A boa América, que gerou a maior crise financeira desde há cem anos, lá segue tranquila. Enquanto a triste Europa, gerida por elites serventuárias da Nato em troca duas migalhas, escraviza hoje os povos europeus, sobretudo os do Sul, através da austeridade.
Da contra-capa: "Publicado em França dias antes de Le Clézio ser galardoado com o prémio Nobel, A Música da Fome é um romance com uma forte carga autobiográfica, onde o autor narra a decadência duma família oriunda da ilha Maurícia exilada em Paris durante os turbulentos anos 30 e a Segunda Guerra Mundial, anos marcados pela inconsciência dos cidadãos e dos políticos, pelo anti-semitismo e pelo sofrimento gerado pela guerra."
O preâmbulo é todo ele um testamento: «Conheço a fome, sofri-a. Criança, no fim da guerra, faço parte dos que correm pela estrada ao lado dos camiões dos Americanos, estendo as mãos para apanhar embalagens de chewing-gum, chocolates, sacos de pão que os soldados arremessam pelo ar. Criança, sinto tanta sede de gordura que bebo o azeite das latas de sardinha, lambo, deliciado, a colher de óleo de fígado de bacalhau que a minha avó me dá para me fortalecer. Preciso tanto de sal que como às mancheias os cristais de sal cinzento do frasco da cozinha.
Criança, comi pela primeira vez pão branco. Não o pão de miolo do padeiro - pão escuro, esse, feito de farinha deteriorada e serradura, que quase me matou quando eu tinha três anos. Antes um pão quadrado, feito numa forma com farinha de força, leve, odorífera, de miolo tão branco quanto o papel em que escrevo. E, ao escrever, cresce-me água na boca, como se o tempo não tivesse passado e eu continuasse intimamente ligado à minha primeira infância. A fatia de pão macio, fofo, que meto na boca e mal a engulo peço mais, mais, e se a minha avó não o guardasse no armário fechado à chave, poderia devorá-lo todo num instante, até me enjoar. Nunca outra coisa me deixou tão satisfeito, não voltei a comer nada que tanto me agradasse, que assim me saciasse a fome. (...)
Esta fome está dentro de mim. Não posso esquecê-la. Contém uma luz intensa que me impede de esquecer a infância. Sem ela, não teria com certeza conservado a memória desses tempos, desses anos tão longos, em que nos faltava tudo. (...)»
A estrutura do romance comporta quatro fases, na vida da família retornada: Na primeira fase, em Paris, Ethel tem dez anos e segue pela mão do tio-avô Soliman, que tem oitenta. Ele foi médico militar no Congo francês. E quando o pai de Ethel morreu, foi Soliman que assumiu o encargo da sua educação.
A segunda fase é a queda da família na miséria, por erros de Alexandre, o segundo marido da mãe de Ethel; é a retirada de Paris para Nice.
A terceira é a fome e o silêncio colaboracionista do Pétain de Vichy perante a ocupação alemã.
A última é o adeus à França, o adeus ao passado, o adeus a Paris. É o casamento e a partida de Ethel para o Canadá.
Do texto: «Os últimos compassos do Bolero são tensos, violentos, quase insuportáveis. O som sobe, enche a sala, agora toda a assistência está de pé, olha para o palco onde os bailarinos rodopiam, aceleram o movimento. (...) A minha mãe, quando me contou a estreia do Bolero, falou-me da sua emoção, dos gritos, dos aplausos e dos assobios, do tumulto. Algures na mesma sala, encontrava-se um homem que ela nunca conheceu, Claude Lévi-Strauss. Como ele, muito mais tarde, a minha mãe confiou-me que aquela música mudara a sua vida.
Agora compreendo porquê. (...) O Bolero não é uma peça musical como as outras. É uma profecia. Conta a história duma raiva, duma fome. (...)»
Discurso de luxo, tradução sem reparos de maior, por Isabel St. Aubin. Editou a Dom Quixote em Julho 2009. Um mimo raro para o leitor.
[Les uns et les autres]
terça-feira, 30 de agosto de 2016
Compte-rendu
Está visto, não aprecio espólios! Acumulei aí numas estantes uns milhares de volumes a que já não voltaria. Empacotei-os e dei-os. Nem me dei à trabalheira de os carregar. Trouxe apenas os que me seriam úteis.
