Pessoa, que considera o mito sebastianista a mais original e singular característica da cultura portuguesa, decorrente da identidade histórica de Portugal alcançada com os Descobrimentos, consideramos que o mito sebastianista se encontra na origem sociológica e mental dos quatro complexos culturais que, cruzados, constituem a representação mental geral dos portugueses que historicamente o tem definido como povo: o complexo viriatino (de Viriato: povo humilde mas ousado), o complexo vieirino (de António Vieira: povo que supera as próprias forças e dimensão territorial, atingindo níveis históricos grandiloquentes), o complexo pombalino (do Marquês de Pombal: povo que imita acriticamente tudo o que no estrangeiro é nomeado com sucesso, considerando o que provém do exterior superior ao que é nacional), e o complexo canibalista (um povo embrutecido e fanatizado, mesquinho, invejoso e bárbaro que, desde a segunda metade do séc. XVI, com alguns intervalos de liberdade, vive na ânsia de agradar a chefes e a instituições (…).»
No meio da neblina opaca que dilui toda a clareza deste discurso expositivo, tropeça-se nalgumas ideias:
O mito sebastianista é uma característica da cultura portuguesa. Isto é, é uma criação mental assumida colectivamente. Ora isto não passa duma trapaça. O que é verdade é que o mito sebastianista é uma criação fantástica, alimentada inicialmente por elites, e prosseguida por uma seita de pensadores visionários, os quais de bom grado trocam realidades por ficções. Na história de Portugal abundam situações de catástrofe colectiva, resultantes de opções de elites dirigentes venais, traidoras e anti-patrióticas. Ora quando uma catástrofe atinge as dimensões dum Alcácer-Quibir, a reacção natural do instinto colectivo é não aceitar a realidade da história, é crer que ela não aconteceu, é acreditar que o rei há-de voltar no nevoeiro.
Historicamente, esta atitude não pode ser imputada aos portugueses. Antes sim, ela foi cultivada por elites, foi alimentada por poderosos que apenas tinham ficções para abastecer a escudela vazia do povo. Para isso lançaram mão de Bandarras, de trovas, de Encobertos, de profetas. Para melhor alienarem o rebanho. Esse procurou formas de sobreviver à penúria e ao desespero, era o que lhe competia. E sustentar que ele é culturalmente sebastianista é uma dupla canalhice, desta vez dos intelectuais que alijam a função social que lhes compete. Em lugar de lhe iluminarem rotas, empurram o vulgo para a escuridão.
As passadas décadas de sessenta e setenta podem muito bem ser vistas como o segundo Alcácer-Quibir do fim do império. E a história mostra que o povo não desistiu nem cruzou os braços. Fugiu a salto aos milhões, viveu penúrias indescritíveis, reuniu as parcas forças e acabou com um regime apodrecido. Mas não ficou à espera de que as elites dementes lhe trouxessem a salvação.
Entretanto, pensadores de bitola estreita escrevem isto:
« (…) O mito sebastianista tem sido pouco estudado, e não raro desprezado pela elite cultural portuguesa, permanecendo para esta válida a consigna de Agostinho de Macedo, registada há cerca de 200 anos, de que o sebastianismo nos envergonha como povo civilizado da Europa. (…)
É forçoso que os cientistas sociais se abram sem preconceito às perspectivas míticas e ocultistas, considerando que os mitos existem e valem por si, no quadro categorial do imaginário popular (…). É forçoso considerar o mito sebastianista um activo cultural, um existente histórico, gerado pela consciência popular, (…) que a ciência social (racionalista e positivista) jogaria para o sótão das velharias sem préstimo nem valor, posição que tem sido a dos sociólogos e historiadores do final do séc. XX.
Do mesmo modo é forçoso que os pensadores não desvalorizem as ciências sociais (…) como o fez António Quadros, considerando o “positivismo” um valor hermenêutico excessivamente limitado, e portanto falso nos seus fundamentos.»
Quer dizer, uma no cravo e outra na ferradura é a ciência desta gente!
[seguinte]

Olha-me só!

Este refinado filho da puta!

