domingo, 30 de junho de 2013
23 de Março de 2011, o dia da traição
Pode esta escumalha dizer o que quiser, e já tudo foi ouvido. Pode a imbecilidade bovina emprenhar pelos ouvidos e deixar-se ir. Mas factos são factos, e têm uma factura, e não há nenhuma maneira de os apagar.
sábado, 29 de junho de 2013
A melhor do fim do mês
"O país, a escangalhar-se a rir, ainda vai descobrir que o madurismo é o relvismo sem créditos" [nem equivalências].
sexta-feira, 28 de junho de 2013
É muito antiga esta lepra papista, parasita dos povos
É certo que nos não fazia falta mais insânia, mas não é surpreendente. Bem podem os ingénuos crentes mijar nas mãos e pô-las a escorrer!
quinta-feira, 27 de junho de 2013
A tia rica - 3
Estes filhos da puta têm muita sorte, saiu-lhes outra vez a herança duma tia rica. Lá andam a gastá-la no casino e nas alternadeiras da finança. Uns cabrões!
Momento decisivo 2
[rapinado a JJRoseira]
A foto que mais notabilizou Robert Doisneau foi tirada numa praça de Paris e não foi espontânea. O fotógrafo surpreendeu o beijo, mas não quis apoderar-se dele, que não lhe pertencia. E felizmente as figuras aceitaram encenar este momento decisivo.
quarta-feira, 26 de junho de 2013
Solstício
No cimo daquele outeiro havia um castro antigo. E o sol subia, subia, sempre a caminhar para norte, era motivo de festa e o mundo rejubilava.
Mal tropeçava no castro, logo voltava para trás. Foi isso que aqui há dias aconteceu outra vez.
Teixeira dos Santos na TVI?!
Claro que gente fina é outra loiça, mas isso já se sabia! Apesar do faccioso e mundano coirão da jornalista.
A grande cabra
Vivia na Casa da Prebenda, um condado no centro da cidade. Nessa altura aquilo era para mim uma casa muito grande. Só muitos anos mais tarde, numas escavações que a vida trouxe e meteram muitos livros, muito tempo, algum trabalho mental e muita música, eu viria a descobrir-lhe o justo significado.
O nome da grande cabra era uma cordilheira, só ele enchia a folha inteira dos assentos. E tinha em casa uma dúzia de gatos, felpudos, exóticos, arraçados. Alimentava-os a pescada sem espinhas, o melhor peixe que a criadagem trazia do mercado. Servia lá em casa a minha tia, uma criatura doce que foi parar ao Brasil depois de se ter casado, à procura duma vida. A tia tinha por mim uma grande paixão. E sempre que podia enchia-me de mimos e ajudou-me a crescer.
Um dia apanhei a camioneta pela mão da minha mãe, que foi levar à Prebenda um cabaz de morcelas curadas pela fumarada. E tão bem curadas eram que a grande cabra guardou-as no automóvel, meteu os pés ao caminho e foi levá-las à Checoslováquia, para regalo dum filho que lá vivia e era primeiro-secretário da embaixada. Foi assim que dormi uma noite num quarto esconso do sótão da Casa da Prebenda, ao cimo duma escadaria interminável. E nunca mais me saiu do ouvido o sussurrar nocturno das folhas das magnólias e das japoneiras que restolhavam na brisa.
Quando o marido morreu, trasladou-o para o cemitério da aldeia, ainda hoje lá está, no gavetão dum jazigo da família. Deixou-lhe em cima um bouquet de tulipas amarelas, e duas lágrimas numa pétala delas.
Muitos anos depois chegou a revolução e a agitação que ela trouxe. Eu aproveitei a primavera, peguei na mão dos dois filhos, e fui com eles à aldeia, ver as flores das macieiras. Ao sol da tarde, andavam os garotos por ali a fazer poços no chão, em correrias com os dois cachorros. Foi então que ela chegou, como às vezes fazia de visita. Olha para mim com ar inquisidor, o ar de quem pede contas, e pergunta: - São cá da casa aqueles dois cachorros?! - Eu fiquei encabulado, respondi-lhe que sim, alguns minutos depois percebi tudo. E finalmente apaguei-a do mapa.
O nome da grande cabra era uma cordilheira, só ele enchia a folha inteira dos assentos. E tinha em casa uma dúzia de gatos, felpudos, exóticos, arraçados. Alimentava-os a pescada sem espinhas, o melhor peixe que a criadagem trazia do mercado. Servia lá em casa a minha tia, uma criatura doce que foi parar ao Brasil depois de se ter casado, à procura duma vida. A tia tinha por mim uma grande paixão. E sempre que podia enchia-me de mimos e ajudou-me a crescer.
Um dia apanhei a camioneta pela mão da minha mãe, que foi levar à Prebenda um cabaz de morcelas curadas pela fumarada. E tão bem curadas eram que a grande cabra guardou-as no automóvel, meteu os pés ao caminho e foi levá-las à Checoslováquia, para regalo dum filho que lá vivia e era primeiro-secretário da embaixada. Foi assim que dormi uma noite num quarto esconso do sótão da Casa da Prebenda, ao cimo duma escadaria interminável. E nunca mais me saiu do ouvido o sussurrar nocturno das folhas das magnólias e das japoneiras que restolhavam na brisa.
Quando o marido morreu, trasladou-o para o cemitério da aldeia, ainda hoje lá está, no gavetão dum jazigo da família. Deixou-lhe em cima um bouquet de tulipas amarelas, e duas lágrimas numa pétala delas.
Muitos anos depois chegou a revolução e a agitação que ela trouxe. Eu aproveitei a primavera, peguei na mão dos dois filhos, e fui com eles à aldeia, ver as flores das macieiras. Ao sol da tarde, andavam os garotos por ali a fazer poços no chão, em correrias com os dois cachorros. Foi então que ela chegou, como às vezes fazia de visita. Olha para mim com ar inquisidor, o ar de quem pede contas, e pergunta: - São cá da casa aqueles dois cachorros?! - Eu fiquei encabulado, respondi-lhe que sim, alguns minutos depois percebi tudo. E finalmente apaguei-a do mapa.
terça-feira, 25 de junho de 2013
25 de Junho de 75
Foi no meio dessas andanças, enquanto a conversa deslizava, que entrámos no quinteiro. Lá ao fundo havia um cabanal onde o Zé guardava as lenhas do Inverno. E diminuto era o lugar para elas, que a mor parte do telheiro estava atravancada por um exótico mostrengo. Uma espécie de prisma descomunal, coberto de ferrugens e de lixo.
Com algum jeito o Zé confidenciou-me que era um depósito de gasolina. Estava enterrado em Tete, numas bombas que ele tinha à beira da picada que dava para o Moatize. Antes de juntar as tralhas e pôr-se a mexer para a Beira, mandou vir os pretos todos, fê-los desenterrar o mastodonte, subiu-o para o camião e trouxe tudo no convés dum navio. Agora ali estava ele, e estava ali muito bem. Não tinha deixado nada àqueles cães.
Com algum jeito o Zé confidenciou-me que era um depósito de gasolina. Estava enterrado em Tete, numas bombas que ele tinha à beira da picada que dava para o Moatize. Antes de juntar as tralhas e pôr-se a mexer para a Beira, mandou vir os pretos todos, fê-los desenterrar o mastodonte, subiu-o para o camião e trouxe tudo no convés dum navio. Agora ali estava ele, e estava ali muito bem. Não tinha deixado nada àqueles cães.
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Ehna ehna!
[Foto de Miguel Claro, rapinada a JJRoseira]
A lua grande, ontem, em Setúbal. 14% maior e 30% mais brilhante.
quinta-feira, 20 de junho de 2013
A tia rica - 2
Os marginais têm sorte, saiu-lhes outra vez a herança duma tia rica! Lá andam a gastá-la no casino e nas alternadeiras da finança. Uns cabrões.
Não parece
[clicar para ler]
[rapinado a JJRoseira]
Mas esta imagem explica muitas das surpresas que estão a passar-se no Brasil.
quarta-feira, 19 de junho de 2013
Dolce Vita
Temendo não chegar a tempo de comprar ali na gorda uma alface para o almoço, dirigi-me ao parque dum complexo a que chamam Dolce Vita. Larguei o panzer no estacionamento, perdi-me em escadarias, elevadores afluentes e tapetes rolantes, até que cheguei enfim à banca dos legumes.
Dentro do complexo caberiam quatro estádios, para além da catedral da bola verdadeira que fica ali à ilharga. E assim pratiquei a contragosto a minha maratona.
Não encontrei dolce vita nenhuma, muito pelo contrário, o que vi foi uma azeda maneira de ir morrendo. Mas lá trouxe para o almoço uma alface mesquinha.