Encontrei fotografias numa caixa. Emoldurei meia-dúzia, uma delas dum grupo que era um curso de pilotos.
Os dois primeiros morreram na Ota, onde íamos às quartas-feiras da nossa pré-história, fazer os primeiros voos. Um deles já era alferes miliciano, tinha umas centenas de horas, voava o Chipmunk muito bem. Tropeçaram nas neblinas duns fios de alta-tensão e não voltaram.
O Barbeitos foi mais tarde, no dinossauro dum T-33 da Ota, em fase mais avançada. O fogareiro apagou-se, havia sinais de fogo, o instrutor ordenou a ejecção. O pára-quedas é que não abriu. E o Barbeitos esmagou-se no solo, sentado numa cadeira que devia estar vazia.
O Pereira era ilhéu, já tinha milhares de horas de helicóptero e dava instrução em Tancos. Treinava aterragens em auto-rotação, ali à vista da torre. Mas foi-lhe passar por baixo um major que tinha pressa, e descolou mesmo do taxi-way. O ilhéu caiu-lhe em cima, tiraram-no lá de dentro era um torresmo.
Do grupo inteiro só um viveria o 25 A a pulmões cheios, com afterburner e pós-combustão. E mudanças de raiz.
Hoje escreve quando lhe dá na gana, pois quem não tem história não existe. Os espólios dela é que se tornam pesados! Mas já tenho a horta à espera.
Encontrei fotografias numa caixa. Emoldurei meia-dúzia, uma delas dum grupo que era um curso de pilotos.
Os dois primeiros morreram na Ota, onde íamos às quartas-feiras da nossa pré-história, fazer os primeiros voos. Um deles já era alferes miliciano, tinha umas centenas de horas, voava o Chipmunk muito bem. Tropeçaram nas neblinas duns fios de alta-tensão e não voltaram.
O Barbeitos foi mais tarde, no dinossauro dum T-33 da Ota, em fase mais avançada. O fogareiro apagou-se, havia sinais de fogo, o instrutor ordenou a ejecção. O pára-quedas é que não abriu. E o Barbeitos esmagou-se no solo, sentado numa cadeira que devia estar vazia.
O Pereira era ilhéu, já tinha milhares de horas de helicóptero e dava instrução em Tancos. Treinava aterragens em auto-rotação, ali à vista da torre. Mas foi-lhe passar por baixo um major que tinha pressa, e descolou mesmo do taxi-way. O ilhéu caiu-lhe em cima, tiraram-no lá de dentro era um torresmo.
Do grupo inteiro só um viveria o 25 A a pulmões cheios, com afterburner e pós-combustão. E mudanças de raiz.
Hoje escreve quando lhe dá na gana, pois quem não tem história não existe. Os espólios dela é que se tornam pesados! Mas já tenho a horta à espera.
António Guerreiro
Ipsilon: Consideracoes-de-um-impotente.