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Pena máxima

« (…) Ele há-de conhecer em Valflor o convés dum marinheiro que aqui houve e o Salazar visitava! Ao Adalbero não escapou a frescura, que sorriu e logo aponta. É ali por trás daquelas casas, nem conhece ele outra coisa, se tanto lá trabalhou! Do Salazar é que já não dá razão. Mesmo que o tivesse visto não o podia diferençar, era um homem como os outros.
O viajante só discorda de Adalberto porque sabe, desta história, mais do que ele. Ouviu dizer que nos paços do almirante, em verões antigos, tinham lugar encontros de coração. Mas as damas vinham duas, e o Salazar era um só. A paixão dele era uma castelã, de sangue azul e modos adocicados, diplomática e discreta. O nome dela era uma cordilheira, só ele enchia a página inteira dos assentos. Mas o enlevo que mostrava ao sacripanta era apenas circunstância.
Já a outra era azougada, uma amazona. Desfolhava-se por ele e não controlava os impulsos do corpo, que era tão vasto quanto impaciente. Dizia ela que a vida são dois dias e lá teria razão. Porém ele fazia-se de sonso e não lhe dava saída, que lhe metia medo a mulheraça. E fazia-lhe lembrar a Carlota Joaquina.
Quantas vezes casos bicudos da história, como este do Salazar, encontram explicação assim ao virar da esquina! Isto vai ruminando o viajante, que foi procurar uns paços de almirante e já os encontrou. Abatidos, decadentes, a caminhar para a ruína, tão transitórios como as glórias do mundo. Foi isto um gemido de amazona, ou alguma porta velha que rangeu?!
Quem em tempos conheceu bem estas escadarias foi Francisca, das Moitas de S. Martinho, se derramou nelas as lágrimas melhores. Tinha três filhos mas só lhe sobraram dois, que o terceiro levaram-no umas febres num sertão de África para onde foi à ventura. Um dia o mais novato andava nuns lameiros, a gadanhar o feno, ali às Águas-Vivas. E lá entrou em despiques com um farsola, por causa duma gaiata. O resto foi o vinho que o fez. Veio para casa mais cedo, foi buscar a caçadeira, e pôs-se à espera que o carro dos bois parasse no meio do povo. Não era o mesmo farsola que vinha a cavalo nele, mas ele nem reparou. E vindimou-lhe o pai sem o saber, amaldiçoada hora!
A mãe Francisca ateve-se ao almirante, pois a quem… A justiça era tão longe, a vida era tão madrasta, o seu homem emigrara sem lhe mandar um tostão… Andou que tempos a caminhar para aqui, por esses montes abaixo. Num taleiguito à cabeça trazia o melhor que tinha, que era nada. Mas abrigava no peito uma esperança, nem sabia, de merecer uma atenção do almirante. O filho apanhou a pena máxima, nunca mais se endireitou. E um dia a velha Francisca, perdida aquela ilusão, tomou-se do desalento e lá se deixou morrer. (…)».

[in Portugalmente – Peregrinação da Lapa a Riba-Côa, Âncora Editora, Lx 2012]

Um terramoto é isto!

E explica muito bem os béguins da direita decadente e da esquerda messiânica pelo faz-tudo do Seguro.

Não admira

Se estes cabrões e aqueles filhos da puta são solistas da mesma orquestra.

A 'poção mágica' dos aprendizes de feiticeiro

Deu em mixórdia, claro!