Um casal de velhotes amparavam-se um ao outro, perdidos na floresta dos expositores em busca não sei de quê. Nasceram há muito tempo debaixo dum carvalho, e um dia vieram parar aqui, pelos ventos deste mundo. Vi-lhes nos olhos que suspiram pela horta debaixo do carvalho, onde crescem as alfaces, sem maratonas nem expositores.
Dentro do complexo caberiam quatro estádios, para além da catedral da bola verdadeira que fica ali à ilharga. E assim pratiquei a contragosto a minha maratona.
Não encontrei dolce vita nenhuma, muito pelo contrário, o que vi foi uma azeda maneira de ir morrendo. Mas lá trouxe para o almoço uma alface mesquinha.
Um casal de velhotes amparavam-se um ao outro, perdidos na floresta dos expositores em busca não sei de quê. Nasceram há muito tempo debaixo dum carvalho, e um dia vieram parar aqui, pelos ventos deste mundo. Vi-lhes nos olhos que suspiram pela horta debaixo do carvalho, onde crescem as alfaces, sem maratonas nem expositores.
terça-feira, 18 de junho de 2013
Mais um do Herberto
Um dia destes tenho o dia inteiro para morrer,
espero que me não doa,
um dia destes em todas as partes do corpo,
onde por enquanto ninguém sabe de que maneira,
um dia inteiro para morrer completamente,
quando a fruta com seus muitos vagares amadura,
o dom - que é um toque fundo na ferida da inteligência:
oh será que um poema entre todos pode ser absoluto?
escrevê-lo, e ele ser a nossa morte na perfeição de poucas linhas
espero que me não doa,
um dia destes em todas as partes do corpo,
onde por enquanto ninguém sabe de que maneira,
um dia inteiro para morrer completamente,
quando a fruta com seus muitos vagares amadura,
o dom - que é um toque fundo na ferida da inteligência:
oh será que um poema entre todos pode ser absoluto?
escrevê-lo, e ele ser a nossa morte na perfeição de poucas linhas
Nó cego
Quanto mais o tempo passa, mais se nota a falta que nos fazem as políticas dos governos do Sócrates: nas respostas a dar à crise financeira internacional, na economia, nas infraestruturas, na educação, na saúde, na ciência, nas tecnologias, na transformação da vida, na alma, no futuro. E mais ressalta o nó cego que estes filhos da puta deram à nossa vida.
Tropa - 2
O Instituto de Acção Social das Forças Armadas (IASFA) é, de há muito tempo, uma estrutura criada, gerida e alimentada por gerações de militares. A Assistência na Doença aos Militares (ADM) é administrada por este Instituto. Num primeiro passo, este governo foi buscar um boy e introduziu-o na gestão. Num segundo, prepara-se para substituir toda a adminstração por boys futricas.
O Centro de Acção Social (CAS) de Oeiras, integrado no IASFA, presta assistência a casais e viúvos idosos, alguns residentes nas instalações existentes. Um casal paga, por uma unidade residencial, 1395 euros mensais; a partir de 1 de Julho de 2013, o preço subirá para 1585 euros; a partir de 1 de Julho de 2014, o preço subirá para 1767 euros; a partir de 1 de Julho de 2015, o preço subirá para 1953 euros.
E a dona Alexandrina, que é viúva dum coronel que fez quatro comissões em África e o acompanhou nas duas primeiras, e nas restantes deixou de o acompanhar porque ficou a cuidar dos dois filhos, qualquer dia não pode pagar uma tal renda e vai para a rua, talvez a dormir na estação dos comboios. Puta que os pariu!
O Centro de Acção Social (CAS) de Oeiras, integrado no IASFA, presta assistência a casais e viúvos idosos, alguns residentes nas instalações existentes. Um casal paga, por uma unidade residencial, 1395 euros mensais; a partir de 1 de Julho de 2013, o preço subirá para 1585 euros; a partir de 1 de Julho de 2014, o preço subirá para 1767 euros; a partir de 1 de Julho de 2015, o preço subirá para 1953 euros.
E a dona Alexandrina, que é viúva dum coronel que fez quatro comissões em África e o acompanhou nas duas primeiras, e nas restantes deixou de o acompanhar porque ficou a cuidar dos dois filhos, qualquer dia não pode pagar uma tal renda e vai para a rua, talvez a dormir na estação dos comboios. Puta que os pariu!
Tropa - 1
[Entrevista do cor. Sanches Osório, ionline]
- O que pensa do fim do Instituto de Odivelas?
- As meninas de Odivelas vão, durante o dia, frequentar as instalações do Colégio Militar. Qual foi a génese disto? Um estudo do prof. dr. eng. Marçal Grilo. Por que fez o estudo não sei. Mas neste país, depois do governo vem a Fundação Gulbenkian. Ele concluiu o estudo, mas não tem nada com a execução. O ministro decidiu, e agora o Chefe do Estado Maior distribuirá os preservativos. Porque misturar rapazes e raparigas adolescentes é arranjar um molho de brócolos.
- É um crítico da re-estruturação das Forças Armadas. Não concorda que têm que ser re-estruturadas?
- É claro que sim, mas é preciso explicar os objectivos. Devia haver serviço militar obrigatório (SMO). Muito simplesmente para explicar ao comum dos cidadãos o que é a pátria, e que há valores além do défice. O SMO acabou porque o sr. Seguro, o sr. Coelho e outros não queriam dar o corpo ao manifesto, não queriam dar-se ao trabalho de o fazer.
- O que ofende os militares nesta altura?
- A base da história é que nunca, ao longo da história, se pediu a um funcionário público que morresse pela pátria. Mas agora vêm dizer que os militares são funcionários públicos. Em 1982, quando foi feita a tabela de vencimentos pela Assembleia da República, fez-se equivaler o nível de vencimentos dos juízes do STJ, dos embaixadores, dos professores catedráticos e dos generais. Passou a água por baixo das pontes, os juízes fizeram greve e os vencimentos aumentaram. Os professores fizeram greve e os vencimentos aumentaram. Os embaixadores e os generais não fizeram greve e ficaram a arder. Hoje o vencimento dum coronel é pouco mais de metade dum juiz desembargador. Se somos funcionários públicos iguais aos outros, então quero um sindicato. E quando me mandarem para o Líbano, eu digo que só vou se me pagarem X.
- O que pensa do fim do Instituto de Odivelas?
- As meninas de Odivelas vão, durante o dia, frequentar as instalações do Colégio Militar. Qual foi a génese disto? Um estudo do prof. dr. eng. Marçal Grilo. Por que fez o estudo não sei. Mas neste país, depois do governo vem a Fundação Gulbenkian. Ele concluiu o estudo, mas não tem nada com a execução. O ministro decidiu, e agora o Chefe do Estado Maior distribuirá os preservativos. Porque misturar rapazes e raparigas adolescentes é arranjar um molho de brócolos.
- É um crítico da re-estruturação das Forças Armadas. Não concorda que têm que ser re-estruturadas?
- É claro que sim, mas é preciso explicar os objectivos. Devia haver serviço militar obrigatório (SMO). Muito simplesmente para explicar ao comum dos cidadãos o que é a pátria, e que há valores além do défice. O SMO acabou porque o sr. Seguro, o sr. Coelho e outros não queriam dar o corpo ao manifesto, não queriam dar-se ao trabalho de o fazer.
- O que ofende os militares nesta altura?
- A base da história é que nunca, ao longo da história, se pediu a um funcionário público que morresse pela pátria. Mas agora vêm dizer que os militares são funcionários públicos. Em 1982, quando foi feita a tabela de vencimentos pela Assembleia da República, fez-se equivaler o nível de vencimentos dos juízes do STJ, dos embaixadores, dos professores catedráticos e dos generais. Passou a água por baixo das pontes, os juízes fizeram greve e os vencimentos aumentaram. Os professores fizeram greve e os vencimentos aumentaram. Os embaixadores e os generais não fizeram greve e ficaram a arder. Hoje o vencimento dum coronel é pouco mais de metade dum juiz desembargador. Se somos funcionários públicos iguais aos outros, então quero um sindicato. E quando me mandarem para o Líbano, eu digo que só vou se me pagarem X.
Cá se fazem...
[rapinado a JJRoseira]
A Lollobrigida votou no Beppe Grillo. E o cachorro é que ficou todo contente.
segunda-feira, 17 de junho de 2013
Missão
As aventuras de Hans Castorp tomam, por junto, oitocentas páginas. E eu, que em dias fastos me rendo a umas boas quinze linhas, lá tenho que subir as escadas do sótão e limpar o pó ao espírito de missão.
domingo, 16 de junho de 2013
Já repetidamente aqui se disse
O PPD é actor primeiro no palco da tragédia nacional, que não ocupa sozinho.
Aqui fica, para quem a precisar, a melhor demonstração.
Aqui fica, para quem a precisar, a melhor demonstração.
Praia das Lágrimas
Este pequeno exercício de Fernando Dacosta ilustra, sucinta e exemplarmente, a catástrofe do retorno dos portugueses de África à nossa Praia das Lágrimas. Quando uma hecatombe destas acontece, há perguntas à História que são obrigatórias. Há respostas que são de exigir.
