quinta-feira, 31 de março de 2016

Ora nem mais!

«O governo toma "boa nota da comunicação da defesa" dos ativistas, em que se inclui o luso-angolano Luaty Beirão, de "interpor recurso pela decisão judicial", em nome do direito de oposição por meios pacíficos.» 
Foi assim que o Costa respondeu na AR ao BE da Catarina, sobre os desconchavos da justiça de Luanda, e a difícil relação do seu regime com a liberdade de pensamento. Leu-lhe este comunicado do seu MNE.
A Catarina ( e outras donzelas com ela) confundem alegremente o estralejar das hormonas com as duras realidades de governar Portugal.
Eppure, todos os estados africanos “de recursos” (petróleo, diamantes, coltan, bauxite, urânio, gás, carvão…) estão nas mãos de cleptocracias corrompidas por multinacionais e grandes empresas de saque dos recursos africanos (e onde os chineses procuram entrar ou já entraram). Os povos sobrevivem mal e feiamente, debaixo de poderes totalitários. 
Ora Luanda não é (como poderia ser?) uma excepção, e o Vicente não brinca em serviço. Por isso o dever do governo será governar o país, fazer negócios e real-politik, e não misturar a mocha com a cornuda. Se há conflitos na sociedade angolana, e oposições activistas pela democracia, isso é com os angolanos.
Nós por cá também os temos, com atentados à lei, às liberdades, aos direitos humanos e ao estado de direito. Peçam um desenho ao Sócrates, para perceberem melhor!

Lá fora

Este há-de vir a dar ameixas. Aquele, um dia, mirtilos, e o vizinho alguns kiwis. Ou framboesas, groselhas... Quem sabe é Ceres. E aqueloutro, sei-o eu, uvas-espim. Começaram a abrolhar. Coisa assim só vi um dia num salão. Eram os dedos da Maria João Pires, a passear no teclado dum piano, donde saía a alma de Chopin. Nunca vi uma coisa assim.
A frente fria passou, e o frio dela ficou. Outro remédio não tinha, senão passar. Virou cieiro, o suão, bem agreste esse cabrão. Mas veio o sol, já nasceu.
E ouvi falar dum Tavares a quem a vida vai bem. Recebe cinco milhões pela gestão da Peugeot/Citroën, que a salvou da ruína em que vivia. Cá me parecia! Esteve em Portugal um dia, vindo da Nissan. E queria trazer para as fábricas de Cacia um projecto de baterias de lítio, para os automóveis eléctricos. 
Foi então que nos saltou ao caminho a quadrilha dos ladrões. Correram Sócrates e despacharam o Tavares, e os franceses chamaram-lhe logo um figo. Até que um dia... isso vemos amanhã!

Horas felizes

Há horas mesmo felizes! Já vi filmes que me emocionaram, me ensinaram, me encantaram, me ajudaram a crescer em múltiplos aspectos. Mas há muito que os não via (italianos, franceses, ingleses, mesmo alguns americanos), desde que o rolo compressor da indústria do passatempo global chegou da América, atulhado de barris de coca-cola e baldes de pipocas. Fechou salas de cinema, abriu as suas, monopolizou a distribuição, e clandestinizou o cinema europeu. Assim como ganhou à Europa a batalha imperial da cultura de massas!
Ontem voltei a sentir emoções velhas, em sessão de cineclube. É um filme a preto e branco, de Laurent Cantet, uma produção franco-canadiana de 2012 e argumento baseado na novela Foxfire: Confessions of a girl gang (1993) de Joyce Carol Oates, escritora americana.
É o quadro duma certa juventude americana da década de cinquenta, do qual se distanciavam mais que um século aqueles que a viveram por cá, em tempos medievais. É instrutivo ver isso e fazer comparações. E este gang feminino, organizado em associação secreta, ensaia uma reacção (que é uma guerra multiforme) aos falsos valores em uso, lá na terra.
Na legendagem há um erro. É traduzir por "Pernas" o nome da figura principal do gang, a jovem "Legs"!. Onde é que já se viu traduzir isso, e como é que isso poderia funcionar?!
O desenrolar do plot narrativo conduz o gang a um falhanço, e o desenlace é o fracasso e a dissolução do grupo. O único erro da Legs foi assumir uma opção temerária, um risco de aventureira, foi um passo mais largo do que as pernas que o grupo tinha.
Eu não sou nada entendido em cinema, nem pretendo sê-lo. Mas pela primeira vez a questão se me coloca: para contar a história a um destinatário, há narrativas em que a linguagem cinematográfica (a cores ou a preto e branco, pois são linguagens diferentes e será caso a caso) pode ser mais adequada e significativa do que as palavras da literatura. É o caso do Fahrenheit 451 de Bradbury, do Jivago de Pasternak e outros. 
Podia tirar neste caso uma prova real, se fosse ler a novela da escritora americana. Comparava o meu lugar de espectador e o de leitor. Mas, que fazer, eu tenho muito mais!

Olha aqui

Dito por quem bem o sabe!

Frente fria

Chegou-nos a frente fria e a noite dela. E flocos de neve esparsa a voejar. 
Restam as luzes da rua. Não há um som que ouvir, para lá dos algerozes a cantar. E que se veja só as três aldeias, além na cumeada. Transidas e desgarradas. 
Só nos fica a poesia, a marcação e harmonia, que trouxer. Porque a frente há-de passar.

Matilhas

A camioneta passou, e anunciava a Matilha Brilhante. A carga eram jaulas de cães de caça, ou de outros gados vivos. Iam vazias, e afinal tudo era bastante simples.
Uma associação qualquer de caçadores planeia uma batida. Ao javali, por exemplo. Define a área e distribui aos seus membros uma porta. Que é um lugar fixo e único, onde ele espera a passagem duma presa. Ou de várias.
E contrata a Matilha Brilhante, que traz cães e batedores que percorrem toda a zona. E hão-de levantar a caça, e persegui-la, e encaminhá-la para o lugar das portas. 
A batida leva um dia, quando muito. Tem um preço por matilha (de 25 cães). Pode juntar várias delas, quando a zona é muito vasta. No fim toda a cachorrada entra nas jaulas, vai regressar ao canil. Instalação isolada, no meio duma charneca, onde espera outra encomenda.
Há matilhas brilhantes às dezenas. E os cães delas temem sobretudo o desemprego de longa duração. Que os seus donos desanimam, e alimentam-nos mal e feiamente, e é esse o único dia em que têm liberdade.