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Bandarra

« (…) O Bandarra, conforme a alcunha o crismou, pouco mais foi do que um pobre diabo. Andou aos baldões por este mundo e foi jogado por ele. E jogado sobretudo por quem mais se demonstrou seu ferrenho amador. Era uma dessas cabeças atiladas, que às vezes nascem do povo, e vivem aprisionadas numa condição em que não cabem, sem lhe poderem escapar. De espírito aguçado e uma invejável memória, cumpria bem ou mal o seu ofício, lia e relia uma bíblia emprestada, a pontos de lhe saber de cor longas passagens. E do que não sabia tirava analogias, já discorria como grandíssimo teólogo.
Os marranos, que abundavam no seu mundo, eram uma gente em cerco desesperado. Mais do que na aflição da miséria, viviam na angústia do transitório, na incerteza dos haveres, na insegurança das vidas. Ecoavam-lhes no peito as promessas do Messias, de que lhes falava O Livro, e não tardaram a buscá-las nas concordâncias do Bandarra. Visionário como todos os profetas, tinha aquele ar de ovelheiro a quem Deus é bem capaz de confiar os segredos do mundo. Vinham de longe, a consultas, ouviam-no como a oráculo, alguns o tratavam já como rabino dos seus.
Em Espanha tinham os judeus vivido transes parecidos. E foi de lá que vieram umas coplas proféticas, duns troveiros visionários, a prometer a salvação pela mão dum príncipe, que chamavam Encoberto. É de crer que foi a partir delas que o Bandarra começou a fazer trovas. Ninguém sabe quem as passou a limpo, andavam por aí copiadas à mão, com letra de cada um. E prometiam aos judeus o Messias, um Encoberto que ainda hoje não veio.
Ninguém as conheceu no seu original, por todas as versões serem diferentes. E alguma delas foi parar à mão da Inquisição, que não podia tolerar semelhantes despautérios. Chamou o Bandarra a capítulo, vestiu-lhe o sambenito, levou-o à procissão dos condenados. Mas perdoou-lhe a fogueira, por não trazer no rústico semblante qualquer sombra de pecado. O pobre voltou para casa vedado de fazer trovas, de voltar a ler a bíblia, ou falar dela. Quem sabe se foi então que acabou a recolher-se na casa do Nogueirão, para se afastar do mundo. Pois tão bem lhe assentou a lição que ninguém mais o ouviu.
Um dia o Bandarra morreu mas ficaram as trovas, que um povo já naufragado só nelas guardava esperança. O rei-criança lunático desaparecera em África e o reino ficara sem cabeça, sujeito ao inimigo de Castela. Só nas trovas havia consolação. Foi por isso que apareceu a primeira edição delas, pela mão dum fidalgo importante. Para dar esperanças ao povo, pôs-se o Bandarra a dizer que el-rei um dia havia de voltar, saído do nevoeiro.
Mas o rei não apareceu, em seu lugar vieram os castelhanos. E a clerezia, que metera o sapateiro num inferno por causa dumas trovas, começou a realçá-lo nos sermões, a exaltá-lo nos púlpitos. Fizeram-lhe um mausoléu em pedra lavrada numa igreja de Trancoso, encheram-no de ar e vento. Um dia expuseram-lhe o retrato na catedral de Lisboa, trataram-no como a um santo. E logo um outro fidalgo fez nova edição das trovas, agora acrescentadas de umas outras que se disseram achadas em poder dum tal Pacheco, da idade do sapateiro, há uns cem anos atrás. Desta vez o Bandarra anunciava e restauração dos Braganças.
Um século depois ainda apareciam trovas novas, que uns pedreiros vindos da Galiza foram descobrir na capela-mor da igreja de S. Pedro. E lá punham o Bandarra a adivinhar as guerras do Napoleão, depois delas terem vindo.
O importante da história não é o que deixou dito o sapateiro, mas o que na boca lhe puseram os poderosos, para melhor conduzirem o rebanho. Primeiro foi messiânico, depois foi sebastianista, e acabou a adivinhar incertas restaurações. Mas tudo o que o Bandarra fez, e outros fizeram por ele, foram uns versos de sapateiro remendão. Davam para explicar tudo, consoante as aflições. Se ele pudesse imaginar o que iam fazer das trovas, não as contava a ninguém. Ainda hoje enchem barriga a muita gente, pelos vistos vão pô-las num museu. Que Portugal habituaram-no a charadas e já não vive sem elas. (…) »

[in Portugalmente – Peregrinação da Lapa a Riba-Côa, Âncora Editora, Lx 2012]

Convém

Ir reservando lugar! 

Mais claro?!

Só fazendo um boneco!

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Sócrates

5 de Outubro.