Dacosta nem faz umas nem pede outras. Repete uma omissão de séculos, das elites do nosso pensamento.
É isto, Portugal! Incapaz de reconhecer os erros do passado, só lhe resta sonhar com o V Império e desperdiçar a vida a repeti-los.
Por caridade
Alguém me sabe dizer que filosofia, que fadário, que superstição, que crença, que lógica, que loucura, que destino, que cultura, que atavismo, que razão ou objectivo levam um português comum, com dois patacos no bolso, a construir entre montes, há dez anos, num sertão qualquer da Lapa, ao lado duma estrada de carroças, uma silhueta assim?!
Milagres
A avó fez a sua parte, criou-o num canteiro, com afagos que só os dedos dela sabem.
Os netos expuseram-no ali no passeio.
Eu comprei-lho, e deixei rua fora um aroma incomum.
Ele aproveita o sol e vai crescer.
Agora só falta que o São João faça o que lhe cabe no milagre.
sábado, 15 de junho de 2013
Compromisso
Estávamos ali, na Sonora, num dilema. Elas queriam responder ao desejo dum utente, que pedira a gravação dos Comentários Conimbricenses ao De Anima do Aristóteles Estagirita, vastamente usados pelos jesuítas de Évora, da Europa inteira, nos séculos XVI e XVII. Eu preferia um calhamaço do Thomas Mann, estranhamente inexistente no acervo.
Veio-me à lembrança a conversa com um médico, há uns anos, já andava por aí a fumarada de insânia que hoje desgoverna o mundo. - Que é que se pode fazer?! - perguntei eu, como quem pede ajuda. - Nada mais do que fazer cada um o melhor que souber, no seu campo de acção!
Tomei-lhe a sábia palavra no sentido literal, e abrimos ao mesmo tempo a gravação dos dois trabalhos. São mil e quinhentas páginas em frente dum microfone. Mas aturar as paranóias dum mundo deste calibre é bem pior.
Veio-me à lembrança a conversa com um médico, há uns anos, já andava por aí a fumarada de insânia que hoje desgoverna o mundo. - Que é que se pode fazer?! - perguntei eu, como quem pede ajuda. - Nada mais do que fazer cada um o melhor que souber, no seu campo de acção!
Tomei-lhe a sábia palavra no sentido literal, e abrimos ao mesmo tempo a gravação dos dois trabalhos. São mil e quinhentas páginas em frente dum microfone. Mas aturar as paranóias dum mundo deste calibre é bem pior.
sexta-feira, 14 de junho de 2013
Coisas
Passa pelas coisas
e colhe-as
indaga-lhes o senso
e larga-as.
As coisas são só coisas.
Faz delas um herbário
colecção
mas breviário não.
Exposição
A mais recente exposição de Julião Sarmento deixa-se ver como um diário do artista. [Ípsilon]
Não a vi, nem a verei. Mas agrada-me saber que desta vez vai além duma púbis de fêmea.
Tenho muita pena, mas...
1 - A primeira vez que ouvi falar de avaliação dos professores, há um quarto de século atrás, era ministra da Educação a sra. Ferreira Leite, dum infausto governo de Cavaco. Ensinava eu língua e literatura numa escola. Era também delegado sindical, da Fenprof, ramo Teodoro. Ao lado duma colega, que seguia a tendência esquerdista Pascoal.
Na reunião sindical que então fizemos, sustentei eu que sempre fora avaliado, em anteriores encarnações profissionais. Que a avaliação vinha aí, e tinha a sua lógica, era melhor pensarmos no assunto. E acrescentei alguns tópicos que me pareceram pertinentes.
A colega sindicalista deixou de me falar. Os restantes reservaram-me um mitigado ostracismo, e eu acabei a demitir-me das lides sindicais.
2 - As complexas e delicadas questões da avaliação explodiram no tempo mais recente da ministra sinistra, dum governo de Sócrates. E o Nogueira, para quem a trampa do PS é pior do que a merda do PPD, desceu a avenida da Liberdade como um pro-cônsul em triunfo, à frente duma tropa de imbecis. Limpou o terreno, minou a ministra e o governo. E deslocou um quarto de milhão de votos naturais nas eleições seguintes, estendendo deste modo o tapete vermelho à pior escumalha que alguma vez governou Portugal.
3 - Não tenho dúvidas de que os professores estão a ser chacinados, no aspecto profissional, no aspecto social, no aspecto anímico, no aspecto humano e na sua dignidade. Têm claramente a quem o agradecer. Nem dúvidas me restam de que a escola pública será disso a vítima final.
4 - A greve em curso às avaliações do período escolar, e a prometida greve aos exames finais, não juntará no fim os destroços dos professores, usados como bombistas suicidas. Degrada ainda mais a escola pública, servindo os objectivos dos marginais que nos governam. E defrauda dezenas de milhares de adolescentes e pais, muitos dos quais mereciam outra coisa.
Na reunião sindical que então fizemos, sustentei eu que sempre fora avaliado, em anteriores encarnações profissionais. Que a avaliação vinha aí, e tinha a sua lógica, era melhor pensarmos no assunto. E acrescentei alguns tópicos que me pareceram pertinentes.
A colega sindicalista deixou de me falar. Os restantes reservaram-me um mitigado ostracismo, e eu acabei a demitir-me das lides sindicais.
2 - As complexas e delicadas questões da avaliação explodiram no tempo mais recente da ministra sinistra, dum governo de Sócrates. E o Nogueira, para quem a trampa do PS é pior do que a merda do PPD, desceu a avenida da Liberdade como um pro-cônsul em triunfo, à frente duma tropa de imbecis. Limpou o terreno, minou a ministra e o governo. E deslocou um quarto de milhão de votos naturais nas eleições seguintes, estendendo deste modo o tapete vermelho à pior escumalha que alguma vez governou Portugal.
3 - Não tenho dúvidas de que os professores estão a ser chacinados, no aspecto profissional, no aspecto social, no aspecto anímico, no aspecto humano e na sua dignidade. Têm claramente a quem o agradecer. Nem dúvidas me restam de que a escola pública será disso a vítima final.
4 - A greve em curso às avaliações do período escolar, e a prometida greve aos exames finais, não juntará no fim os destroços dos professores, usados como bombistas suicidas. Degrada ainda mais a escola pública, servindo os objectivos dos marginais que nos governam. E defrauda dezenas de milhares de adolescentes e pais, muitos dos quais mereciam outra coisa.
Eu não sei quem é a Ten. Cor. Profa. Dra. Maria Luíza Cardoso, nem quero saber!
Mas basta a introdução deste seu trabalho, para concluir que o saber e a lucidez se lhe esgotam nos rótulos que exibe. Balha-nos Deus com tal gente!
"O reinado de D. José foi marcado pelas ações tirânicas do seu primeiro-ministro,
Sebastião José de Carvalho (depois, conde de Oeiras, em 1759, e Marquês de Pombal, em
1769), que tentou transformar, à força, segundo as idéias dos enciclopedistas franceses, a
antiga estrutura da sociedade portuguesa.
As pessoas, classes e instituições que tentaram conspirar contra o seu poder foram
exterminadas, principalmente, os nobres e os jesuítas. Consumado esse terremoto social, “a
actividade do reformador aplicou-se a construir a sua nova sociedade, concebida
abstractamente, geometricamente, para os meros fins utilitários de produzir riqueza e
comerciar". (...)
quinta-feira, 13 de junho de 2013
Bruxa
Mais do que uma verdadeira pitonisa, a Natália Correia era bruxa.
«A sua influência (dos 'retornados') na sociedade portuguesa não vai sentir-se apenas agora (1976), embora seja já imensa. Vai dar-se sobretudo quando os seus filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder. Preparem-se porque vão fazê-lo. Essa será uma geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista devido ao trauma da descolonização que não compreendeu nem aceitou, nem esqueceu. Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país diferentes das nossas. Mais largas, mas menos profundas. Isso levará os que desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de querer modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá, talvez vingança! Será um fenómeno crucial daqui por trinta anos.»
Três décadas mais tarde, um governo chefiado e integrado por filhos de retornados tentará, com surpreendente ênfase, refundar Portugal.
(in Os retornados mudaram Portugal, Fernando Dacosta, ed. Parsifal)
«A sua influência (dos 'retornados') na sociedade portuguesa não vai sentir-se apenas agora (1976), embora seja já imensa. Vai dar-se sobretudo quando os seus filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder. Preparem-se porque vão fazê-lo. Essa será uma geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista devido ao trauma da descolonização que não compreendeu nem aceitou, nem esqueceu. Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país diferentes das nossas. Mais largas, mas menos profundas. Isso levará os que desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de querer modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá, talvez vingança! Será um fenómeno crucial daqui por trinta anos.»