Ainda a poesia e o seu dia

A BMEL organizou uma palestra para divulgar três poetas da cidade: um de hoje, reconhecido e moderno, que não despertou surpresa. Um outro que os arquivos não guardaram. E um terceiro, motivo de epifania, tardia revelação surpreendente.

EVOCAÇÃO DA ALDEIA
«Não há tristeza no pequeno burgo.
Há casas brancas que a Câmara mandou caiar
E outras mais sujas por dentro que por fora
E em que a Câmara ainda não reparou.
Há campos à volta com searas fartas
E oliveiras nas "arribas" de senhores de gravata
Que engordam seus cofres com juros a dez por cento.
Há silêncio nas noites longas de Inverno
E um campo grande de debulhas, um campo muito grande,
Que o povo teme seja roubado para as aves metálicas do céu.
Há garotio de pé descalço e jornaleiros de olhos cabisbaixos
E vinhedos em promessa e as cubas esperando...
Não há tristeza no pequeno burgo.
Há sonhos de partida, cartas de chamada que sempre se esperam
E nunca mais chegam. Há namoros e zangas
E uma morena que põe malucos os olhos dos rapazes,
aos domingos.
Não há tristeza no pequeno burgo.
Há o salão onde quatro maiorais jogam a sueca
Com medo de perder os cinquenta centavos dos "baratos".
Há bandos de estorninhos nas casas novas da estrada
E dinheiro que vem do Brasil e da África, a prestações...
Há a dor das horas frias e as sestas esticadas do Estio.
Há o trabalho e o suor e o pão e a falta dele.
Não há tristeza no pequeno burgo.
Há luz eléctrica e telefone e duas carreiras de camioneta
Que trazem a férias os parentes que vivem na cidade.
E há um padre que prega o amor entre os irmãos
Aos domingos e dias santos, na Missa das onze.
Um padre que é poeta e sonha as desventuras do seu povo
Em versos que o seu povo não conhece.
Não há tristeza no pequeno burgo.
Há tudo isso e uma igreja de torre separada
Com um relógio que em certos dias não dá horas...:
- Suspende a vida num silêncio espacial, carregado
de mistérios!»

O poeta usa pseudónimo e é padre. O lugar evocado é Mata de Lobos, em ano desconhecido da década de cinquenta. 
Uma ironia amarga, um bom sarcasmo, um toque de erotismo. Um ritornelo tranquilizador. Socialmente empenhado, porém longe do neo-realismo. É um pastor velando o seu rebanho frágil, sem proselitismos pios. Nos últimos versos uma fuga: para que transcendente?
O verso é livre, e é moderno e branco, e há nele os andamentos e harmonias dos universos da música. 
Para este leitor, foi uma revelação. E a pergunta sem resposta: porque é que o Vasco Miranda, com a qualidade que ainda hoje tem, foi clandestino na altura, e ignorado até hoje?
Noutro poema que se não transcreve (RECUSA, dedicado a Alberto de Serpa), Miranda expõe o seu cosmopolitismo, enquanto se declara poeta provinciano. E fustiga os poetas rendilheiros e vaidosos, que em nome da religião, em nome da estética, em nome da dignidade, em nome da polícia, o acusam de ser um vendilhão do Templo.
Seja lícito ver nele uns ecos de arcadismo (C. Garção), de Cesário Verde e as frutas da quinta... porém não do primeiro modernismo, ou do segundo, com surrealismos, --ismos e outros ismos. 
Alguma prolixidade, indesejável hoje.

E levanta-se um padeiro às cinco da matina, para lhes trazer o pão quente!

João Felgar é novato, nunca o vi nem lhe conheço a escrita. Ouvi-o ali numa rádio, nas Correntes. Cito de cor:
"A escrita não está ao serviço de nada. Nem sequer da originalidade. A escrita existe porque tem que ser escrita."
É bem verdade, muito avisado conselho a este leitor. Porém é falso. Então não é bem visível , bem verdade, que há uns tipos que se dedicam à escrita, apenas para se juntarem no casino da Póvoa, em cavaqueiras amenas de inanidades pomposas? Ou é ele um caso singular?

O dia e a noite, na poesia

O pequeno boi
O pequeno boi
cinzento
claro
ruminando.
Leio-lhe um poema.
Fita-me
com olhos de desinteresse
crescente.
Mergulha a cabeça na erva
alta
húmida.
Não quer saber de poesia
e de outras inutilidades.
Quer saber
(quero saber)
das palavras que se desfazem
na boca
das sílabas que vivem
no feno
do pequeno bicho
que pousou neste momento
no orvalho das letras.
[Acidente poético fatal, Américo Rodrigues, 2011]

EXISTÊNCIA (IN)SENSÍVEL
A maioria comanda-nos. Não se substimem os seus vícios. A improbabilidade aritmética de se deterem nas suas arremetidas infunde, pelo menos, desassossego. Assim, a massa informe reconhece o seu próprio poderio e não hesita em desferir estocadas letais sobre o ente indistinto que supostamente a escolheu. Vela o silêncio. A mudez. A letargia dilata-se para além do horizonte. A Lua está cada vez mais ao alcance da mão. O Luar é que não. Secretamente ousamos fantasiar manhãs de oiro. Ousamos desviar-nos do percurso. Ousamos recusar o indistinto. A farda. O compasso. A norma. A cadência. (...)
[Do modo anómalo de Existir, João Mendes Rosa, 2009 (?)]

O primeiro texto é poesia de ontem. Poesia pura, com estéticas de agora. Polissémico, contém mais que quanto afirma, admite várias leituras.
O segundo é também de ontem. É confuso. E se a tiver, contém uma só leitura. Parece um manifesto ideológico, ou anseio de elitista. Será ele um panfleto militante? Ou excerto dum ensaio sobre maiorias democráticas? De poesia nem ecos.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Olha-me só, estes melros

Ou canários, pegas rabudas, papagaios, aves do paraíso ou o caralho que os foda! 