O Solar dos Brasis

«(...) Antigamente o Gastão habitava estes anexos e olhava pelo conjunto. Ele era neste lugar a única coisa viva, e queixava-se do IPPAR, e das águas no telhado, dos roubos das imagens e da segurança escassa. Mostrava ao viajante as palmeiras do jardim, as japoneiras em flor quando era o tempo, levava-o à mãe-de-água de pedra à beira do ribeiro, nas terras que um fidalgo arrematou ao fisco, à vinda do Brasil, há muitos anos atrás. Tinham sido confiscadas a um marrano qualquer pela Santa Inquisição.
Subia depois ao belvedere, virado às doçuras do poente, e mostrava o salão de honra nos altos do torreão. Era um deslumbramento inusitado, olhava o viajante a paisagem lá fora e não acreditava no que estava ali, à frente dos seus olhos. O tecto era um céu de caixotões pintados, com o brasão do fidalgo no lugar central. O resto em volta eram painéis de santos e naturezas mortas. E tão mortos estavam, as naturezas e os santos, que uns prometiam a ruína e as outras já desabavam, comidas da humidade. O todo apoiava-se, nos cantos, em anjos-cariátides, empenachados como índios do Brasil.
Finalmente o Gastão conduzia à capela um viajante estonteado, cativo do esplendor dos ouros, do jogo das simetrias barrocas, dos exotismos da flora mineira, com crocodilos, e palmeiras, e coqueiros. A Senhora da Penha de França lá estava em apoteose, entre prodígios de arte e opulência, cercada de querubins, envolta em festões e grinaldas. À direita uma porta a fingir, reflectindo a entrada verdadeira, na parede da esquerda. E em cima, à esquerda, uma janela pintada, a espelhar a verdadeira, que à direita abria para a ruela.
Depois contava ao viajante a história do fidalgo, que ali se mostrava em dois retratos de tamanho natural. Dum lado o escarlate da labita cortesã, do outro o hábito escuro das ordens que tomou, já sexagenário. Luís de Figueiredo Monterroyo foi-se ao Brasil, ao ouro, no tempo dele. Era capitão da armada real e provedor dos quintos de el-rei em Vila Rica de Ouro Preto, nas minas de Sabará. E à desmedida fortuna acumulava uma filha, a mulatinha Angélica, que fez numa escrava da Mina por quem tomou paixões. "Mercê que fez Nossa Senhora, no Instituidor, vendo-se em perigo de morte no sertão do Brasil, em jornada de 900 léguas às Minas do Ouro". E o Gastão mostrava, num ex-voto, um dragão pintalgado, a soprar fogo ao fidalgo em terror. "Milagre que fez Nosso Senhor... no mar da Bahia...". E era um barco a adornar, a vela já perdida, o fidalgo no convés a amparar a mulatinha.
Ao ver-se em aflições, implorou D. Luís a protecção da santa, jurou construir-lhe uma capela que não tivesse igual. Em 1727 cumpriu-se o voto aqui, ao lado dum solar que ninguém concluiu, e dum convento franciscano que não chegou a existir. Onde o meu cavalo parar, aí o santuário hei-de levantar. O cavalo é que escolheu este lugar, concluía o Gastão, antes de mostrar ao viajante, num livro dum letrado, que a mulatinha se finou solteira, sem deixar descendência, no ano em que assaltaram a Bastilha. E que o Solar dos Brasis é testemunho da boa aplicação em Portugal do ouro de Sabará.
Agora o Gastão foi-se embora e com ele a sorte deste viajante, que se limita a uma ronda exterior do solar. O IPPAR pôs-lhe um telhado novo, e trancou as portas e as janelas com grades de ferro chumbadas na ombreira.
Ao contrário do letrado, o viajante só vê neste lugar um tempo triste da história, que deixou aqui um túmulo, mais um, onde embalsamaram Portugal. Chegavam rios de ouro nos porões, a um país sangrado pelo império. E acabavam aqui, neste espavento, sem deixar outro sinal nas vidas. Mas este viajante nunca o disse ao Gastão, e ele foi-se embora sem saber a verdade. Ao menos foi em paz. (...)»

[Portugalmente - Peregrinação da Lapa a Riba-Côa, Âncora Editora, Lx 2012]

domingo, 5 de outubro de 2014

Momentos fatais... por serem decisivos.

Portugal é outra vez um rebanho tresmalhado, abandonado a si próprio e à deriva. É a sexta vez na História que acontece.
A primeira foi em Alfarrobeira. A neo-fidalguia dirigente, que rodeava o rei-criança Afonso V, atraiu à falsa fé e tratou de liquidar o infante D. Pedro. O luminoso príncipe das sete partidas, que se opôs à rapaziada de Ceuta, essa tragédia.
A segunda foi em Alcácer-Quibir, a cruzada para a qual o jesuíta empurrou o juvenil rei Sebastião, malsão e paranóico.
A terceira foi na Viradeira. Morto o rei do terramoto, logo a aristocracia revanchista fez o cerco à rainha Louca e homiziou o Marquês. Em vez das fábricas novas, voltámos alegremente aos marialvas, às procissões, à fadistagem, aos pátios das cantigas. E à miséria.
A quarta foi no 28 Maio da atribulada República, afogada nos equívocos da preservação do império.
A quinta foi no final da 2ª guerra. Um porta-aviões ao serviço da NATO numa ilha do Atlântico garantiu em Portugal a sobrevivência do fascismo aniquilado, a qual nos havia de custar trinta anos de vida, dez mil mortos, trinta mil feridos, e um número incalculado de estropiados emocionais.
Esta é a sexta vez. A oligarquia da finança, rapace e vingativa, de braço dado com a esquerda messiânica, inútil e oportunista, levou ao poder o pior que já se viu.    
Hoje é domingo, o dia da meia-hora de Sócrates na televisão generalista. Tão tresmalhados se encontram, os coitados, que os portugueses mal se dão conta do facto. E sorriem, entre duas baboseiras.