Três décadas mais tarde, um governo chefiado e integrado por filhos de retornados tentará, com surpreendente ênfase, refundar Portugal.
(in Os retornados mudaram Portugal, Fernando Dacosta, ed. Parsifal)
quarta-feira, 12 de junho de 2013
terça-feira, 11 de junho de 2013
Imperium - 7
Nota do Autor
«Embora Imperium seja um romance, a maioria dos factos descritos aconteceu realmente; os restantes poderiam pelo menos ter acontecido; e não se pode negar que algum deles tenha acontecido. Que Tirão escreveu uma biografia de Cícero é confirmado por Plutarco e por Ascónio; a obra desapareceu quando do colapso generalizado das instituições do Império Romano. A minha principal dívida é para com os vinte e nove volumes de discursos e cartas de Cícero, coligidos pela Loeb Classical Library e publicados pela Harvard University Press. (...)»
Imperium - 6 (Júlio César)
«(...) Quando o áugure se deu por satisfeito, Crasso saiu da tenda sagrada e os candidatos juntaram-se na base do pedestal. Entre eles, devo recordar, na sua primeira tentativa de entrada no Senado, estava Júlio César, que ficou ao lado de Cícero, para ambos iniciarem uma conversa amigável. Conheciam-se há muito tempo e, na realidade, fora por recomendação de Cícero que o homem mais jovem fora para Rodes, a fim de estudar retórica com Apolónio Mólon. Andam por aí muitos textos hagiográficos a envolverem os primeiros anos de vida política de César, querendo levar-nos a pensar que ele fora, desde o berço, apontado como um génio pelos seus contemporâneos. Não foi assim, e quem o viu naquela manhã, na sua toga branca e a mexer no cabelo que começava a rarear, dificilmente o distinguiria de qualquer candidato jovem e de boas famílias. Havia porém uma grande diferença: poucos poderiam ser mais pobres. Para ser candidato, devia ter-se endividado pesadamente, pois vivia em acomodações muito modestas no bairro de Subura, numa casa cheia de mulheres: a mãe, a esposa e uma filha pequena; naquela fase não o vejo como o brilhante herói à espera de conquistar Roma, mas como um homem de trinta e quatro anos a não conseguir dormir à noite, mantido acordado pelos barulhos da vizinhança, profundamente chocado por o descendente da mais antiga família de Roma se ver obrigado a viver naquelas condições. Por conseguinte, a sua antipatia em relação aos aristocratas era bastante mais perigosa para eles do que alguma vez fora a de Cícero. Como um homem que teve de subir à sua custa, Cícero apenas os invejava e sentia-se ofendido. César, porém, que se julgava descendente directo de Vénus, via-os como intrusos e desprezava-os. (...) César, cuja eleição para o Senado acabara de ser confirmada, foi o primeiro a voltar-se para felicitar Cícero. (...)»
Ó Seguro!
Vai pentear macacos! Para não dizer, vai apanhar nos entrefolhos! Ou antes ainda, como dizia o outro, vai tomar no cu!
segunda-feira, 10 de junho de 2013
Discurso recente
«(...) Considerem um discurso recente do português mais poderoso da União Europeia, o número dois do Banco Central Europeu, Vítor Constâncio. Falando em Atenas no passado 23 de Maio, sobre as causas e transmissão da actual crise, Constâncio foi taxativo: a dívida pública não foi a causa da crise.
Em primeiro lugar, países que tinham dívida pública muito baixa, e em tendência descendente, como Espanha e Irlanda, acabaram por ter uma crise difícil. Países que não respeitaram os limites do défice, como Alemanha e França, têm-na passado incólumes.
Em segundo lugar e, mais importante, mesmo em países como a Itália e Portugal, a dívida estava a descer antes da crise, e na Grécia (com os números verdadeiros) a dívida estava a aumentar pouco. As dívidas públicas só aumentaram depois da crise, em consequência da crise. Logo, não podem ter sido a causa. São a febre e não a doença.
Já a dívida privada, essa sim, aumentou significativamente antes da crise nos países que viriam depois a "rebentar": Grécia (217%), Irlanda (101%), Espanha (75,2%) e Portugal (49%). E este endividamento é, em larga medida, catapultado pelo aumento de actividade interbancária europeia, para lá das fronteiras nacionais, potenciado pela introdução do euro. Numa palavra, foram os bancos.
Nos anos 90 os bancos europeus, em particular do centro, encheram os periféricos de crédito fácil como parte das suas estratégias de crescimento. O comportamento não era muito diferente dos seus colegas dos EUA, em cujos produtos tóxicos os bancos europeus se alambazaram. A liberdade de circulação de capitais não deixou os Estados controlarem este processo. Quando a bolha rebentou nos EUA, os bancos europeus estavam expostos, e os dos países periféricos fragilizados dos dois lados, dos seus clientes e dos seus credores. Os bancos foram salvos pelos Estados, e em troca mantiveram as torneiras da economia fechadas. Com privados desempregados e empresas a falir, os Estados tiveram que entrar com subsídios de desemprego e aguentar a descida na recolha de impostos.
A melhor parte do discurso de Constâncio vem depois. É aquela em que ele diz, após falar do desemprego jovem: "Não obstante tudo isto, agora não é o momento para mudar de rumo".»
[Rui Tavares, in PÚBLICO]
Em primeiro lugar, países que tinham dívida pública muito baixa, e em tendência descendente, como Espanha e Irlanda, acabaram por ter uma crise difícil. Países que não respeitaram os limites do défice, como Alemanha e França, têm-na passado incólumes.
Em segundo lugar e, mais importante, mesmo em países como a Itália e Portugal, a dívida estava a descer antes da crise, e na Grécia (com os números verdadeiros) a dívida estava a aumentar pouco. As dívidas públicas só aumentaram depois da crise, em consequência da crise. Logo, não podem ter sido a causa. São a febre e não a doença.
Já a dívida privada, essa sim, aumentou significativamente antes da crise nos países que viriam depois a "rebentar": Grécia (217%), Irlanda (101%), Espanha (75,2%) e Portugal (49%). E este endividamento é, em larga medida, catapultado pelo aumento de actividade interbancária europeia, para lá das fronteiras nacionais, potenciado pela introdução do euro. Numa palavra, foram os bancos.
Nos anos 90 os bancos europeus, em particular do centro, encheram os periféricos de crédito fácil como parte das suas estratégias de crescimento. O comportamento não era muito diferente dos seus colegas dos EUA, em cujos produtos tóxicos os bancos europeus se alambazaram. A liberdade de circulação de capitais não deixou os Estados controlarem este processo. Quando a bolha rebentou nos EUA, os bancos europeus estavam expostos, e os dos países periféricos fragilizados dos dois lados, dos seus clientes e dos seus credores. Os bancos foram salvos pelos Estados, e em troca mantiveram as torneiras da economia fechadas. Com privados desempregados e empresas a falir, os Estados tiveram que entrar com subsídios de desemprego e aguentar a descida na recolha de impostos.
A melhor parte do discurso de Constâncio vem depois. É aquela em que ele diz, após falar do desemprego jovem: "Não obstante tudo isto, agora não é o momento para mudar de rumo".»
[Rui Tavares, in PÚBLICO]
Imperium - 5
« (...) O dia 29 chegou, o dia de um grandioso espectáculo a que Roma não assistia desde o tempo de Sila. Enquanto esperava perto do Arco do Triunfo, pareceu-me que toda a cidade se encontrava colocada à beira da estrada. Guiado pelos cônsules, a que se seguiam os restantes magistrados, o corpo senatorial, Cícero incluído, foi o primeiro grupo a passar pela porta, vindo do Campo de Marte. A seguir passaram os músicos, a fazerem soar as trombetas. Depois as carroças e liteiras cheias de despojos de guerra na Hispânia: ouro e prata, em moedas e em barras, armas, estátuas, quadros, vasos, peças de mobiliário, pedras preciosas e tapeçarias, modelos em madeira das cidades que Pompeu tinha tomado e saqueado, bem como cartazes a anunciarem o nome de cada uma, mais os nomes de todos os homens famosos mortos em combate. A seguir vinham os bois maciços e dóceis destinados ao sacrifício, de cornos decorados com fitas e grinaldas de flores, guiados pelos sacerdotes que os sacrificariam. Os pesados elefantes, símbolo heráldico da família Metela, e carroças puxadas por bois, onde vinham as jaulas com os animais selvagens das montanhas da Hispânia, a rugir de raiva e a tentarem partir as barras das jaulas. As armas e as insígnias dos rebeldes batidos, os próprios rebeldes, os seguidores derrotados de Sertório e Perpena, acorrentados. Depois as coroas e os tributos dos aliados, transportados pelos embaixadores de diversas nações. Seguiam-se os doze lictores do general, os feixes de varas e os machados enfeitados com ramos de loureiro. E finalmente, precedidos de um tumulto de aplausos da vasta multidão, os quatro cavalos brancos do carro do general passaram a trote pela porta e ele apareceu, Pompeu em pessoa, no carro em forma de barril, incrustado de pedras preciosas, do triunfador. Trazia um manto debruado a ouro, por cima de uma túnica florida. Na mão direita segurava um ramo de loureiro e na esquerda o ceptro, na cabeça ostentava a coroa de loureiro délfica; tanto o rosto bonito como o corpo musculado haviam sido pintados com um pigmento vermelho, pois, naquele dia, o general era a personificação de Júpiter. (...)»