Este gráfico parece um labirinto

Mas está lá tudo!

Alcácer-Kibir e outros

A tragédia da carrinha mortuária, numa estrada da morte que é francesa, agitou a opinião pública, açulada por uma comunicação social irresponsável e sensacionalista. Porque nada disso é novo. Andam aí às centenas, se não forem aos milhares, as micro-empresas familiares que reproduzem a cena. Só fariseus o podem desconhecer.
O seu modo de operar é sempre o mesmo, o dos aviões da Nato: só actuam em parelha. À frente vai sempre um chefe, seis lugares, carga em ordem, é o que disser o livrete. Só lá para trás vem o asa: uma dúzia de arriscados, um condutor clandestino, um atrelado hesitante... Quando surge uma patrulha, vem o aviso do chefe. Mas nem sempre isso acontece, e a vida é de quem a arrisca.
Desta vez as coisas correram mal. Por motivos não sabidos, mas visíveis, a carrinha mortuária passou à faixa contrária, e o camião vinha ali, filho da puta. Foi um Alcácer-Kibir! Antigo fadário nosso, que há muito tempo elites nos impuseram. Se nós o não conhecemos, muito menos o reconhecemos. E fica sem remissão, como o traço dum destino. Ele havia outros,mas...

Mais pintado? Distraído?

Na horta, este ano, não haverá colheita das ervilhas. Não nasceram, elas saberão porquê.
Acontece ao mais pintado, se não for mais distraído!

Bach por Scholl

Agnus Dei com lágrima contumaz.

Um país de reais cafres, sem desprimor

Esta história roça a ficção, parece irrealidade e acaba num terror. Tão aterradora é que até confrange.
Numa aldeia atrás da serra, havia um dono e o cavalo dele. E havia também uma família na Suíça, a cumprir as tarefas que os suíços já desprezam. Era uma entre milhares.
No Verão passado veio a família à aldeia. E um dia a mãe pediu ao dono do cavalo que a deixasse cavalgá-lo. O dono não lho soube recusar. E logo a mãe pegou na filha pequena e lá montou. 
Entretanto chega o pai, de telemóvel na mão. Faz uma fotografia que será recordação. O cavalo viu um relâmpago (o do flash) e não gostou. Alçou as patas da frente e lançou a carga ao mar. O próprio bicho acabou por desabar, caiu sobre a criancinha e esmagou-a. A mãe lá sobreviveu, lavou-se em lágrimas e deixou a filha numa sepultura. 
A família voltou à Suíça e fez saber aos amigos, que ficaram consternados. Com caixinhas em cafés, restaurantes e supermercados, juntaram eles solidários óbolos, que a família recolheu. 
Pelo Natal voltou à aldeia, era mais que natural. Fez erigir num repente um jazigo de família, clandestino, improvisado, ilegal. Uma agência funerária recusou tomar a cargo a tarefa da exumação, dado o cadáver recente. Mas uns ciganos fizeram-na de noite, a preço de ouro, o de todas as tarefas impossíveis. 
Está lá tudo, no jazigo cinzentão, numa aldeia atrás da serra. Tudo ilegal, clandestino, tão inexistente como repentino. E com nome da família no frontão.
Primitivos e arrogantes, tão primários quanto irreflectidos, é assim que as elites nos mandam formatar e nos pretendem. Para seu governo e muito bom proveito.

Buracos

Aproveitei a deslocação prevista, a tarde amena e fugaz, as saudades que tinha da Fritilária. Fui à Serra visitá-la, numa reserva onde a conheci há anos. Soube depois que também vive no Gerês.
Porém é cedo, está frio, e as plantas dela mal mostram as orelhitas.
A estradinha entre a lagoa do Rossim e as Penhas Douradas é que está num estado miserável. E só um carro paciente, fiel ao dono e muito resistente sobrevive ao descalabro. Há buracos onde cabe a roda inteira, se não duas, e são tantos que não permitem gincanas. E quando não há buracos vem a ramagem ríspida da berma afagar-nos a pintura.
Não sei bem se é município de Gouveia, ou de Manteigas, ou Seia. Qualquer que seja aqui a maternidade, à entrada deste Verão, claro é que esta gente dum certo poder local são uns canalhas que desrespeitam a pátria e desprezam os filhos dela. Os quais nem sempre merecem ser tratados deste modo.

Medida grossa

O Luati Beirão e os companheiros dele (os tais que andavam a engendrar um golpe de estado em Luanda) apanharam pela medida grossa. Às mãos duma cleptocracia institucionalizada, que sujeita todos os países africanos de recursos. No caso, o petróleo e os diamantes. Só um milagre os livraria disso. Porém não aconteceu, que o Vicente não brinca nada em serviço
Mas fazem bem em dar o peito às balas, Porque nunca os futuros se fizeram doutro modo.

Olha-me só!

Os cabrões sem vergonha são iguais em todo o mundo. Têm é tiques diferentes, atendendo à circunstância.

