terça-feira, 30 de agosto de 2011

A guerra da Malpartida

Rechaçados pelos ingleses nas Linhas de Torres Vedras, os jacobinos de Massena voltaram a Riba-Côa em 1811, por onde haviam entrado meses antes. E ao contrário das recriações anteriores, desta vez foi encenada a retirada.O teatro de operações ia desde a ponte nova,
onde começou a desenhar-se a ordem de batalha,
até à ponte velha, lá ao fundo, onde o povo aguardava um desfecho favorável.
Houve cargas de cavalaria na melhor das tradições, barragens de artilharia,
combates corpo a corpo e assaltos de baioneta calada.
O leito do Rio Seco foi uma Líbia das antigas, em que os velhos jacobinos também foram escorraçados, forçados a atravessar a velha ponte romana.
O povo rejubilou, mas sem motivo. Foi assim que a Malpartida perdeu a oportunidade de ter o nome gravado no Arco do Triunfo de Paris.
Ficou lá o Rio Seco, e ainda hoje lá está. Por ter sido bem diferente a sorte da escaramuça, um ano antes.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Manuel Laranjeira - Cont. 1

Em muito parcas palavras, já uma vez aqui se falou disto. Vejamo-lo melhor.

(...)
"A vida das sociedades em evolução, como a vida de todos os seres organizados, é, através do seu desenvolvimento, um equilíbrio móvel, isto é, uma sucessão de equilíbrios estáveis cada vez mais perfeitos.
Esta estabilidade móvel (...) depende da estreita sinergia dos seus elementos.
Em Portugal esta sinergia não existe: os elementos da sociedade portuguesa estão distanciados, secularmente distanciados.
Aí está o gérmen do nosso mal-estar.
Claro que, se essa desagregação da sociedade portuguesa se intensificar até à sua dissolução completa; se o equilíbrio não for restabelecido de maneira que a engrenagem social portuguesa volte a funcionar sinergicamente; se esta ficção de organização não for destruída e substituída por uma organização una e harmónica, a nossa existência como nação, como sociedade autónoma, será efémera e as nações vivas podem ir preparando o estômago com aperitivos para o suculento festim. (...)
Eu creio que sim, que isto se pode salvar ainda, embora este meu acto de fé represente apenas uma pieguice sentimental, um desses acessos de optimismo que na hora inadiável e solene da agonia nos levam a abraçar desesperadamente a última ilusão, a mais vivaz e menos destrutível das ilusões - a ilusão da imortalidade."
(...)

[A história presenteou-nos com os últimos 30 anos, para operar esta recomposição. Mas o tempo é ainda curto. E os resultados são já devastadores. Tudo está voltando ao que já foi.]

Lidoro (actualizado)

Um tal nome é corruptela do vulgo, do original já não há quem se lembre. Tinha ressonâncias clássicas perdidas, engendradas ninguém sabe como na cabeça do pai, a quem chamavam filósofo. Isto quando voltou da grande guerra, de cabeça estonteada pelos gases.
Hoje vive ali, nas Tapadinhas, a meio da encosta, como um anacoreta. Tem uma casita de chão térreo, com uma porta por onde o sol espreita, sem entrar. Lá dentro cabe uma vaca, duas cabras, e dúzia e meia de cães. Na horta há uma presa velha, de águas-vivas, de nascente. Basta-lhe a ele, aos bichos e ao renovo.
Quando calha apanha uma perdiz, um laparoto incauto, se os cachorros ajudarem. Poda as vides da latada em lhe chegando o tempo, e é delas que tira um vinhito improvisado para adoçar as invernias. Afora isso deixa o mundo correr.
Teve em tempos uma namorada, e desejos de fazer vida com ela. A mãe é que não deixou, não era mulher para ele. A namorada foi casar a outro lado, a mãe morreu quando lhe chegou o dia. E o Lidoro mudou-se para as Tapadinhas. Nunca mais voltou ao povo, que foi ficando deserto.
Já lhe ofereceram uma casa da Misericórdia, um quarto no lar dos velhos. Mas ele escorraçou o mensageiro. Diz que se fartou daquelas galgas, que não está para as aturar. As galgas são as línguas das mulheres, quando se juntam na fonte. E ninguém lhe deu notícia de que as galgas já morreram e deixaram de lá ir.
A pontada que lhe mói o lado esquerdo já passa as noites com ele. A princípio ia e vinha, uma fraqueza assim ao fim da tarde, talvez por mor do cansaço. Agora nem de madrugada o larga. Prende-o à cama e só o vai largar quando acabar com ele. Mas Lidoro ainda o não sabe.
Nessa altura, que não tarda, os cachorros vão juntar-se à roda do seu dono, todo ausente, a mão imóvel. Vão ganir-lhe, em voz chorada, a pressentir o pior. Vão uivar-lhe, em desespero, já sem esperança nenhuma. E vão ladrar-lhe, raivosos deste abandono, já toldados pelo instinto. Até que o primeiro deles lhe afoite na jugular os caninos esfaimados.