Bichos assisados
Os apicultores utilizam fumos para pacificar as abelhas amotinadas nas colmeias, porque o fumo alerta as ditas para a existência de fogo. Perante ele, só resta encher os alforges de mel, abandonar instintos agressivos, reagrupar as hostes e preparar a fuga.
Assisados bichos estes! Assim tivessem agido os totós eleitores e as abelhinhas mestras do comité central, aqui há uns anos atrás, quando começou a ver-se a fumarada destes marginais! Teriam evitado ser estendidos na grelha, a torrar em lume vivo, como agora.
Assisados bichos estes! Assim tivessem agido os totós eleitores e as abelhinhas mestras do comité central, aqui há uns anos atrás, quando começou a ver-se a fumarada destes marginais! Teriam evitado ser estendidos na grelha, a torrar em lume vivo, como agora.
domingo, 9 de junho de 2013
Alta
Um dia apanhei uma carga de paludismo, que voltara à cidade. Não sei se doido, não sei se cerebral, conforme lhe chamaram. Eu não sei. Era um febrão que eu nunca tinha sentido. E lá fui parar ao hospital, às mãos dum médico que me guardou uma semana nos cuidados intensivos. O corpo desfazia-se-me em água e acabou por arribar. Mas ainda tinha à espera uns dias de precaução numa enfermaria.
Não levei muito tempo a reconhecê-la. Era a antiga enfermaria onde passara dois meses a refazer os destroços dum desastre aparatoso, uns trinta anos atrás, nas aventuras da guerra. Na cama junto à janela batia o sol, cicatrizavam as feridas que a viseira partida me deixara na face, vinham às vezes visitas de donzelas condoídas. Um enfermeiro solícito empurrava-me pedaços de comida para a fornalha dos queixos que recusavam abrir, nunca mais pude esquecer um tal cuidado.
Mas desta vez o rancho era intragável. Uns caldos indecifráveis, umas aguadas papas sem sabor, não havia maneira de as tragar. Ao meu lado estadiava o mais-velho Faustino, que era uma figura sossegada, o que a forçava ali não cheguei a sabê-lo. E todos os dias chegava a família ao meio-dia, a trazer o almoço ao patriarca. Juntavam-se em volta dele a acompanhar o repasto, às vezes funge, um frango à cafreal... E eu ficava-me a olhá-los, silencioso.
Um dia o negro Faustino olhou para mim muito sério, e, no meio do adjunto, disse definitivo e terminal: - A partir de hoje passas a comer comigo o almoço que eu tiver! Não podes dizer que não!
Não chegou a uma semana, tive alta do hospital.
Não levei muito tempo a reconhecê-la. Era a antiga enfermaria onde passara dois meses a refazer os destroços dum desastre aparatoso, uns trinta anos atrás, nas aventuras da guerra. Na cama junto à janela batia o sol, cicatrizavam as feridas que a viseira partida me deixara na face, vinham às vezes visitas de donzelas condoídas. Um enfermeiro solícito empurrava-me pedaços de comida para a fornalha dos queixos que recusavam abrir, nunca mais pude esquecer um tal cuidado.
Mas desta vez o rancho era intragável. Uns caldos indecifráveis, umas aguadas papas sem sabor, não havia maneira de as tragar. Ao meu lado estadiava o mais-velho Faustino, que era uma figura sossegada, o que a forçava ali não cheguei a sabê-lo. E todos os dias chegava a família ao meio-dia, a trazer o almoço ao patriarca. Juntavam-se em volta dele a acompanhar o repasto, às vezes funge, um frango à cafreal... E eu ficava-me a olhá-los, silencioso.
Um dia o negro Faustino olhou para mim muito sério, e, no meio do adjunto, disse definitivo e terminal: - A partir de hoje passas a comer comigo o almoço que eu tiver! Não podes dizer que não!
Não chegou a uma semana, tive alta do hospital.
sábado, 8 de junho de 2013
Imperium - 4 (Espártaco)
« (...) Um dia, deve ter sido em Maio, chegou a casa de Cícero um mensageiro para entregar uma carta. (...) Entregou-ma e li a frase com que começava: "De Marco Licínio Crasso, Imperator, para Marco Túlio Cícero: Saudações".Era um simples convite para, na manhã seguinte, ele se encontrar com o general vitorioso na estrada de Roma, perto da cidade de Lanúvio, no décimo oitavo marco miliário. (...)
Deixou cair o queixo para o peito e não disse mais nada até termos passado o décimo oitavo marco miliário e nos encontrarmos em campo aberto, não muito longe de Bovilas. Foi aí que me chamou a atenção para algo de estranho: os piquetes que guardavam o que nos pareceu serem estreitas pranchas de madeira. Já tínhamos passado por uns quatro ou cinco, espaçados entre si cerca de meia milha (1480 metros), e, quanto mais nos internávamos no campo, maior parecia ser a actividade: pregavam, serravam, cavavam. Os legionários estavam a fazer cruzes. Não tardou que encontrássemos uma coluna de infantaria de Crasso a marchar na nossa direcção, a caminho de Roma, e tivemos de nos afastar para a berma da estrada para a deixar passar. Atrás dos legionários vinha uma trôpega procissão de prisioneiros, centenas deles, de mãos atadas atrás das costas: um terrível exército cinzento, emaciado, de fantasmas, a caminho do destino que víramos estar a ser-lhes preparado, mas que provavelmente desconheciam. Mais ou menos uma milha depois, em pequenos recantos de cada lado da estrada, onde os prisioneiros eram suspensos das cruzes, começava a matança. Tento não me lembrar, as cruzes com as vítimas espetadas a gemer, cada madeiro a ser levantado e a cair com um som cavo no buraco aberto para ele. Não consigo esquecer, isso e o momento em que atingimos o topo de uma lomba e avistámos uma longa avenida de cruzes que se estendia diante de nós, milha após milha, a cintilar no calor do meio da manhã, o ar que parecia tremer com os gemidos dos moribundos, o zumbido das moscas e o grasnar dos corvos que voavam em círculos. (...)
(Crasso) parecia especialmente orgulhoso da logística que lhe permitira crucificar seis mil homens ao longo das trezentas e cinquenta milhas da estrada, desde o campo de batalha onde vencera até às portas de Roma, sem se registarem, segundo as palavras dele, "quaisquer cenas de violência". Havia dezassete crucificações por cada milha, o que dava cento e dezassete passos entre cada cruz. E a artimanha estava em não causar pânico entre os prisioneiros, pois, de contrário, teria de travar outra batalha. Portanto o número prefixado de escravos recapturados era retido ao lado da estrada, enquanto o resto da coluna continuava a marchar em frente; só depois de os seus camaradas estarem fora da vista é que começavam as execuções. Desta forma, o trabalho fora executado com um mínimo de perturbações e obtido o máximo efeito de dissuasão, pois a Via Ápia era a estrada mais concorrida da Itália.
- No futuro e depois de terem ouvido falar disto, duvido que haja muitos escravos dispostos a revoltar-se contra Roma! - sorriu Crasso.
Deixou cair o queixo para o peito e não disse mais nada até termos passado o décimo oitavo marco miliário e nos encontrarmos em campo aberto, não muito longe de Bovilas. Foi aí que me chamou a atenção para algo de estranho: os piquetes que guardavam o que nos pareceu serem estreitas pranchas de madeira. Já tínhamos passado por uns quatro ou cinco, espaçados entre si cerca de meia milha (1480 metros), e, quanto mais nos internávamos no campo, maior parecia ser a actividade: pregavam, serravam, cavavam. Os legionários estavam a fazer cruzes. Não tardou que encontrássemos uma coluna de infantaria de Crasso a marchar na nossa direcção, a caminho de Roma, e tivemos de nos afastar para a berma da estrada para a deixar passar. Atrás dos legionários vinha uma trôpega procissão de prisioneiros, centenas deles, de mãos atadas atrás das costas: um terrível exército cinzento, emaciado, de fantasmas, a caminho do destino que víramos estar a ser-lhes preparado, mas que provavelmente desconheciam. Mais ou menos uma milha depois, em pequenos recantos de cada lado da estrada, onde os prisioneiros eram suspensos das cruzes, começava a matança. Tento não me lembrar, as cruzes com as vítimas espetadas a gemer, cada madeiro a ser levantado e a cair com um som cavo no buraco aberto para ele. Não consigo esquecer, isso e o momento em que atingimos o topo de uma lomba e avistámos uma longa avenida de cruzes que se estendia diante de nós, milha após milha, a cintilar no calor do meio da manhã, o ar que parecia tremer com os gemidos dos moribundos, o zumbido das moscas e o grasnar dos corvos que voavam em círculos. (...)