Foda-se, Manalígia!!!

É caso para dizer que o teu currículo faz do Einstein um iletrado funcional! 
Cala-te puta de boca!

A pretexto da República, Cavaco saiu da toca, para sublinhar a insatisfação dos cidadãos e a sua falta de confiança nas instituições

Isso mesmo disse um dia o roto ao nu: por que não te vestes tu?!

sábado, 4 de outubro de 2014

Portugalmente

«(...) Nestes prados da Quinta dos Cavalos não há cavalos nenhuns. Só João vai caminhando pela berma da estrada e o viajante pára ao lado dele. Não sendo velho é uma figura antiga, delida pelo tempo, ou pela vida. E há nele uma servitude primitiva que este viajante já julgava extinta. De manhã tirou-se de cuidados e foi à vila ao médico espanhol, à boleia dum vizinho. Em breve se despachou e agora não há transportes, não tem remédio senão voltar a pé. Tem a mãe à espera em casa, já muito velha, e ainda mais achacada do que ele. Há mais irmãos, mas desgarraram todos, depois que voltaram de Angola. Foram para lá quando eram pequenos, cresceram nos colonatos do Cunene. Havia o gado e aquelas terras grandes... Agora o que lhe vale é o rendimento mínimo.
Quando o carro estaca no meio do povo, ali à beira dum salgueiro-chorão, João ainda não acreditou que o viajante parou na estrada e o trouxe para casa. O que lhe vale é o rendimento mínimo. E ao vê-lo assim, a afastar-se cabisbaixo, convence-se o viajante de que deu boleia a um símbolo de alguma coisa maior. (...)»

[Portugalmente - Peregrinação da Lapa a Riba-Côa, Âncora Editora, Lx 2012]

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Do grande império

Três coisas trouxe no bolso: uma Kora artesanal, comprada no mercado a um animista de jilaba, debaixo duma acácia; uma M 25 checa, com duplo carregador de 32 balázios de 9 mm; e uma AK 47, ainda coberta de vernizes, com 300 munições de 7,62.
As armas eram belíssimas. Desceu um dia a calçada, entrou num rés-do-chão, e abandonou-as em cima dum balcão. A Kora ficou ali pendurada, a dar-lhe tempo de lhe descobrir o nome. E o mistério.

Novo Mundo

Finale.