terça-feira, 29 de março de 2016

Manual de instruções do terrorismo, em sociedades doentes

A Comunicação Social é uma alavanca poderosíssima nas sociedades de hoje. E tanto pode ser um instrumento de progresso e edificação da cidadania colectiva, como pode ser uma arma de embrutecimento e destruição dela. Isenta das regulações do poder democrático, fica entregue aos interesses do mercado e vive do lucro deles.
Entre nós, O CM, da Cofina, é o palco principal do crime, com cenas nos bastidores. Os arguidos são a imprensa que vive da calúnia, da destruição de carácter, dos direitos de cada cidadão ao seu bom nome; os magistrados e juízes que minam e corrompem a Justiça; as falsas elites políticas que vicejam no pântano onde a cidadania acaba por se afogar.
Os modos de agir são a violação das leis, as escutas ilegais e sem controle, a investigação selectiva, o comércio das fugas ao segredo de justiça.
As vítimas primeiras são os Direitos do Homem, o Estado de Direito, as liberdades democráticas e a cidadania.
Quem mais ganha são as elites privilegiadas e as suas indústrias de condicionamento e calúnia. 
Quem perde são os países e a cultura deles, o progresso das suas sociedades, são os povos que ficam sepultados no negrume da ignorância e da precariedade. E os cidadãos sujeitos ao seu terror.
O CM de ontem é uma demonstração exemplar, numa página antológica e inteira. Lá dentro amalgama Sócrates, e Vara, e a filha Bárbara, e o super-juiz Carlos Alexandre, e o Lula do Brasil, e a Lava-Jato, e o PS português e o PT brasileiro.
Sócrates recebeu no título 12 milhões do empreendimento de Vale do Lobo. Lá dentro consta, afinal, que "está indiciado por ter recebido 12 milhões do empreendimento". Quando quer fundamentar seja o que for, o CM baseia-se em textos próprios, isto é, naquilo que ele mesmo já disse, dado como prova de facto. É sempre assim. 
A filha Bárbara, do Vara, foi alvo de um mandado de buscas no escritório. Depois disso foi alvo de "escutas. E o CM, que tem acesso a elas, confidencia-nos que a Bárbara , que ficou atemorizada, até elogiou "a discrição e a simpatia dos agentes da Inspecção Tributária" que lhe fizeram as buscas.
O super-juiz, quando ouviu o Vara, até o aconselhou, paternalista, a usar o nome da filha, no seu depoimento. Ser-lhe-ia sempre favorável. O Vara é que não quis metê-la nisso.
O Lula e a Lava-Jato são metidos a martelo, mas dão jeito. Que as coisas pelo Brasil não andam abonatórias.
O CM não diz nada, nem poderia afirmar esta evidência: em Portugal, a razão fundamental desta velha cruzada anti-Sócrates foi impedir o sucesso eleitoral do PS. De início em 2005, mais tarde em 2011. Assim como no Brasil do Lula, o alvo dos revanchistas é o PT. E os combates das elites são neo-internacionalistasPois claro! Claríssimo!

Suão

Sopra o suão sobre a encosta, viajam nele as nuvens pela serra. E alvoroçaram-se os braços das aveleiras.
Sinto? Não sinto. O mundo faz-se sem isso.

«E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas.

Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.

Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira.
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono.»
[Poemas de Alberto Caeiro, Ed. Ática, Lisboa]

segunda-feira, 28 de março de 2016

O tempo, a tua "matéria-prima?!

Como é que o gastas?!

Quem é que havia de arder?

A comissão de inquérito parlamentar aos enredos do Banif tem pela frente uma tarefa impossível. Tão impossível como entrar na caverna do Ali-Babá (por natureza um lugar muito sombrio), e identificar entre os quarenta ladrões a Miss Swap's especialista em finanças, o sipaio do Passos que ainda governa o governo, e o serviçal Carlos Costa do Banco de Portugal, que se lhes pôs de cócoras enquanto supervisor. 
O banco foi vendido aos espanhóis por tuta-e-meia. Mas custou-nos a desmesura de 3.200 milhões.
A única coisa que seria de esperar da comissão, era saber quem forneceu à TVI a notícia incendiária que uma noite apareceu em rodapé. E provocou uma corrida aos depósitos como não se havia visto: em menos dum fósforo voaram dos cofres do Banif 2.200 milhões. Diz-me lá quem é que havia de arder?!

Compasso

[Ao António Zé de Almeida]
Retomaram na aldeia o ritual do compasso pascal. E assinala-os a campainha à frente, cristalina, a anunciá-lo.
- Benvindo, padre!
- Boas-festas, aleluia, aleluia!
O rapaz, de alva cansada que o cíngulo compõe, já desce o pátio, Atrás os crentes, o vulgo, os que vieram de longe por três dias.
- Bem sabe que eu não pratico, de católico ou de nada. Sou este estóico frugal, semi-pagão, um olhador do mundo. Encontrei aqui sossego.
O padre entra, eu acompanho. Se viu, não sei o que observou. Abro os braços e a multidão avança, a rodear-nos na sala. Ele mergulha o hissope na caldeirinha de prata, asperge um nada, Deus abençoe esta casa! O povo entoa aleluias. E lamenta, quem o sabe, tamanha nudez da mesa, um açafate entrançado e africano, as nozes secas, laranjas, as amêndoas de Foz-Côa, e as bolachinhas de aveia que vieram da Cabreira. Nem repara nas flores daquele jarro, um ramalhão de alecrim com explosões de narcisos. Nem se vê o envelope do folar! - Isto onde faltar mulher!...
Acorre já, muito afoito, o acólito da cruz, alçada aos lábios do anfitrião. Este encara-o amistoso, um mínimo gesto da mão, um olhar claro nos olhos. Ele entende, afrouxa os braços.
Ofereço ao padre um café, um Porto decorativo que além está e ele não quer.
- Por que razão tem aqui este Cristo artesanal?
Conto-lhe a história edificante. Ele sorri.
-Há uma coisa que lhe ofereço, é a melhor! A paisagem que ali está, em frente do alpendre!
Saímos ambos, espraiamos o olhar.
- E sente-se bem aqui?
- Não desejo outro lugar! E aquela encosta foi a coisa original que me entrou olhos adentro, quando os abri pela primeira vez, há muitos anos . Tudo era verde, das copas dos matagais que a vestiam. Hoje é assim.
Reentramos, o compasso vai partir. Agradam-me ecumenismos destes, tolerâncias e humanidades...
À saída vai o acólito, a cruz de prata num braço.
- Acautele essa cruz, homem de Deus! Maré de lha assaltarem, era pena, e anda Deus muito ocupado!
O padre ri. E um dia destes é melhor ir à procura de um cofre de guarda, onde estes objectos litúrgicos fiquem salvaguardados. Convirá não esquecermos esse tempo em que o rebanho de escravos era celebrado com esplendores de prata. Talvez concordem o padre, o sacristão e as beatas.