(Crasso) parecia especialmente orgulhoso da logística que lhe permitira crucificar seis mil homens ao longo das trezentas e cinquenta milhas da estrada, desde o campo de batalha onde vencera até às portas de Roma, sem se registarem, segundo as palavras dele, "quaisquer cenas de violência". Havia dezassete crucificações por cada milha, o que dava cento e dezassete passos entre cada cruz. E a artimanha estava em não causar pânico entre os prisioneiros, pois, de contrário, teria de travar outra batalha. Portanto o número prefixado de escravos recapturados era retido ao lado da estrada, enquanto o resto da coluna continuava a marchar em frente; só depois de os seus camaradas estarem fora da vista é que começavam as execuções. Desta forma, o trabalho fora executado com um mínimo de perturbações e obtido o máximo efeito de dissuasão, pois a Via Ápia era a estrada mais concorrida da Itália.
- No futuro e depois de terem ouvido falar disto, duvido que haja muitos escravos dispostos a revoltar-se contra Roma! - sorriu Crasso.
Imperium - 3
«(...) Mas como se faz? Como se "conquista Roma" sem outra arma para além da própria voz?
O primeiro passo era óbvio: havia necessidade de ser senador.
Naquele tempo, para se entrar no Senado era preciso ter trinta e um anos e ser milionário. Para ser exacto, só para se ser candidato às eleições realizadas anualmente em Julho, a fim de eleger vinte novos senadores que substituíam os que tinham morrido no ano anterior e os que se tinham tornado demasiado pobres para conservarem os seus lugares, era preciso mostrar às autoridades bens no valor de um milhão de sestércios. Onde é que Cícero poderia arranjar um milhão? O pai dele não possuía, de certeza, tanto dinheiro: a propriedade da família era pequena e estava fortemente hipotecada. Portanto, tinha ante si as três opções tradicionais. Ganhar um milhão levaria tempo a mais, roubá-lo seria arriscado em demasia. Por conseguinte, pouco tempo depois de regressar de Rodes, casou com ele. Terência fizera dezassete anos, tinha o peito chato como um rapaz e uma cabeça adornada com caracóis pretos e curtos. A sua meia-irmã era uma virgem vestal, prova do seu estatuto familiar. Mais importante ainda: era dona de três blocos de apartamentos miseráveis em Roma, de algumas matas nos subúrbios e de uma quinta; valor total: um milhão e duzentos e cinquenta mil sestércios.
(Ah, Terência: lisa, grande e rica, que bela peça me saíste! Vi-a ainda há uns meses, a ser levada numa liteira aberta pela estrada costeira para Nápoles, a guinchar com os servos para que andassem mais depressa: cabeleira branca e pele cor de nogueira polida, mas, quanto ao resto, bastante parecida.)
Portanto, em devido tempo, Cícero chegou ao Senado; de facto, ficou em primeiro lugar na eleição, agora que era considerado o segundo melhor advogado de Roma, a seguir a Hortênsio; e antes de ocupar o seu lugar foi mandado cumprir o ano de serviço obrigatório do Estado, fora de Roma, que no seu caso foi cumprido na província da Sicília. Com o título oficial de questor, era o menos graduado de todos os magistrados. (...)»
O primeiro passo era óbvio: havia necessidade de ser senador.
Naquele tempo, para se entrar no Senado era preciso ter trinta e um anos e ser milionário. Para ser exacto, só para se ser candidato às eleições realizadas anualmente em Julho, a fim de eleger vinte novos senadores que substituíam os que tinham morrido no ano anterior e os que se tinham tornado demasiado pobres para conservarem os seus lugares, era preciso mostrar às autoridades bens no valor de um milhão de sestércios. Onde é que Cícero poderia arranjar um milhão? O pai dele não possuía, de certeza, tanto dinheiro: a propriedade da família era pequena e estava fortemente hipotecada. Portanto, tinha ante si as três opções tradicionais. Ganhar um milhão levaria tempo a mais, roubá-lo seria arriscado em demasia. Por conseguinte, pouco tempo depois de regressar de Rodes, casou com ele. Terência fizera dezassete anos, tinha o peito chato como um rapaz e uma cabeça adornada com caracóis pretos e curtos. A sua meia-irmã era uma virgem vestal, prova do seu estatuto familiar. Mais importante ainda: era dona de três blocos de apartamentos miseráveis em Roma, de algumas matas nos subúrbios e de uma quinta; valor total: um milhão e duzentos e cinquenta mil sestércios.
(Ah, Terência: lisa, grande e rica, que bela peça me saíste! Vi-a ainda há uns meses, a ser levada numa liteira aberta pela estrada costeira para Nápoles, a guinchar com os servos para que andassem mais depressa: cabeleira branca e pele cor de nogueira polida, mas, quanto ao resto, bastante parecida.)
Portanto, em devido tempo, Cícero chegou ao Senado; de facto, ficou em primeiro lugar na eleição, agora que era considerado o segundo melhor advogado de Roma, a seguir a Hortênsio; e antes de ocupar o seu lugar foi mandado cumprir o ano de serviço obrigatório do Estado, fora de Roma, que no seu caso foi cumprido na província da Sicília. Com o título oficial de questor, era o menos graduado de todos os magistrados. (...)»
Mau Maria!
Há três dias que a padaria do bairro deixou de abrir a porta. Hoje afixou uma nota. Encerramos temporariamente - Gratos pela comprienção.
Com pão ou sem ele, eu recuso-me a fechar.
Com pão ou sem ele, eu recuso-me a fechar.
Imperium - 2
Pompeu regressara vitorioso das campanhas da Hispânia, Crasso vencera na Sicília a revolta dos escravos. Júlio César não era ainda o que viria a ser, depois de vencer os Helvécios e subjugar as tribos da Gália. Estava em germinação o 1º triunvirato, e a guerra civil, e o fim da República Romana. É este o tempo da história.
Tirão é personagem e narrador, neste ilustrativo e seriíssimo romance histórico. Nele se misturam as realidades da história (que não pode ser adulterada) e da ficção que a recobre. E o leitor não saberá destrinçar onde se acaba a primeira e a segunda começa.
A construção da figura de Cícero, protagonista e centro do labor narrativo, é excelente em todos os aspectos.
«(...) Conquanto ninguém pusesse em dúvida o talento de Cícero para a oratória, a sua constituição física era demasiado frágil para lhe suportar toda a ambição; por isso, o esforço suportado pelas suas cordas vocais durante várias horas de argumentação, muitas vezes ao ar livre e em qualquer estação do ano, podia deixá-lo rouco ou afónico durante dias. A estes desastres juntavam-se a insónia persistente e as digestões difíceis. Dito em palavras simples, Cícero precisava de ajuda profissional. Portanto, decidiu ausentar-se de Roma por algum tempo, com o duplo objectivo de refrescar as ideias e de consultar os mais famosos professores de Retórica, que, na sua maioria, viviam na Grécia e na Ásia Menor.
Por eu ser responsável pela pequena biblioteca do pai dele, e por possuir conhecimentos razoáveis de grego, Cícero pediu-me emprestado, como quem leva para casa um livro da biblioteca, e levou-me com ele para o Oriente. A minha função era dirigir os preparativos, arranjar transportes, pagar aos professores e tudo o que fosse necessário; ao fim de um ano seria devolvido ao meu antigo senhor. No final, como acontece com tantos livros úteis, acabei por nunca ser devolvido.»
Ambos começam por se dirigir a Atenas, onde a "escola dominante" de Retórica era o "Método Asiático". «Elaborado e florido, cheio de frases pomposas e ritmos sonoros, a explicação era acompanhada de muitos desvios, com pequenos passos para lá e para cá.» Justamente o método praticado por Hortênsio, o maior rival de Cícero nas disputas jurídicas do forum. Por isso queria o jovem advogado ouvir todos os mentores do rival: Ménipo de Estratoniceia, Dioniso de Magnésia, Ésquilo de Cnido, Xenócles de Adramite.
Depois dessa experiência, Cícero decide partir para a ilha de Rodes e frequentar a escola de Apolónio Mólon. «Este Mólon era um advogado natural de Alabanda, que tinha pleiteado brilhantemente nos tribunais de Roma, sendo até convidado a dirigir-se ao Senado em grego, uma honra nunca antes concedida. Mas depois retirara-se para Rodes, onde abrira a escola retórica. A sua teoria da Oratória, exactamente o contrário do Modelo Asiático, era simples: não andar demasiado, manter a cabeça erguida, não se afastar do tema, fazê-los chorar, fazê-los rir e, uma vez conquistada a simpatia deles, sentar-se calmamente. - Nada seca com maior rapidez do que uma lágrima - dizia. Esta teoria estava mais de acordo com a maneira de ser de Cícero e ele entregou-se inteiramente a Mólon.»