«Na perspectiva dos “analistas” ou “comentadores”, o final do discurso que Passos Coelho proferiu no Pontal é, pura e simplesmente, um arrazoado absurdo, apto a ser parodiado. Mas se o lermos como sintoma de um inconsciente político marcado por uma formação de sentido que se exprime na dicotomia potência/impotência, então esse discurso é cheio de significado. Tem a eloquência do sintoma, da fala sobredeterminada por uma força que o falante não controla. Dessa emergência descontrolada, a parte mais significativa é esta: “Podemos mais do que aquilo que é difícil”. Não é uma afirmação de poder mas de potência, que pode – ou não – passar ao acto. E assim Passos Coelho trouxe involuntariamente à luz, por antífrase, uma questão fundamental da política contemporânea: a questão da impotência. A impotência é o pressuposto que domina a política na sua forma actual de acção gestionária. É porque ela – a impotência política – está hoje no lugar de princípio e nunca tinha sido experimentada com tão elevado teor, que quem chega precisa de começar por uma declaração de guerra: “Yes, we can”, proferiu Obama; “podemos mais do que aquilo que é difícil”, diz Passos Coelho. É tão importante o princípio da impotência que toda a alternativa passa obrigatoriamente pela conjugação do verbo “poder”, como está bem patente no movimento político espanhol Podemos. Após quatro anos de governação, sabemos hoje muito bem que o “podemos” do ex-primeiro-ministro significa a impotência imposta como estratégia de salvação. Tal impotência política, tornada um amor fati, uma adesão às coisas como elas são, como elas serão e como devem ser (chama-se a isto a “política das coisas”), tem ao seu serviço uma impotência teórica e ideológica (sob a forma do “não há alternativa”) e conduz toda a acção política em obediência a esse princípio, erigido como forma de governação. A impotência foi a grande arma do governo de Passos Coelho, um instrumento que ele utilizou com júbilo, evocando os constrangimentos económicos e financeiros como medida de uma experiência eufórica e redentora da impotência. Já a impotência da Esquerda socialista e social-democrata, em toda a Europa, é de outro tipo: habitada pela má consciência, desenvolveu manhas e argúcias para não deixar que o “podemos” pereça, impotente e sem glória. Esta Esquerda gere o binómio poder/impotência por ciclos: dá ares de virilidade na oposição e verga-se ao princípio da impotência – embora fazendo os possíveis por não o admitir – quando está no poder. Este sentimento de impotência generalizado, vivido de maneira diferente consoante se trate da Esquerda ou da Direita, traz à ordem do dia um importante neologismo de Artaud: a palavra impoder. E se quisermos pesquisar na tradição literária as formas semânticas e conceptuais que iluminam o nossos tempo, talvez o “impolítico” Thomas Mann, o das Considerações publicadas em 1918, seja uma figura obrigatória. É certo que devemos desconfiar e ser muito prudentes no exercício que consiste em traçar analogias explicativas entre uma época passada e o presente. Mas a “revolução conservadora”, em cuja constelação se inscreveu Thomas Mann, na sua primeira fase de escritor, projecta-se com alguma verosimilhança num tempo que é o nosso. São do “impolítico” Thomas Mann estas palavras: “A antipolítica é também ela uma política, já que a política é uma força terrível: basta apenas saber que existe e já estamos dentro dela, perdemos para sempre a inocência”. Acrescentemos: a impotência política é também ela um poder terrível.Considerações dum impotente".
«Na perspectiva dos “analistas” ou “comentadores”, o final do discurso que Passos Coelho proferiu no Pontal é, pura e simplesmente, um arrazoado absurdo, apto a ser parodiado. Mas se o lermos como sintoma de um inconsciente político marcado por uma formação de sentido que se exprime na dicotomia potência/impotência, então esse discurso é cheio de significado. Tem a eloquência do sintoma, da fala sobredeterminada por uma força que o falante não controla. Dessa emergência descontrolada, a parte mais significativa é esta: “Podemos mais do que aquilo que é difícil”. Não é uma afirmação de poder mas de potência, que pode – ou não – passar ao acto. E assim Passos Coelho trouxe involuntariamente à luz, por antífrase, uma questão fundamental da política contemporânea: a questão da impotência. A impotência é o pressuposto que domina a política na sua forma actual de acção gestionária. É porque ela – a impotência política – está hoje no lugar de princípio e nunca tinha sido experimentada com tão elevado teor, que quem chega precisa de começar por uma declaração de guerra: “Yes, we can”, proferiu Obama; “podemos mais do que aquilo que é difícil”, diz Passos Coelho. É tão importante o princípio da impotência que toda a alternativa passa obrigatoriamente pela conjugação do verbo “poder”, como está bem patente no movimento político espanhol Podemos. Após quatro anos de governação, sabemos hoje muito bem que o “podemos” do ex-primeiro-ministro significa a impotência imposta como estratégia de salvação. Tal impotência política, tornada um amor fati, uma adesão às coisas como elas são, como elas serão e como devem ser (chama-se a isto a “política das coisas”), tem ao seu serviço uma impotência teórica e ideológica (sob a forma do “não há alternativa”) e