domingo, 28 de agosto de 2011

Ecos da Sonora - XLI

PROSAS DISPERSAS [Relógio d'Água, s.d.] reúne alguns dos principais artigos de Manuel Laranjeira sobre literatura, teatro, religião e o modo de ser português. O núcleo essencial da colectânea sai das PROSAS PERDIDAS, seleccionadas por Alberto de Serpa em 1959. (...)
Em Espinho, onde exercia medicina, Manuel Laranjeira conheceu Miguel de Unamuno, com quem manteve uma das mais fecundas conversas ibéricas.
Laranjeira suicidou-se em Fevereiro de 1912. Deixou uma obra poética, ensaística, teatral e ainda um diário.
Como ensaísta legou-nos algumas das contribuições mais inovadoras que Portugal conheceu neste século, nelas sendo visível a lucidez que só o desespero consente.

[da contra-capa]

PESSIMISMO NACIONAL
(...)
Somos um povo civilizado... na aparência, porque a negra realidade é que quatro quintos da população portuguesa nem sequer sabe ler nem escrever. Vestimos à moderna, pretendemos viver à moderna, e pensamos e sentimos à antiga. Somos um povo pertencendo, pelo aspecto, ao tempo dos direitos do homem e pertencendo, na verdade, pelo espírito, aos tempos da pedra lascada.
Mas, objectar-me-ão: - em Portugal existe uma minoria reduzida, uma parcela, embora mínima, que acompanha a civilizaçãO moderna e vai nas correntes do pensamento contemporâneo.
Precisamente por isso.
Precisamente porque uma fracção do cérebro português acompanhou o espírito contemporâneo na sua gigantesca evolução; e precisamente porque essa minoria civilizada não soube ou não pôde impor-se à maioria da Nação e arrastá-la consigo nesse avanço progressivo; precisamente desse desnivelamento - é que deriva essa crise sobreaguda do pessimismo em que se está debatendo o povo português.
Essa harmonia que parece reinar na engrenagem social portuguesa é uma harmonia toda fictícia. A nossa organização social é uma organização mentirosa, sem estabilidade, sem unidade, uma ficção de engrenagem civilizada, encobrindo a torpeza de um parasitismo desenfreado e impudente.
Para quem não conhecer intimamente a vida portuguesa, o que se está passando neste malfadado país é incoerente, absurdo, inverosímil. E nem sequer é de espantar que lá fora, alguém que nos observe de longe, ignorante do nosso maquinismo íntimo e apreciando-nos apenas pelas nossas manifestações exteriores, visíveis, contraditórias até à mais requintada fantasia, nos declare duramente, brutalmente, uma nação morta, condenada a ser devorada pelo ventre esfíngico, insaciável das nações vivas.
Todavia para nós, Portugueses, comungando na vida portuguesa do dia-a-dia, assistindo ao desenrolar quotidiano da vida portuguesa, a situação é clara, precisa.
Ou devia sê-lo.
Somos um povo sem comunidade de pensar e de sentir; somos um povo percorrendo uma fase trágica de desequilíbrio, um povo cuja organização, de hora para hora, está perdendo a sua consistência. A alma portuguesa, sob a ilusória aparência duma unidade cívica, está sofrendo duma desagregação cada vez mais intensa.
Tão somente, se existem desagregações patológicas, definitivas, incuráveis, também as há passageiras, psicológicas, remediáveis.
É por isso que o nosso pessimismo é apenas (e felizmente!) o sintoma alarmante de que estamos atravessando uma hora perigosa, decisiva para os nossos destinos como povo.
(...)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Auto da barca