O mestre começou por se ocupar da alimentação do discípulo. Depois passou ao exercício físico, que começava ao amanhecer. «Cícero voltou a dormir bem e também deixou de ter problemas de digestão.» Seguiu-se o treino da declamação propriamente dita. Mólon dirigia-se para uma praia, afastava-se do discípulo uns 70 metros, e fazia-o declamar contra o marulhar das ondas, «o som mais parecido ao do murmúrio de três mil pessoas ao ar livre.»
Cícero quis ocupar-se por fim dos conteúdos, dos argumentos. «O conteúdo não é da minha esfera. Lembra-te de Demóstenes: Na Oratória contam três coisas: a dicção, a dicção, e uma vez mais a dicção.»
No final da frequência, depois dum exercício prático do discípulo, o mestre despediu-o: «Cícero, dou-te os parabéns e digo que estou espantado contigo. É a Grécia e o destino que a espera que eu lamento. A supremacia da nossa eloquência era a última glória que nos restava; e agora até essa nos foi retirada. Vai, meu filho, e conquista Roma!»
Enquanto vai desfiando as actividades de Cícero, na advocacia e na vida pública, Tirão dá uma visão da história e da sociedade romanas, e das figuras que a habitam. São os tempos do fim da República e das suas políticas, onde não falta a corrupção, o crime, o tráfico de influências e os jogos do poder. Olhamos hoje em volta e concluímos que já estava tudo feito, não há nada de novo naquilo que hoje vivemos.
Tirão é personagem e narrador, neste ilustrativo e seriíssimo romance histórico. Nele se misturam as realidades da história (que não pode ser adulterada) e da ficção que a recobre. E o leitor não saberá destrinçar onde se acaba a primeira e a segunda começa.
A construção da figura de Cícero, protagonista e centro do labor narrativo, é excelente em todos os aspectos.
«(...) Conquanto ninguém pusesse em dúvida o talento de Cícero para a oratória, a sua constituição física era demasiado frágil para lhe suportar toda a ambição; por isso, o esforço suportado pelas suas cordas vocais durante várias horas de argumentação, muitas vezes ao ar livre e em qualquer estação do ano, podia deixá-lo rouco ou afónico durante dias. A estes desastres juntavam-se a insónia persistente e as digestões difíceis. Dito em palavras simples, Cícero precisava de ajuda profissional. Portanto, decidiu ausentar-se de Roma por algum tempo, com o duplo objectivo de refrescar as ideias e de consultar os mais famosos professores de Retórica, que, na sua maioria, viviam na Grécia e na Ásia Menor.
Por eu ser responsável pela pequena biblioteca do pai dele, e por possuir conhecimentos razoáveis de grego, Cícero pediu-me emprestado, como quem leva para casa um livro da biblioteca, e levou-me com ele para o Oriente. A minha função era dirigir os preparativos, arranjar transportes, pagar aos professores e tudo o que fosse necessário; ao fim de um ano seria devolvido ao meu antigo senhor. No final, como acontece com tantos livros úteis, acabei por nunca ser devolvido.»
Ambos começam por se dirigir a Atenas, onde a "escola dominante" de Retórica era o "Método Asiático". «Elaborado e florido, cheio de frases pomposas e ritmos sonoros, a explicação era acompanhada de muitos desvios, com pequenos passos para lá e para cá.» Justamente o método praticado por Hortênsio, o maior rival de Cícero nas disputas jurídicas do forum. Por isso queria o jovem advogado ouvir todos os mentores do rival: Ménipo de Estratoniceia, Dioniso de Magnésia, Ésquilo de Cnido, Xenócles de Adramite.
Depois dessa experiência, Cícero decide partir para a ilha de Rodes e frequentar a escola de Apolónio Mólon. «Este Mólon era um advogado natural de Alabanda, que tinha pleiteado brilhantemente nos tribunais de Roma, sendo até convidado a dirigir-se ao Senado em grego, uma honra nunca antes concedida. Mas depois retirara-se para Rodes, onde abrira a escola retórica. A sua teoria da Oratória, exactamente o contrário do Modelo Asiático, era simples: não andar demasiado, manter a cabeça erguida, não se afastar do tema, fazê-los chorar, fazê-los rir e, uma vez conquistada a simpatia deles, sentar-se calmamente. - Nada seca com maior rapidez do que uma lágrima - dizia. Esta teoria estava mais de acordo com a maneira de ser de Cícero e ele entregou-se inteiramente a Mólon.»
O mestre começou por se ocupar da alimentação do discípulo. Depois passou ao exercício físico, que começava ao amanhecer. «Cícero voltou a dormir bem e também deixou de ter problemas de digestão.» Seguiu-se o treino da declamação propriamente dita. Mólon dirigia-se para uma praia, afastava-se do discípulo uns 70 metros, e fazia-o declamar contra o marulhar das ondas, «o som mais parecido ao do murmúrio de três mil pessoas ao ar livre.»
Cícero quis ocupar-se por fim dos conteúdos, dos argumentos. «O conteúdo não é da minha esfera. Lembra-te de Demóstenes: Na Oratória contam três coisas: a dicção, a dicção, e uma vez mais a dicção.»
No final da frequência, depois dum exercício prático do discípulo, o mestre despediu-o: «Cícero, dou-te os parabéns e digo que estou espantado contigo. É a Grécia e o destino que a espera que eu lamento. A supremacia da nossa eloquência era a última glória que nos restava; e agora até essa nos foi retirada. Vai, meu filho, e conquista Roma!»
Enquanto vai desfiando as actividades de Cícero, na advocacia e na vida pública, Tirão dá uma visão da história e da sociedade romanas, e das figuras que a habitam. São os tempos do fim da República e das suas políticas, onde não falta a corrupção, o crime, o tráfico de influências e os jogos do poder. Olhamos hoje em volta e concluímos que já estava tudo feito, não há nada de novo naquilo que hoje vivemos.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
Quando o profano invade o sagrado e o simbólico
Falo erecto no castelo do Sabugal
O 69 mirandês
Kölner Rathaus 1
Kölner Rathaus 2 - pedestal do bispo
Kölner Rathaus 3 - auto-felatio
Guimarães - gárgula de Santa Maria da Oliveira - auto-felatio
Cu da Guarda - gárgula da Sé, voltada para Castela - criação adaptada e comercializada
[rapinado a JJRoseira]
[rapinado a JJRoseira]
Da capo
Haiku de autor desconhecido em tradução caseira.
Floresce a giesta negral.
Mas as abelhas evitam-na
Salvo quando constipadas.
Sanidades
Alberto mora em Lamosa, numa casa com um quintalzito ao lado. Tem um filho ainda pequeno e ajuda o mestre pedreiro quando há obra. Porém ultimamente a construção parou, rareiam os trabalhos, parece às vezes que a vida se pôs a ver em que param as modas. Estranho mundo é este!
Alberto resolveu comprar uma cabrita e instalá-la no quinteiro. Um dia há-de parir filhos, dará leite, algum proveito há-de uma cabra trazer à família. Nos serviços veterinários tratou de a vacinar, inscreveu-a, fê-la gente.
Um dia chegou no correio uma carta de Lamego, dos serviços agrícolas, do ambiente, o carteiro lá explicou mas a questão é confusa. A carta intimava Alberto a construir uma fossa, para acomodar os estrumes da cabrita e manter a qualidade ambiental.
O burocrata quis pôr tudo em pratos limpos. - Imagine-se você com sete vacas turinas instaladas no quinteiro! - ou que fosse uma dúzia de leitões, desses que se assam no Verão! - é tudo uma questão de sanidade, de limpeza, de qualidade ambiental! - a fossa para os estrumes da cabrita é uma questão das leis que vêm da Europa! - e a coima, se a não abrir, pode ir de trinta euros a seis mil!
Alberto já decidiu que não vai abrir a fossa. Já deixou de pensar que a cabra terá cabritos e um dia talvez dê leite. Só não sabe o que vai fazer da cabra. Ou a vende a quem lha compre, ou vai oferecê-la um dia aos fiscais da sanidade. Talvez lhe tirem a pele e cozinhem uma chanfana, são bem meninos para isso!
Alberto resolveu comprar uma cabrita e instalá-la no quinteiro. Um dia há-de parir filhos, dará leite, algum proveito há-de uma cabra trazer à família. Nos serviços veterinários tratou de a vacinar, inscreveu-a, fê-la gente.
Um dia chegou no correio uma carta de Lamego, dos serviços agrícolas, do ambiente, o carteiro lá explicou mas a questão é confusa. A carta intimava Alberto a construir uma fossa, para acomodar os estrumes da cabrita e manter a qualidade ambiental.