conduz toda a acção política em obediência a esse princípio, erigido como forma de governação. A impotência foi a grande arma do governo de Passos Coelho, um instrumento que ele utilizou com júbilo, evocando os constrangimentos económicos e financeiros como medida de uma experiência eufórica e redentora da impotência. Já a impotência da Esquerda socialista e social-democrata, em toda a Europa, é de outro tipo: habitada pela má consciência, desenvolveu manhas e argúcias para não deixar que o “podemos” pereça, impotente e sem glória. Esta Esquerda gere o binómio poder/impotência por ciclos: dá ares de virilidade na oposição e verga-se ao princípio da impotência – embora fazendo os possíveis por não o admitir – quando está no poder. Este sentimento de impotência generalizado, vivido de maneira diferente consoante se trate da Esquerda ou da Direita, traz à ordem do dia um importante neologismo de Artaud: a palavra impoder. E se quisermos pesquisar na tradição literária as formas semânticas e conceptuais que iluminam o nossos tempo, talvez o “impolítico” Thomas Mann, o das Consideraçõespublicadas em 1918, seja uma figura obrigatória. É certo que devemos desconfiar e ser muito prudentes no exercício que consiste em traçar analogias explicativas entre uma época passada e o presente. Mas a “revolução conservadora”, em cuja constelação se inscreveu Thomas Mann, na sua primeira fase de escritor, projecta-se com alguma verosimilhança num tempo que é o nosso. São do “impolítico” Thomas Mann estas palavras: “A antipolítica é também ela uma política, já que a política é uma força terrível: basta apenas saber que existe e já estamos dentro dela, perdemos para sempre a inocência”. Acrescentemos: a impotência política é também ela um poder terrível.»
«Na perspectiva dos “analistas” ou “comentadores”, o final do discurso que Passos Coelho proferiu no Pontal é, pura e simplesmente, um arrazoado absurdo, apto a ser parodiado. Mas se o lermos como sintoma de um inconsciente político marcado por uma formação de sentido que se exprime na dicotomia potência/impotência, então esse discurso é cheio de significado. Tem a eloquência do sintoma, da fala sobredeterminada por uma força que o falante não controla. Dessa emergência descontrolada, a parte mais significativa é esta: “Podemos mais do que aquilo que é difícil”. Não é uma afirmação de poder mas de potência, que pode – ou não – passar ao acto. E assim Passos Coelho trouxe involuntariamente à luz, por antífrase, uma questão fundamental da política contemporânea: a questão da impotência. A impotência é o pressuposto que domina a política na sua forma actual de acção gestionária. É porque ela – a impotência política – está hoje no lugar de princípio e nunca tinha sido experimentada com tão elevado teor, que quem chega precisa de começar por uma declaração de guerra: “Yes, we can”, proferiu Obama; “podemos mais do que aquilo que é difícil”, diz Passos Coelho. É tão importante o princípio da impotência que toda a alternativa passa obrigatoriamente pela conjugação do verbo “poder”, como está bem patente no movimento político espanhol Podemos. Após quatro anos de governação, sabemos hoje muito bem que o “podemos” do ex-primeiro-ministro significa a impotência imposta como estratégia de salvação. Tal impotência política, tornada um amor fati, uma adesão às coisas como elas são, como elas serão e como devem ser (chama-se a isto a “política das coisas”), tem ao seu serviço uma impotência teórica e ideológica (sob a forma do “não há alternativa”) e conduz toda a acção política em obediência a esse princípio, erigido como forma de governação. A impotência foi a grande arma do governo de Passos Coelho, um instrumento que ele utilizou com júbilo, evocando os constrangimentos económicos e financeiros como medida de uma experiência eufórica e redentora da impotência. Já a impotência da Esquerda socialista e social-democrata, em toda a Europa, é de outro tipo: habitada pela má consciência, desenvolveu manhas e argúcias para não deixar que o “podemos” pereça, impotente e sem glória. Esta Esquerda gere o binómio poder/impotência por ciclos: dá ares de virilidade na oposição e verga-se ao princípio da impotência – embora fazendo os possíveis por não o admitir – quando está no poder. Este sentimento de impotência generalizado, vivido de maneira diferente consoante se trate da Esquerda ou da Direita, traz à ordem do dia um importante neologismo de Artaud: a palavra impoder. E se quisermos pesquisar na tradição literária as formas semânticas e conceptuais que iluminam o nossos tempo, talvez o “impolítico” Thomas Mann, o das Considerações publicadas em 1918, seja uma figura obrigatória. É certo que devemos desconfiar e ser muito prudentes no exercício que consiste em traçar analogias explicativas entre uma época passada e o presente. Mas a “revolução conservadora”, em cuja constelação se inscreveu Thomas Mann, na sua primeira fase de escritor, projecta-se com alguma verosimilhança num tempo que é o nosso. São do “impolítico” Thomas Mann estas palavras: “A antipolítica é também ela uma política, já que a política é uma força terrível: basta apenas saber que existe e já estamos dentro dela, perdemos para sempre a inocência”. Acrescentemos: a impotência política é também ela um poder terrível.Considerações dum impotente".