Neo-Internacionalismo

Repugna mas não é surpreendente, este conluio entre elites brasileiras e lusas, a esconder mutuamente as bragas sujas! 
O internacionalismo deixou de ser proletário. É agora artilharia das castas do privilégio, de saudosos do fascismo, de golpistas que perderam o comboio.

Caraça dizia assim, em 1933:

«(...) Dizer-se que a época actual é caracterizada essencialmente por uma perturbação e inquietação vivas, é já quase um lugar comum, de tal maneira isso se impõe, mesmo após o mais superficial exame. Não é, contudo, demasiado repeti-lo, pois há muitos sujeitos de ouvido duro que ainda o não compreenderam ou não quiseram compreender, e que, numa cegueira teimosa, continuam a querer aplicar, para medida de valores numa sociedade abalada nos seus fundamentos, aqueles padrões cujo uso já de há muito não é legítimo.
Desenganem-se essas pessoas. O que estamos actualmente vivendo e sofrendo, não é apenas uma borbulhagem fugaz, destinada a passar como tantas coisas passam, sem deixar sinal; é, muito pelo contrário, uma época de transição, uma ponte de passagem entre aquilo que desaparece e o que vai surgir. E nessa ponte de passagem chocam-se todas as correntes, coexistem todas as contradições, fazendo dela aparentemente uma feira de desvarios e, na realidade, um formidável laboratório de vida.
Época singular! em que podemos assistir às manifestações do mais alto poder criador e do mais persistente esforço de sistematização - Einstein e Broglie - e, paralelamente, à desorganização total da vida económica e à destruição deliberada precisamente daquilo de que a maioria carece.
Época em que é possível um tal campear do cinismo que um ministro holandês propõe, numa conferência internacional, a interdição do bombardeamento aéreo do inimigo em tempo de guerra, para que alguns dias depois um avião holandês lance, sobre um barco holandês, em tempo de paz, uma bomba que semeia a morte a bordo. (...)
Época em que se verifica um tão grande desprezo pela existência alheia que na sombra se prepara, metodicamente, sistematicamente, cientificamente, a destruição do homem, mas em que ao mesmo tempo existe uma tal admiração pelo corpo humano que, num vasto movimento de cultura física, ele se enaltece e glorifica no que tem de nobre e belo - antítese simbólica do nosso tempo: preparação da guerra química e salão do nu fotográfico. (...)»
[Bento de Jesus Caraça, Conferências e Outros Escritos, Lisboa, 1970]
Parece hoje!

domingo, 27 de março de 2016

Lá como cá, Lula dá uma lição

Vai vê-la aqui! E ali! Depois compara com Sócrates, a ver se um dia não morres completamente estúpido.

Monstro

Na perspectiva dum europeu meridional, periférico e sem peso, a simples possibilidade de Trump vir a ser o presidente da América é nuvem negra, sombria. Que os democratas, um homem ou uma mulher, serão caso a preferir. Mas são equilibristas no arame. Este é mais que um aparente histrião. E é perigoso, na corda bamba sem rede.
A seu tempo terão os republicanos a convenção de Cleveland, no Ohio. E os ecos que lhes chegam do drama da Europa desencadeiam neles reflexos de eficácia. Imaginando um atentado terrorista no recinto, a resposta melhor da multidão presente é ter na mão uma arma.
É exactamente o que defende o lobby da indústria dos armamentos; e a National Riffle Association, que tem rangido os dentes ao Obama: o direito divino dum cidadão trazer à cintura um Colt! 
A sociedade americana imitou a Europa, ultrapassou-a e tornou-se no que é: um monstro. E o Trump, caso lá chegue, só vem agravar as coisas.

O sensacionista

«Que noite serena!
Que lindo luar!
Que linda barquinha
Bailando no mar!

Suave, todo o passado - o que foi aqui de Lisboa - me surge...
O terceiro andar das tias, o sossego de outrora,
Sossego de várias espécies,
A infância sem o futuro pensado,
O ruído aparentemente contínuo da máquina de costura delas,
E tudo bom e a horas,
De um bem e de um a-horas próprio, hoje morto.

Meu Deus, que fiz eu da vida?

Que noite serena, etc.

Quem é que cantava isso?
Isso estava lá.
Lembro-me mas esqueço.
E dói, dói, dói...

Por amor de Deus, parem com isso dentro da minha cabeça.»
[Poesias de Álvaro de Campos, Ed.Ática, Lisboa]

Coisa assim

Há dias regressei tarde, ossos de ofício. Lua cheia fulgurante em céu azul, e uma Vénus majestosa. Naturezas!
Mal que parei o motor, ouvi logo ali ao lado uma coruja das torres, num castanheiro vizinho. Hesitei entre o tenor e o barítono. E os ecos dela chegavam-me devolvidos pela encosta, além em frente. Há eco aqui-qui?! Há e-cuá- cuá! 
Nunca ouvi uma coisa assim.    

Encontro

Eram treze à volta duma mesa, num encontro de poetas. Instado cada um a ler cinco poemas, ali mesmo consumiram duas horas. Um leu poemas futuros, que os passados não lhe dizem nada. Outro sentou-se no chão e falou de coisas vagas. Este fez-nos confissões, disse o que sente, e poupou na consulta dum psi. Um outro desabafou, este conversou com o filho que há-de vir, aquele fez-nos contrições pascais.
O auditório ouviu ali a pé firme: ouviu poemas que tinham incêndios dentro, e casos de fumo com labaredas por baixo, e alguns fumos que prometem chamas, logo vemos. No resto, de poesia, nem os ecos dum poema ali passaram.
Eram treze. Por sorte nossa não foi a última ceia! Porque a poesia, mesmo quando está ausente, mete-nos dentro da vida, no que os homens têm dentro. Ainda bem que a criaram.  

sábado, 26 de março de 2016

Pérola rara, hoje em dia

«Quinta sessão de julgamento: a juíza traz hoje as unhas pintadas de magenta, a procuradora de azul, a advogada da parte contrária de preto. Unhas impecáveis, ovais, cutículas arranjadas, unhas que não raspam o queimado do fundo de tachos. Pergunto-me: se as sanguessugas lêem Kavafis, que lerão os gafanhotos, os percevejos, as lesmas e as lagartas da couve?»
[Ana Cássia Rebelo (http://ana-de-amsterdam.blogspot.pt/)]

Marcos Portugal

Sopranos, meio-sopranos, contraltos, baixos, barítonos, tenores, contra-tenores, é escolher. Missa Grande

Línguas, vozes, andamentos e toadas

O que será que uma língua tem em si? Que traços habitam nas palavras dela, os fonéticos e os outros?