Até que a voz me doa

Cá em casa roem-se quotidianamente as dores dum cepticismo de casca um tanto rugosa. Mas uns lares generosos livram-nos das tentações do cinismo correntio, que é tão diletante como inútil. Quer dizer que, em se podendo, ninguém por aqui hesita em meter as mãos na massa.
Por vezes chegam-me aos ouvidos ecos de fóruns nos media, onde acabam a desaguar torrentes de desespero. O que eu tenho a dizer a tal propósito é que não existe causa que não traga o seu efeito. E este efeito, que tem a sua causa, consiste em terem os portugueses que beber o vinagre até ao fim. Na sua história já longa, não é esta a vez primeira. Nós é que já o esquecemos.
Portugal teve governos do PS, antes de ser governado pela assombração que aí anda. E tais governos cometeram erros vários, lembremos só a barragem do Côa que não chegou a sê-lo e devia tê-lo sido, e a barragem do Tua que vai sê-lo e é um crime.
O último governo do PS foi o de Sócrates. O qual particularmente se empenhou em afrontar os problemas e fragilidades fatais de que Portugal padece, há muitos anos. A vida de todos nós depende disso. Mas desde cedo se foi acrescentando que fez tudo isso à bruta, à descarada, com demoníaca sobranceria, que era um venal, um corrupto, um temerário, e punha em risco evidente a nossa democracia, essa coitada. Olhemos nós para o marquês de Pombal, um notável governante no século que lhe coube. Nem sequer nos questionamos sobre o que poderia ele ter feito, sem trucidar à partida a arrogância dos Távoras e dos duques de Aveiro, sem incendiar previamente a escuridão da noite jesuíta. Limitamo-nos a pensar que o marquês era uma sanguinária besta, ou ouvimos dizer isso e ficamos calados. Por cobardia pura, ou por ignorância crassa . Ora vejamos:
Na Saúde, Sócrates prosseguiu o SNS, saído das mãos do ministro Arnaut. Na Segurança Social, com Vieira da Silva, incrementou a protecção social, sem a qual metade dos portugueses caem de imediato na penúria mais crassa. Na Educação, com a ministra Lurdes Rodrigues, melhorou a escola pública, renovou instalações, criou oportunidades para adultos, introduziu línguas e tecnologias. E queria avaliar os professores, um quarto dos quais não mostra capacidades nem conhecimentos para ser profissional do ensino. Sei do que falo, fui dez anos professor, no público e no privado, à noite e durante o dia. Foi aí que entrou em cena o tribuno Nogueira, que desceu a avenida à frente de legiões de setôres, e retirou 300 mil votos e a maioria absoluta ao PS em 2009. Mas o comité central conquistou cinco pontos eleitorais, é do que vive. Na Ciência e na Investigação, com Mariano Gago, a universidade portuguesa atingiu reconhecidos patamares de excelência, com efeitos que ainda sobrevivem. Na Justiça afrontou interesses corporativos das eminências da beca, e suportou-lhes por isso o azedume da bílis. Na Economia abriu campos de acção, nas viaturas eléctricas, nas energias renováveis, nas indispensáveis infra-estruturas, nas novas tecnologias. Nas Finanças tinha recebido, em 2005, um défice de 7% e uma dívida de cerca de 90% do PIB. Em 2007 o défice estava em 2,9%. 
Em 2008 chegou da América a sarna do subprime, e a maior crise financeira dos últimos oitenta anos. Seguindo as instruções da União Europeia, esse ninho de elites traiçoeiras, Sócrates abriu os cordões à bolsa para responder à crise. Aumentou o investimento público e o défice voltou a subir. Em 2010, perante a queda da Grécia e da Irlanda, perante isso da austeridade e o acosso das agências de rating, Sócrates apresentou o PEC IV. O resto é bem conhecido. 
Diga-se então clarinho, para se perceber bem: Sócrates foi o melhor primeiro-ministro que Portugal conheceu, na era democrática. Por isso mesmo foi acossado implacavelmente, e ainda hoje é homiziado pela oligarquia rapace, pelos seus lacaios avençados, e pela estupidez atávica dos portugueses, cujo fadário é serem os cafres da Europa. Depois de soltarem os lobos, já desesperam muitos, no rebanho. Mas só podem contar consigo próprios.

A carta anónima de Vasco

A quem possa ainda interessar.

Ainda o apanhamos!

Enigma desfeito! As emoções inesperadas que Os Maias do Botelho me deixaram vêm do confronto físico, visual, táctil, com as personagens. Mais intenso e perturbante do que a representação mental que delas tinha. 
Algumas por gritante defeito meu, como o Afonso da Maia. E uma delas, pelo menos, por excesso, como o Alencar. Outras várias com nuances.

O Pedro Manuel

[É obrigatório rapinar para aqui este texto inteiro do António Guerreiro. É um retrato rigoroso do Pedro Manuel, que não está ao alcance de qualquer um. (Ao seu lado, no Ipsilon, vem o que deve ser dito sobre a edição das Alabardas, o póstumo inacabado de Saramago.)] 