«Na perspectiva dos “analistas” ou “comentadores”, o final do discurso que Passos Coelho proferiu no Pontal é, pura e simplesmente, um arrazoado absurdo, apto a ser parodiado. Mas se o lermos como sintoma de um inconsciente político marcado por uma formação de sentido que se exprime na dicotomia potência/impotência, então esse discurso é cheio de significado. Tem a eloquência do sintoma, da fala sobredeterminada por uma força que o falante não controla. Dessa emergência descontrolada, a parte mais significativa é esta: “Podemos mais do que aquilo que é difícil”. Não é uma afirmação de poder mas de potência, que pode – ou não – passar ao acto. E assim Passos Coelho trouxe involuntariamente à luz, por antífrase, uma questão fundamental da política contemporânea: a questão da impotência. A impotência é o pressuposto que domina a política na sua forma actual de acção gestionária. É porque ela – a impotência política – está hoje no lugar de princípio e nunca tinha sido experimentada com tão elevado teor, que quem chega precisa de começar por uma declaração de guerra: “Yes, we can”, proferiu Obama; “podemos mais do que aquilo que é difícil”, diz Passos Coelho. É tão importante o princípio da impotência que toda a alternativa passa obrigatoriamente pela conjugação do verbo “poder”, como está bem patente no movimento político espanhol Podemos. Após quatro anos de governação, sabemos hoje muito bem que o “podemos” do ex-primeiro-ministro significa a impotência imposta como estratégia de salvação. Tal impotência política, tornada um amor fati, uma adesão às coisas como elas são, como elas serão e como devem ser (chama-se a isto a “política das coisas”), tem ao seu serviço uma impotência teórica e ideológica (sob a forma do “não há alternativa”) e conduz toda a acção política em obediência a esse princípio, erigido como forma de governação. A impotência foi a grande arma do governo de Passos Coelho, um instrumento que ele utilizou com júbilo, evocando os constrangimentos económicos e financeiros como medida de uma experiência eufórica e redentora da impotência. Já a impotência da Esquerda socialista e social-democrata, em toda a Europa, é de outro tipo: habitada pela má consciência, desenvolveu manhas e argúcias para não deixar que o “podemos” pereça, impotente e sem glória. Esta Esquerda gere o binómio poder/impotência por ciclos: dá ares de virilidade na oposição e verga-se ao princípio da impotência – embora fazendo os possíveis por não o admitir – quando está no poder. Este sentimento de impotência generalizado, vivido de maneira diferente consoante se trate da Esquerda ou da Direita, traz à ordem do dia um importante neologismo de Artaud: a palavra impoder. E se quisermos pesquisar na tradição literária as formas semânticas e conceptuais que iluminam o nossos tempo, talvez o “impolítico” Thomas Mann, o das Consideraçõespublicadas em 1918, seja uma figura obrigatória. É certo que devemos desconfiar e ser muito prudentes no exercício que consiste em traçar analogias explicativas entre uma época passada e o presente. Mas a “revolução conservadora”, em cuja constelação se inscreveu Thomas Mann, na sua primeira fase de escritor, projecta-se com alguma verosimilhança num tempo que é o nosso. São do “impolítico” Thomas Mann estas palavras: “A antipolítica é também ela uma política, já que a política é uma força terrível: basta apenas saber que existe e já estamos dentro dela, perdemos para sempre a inocência”. Acrescentemos: a impotência política é também ela um poder terrível.»
segunda-feira, 29 de agosto de 2016
domingo, 28 de agosto de 2016
Visigodos
[oferta de JJ]
Esta escultura da Senhora do Ó encontra-se em Lamego, na capela (visigótica?) de S. Pedro de Balsemão. Deste templo cristão se diz que é o segundo mais antigo da Ibéria, uma coisa fundada no séc VI por um bispo do Porto, D. Afonso Pires, natural de Lamego.