Alemão - voz marcial dum espírito analítico
Francês - voz do requinte, diapasão da cultura 
espanhol - voz plebeia duma rua alvoroçada
italiano - voz das harmonias musicais
inglês - voz composta dum cosmopolitismo
português de Portugal - voz límpida do lirismo original
americano - o esperanto do mercado hiperglobal
russo - quem me dera conhecê-lo
línguas distantes, tribais, exóticos dialectos, linguajares - vozes do sangue, protestos da terra, crioulos do sofrimento, que alimentaram em séculos os requintes da Europa. Esse centro do mundo e a luz dele, hoje velha e decadente cortesã.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Até hoje

Ao regressar do Brasil, a Bonitona trazia no porão um padre-nosso novo. E ensinou-mo à beira do poço, um dia, vinha ela a visitar as sécias debaixo dum chapéu de palha de aba larga. Queria proteger as faces da soalheira, já que todos a achavam muito feia, eu nem por isso.
Grande Foco vida do universo
manda-nos a tua luz
e cumpram-se as tuas leis
neste e nos outros planetas. 
Repetiu-mo até que lho decorei. Foi até hoje.

Cá e lá andam amancebados

Estes filhos da puta refinados.

Suis-je?!

No campo das ideias e conceitos, como noutros, a biodiversidade ambiental é um ganho fundamental. Já assim não é no campo dos princípios (gerais) e das normas (particulares). É assunto para filósofos, eu detenho-me só na liberdade.
Um grupo de criativos trabalha num escritório, afadigado na publicação duma revista satírica. E em manhã mais fulgurante, saem-lhes imagens dum profeta estranho, cozinheiro dum Allah arrevesado, e dono do seu nariz. Sai à rua com bombas na gaforina, leva nos bolsos granadas descavilhadas, e não dá qualquer abébia aos papparazzi. Não quer ver imagens suas no papel, ponto final!
Os criativos exultaram.com o filão.
Chegaram a lembrar-se do mulherengo Júpiter, a galar a alcmena do pobre anfitrião, e do Mercúrio, esse alcoviteiro voador. Mas esses não dão cachet, como entendemos. 
Passados que foram dias, recebem os criativos uma embaixada explosiva. Deixou-lhes no escritório a assinatura sangrenta das metralhadoras.
Voltemos à vaca fria. É saudável rirmo-nos dos deuses, que outra coisa não fazem eles connosco, desde há séculos. Já sadia não é esta visão bastarda e fundamentalista do que a prática da liberdade seja. Porque não há absolutos. A minha liberdadezinha tem o exacto limite das entorses e calosidades que o vizinho usa nos pés. E pisar-lhos não é liberdade minha.
Tudo é relativo nas práticas desta vida, desde que o outro se pôs a mostrar-nos a linguita. Conviria aos criativos ter boa consciência disso.
É eu lamento muito, mas je ne suis pas

Afinal de contas

Parece que o Presidente, além de baú de afectos, também é cozinheiro de caldeiradas!

Ora cá está!

Um sermão laico, e justo, e sábio. Dos que é salutar ouvir.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Lá como cá, e uma diferença subtil

É semelhante a violação das leis e das normas do direito por parte duns canalhas; é parecida a mancebia cúmplice entre agentes da justiça e vendedores de notícias.
Há, porém, uma diferença subtil: por lá existe um juiz, capaz e disponível, para situar a coisa em pratos limpos, tirando o osso da boca à canzoada. 
Cá não há, há que tratar da vidinha. E o estado de direito que se foda, vá-se queixar a um tribunal plenário! (entre min. 07.50 e 23.00).

quarta-feira, 23 de março de 2016

Um poema, de escrever, há-de ser delicado. De ler sei que não é menos.

O leitor não conhece este autor. Sabe-o vagamente jornalista, isso lhe basta e pouco mais lhe interessa. Trouxe para casa uns poemas, leu uns tantos. Foi à vida, mais tarde voltou a eles. Leu-os todos. Foi só então que os poemas ficaram acabados. Tinham saído da mão do seu autor, e andavam por ali de porta no trinco, à espera. O leitor fechou-lhes a cancela e acabou-os. Depois disso releu-os várias vezes. 
É este o percurso natural da criação artística, fechar-se só quando encontra o seu destinatário. Outro qualquer é simples passatempo ou extravagância. Claro que depois disto, este hesitante leitor releu-os. É que não gosta de comer gato por lebre.  
Foi conhecendo o sujeito poético que andava lá por trás. Acabou por meter-se dentro dele, e ele foi, naquilo tudo, o primeiro objecto que o prendeu.
Por se tratar dum sujeito curioso, este, foi o que o leitor pensou. Tem um passado de infância que recorda, melancólico. Mas não é um saudosista, nem pretende regressar-lhe. Paira ali, num presente que vê com desalento, uma tristeza às vezes. Felizmente para ele, nunca veste a couraça do cinismo, que deixa sempre a alma fria, congelada. 
E sabe que lá para a frente um futuro está à espera. Mas duvida tanto dele que abdica de o perseguir. Espera apenas. Sem ataraxias nem fugas, sem alheamentos. Estranho sujeito este.
E este leitor deu por si a chegar à poesia que tão estranho sujeito lhe dizia. À inovação das malas-artes dela, às emoções estéticas que estes poemas lhe fizeram experimentar.
Depois foi este leitor ver o atavio dos poemas, desvendou-lhes a cor das roupas íntimas. para entender de que forma é que eles o seduziram. De que artifícios os dotou o seu autor, quando os deixou ir ao baile. É que há modas, modernismos, trejeitos e maneirismos passageiros... Alguns deles fazem jogos de silêncios, de vazios, e de ausência aparente das palavras. Mas não foram esses que lhe agradaram mais. E se toda a arte não passa de artifício, mais que todas assim é a arte das palavras. Para realidades cruas basta a vida!
Este leitor chegou à sua conclusão: há poeta novo, alegria! E os poemas dele, que longa vida vão ter? Eternidades não poderá garantir, seria pedir demais. O tempo será, em qualquer caso, o último juiz, a instância definitiva.