O burocrata quis pôr tudo em pratos limpos. - Imagine-se você com sete vacas turinas instaladas no quinteiro! - ou que fosse uma dúzia de leitões, desses que se assam no Verão! - é tudo uma questão de sanidade, de limpeza, de qualidade ambiental! - a fossa para os estrumes da cabrita é uma questão das leis que vêm da Europa! - e a coima, se a não abrir, pode ir de trinta euros a seis mil!
Alberto já decidiu que não vai abrir a fossa. Já deixou de pensar que a cabra terá cabritos e um dia talvez dê leite. Só não sabe o que vai fazer da cabra. Ou a vende a quem lha compre, ou vai oferecê-la um dia aos fiscais da sanidade. Talvez lhe tirem a pele e cozinhem uma chanfana, são bem meninos para isso!
quinta-feira, 6 de junho de 2013
terça-feira, 4 de junho de 2013
segunda-feira, 3 de junho de 2013
Urgências
Na padaria do bairro já tinha estranhado a ausência da bicha costumeira. Diz-me hoje a hospedeira que o gasto do pão baixou bastante. Nesta e nas outras lojas do padeiro.
Já foi reduzido o pessoal, as horas de trabalho já são mais. Há preços de promoção, e o expositor das veniagas avulsas está vazio.
Se visse reduzidas as quiladas de carne que em tempos via passar nos carrinhos do talho, rejubilava eu e a mãe-terra agradecia! Mas reduzir no pão é bem outra conversa!
Urgente é outro milagre da multiplicação!
Já foi reduzido o pessoal, as horas de trabalho já são mais. Há preços de promoção, e o expositor das veniagas avulsas está vazio.
Se visse reduzidas as quiladas de carne que em tempos via passar nos carrinhos do talho, rejubilava eu e a mãe-terra agradecia! Mas reduzir no pão é bem outra conversa!
Urgente é outro milagre da multiplicação!
Da capo
Na primavera levantam o mastro, inquietos como antigas caravelas. E vêm festejar o solstício de gávea engalanada.
Caules altivos, a pendular na brisa, têm um quê de manguitos das Caldas. Que os
agapantos fazem, aos cachorros que passam.
Ecos da Sonora LVI - Imperium 1
[«Ao falar em poder, estou a referir-me ao poder oficial, ao poder político, a que em latim chamamos imperium, o poder de vida ou de morte, que o Estado concede a um determinado indivíduo.» Tirão, servo/secretário de Cícero, século I a. C.]
Depois da morte do senador, Tirão comprou uma herdade nas vizinhanças de Putéolos, para onde se retirou e onde viveu, segundo Jerónimo,até fazer uma centena de anos.
«Chamo-me Tirão. Durante trinta e seis anos fui secretário pessoal do estadista romano Cícero. Uma tarefa que começou por ser excitante, para depois se ir tornando espantosa, árdua e, por fim, extremamente perigosa. No decorrer desses anos, acredito que ele passou mais tempo comigo do que com qualquer outra pessoa, incluindo os próprios familiares. Assisti às suas reuniões privadas e fui correio das suas mensagens secretas. Registei por escrito os seus discursos, cartas e trabalhos literários, até a poesia; um tal dilúvio de palavras obrigou-me a inventar uma escrita abreviada, a chamada estenografia, um sistema que continua a ser usado para registar as deliberações do Senado e pelo qual me foi atribuída, há pouco tempo, uma modesta pensão. Esta, juntamente com alguns legados e a generosidade dos amigos, é suficiente para me manter durante a reforma. Não sou muito exigente. Os velhos vivem do ar e eu sou muito velho: terei perto duma centena de anos, segundo me dizem. (...)
O meu propósito é tratar do poder e do homem. (...) Um poder que foi pretendido por muitas centenas de homens, mas, em toda a história da República, Cícero foi o único que o procurou sem recursos que o pudessem ajudar, para além do seu próprio talento. (...) Não dispunha dum exército poderoso para lhe apoiar a candidatura, como acontecia com Pompeu ou com César. Não possuía, como Crasso, uma vasta fortuna que lhe aplanasse o caminho. Só dispunha da sua própria voz, que, graças a um extraordinário esforço de vontade, se tornara a mais famosa voz de todo o mundo.
Tinha vinte e quatro anos quando entrei ao seu serviço. Ele tinha vinte e sete. Eu era um servo doméstico, nascido na propriedade da família, situada nos montes que rodeiam Arpino, e nunca tinha visto Roma. Ele era um jovem advogado, que sofria esgotamentos nervosos e lutava para vencer consideráveis deficiências naturais. Poucos apostariam nas hipóteses de qualquer de nós. (...)»
Quando se juntam um assunto fascinante, um autor notável e uma tradução de artista (Saul Barata), é de esperar festa na literatura. Já uma vez se falou do romance histórico, e é disso que aqui se trata a sério. E uma vez que, entre as funções da literatura, se contam justamente edificar, ensinar, divertir, comover e dar prazer estético ao leitor... vamos a isso! Alea jacta est! - dizia o outro.
domingo, 2 de junho de 2013
sábado, 1 de junho de 2013
Bênçãos que salvam
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Foi esta fissura na cordilheira marginal ao Douro que deu lugar à calçada de Alpajares. Era a única entrada no planalto de Miranda. E passaram por aqui, centenas de anos, arreeiros, almocreves e contrabandistas, o sal que vinha do rio, os gados, o contrabando, as pregarias e todas as veniagas que a vida não dispensava.
Fazer hoje a caminhada é um hino à natureza e à história. E ao contrário de outras caminhadas, é uma bênção salvífica. Não é dessas adorações idólatras de terracotas pintadas, que o desespero dos homens engendrou. Este é um louvor à vida, e à crença no que é humano.
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Não mais, musa, não mais!
Já na parte final da caminhada, na estradinha que leva ao local de recolha. Às tantas passam-me ao lado dois atletas africanos, ginasticados, elásticos. - Tudo bem?! Levas água?! - E lá foram, gingando, estrada fora.
Eu fui ficando para trás, a retirar dos bastões a ligeireza que aos joelhos já faltava. Foi então que a peripécia me saltou da memória, sabe Deus a que propósito.
No dia 9 de Maio de 1974, o último bombardeamento aéreo feriu o ventre da Guiné. Ia eu a número dois, na asa direita do coronel, que sempre foi a minha predilecta. Lá fomos a rapar até ao Tombali, não fosse algum diabo tecê-las, lá deixámos para trás a fumarada a desfazer-se no ar.
O chefe era um violinista, ao contrário de mim mesmo que fui sempre um artesão. E ao chegar a Bissalanca quis fechar com chave de ouro.
O looping à vertical ainda saiu, o tonneau vinha a seguir. O chefe pranchou sobre a direita em busca de alinhamento, a apertar como um cavalo. O número três a aguentar-se lá em cima, eu a ficar entalado entre a asa do chefe e uns verdes vertiginosos, que passavam à direita. Das aberturas do ar condicionado saíam cubos de gelo a bombardear-me os pés. E à mão direita uns verdes vertiginosos...
Dei um toque no freio, perdi cinquenta metros, saí da formação.
- Lá a reunir, ó dois!
- Negativo, chefe! Dois fora! Não mais, musa, não mais!
O coronel, a sobressaltar as copas, entrou em silêncio-rádio. E foi assim que ficámos, até hoje.
Lá cheguei, são e salvo, ao local de recolha.
Eu fui ficando para trás, a retirar dos bastões a ligeireza que aos joelhos já faltava. Foi então que a peripécia me saltou da memória, sabe Deus a que propósito.
No dia 9 de Maio de 1974, o último bombardeamento aéreo feriu o ventre da Guiné. Ia eu a número dois, na asa direita do coronel, que sempre foi a minha predilecta. Lá fomos a rapar até ao Tombali, não fosse algum diabo tecê-las, lá deixámos para trás a fumarada a desfazer-se no ar.
O chefe era um violinista, ao contrário de mim mesmo que fui sempre um artesão. E ao chegar a Bissalanca quis fechar com chave de ouro.
O looping à vertical ainda saiu, o tonneau vinha a seguir. O chefe pranchou sobre a direita em busca de alinhamento, a apertar como um cavalo. O número três a aguentar-se lá em cima, eu a ficar entalado entre a asa do chefe e uns verdes vertiginosos, que passavam à direita. Das aberturas do ar condicionado saíam cubos de gelo a bombardear-me os pés. E à mão direita uns verdes vertiginosos...
Dei um toque no freio, perdi cinquenta metros, saí da formação.
- Lá a reunir, ó dois!
- Negativo, chefe! Dois fora! Não mais, musa, não mais!
O coronel, a sobressaltar as copas, entrou em silêncio-rádio. E foi assim que ficámos, até hoje.
Lá cheguei, são e salvo, ao local de recolha.
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