Provavelmente
Além de nos recrear com imagens belíssimas, talvez o Bertolucci tivesse uma ideia, ao realizar este filme. Não descortino qual fosse!
Uma velha figura, que acompanha em silêncio toda a fita, concede-nos no fim, sem nos ajudar muito: "Por não sabermos quando vamos morrer, vemos a vida como uma fonte inesgotável. E no entanto tudo acontece apenas um certo número de vezes.
Quantas vezes recordaremos uma tarde da nossa infância, parte tão profunda do nosso ser que nem concebemos a vida sem ela? Talvez umas 4 ou 5 vezes mais, ou nem isso!
Quantas mais vezes veremos despontar a lua cheia? Talvez vinte!
E porém tudo nos parece ilimitado."
sábado, 27 de agosto de 2016
sexta-feira, 26 de agosto de 2016
No grande silêncio matutino, ouve-se a coruja ao longe, e ali perto um galo madrugador
Falamos do cinema americano que vale a pena ver. Não dessa enxurrada que aí anda para passatempo de plateias, que se encharcam em baldes de pipocas e barris de coca-cola.
A indústria americana do passatempo de massas instalou salas tecnicamente perfeitas, apoderou-se da distribuição, aboliu a concorrência, tomou conta do mercado. A cultura europeia naufragou, sobrevive algum cinema duns franceses marginais, e os cidadãos vão na onda. Nem querem mesmo outra coisa, pobres deles!
Na cultura americana, o filme FARGO é o outro lado da coisa. Candidato a 7 Óscares da Academia, foi considerado o melhor filme de 1996, e viria a conquistar o Óscar para melhor actriz e o melhor argumento (dos irmãos Coen). O realizador é um dos irmãos.
Diversamente do que temos visto, a fita é o retrato duma sociedade doente; paranóica; de vigaristas em série; de assassinos pistoleiros; de farsantes aldrabões; e duns figurantes básicos e primários, cujo vocabulário se resume às interjeições do iá! iá!. Mas é a gente que manda neste mundo.
Só uma agente policial feminina, bojuda de tão grávida, personifica a lucidez que resta. Observa, lê, resolve e prognostica. "Eu não entendo, há mais coisas na vida para além de ganhar dinheiro!" Mas parece que não há.
Hervaz
O meu amigo criativo está em Hervaz, na sua carripana de camping que reconstruiu e equipou. Um dia o criativo andava pelo norte de França, a pesquisar. Era Fevereiro, um frio de rachar, a carripana coitada deixou de funcionar. E ele pediu ajuda ao pai, que fez o que lhe competia: saiu das Telheiras, andou 3500 kms e foi ajudar o filho. Creio que o pai aprendeu mais na empreitada do que o filho, um artista que anda em formação. Mas adiante.
Hervaz é uma aldeia espanhola absolutamente deserta. Todos os habitantes dela eram judeus, e todos eles partiram há 500 anos, quando os sefarditas foram expulsos de Castela pelos famosos Reis Católicos. Vieram para Portugal e refugiaram-se em Belmonte, em Trancoso, na Guarda... São eles que explicam a importância que os judeus tiveram na história destes burgos.
Até que o rei-merceeiro, o caça-noivas Dom Manuel Venturoso, lhes tirou o tapete e os expulsou depois do massacre do Rossio em 1506. Isto quando mais precisava deles, por causa das aventuras da pimenta. E eles lá foram, que remédio, parar a Constantinopla, a Amesterdão, à Holanda... aonde encontraram coito!
Voltemos nós a Hervaz, que ficou deserta desde então. Está na parte sul da serra de Gredos, no município de Béjart. Quando o tempo for mais fresco e eu lá for, tenho que ir a Monfortinho e a Segura, embora pudesse ir por Salamanca. Já sei que me esperam 500 kms, mas o meu velho companheiro é jovem, não vai deixar-me apeado.