«Observemos o nosso primeiro-ministro, para além da contingência do cargo que ocupa e 
das manigâncias ocultas do seu passado; observemos como ele se revelou desde o 
primeiro momento, para além dos gestos e dos discursos oficiais e protocolares; 
observemo-lo como figura ou tipo e chamemos-lhe Pedro Manuel, como se fosse uma personagem literária — um Bloom de Joyce, um Mr. Teste de Valéry, um Franz Biberkopf de Döblin, um Marcovaldo de Calvino. O nosso Pedro Manuel tem traços de todos eles, mas não coincide inteiramente com nenhum. Tem escassas potencialidades romanescas, mas consegue oferecer matéria suficiente para um diagnóstico epocal, na medida em que é o triste produto do tempo do homem-massa e o engendramento catastrófico do fim de todos os encantamentos políticos, ideológicos e sociais. É o homem liso, da platitude inerente às formações de uma sociedade homogénea. Se tem alguma aura, é a aura pornográfica da massa contemporânea. É o homem alienado? Não, é o homem da condição estatística, da indiferença, da impessoalidade. A sua presença é tão espectral que não é possível ver nele senão a presença de uma ausência. E até a sua voz de barítono, mas sem grão, e o tom de recitação com que debita são desprovidos de corpo e de mistério. Enquanto figura ou tipo, isto é, naquilo que tem de comum a tantos outros à sua volta e lhe absorve qualquer pretensão de singularidade, o Pedro Manuel é a encarnação do “último homem” de Nietzsche, sobre o qual se abateu a pobreza inerente a um niilismo completo. É, digamos assim, um homem pós-histórico, que vive como se estivesse desde sempre morto. Pedro Manuel é o nome de um homem anónimo que surgiu não há muito tempo à superfície do planeta, um homem sem substância (o que não é exactamente o mesmo que o “homem sem qualidades”, de Musil, que era ao mesmo tempo um 
conjunto de qualidades sem homem). É um representante perfeito da pequena burguesia planetária que herdou o mundo e da qual um eminente filósofo disse que ela era a forma sob a qual a humanidade vai ao encontro da sua destruição. Esta pequena burguesia, na realidade, não é uma classe, é apenas uma massa. Enquanto governante ao mais alto nível, é legítimo pedir-lhe contas sobre o seu passado, mas exigir tal coisa ao Pedro Manuel é completamente inadequado: ele não tem mais espessura do que aquela que o confina a um eterno presente. E há-de morrer como alguém que nada aprendeu, em que o “não quero nada, não sei nada e não tenho nada”, muito embora pareça coincidir com um altíssimo conceito de pobreza, de amplitude metafísica, que vem da Idade Média, do Mestre Eckhart, corresponde antes à miséria do Nada que se mascara. É uma fantasmagórica vacuidade que traz consigo uma única mensagem: nada nos pode defender da trivialidade, da proliferação daninha de Pedros Manueis. A condição política de onde eles emergem é destituída de toda a grandeza, incaracterística, triste como a carne e sem sinais luminosos que assinalem o nosso horizonte. O contrário desta condição, o homem que devemos opor ao Pedro Manuel, não é aquele que foi tantas vezes solicitado pelo culto dos heróis e que vem para se erguer acima dos outros, para os guiar. A nova pobreza de que o Pedro Manuel é o nome não deve ser erradicada em nome de nostálgicas grandezas, a única coisa que devemos exigir é não sermos espoliados pelo Nada e determinados pela condição póstuma do último homem, que infelizmente não encarnou apenas no Pedro Manuel. Pedro Manuel é nome de legião e Massamá é o espaço interior do mundo. 
[ípsilon | Sexta-feira 3 Outubro 2014]»

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Sebastianismo 3

Este ensaio de Miguel Real traz ao leitor grandes ganhos. Oferece-lhe o rol das principais luminárias do Sebastianismo, e esmiúça-lhes, um por um, o pensamento. É a vantagem de ter a papinha feita, coisa não despicienda em terrenos onde as névoas predominam. Além disso, e sendo os sebastianistas uma estranha seita, não possuem um pontífice canónico. Cada um deles traz à escola o seu ponto de vista e a sua contribuição. O edifício comum mal se mantém de pé.
Para se aquilatar do grau de toxicidade do sebastianismo, enquanto cultura da alienação histórica, da negação da realidade positiva, da recusa da consciência cidadã e do visionarismo mais impenitente, baste-nos ouvir:
"(...) Ainda que discurso alucinado, o sebastianismo, enquanto narrativa mítica, como afirma com denodada insistência António Quadros, constitui-se como um dos veios nervosos mais profundos e representativos da cultura portuguesa. Do mesmo modo, Fernando Pessoa considera o sebastianismo o único mito verdadeiramente português, que culturalmente singulariza Portugal.
Neste duplo sentido o retomamos nós, recusando formulá-lo seja como discurso verdadeiro seja como discurso falso, ponderando-o antes como discurso alucinatório, nem real nem ficcional, comungando de ambos os estatutos, delineador das condições de existência para quem mentalmente as comungue.
Ser sebastianista hoje, (...) significa não a esperança no indefinido regresso de D. Sebastião, nem acreditar neste como Messias regenerador da sociedade portuguesa, mas ter plena e real consciência de que o rendimento objectivo do trabalho diário e disciplinado não só não compensa, como todos os proveitos suplementares são extorquidos pela elite administrativa e política dominadora do Estado, ou pela elite económica que deste vive. (...) Ser sebastianista hoje significa ter plena consciência de que em Portugal só se atinge um patamar próspero de vida, se algo (uma instituição) ou alguém dotado de elemento carismático nos prestar um auxílio que nos retire  do embrutecimento e empobrecimento da vida quotidiana (...). Esse algo ou alguém, quando negado em Portugal, impele à emigração, forçando o português a buscar no estrangeiro o que lhe é negado na sua terra natal. Neste sentido, o sebastianismo possui uma vertente positiva, que força o português a agir (...)."

