Era uma vez uma família muito pobre. Vivia numa aldeia em que as noites eram escuras, e mais longas ainda quando a fome se punha a cantar nas barrigas, antes de chegar a manhã.
Certa noite, num serão de pão escasso, lembrou-se o pai de contar uma história. E vai ele, que bom seria, mulher, termos dinheiro para comprar uma cabra. Havíamos de levá-la à vez a pastar pelos caminhos, para ela encher a barriga dos botões de silvas bravas, quando o sol, na primavera, constrói jardins nas paredes. E quando anoite chegasse, e a cabra voltasse a casa, íamos colher-lhe o leite, e as noites seriam longas, e a família cresceria, já viste mais alegria. Mas eu não gosto de leite, tornou o filho mais novo. E quando o outono chegar, e as silvas ficarem duras, subo ao freixo do valado, e domais dourado ramo se há-de fartar nosso gado, disse o outro, confiado. Mas eu não gosto de leite, insistiu o desgraçado.
Numa breve conclusão, perde o pai o seu vagar, e ali mesmo obriga o revel e obstinado filho a engolir duas grandes tigelas de leite na companhia dos irmãos, que assim dormiram toda a santa noite, de barriguinha calada.
É claro que tudo isto aconteceu num tempo muito antigo, enquanto havia milagres e cabras que davam leite.