Hervaz é uma aldeia espanhola absolutamente deserta. Todos os habitantes dela eram judeus, e todos eles partiram há 500 anos, quando os sefarditas foram expulsos de Castela pelos famosos Reis Católicos. Vieram para Portugal e refugiaram-se em Belmonte, em Trancoso, na Guarda... São eles que explicam a importância que os judeus tiveram na história destes burgos.
Até que o rei-merceeiro, o caça-noivas Dom Manuel Venturoso, lhes tirou o tapete e os expulsou depois do massacre do Rossio em 1506. Isto quando mais precisava deles, por causa das aventuras da pimenta. E eles lá foram, que remédio, parar a Constantinopla, a Amesterdão, à Holanda... aonde encontraram coito!
Voltemos nós a Hervaz, que ficou deserta desde então. Está na parte sul da serra de Gredos, no município de Béjart. Quando o tempo for mais fresco e eu lá for, tenho que ir a Monfortinho e a Segura, embora pudesse ir por Salamanca. Já sei que me esperam 500 kms, mas o meu velho companheiro é jovem, não vai deixar-me apeado.
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
Os huguenotes
[rapinado aqui] clicar!
Em 1572 o rei-menino francês Carlos IX, conduzido pela mãe, mandou fazer isto. Era o dia de São Bartolomeu.
O Vaticano condecorou-o, claro!
Quem disse que esta vida se faz só de epopeias?!
O jornal Terras da Beira seria um bom órgão de imprensa do distrito da Guarda, se lá não houvesse melhor. Mas há. É o jornalinho Alto da Raia, editado na freguesia de São Pedro do Rio Seco. Adiante!
O Terras da Beira dá voz a crónicas quinzenais do Alçada, da Vela. E a última apresenta uma figura notável, a Ondina, que se reproduz com vénia.
«(...) Ondina era o nome duma criatura ainda relativamente jovem, que todas as manhãs, bem cedo, vendia laranjas à saída da ponte que liga as duas margens do Tâmega, mesmo em frente ao mosteiro de São Gonçalo.
Dava consolo ver a alegria com que aquela mulher apregoava enquanto as pessoas, ainda mal acordadas, caminhavam para os seus empregos. Entre os passantes e a Ondina, ao longo dos anos, criara-se uma certa empatia. Os pregões repetiam-se e ecoavam nas águas remansosas do rio, a caminhar apressado, ansioso por se encontrar com o Douro, para as bandas de Entre-os-Rios.
Ondina tinha uma cara laroca, uma beleza selvagem de olhos amendoados, ternos e doces, uma espécie de diamante raro mas talvez mal lapidado. Não se cansava de lutar pela vida e anunciava, com um sorriso brejeiro, o sustento dos filhos e do marido, fumador inveterado, afogado em vinho verde, sumido de carnes e peito ofegante. Certa manhã de neblina cerrada a agasalhar o rio, o seu Manel finou-se.
No dia seguinte ao funeral, alguém aperaltado, com censuras estudadas, disse-lhe:
- Ó Ondina, é preciso descaramento! Então o teu marido ainda não arrefeceu na campa e tu já estás aí, nesses preparos, a apregoar laranjas?!
A rapariga cerrou os dentes, olhou-o no fundo dos olhos que não despegavam do seu vestido curto, justo, a adelgaçar-lhe o corpo, e respondeu-lhe, afogada em lágrimas:
- Sou pobre. Os meus filhos têm de comer todos os dias. E sabe que mais? Quem morreu, morreu... Quem compra laranjas? Quem compra laranjas?»
O Terras da Beira dá voz a crónicas quinzenais do Alçada, da Vela. E a última apresenta uma figura notável, a Ondina, que se reproduz com vénia.
«(...) Ondina era o nome duma criatura ainda relativamente jovem, que todas as manhãs, bem cedo, vendia laranjas à saída da ponte que liga as duas margens do Tâmega, mesmo em frente ao mosteiro de São Gonçalo.
Dava consolo ver a alegria com que aquela mulher apregoava enquanto as pessoas, ainda mal acordadas, caminhavam para os seus empregos. Entre os passantes e a Ondina, ao longo dos anos, criara-se uma certa empatia. Os pregões repetiam-se e ecoavam nas águas remansosas do rio, a caminhar apressado, ansioso por se encontrar com o Douro, para as bandas de Entre-os-Rios.