Poema
Este poema não existe.

Para começar
E no turbilhão de palavras que 
sempre vive no meio de nós
resgatar umas quantas.
Trazê-las, ainda vivas, à superfície
para começar um poema.

Que era o da luz a desaparecer
E o tempo não se media
em horas
minutos
segundos.
Era o tempo da luz a desaparecer
lentamente,
até não conseguirmos ver
a baliza inventada
do outro lado da rua.

Porque o futuro
Voemos então
se tudo é possível, meu amor,
até a alegria no trabalho
dos homens das agências funerárias.
Voemos então até ao cume das mais
invejáveis febres
- da mesma matéria incandescente
mas sempre outras.
Rondemos o sol.
Voemos então
enquanto se vê alguma coisa.

Porque o futuro
é sempre em primeira mão,
é sempre novinho em folha, sim,
mas o futuro...

...o futuro
não é,
meu amor,
de confiança.

Não sei o que andam a fazer as andorinhas

Saio ao alpendre a sondar o horizonte. Olho e vejo, depois ouço. Céu fechado em cerrados alto-estratos. Numa aberta, lá por cima, andam cúmulos esparsos, luminosos, a embebedar-se de azul. Bons augúrios, no amanhecer tristonho. 
Na semi-obscuridade a passarada galreja. E o cuco, além na encosta fronteira, madrugou e não se cala. Eu registo.
Só não sei o que andam a fazer as andorinhas. Vieram aqui, voltaram, reconheceram o barro e ausentaram-se. Talvez confiem que a forneirita respeite a propriedade alheia, engano seu. Ou foram ler as notícias ao café... e ainda estão de boca aberta. Pois pudera!


"vês como vibra a minha pele quando a baloiça o vento?

sob a minha pele há tímidas flores amarelas
e ervas secas a querer verdejar
e trocam-se os perfumes por vozes a roçarem a pele

vês como baila a minha pele quando as aves me cercam?

(não sentes o sangue oculto das papoilas?)"
[ (eu diria que nevava), Maria Afonso, ed.CanalSonora, Tavira, 2016]

E os portugueses que uns farsantes arquivam na "diáspora", o que será feito deles?

Olha, alguns andam por aqui!

terça-feira, 22 de março de 2016

Barricadas e Muros

[muro de Berlim]
Este é de 1961 e está a ser construído. É um fruto da guerra-fria, indesejável, condenado, amargo, mas julgado indispensável por metade destes figurantes, que lhe chamaram Muro Antifascista. 
Outros chamaram-lhe, apressadamente, o Muro da Vergonha. Em 1989 desabou, cumprindo um fadário triste. Agora é história.
Hoje erguem-se barricadas, muros de arame farpado, barreiras que isolam os povos e as fronteiras. E as vítimas. Na Macedónia, na Hungria, na Croácia, em Calais, na Califórnia... Vergonha é o que sentiriam aqueles que os justificam, era bem caso para isso. Mas não sentem..Preferem vir a ser os últimos a saber. 
No meio de tudo isto, porque vive preso à rocha, o mexilhão apanha com a onda em cheio, e esbraceja a ver se se não afoga na enxurrada.

Curiosidades muito curiosas!

Para não dizer muitíssimo, ou mais-que-muito.

Há imagens que valem por mil palavras

[clicar para ver]
E assim será! Porém esta, que chega de Havana, vale por muitos milhões delas! [Daqui]

segunda-feira, 21 de março de 2016

Cabras

[do Mestre Chichorro]
O vizinho enviuvou, vendeu as cabras que tinha. Que onde mulher não houver, nem uma cabra se quer.
Excepção feita a poetas e a filósofos, que uns deuses preservaram em segredo.

Da poesia

Podia ser o dia mundial dos cães abandonados. Ou das galinhas que não voltam ao poleiro. Ou das mulheres que se esvaíram no sangue do amor. É só o dia mundial da poesia (onde não entra a sombra dos poetas).

«nada pode ser mais complexo que um poema,
organismo superlativo absoluto vivo,
apenas com palavras,
apenas com palavras despropositadas,
movimentos milagrosos de míseras vogais e consoantes,
nada mais que isso,
música,
e o silêncio por ela fora»


«d'après Issa

ao vento deste outono
avanço
para que inferno?»
[Servidões, Herberto Helder, Ed.Assírio e Alvim, 2013]


Melro em gaiola I

«Contrariamente aos outros pássaros,
o melro não canta: ri-se.O melro
é uma gargalhada semovente
voando entre as moitas,
deixando
farrapos de riso a esvoaçar nos ramos.»
[Arado, A.M.Pires Cabral, Ed. Cotovia, Lisboa 2009.]