O teatro que alguns canalhas da NATO têm em cena na Líbia, e o desenlace que nos vêm prometendo, galvanizou a plateia.
Alá é grande, e há-de salvá-los a todos.

Lord Byron

O Português na rua é um pavão. À mesa, empanturra-se. E mente de manhã à noite.
Melhor do que estes camones a improvisar sobre nós, (e a destratar-nos, como nós dizemos), só os portugueses a inventar sobre si próprios.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Bagas

Por essa Europa fora, sobretudo no norte, é frequente o culto dos frutos silvestres, e das bagas que pintam nas florestas no final do Verão. Saem deles inimitáveis sabores.
É verdade que entre nós a floresta é diferente e menos pródiga a natureza. Ressalvando os cogumelos, que constituem no Outono um petisco regional, só as amoras silvestres justificam atenção.
Porém, o que a nós nos falta é a cultura destes pequenos nadas, nunca nos ensinaram que a vida se faz muitas vezes da humildade de gestos minimais.
Nós somos especialistas dos grandes espaços do espírito, e da parte vaga da vida, que deixamos inconclusa. Preferimos afundar-nos no tédio ou na preguiça, com os bolsos cheios de mitos e de côdeas de pão duro.

domingo, 21 de agosto de 2011

Tão cedo

Troveja forte e feio em Riba-Côa. Chove a cântaros. A potes. A pipas, a almudes, a tonéis. As caleiras desfazem-se em torrentes.
Chove como mija a burra, diria a metáfora emocionante dum colega de infância, muito antiga, para animar a sua redacção.
E eu entendo, finalmente, a pressa das cegonhas, que desertaram do campanário logo em meados de Julho. Tão cedo, pensava eu.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

"Sonho que somos iguais"

O artista é português. Mete-se na gaiola com as galinhas e fica lá três dias, até lhe passar a bebedeira, que ele toma por impulso genesíaco de criatividade.
O mesmo acontece aos comissários da 16ª Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira, para quem a performance, "no fundo, pretende mostrar que somos todos iguais, independentemente do lugar que ocupamos na cadeia alimentar".
É aí que dá entrada a artista colombiana. Frita as galinhas, e entrega-as ao apetite dos basbaques.
Pois seremos todos iguaizinhos na precária mioleira, no ar pândego, no pescoço pelado. Mas quanto às coxinhas fritas... não há como as da galinha.

Não tenho nada contra este governo

Nem ilusões a favor. Conheço esta gentinha de ginjeira, e aquilo que lhe não presenciei fui ler aos livros. Está lá tudo, há muito tempo.
Porém a forma golpista, salivante e traiçoeira, própria só de quem despreza a pátria, que utilizaram para provocar eleições e chegar ao poder, não promete nada de bom.
E assusta ver este bando de parasitas temerários a jogar à vermelhinha com a nossa vida. Capitaneados pelo Relvas, esse aríete. À sombra do Cavaco.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O lamaçal da filha da putice

Por pouco caía na tentação de fazer um comentário a esta notícia.
E a esta
.
E a esta.

E a esta.

E ainda a esta.
Mas desisti a tempo, de evitar atolar-me no lamaçal.