Já reparaste bem

Onde estamos metidos, e com quem?!

A frase do dia

«Troco Moisés por Voltaire, Jesus Cristo por Pasteur, e Maomé por Rousseau.» LINK

O Estado Islâmico

Como nasceu o monstro, e os criminosos que lhe deram o ser.

Os 4 actos

Do triste Passos.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Um Nobel não se come

Então promoveram-me a tenente, mandaram-me para Angola e marcaram-me lugar num DC 6. Era o melhor que havia. Dos aviões que me esperavam no Congo não conhecia nenhum. Mas chegara o tempo de aprender.
A partida seria ao fim da tarde e era Maio. Mas adiaram o voo, por um problema qualquer. Eu improvisei uma pensão, não disse nada a ninguém. E fiquei com o dia livre, marcada que estava nova tentativa para a noite seguinte. Passei a tarde na feira do livro, avenida abaixo comprei a Terra de Neve, do japonês Kawabata, e avenida acima as Lendas da Guatemala, do Miguel Ángel Astúrias. Um já tinha o prémio Nobel, o outro estava para o ter. Não poderei afirmar que fui para a guerra mal acompanhado.
O velho quadrimotor descolou à meia-noite, fez tremer o Areeiro, e lá foi pelo mar abaixo, seguindo a rota duns marinheiros antigos. Eu adormeci logo que pude, quando acordei passara o Bojador. Mas um Nobel não se come, e eu sentia a fome dos antigos marinheiros, que também não pensaram no farnel. Quem me valeu ali foi a Mitina, mulher dum companheiro de aventuras, alminha previdente e caridosa que trazia numa bolsa um salame de cacau. Ao romper da manhã aterrávamos no Sal, e constou que havia a bordo uma avaria. Claudicara uma peça qualquer num dos motores, que a TAP nos havia de trazer.
As instalações da Força Aérea eram exíguas, para aquela tropa toda. É certo que lá ao fundo, disfarçado numa duna, havia um hotel de madeira. Mas era espaço restrito das tripulações civis que faziam escala nos Espargos. E foi assim que o velho DC 6 se viu transformado em tenda de campanha.
Na cauda ficava a zona de marinheiros e magalas. À frente havia mulheres, e cavalheiros respeitáveis, e crianças, e bebés. Só um restrito grupo de privilegiados encontrou lugar nuns catres disponíveis, que havia na enfermaria. Foi o meu caso, durante dois dias. E quando se levantou aquele acampamento, o avião cheirava a fraldas, a paparocas azedas e a caravelas antigas.
Aterrámos em Bissau a meio duma tarde que era um forno. Fizemos ali aguada, e foi então que me penetrou na alma o eflúvio das calmarias do golfo, que nunca mais me saiu. Anos depois voltaria a encontrá-lo, mas não nos antecipemos, por enquanto ainda é cedo.
Que já estamos em Luanda, e vão mandar-nos para o Norte, para manter os bacongos em respeito. Lá voaremos aviões que nunca vimos, em missões que nunca praticámos. Mas quem nos conhece a História, há-de saber que estamos sempre a tempo.
Não tarda muito partimos o focinho, e voltamos a Lisboa, ao hospital. Mas agora já num avião moderno, que vai num pé, e já regressa noutro.