O céu e o firmamento

Tudo começava assim. A moleira passava lá por casa e carregava três fanegas num grande macho que tinha. Descendo a encosta, o bicho podia bem. E lá seguia, à beira da ribeirinha. No moinho dava o grão à mó alveira, que rodava noite e dia, quando a levada corria. Em lhe calhando vinha trazer a farinha, descontada da maquia.
Em casa havia um local chamado o peneiradoiro, que ficava atrás do forno, ao cimo da escadaria. Sempre coberto dumas poeiradas, nunca gostei de lá ir pelos espirros que me dava. Ao longo duma parede era a masseira, e em cima dela as duas tábuas da zornideira. Eram macias, ao toque dos dedos. E era sobre elas que as mãos da minha mãe abanavam as peneiras a roçarem entre si. A farinha caía na masseira e o farelo das peneiras ia parar a um saco. Os bichos gostavam dele, os porcos disputavam-no nas pias. E muitos anos depois vim a saber que os porcos de hoje também lhe chamam um figo, quando o pressentem na pia. Mas lá em casa nunca entrava no pão.
Com água quente, as mãos da mãe amassavam. E misturavam na massa a malga do fermento, uma pasta mal gostosa que um bom pão não dispensava. As vizinhas que o não tinham apareciam a pedi-lo. Voltava sempre uma parte, na malguita do fermento que assim voltava à masseira. 
Quando a massa estava pronta, ficava um tempo a fintar, aconchegada num lençol de linho. E se era Inverno tinha sempre uma braseira por baixo. Para se aquecer, que o calor poupava tempo. Mas a mãe é que sabia. 
Estando finto, era só fazer os pães, Ela dividia a massa com a palheta, uma raspadeira de metal. Dava voltas, rebolava e enformava, fazia um gesto por cima e por vezes murmurava. Palavras que nunca ouvi. Raspava os cantos todos da masseira, e arredondava umas bolas de restos, para dar à canalhada que se pelava por elas. Ia alinhando os pães nuns tabuleiros, por cima do lençol branco. 
A tarefa de esquentar o forno era sempre do meu pai. E da canalhada toda que subia escada acima com molhos de lenha às costas. Era uma consumição, que a lenha era sempre verde e nunca estava cortada. Desleixos de quem mal satisfazia as obrigações que tinha. Mas o forno lá aquecia.
Encostadas à parede, havia ali três varas de pinheiro, que chegavam ao telhado. Eram as ferramentas da função. A pá de ferro que punha e tirava os pães, o rodo de madeira e o vassoiro, para limpar o lar do forno. Era este um ramalhão que ele fazia, dos buxos do quintal. Também podia ser de hera, mas nunca era. Juntava o brasido todo ali à boca do forno, metia os pães lá para dentro, e fechava tudo com uma porta de ferro. Ainda hoje sinto nas bochechas o calor que me queimava, se aproximava o focinho. 
A certa altura tirava ele um pão. Experimentava um, tirava outro do fundo, batia com os nós dos dedos, procurava uma toada. E quando bem lhe parecia fazia avançar a pá. Os pães acabavam empilhados nos mesmo tabuleiros que já os tinham trazido. Ficavam a arrefecer e voltavam à masseira, cobertos pelo lençol branco. No Inverno duravam quinze dias e tudo se repetia. No Verão o tempo era menos, porque havia mais bocas a alimentar. 
Quando era tempo de secar os figos, aproveitavam-se os restos do calor. Lá vinham em tabuleiros do sequeiro, construído no quintal, traziam tardes de sol. E acabavam numa camada de palhas, sobre os tijolos burros do lar do forno. 
Pertencia à canalhada a última tarefa. Já era fácil porque o forno estava frio. Entrávamos lá para dentro de joelhos, enchíamos cestas deles. E ainda hoje sinto em cima da cabeça o céu do forno, que era áspero e rugoso e carregado de mistérios. 
Só muitos anos mais tarde é que uns livros me ajudaram a entendê-lo. O céu côncavo do forno da infância, e o firmamento que lá fora está, onde uns deuses se refugiaram.

domingo, 20 de março de 2016

A César o que é de César, porra!

E sucintamente é isto, mas há mais. Tudo o resto é verborreia, cobardia, futriquice, vulgar paleio de cona. 

Da capo

Enquanto foram modelos duma vanguarda, as cabras do baixo-Côa eram esbeltas, elegantes, anorécticas. Rupestres.
Hoje que são funcionárias dum parque arqueológico tornaram-se anafadas, mamudas, instaladas. Matronas.
Estéticas? Modas? Tempos?

Primavera

Entramos nela às quatro e trinta desta madrugada, é o que diz O Seringador. É certo que o equinócio anda macambúzio. Mas o bruto Saturno já se resignou, outros brutamontes mortos-vivos é que não.
E a pretexto de saudar a Primavera, vou em peregrinação a Riba-Côa. Vejo Almendra e a Marofa, vejo Almeida e vejo o Rio Seco, essa aldeia de que fui filho adoptivo. Vejo a Cabreira e o milagre que está nela, a ASTA, esse lugar de luz e humanidade num mundo crepuscular. 
Talvez dê uma facada no matrimónio que tenho com o país, com a pátria, comigo mesmo: atesto o panzer com gasóleo dos espanhóis em Fuentes.
Logo vemos! 

sábado, 19 de março de 2016

Ai que porra, digo eu!

Quando vejo um homem que trago no peito ser atraído para uma esparrela envenenada, temendo que se deixe apanhar nela!

Gran cuidado!

[clicar. figuras de sofia pinto]
À Ribeirinha sentada faltava-lhe uma cadeira. E uma ceramista amiga agenciou-lhe um banquinho, para assistir sem gran cuidado aos faunos bailadores.
Este pouco pois que tarda o seu amigo na Guarda

Crepúsculo

Alto-cúmulos esparsos. O Saturno caladinho. Um Crescente a subir ao plenilúnio. Andorinhas no alpendre. Papoilas de asas abertas, vermelhonas. Maias brancas a tapetar a encosta...
O que é que tu querias mais? Um poeta novo?! Melancólico?! Talvez... 


Poema
O primeiro verso [este] é-nos oferecido.
Valerá mesmo a pena procurar sempre
o segundo [este]?

Pré-língua
Quando o caminho era
carreiro
seguia entre silvas,
paralelo à ribeira, 
antes da curva.
Depois, como uma falésia sem mar.
Lá ao fundo,
o pequeno cemitério
rodeado de muros
por todos os lados.

Quando o cordel era 
nagalho
pendia na loja fria
junto à parede bruta de pedra
anos a fio
à espera de ser útil.

Quando os maus eram 
velhacos
escondiam-se, bêbados,
nas sombras.

Ex-lugar
Da glória antes, só a fachada
e janelas sem janelas.
No corpo oco, a penumbra a céu aberto.
Uma lareira que não recorda já o fogo.
Ninhos de pássaros que nada sabem
ou querem saber.

Fim
E às dez horas da manhã,
no café do bairro,
dois velhos dizem "até amanhã",
como se nada fosse.
Fico subitamente triste, 
como num dia que chegou ao fim
antes de ter começado.