Lua cheia em Riba-Côa

Antes da aplicação do PEC6.
E do PEC7.
Aqui depois do PEC8.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

The dark side of the moon

Sem este vasto pavilhão, não sei como poderiam ter lugar os trabalhos levados a cabo pela Associação Rio Vivo. Mas isso não pode impedir-nos de ver a realidade.
S. Pedro do Rio Seco, uma aldeia deprimida como tantas outras, tem pouco mais de 150 habitantes, na maior parte idosos. Deles se vai ocupando o Centro Social.
Daí resulta ser diminuta a utilização das capacidades duma infraestrutura desta dimensão, com os inevitáveis custos de conservação e manutenção.
Assim sendo, que objectivos ditaram a sua construcção? Que base económica a pode sustentar? E, uma vez nesta aldeia, porque não nas outras todas?!
As conclusões são lamentáveis mas fáceis de tirar.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Uns e outros

Um país, um presidente, um parlamento, um governo, um conselho de estado, uma região, um partido, um povo, que toleram e amamentam, sem outro gesto maior do que encolher os ombros, este déspota paranóico e chantagista, histrião e megalómano, que décadas de poder absoluto ensandeceram há muito... são coniventes com ele e merecem o que têm. Talvez mais.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A virgem ofendida

Com o arzinho da dita, Louçã referiu num comício que o Programa de Emergência Social (PES) do actual governo traz decisões para a política social que "nunca tinham acontecido em Portugal". Como aquele caso de "um desempregado vir a ser obrigado a trabalhar gratuitamente para uma qualquer entidade social ou no privado", sob pena de perder o subsídio.
Ou aqueloutro caso em que "a ASAE deixa de ter qualquer poder para verificar (o estado de funcionamento) das cozinhas de creches e dos lares de idosos". Assim "criando regras especiais para os pobres".
Na verdade não entendo por que há-de Louçã armar-se em vítima e fingir-se escandalizado. O governo que ele mesmo, há uns meses atrás, ajudou a levar ao poder, é o governo duma gente que só sabe governar, há séculos, com regras especiais: umas para os pobres, e outras para os ricos.
Qualquer espírito um pouco além do básico saberia prever que, desta vez, não estava apenas em causa uma simples alternância no poder. Eram questões mais fundas, do regime e da governação, que estavam postas em causa. De modo que só um palerma, ou um farsante, dá a tais adversários a mãozinha, para depois se mostrar chocado com a sua actuação. Mas há pior, e mais perigoso, como se detecta AQUI.
Tudo isto me faz lembrar a direcção dos comunistas alemães, que na década de 30, na República de Weimar, e seguindo as instruções de Stalin, também considerava que os sociais-democratas no governo eram uma coisa pior que os nazis. "Que venha Hitler! Nós seguiremos Hitler!". Pouco depois acabava às mãos do Fuehrer, também a espernear.
Muito a propósito, vem esta descrição pormenorizada da pulhice a que Louçã se associou, oferecendo a tal gentalha o pescoço dos tais pobres que hoje o põem a ganir.

domingo, 7 de agosto de 2011

Ali num canto de jardim

[Clique duplo, em querendo]

Rio Vivo

No sábado quase tudo correu bem.
No domingo pagam-se as favas, claro! Que isto não é fole de ferreiro!

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Bárbaros novos

Muito mais depressa do que se previa, o tempo deu razão a Sócrates, o vilão.
Graças às inanidades dum Cavaco imprestável e comprometido na rede; graças às golpadas sujas duma direita incompetente e anti-patriótica, que sacrificou o país à mera saliva de poder; graças à cegueira malsã duma esquerda oportunista e patética, o país deitou seis meses fora. Alegremente.
E faziam-lhe falta, perante a nova barbaridade que aí está.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

"Artesãos do ódio"

À atenção de quem, ao sono, prefere andar acordado. AQUI.

Por muito boas razões

Neste fim de semana, S. Pedro do Rio Seco dá que falar.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Uvas verdes

Já na Síria, as uvas ainda estão verdes.
E a NATO, que tem dentes postiços, espera pelo fim do verão.
A ver se os figos caem de maduros.