Ondina tinha uma cara laroca, uma beleza selvagem de olhos amendoados, ternos e doces, uma espécie de diamante raro mas talvez mal lapidado. Não se cansava de lutar pela vida e anunciava, com um sorriso brejeiro, o sustento dos filhos e do marido, fumador inveterado, afogado em vinho verde, sumido de carnes e peito ofegante. Certa manhã de neblina cerrada a agasalhar o rio, o seu Manel finou-se.
No dia seguinte ao funeral, alguém aperaltado, com censuras estudadas, disse-lhe:
- Ó Ondina, é preciso descaramento! Então o teu marido ainda não arrefeceu na campa e tu já estás aí, nesses preparos, a apregoar laranjas?!
A rapariga cerrou os dentes, olhou-o no fundo dos olhos que não despegavam do seu vestido curto, justo, a adelgaçar-lhe o corpo, e respondeu-lhe, afogada em lágrimas:
- Sou pobre. Os meus filhos têm de comer todos os dias. E sabe que mais? Quem morreu, morreu... Quem compra laranjas? Quem compra laranjas?»
Há 100 anos e amanhã.
Amanhã ninguém sabe como será. Mas há cem anos, em 1930, era assim: Bizet, Tomaz Alcaide.
quarta-feira, 24 de agosto de 2016
Atão e agora?!
Alemanha pensa reintroduzir o serviço militar obrigatório.
Entre nós, os obreiros da façanha foram dois ilustres membros das juventudes partidárias: o Seguro do PS e o célebre Passos do PPD. Isto em 1999, com um governo do Guterres.
Com excepção do PCP, que votou contra, todos os partidos fizeram o frete à dita juventude. Porque era muito chato ir à inspecção, e mostrar o cu aos médicos, e aturar o cabrão dum sargento. Agora vê-se!
Entre nós, os obreiros da façanha foram dois ilustres membros das juventudes partidárias: o Seguro do PS e o célebre Passos do PPD. Isto em 1999, com um governo do Guterres.
Com excepção do PCP, que votou contra, todos os partidos fizeram o frete à dita juventude. Porque era muito chato ir à inspecção, e mostrar o cu aos médicos, e aturar o cabrão dum sargento. Agora vê-se!
Tempos
É o final da madrugada, mais que alguns indícios da manhã. Mas acordo já desperto. Tomo o chá, no centro da Itália um terramoto severo, há mortos.
Saio ao alpendre. Pelo céu alto anda um minguante pálido. A Orion vagueia lá por Castela. Um cão estremunhado ouve-se ao longe... e a toada monótona dos ralos, os primos cegos dos grilos.
A feira de Agosto já passou, dizem as tradições que o Saturno se instala. "Há um sobressalto na paisagem / do céu fugiu a cor / a brisa bate à porta / vem entrando Saturno, o melancólico".
Na preguiçona do alpendre haveria eu de sentir a orvalhada, frialdades matutinas. Mas não, porém, que os tempos andam outros. E aqui mesmo vou dormir a hora que me falta. Até que as rolas e os meus vizinhos acordem.
Saio ao alpendre. Pelo céu alto anda um minguante pálido. A Orion vagueia lá por Castela. Um cão estremunhado ouve-se ao longe... e a toada monótona dos ralos, os primos cegos dos grilos.
A feira de Agosto já passou, dizem as tradições que o Saturno se instala. "Há um sobressalto na paisagem / do céu fugiu a cor / a brisa bate à porta / vem entrando Saturno, o melancólico".
Na preguiçona do alpendre haveria eu de sentir a orvalhada, frialdades matutinas. Mas não, porém, que os tempos andam outros. E aqui mesmo vou dormir a hora que me falta. Até que as rolas e os meus vizinhos acordem.
terça-feira, 23 de agosto de 2016
Não é preciso ser inteligente nem inventar nada!
Já está tudo mais que dito. Como aqui. É bom não o calar, mas nunca será bastante!
A contrario
Paris, Texas. Um Wim Wenders franco-alemão. Palma de Ouro Cannes 1984.
A seu modo, também é premonitório este filme. Porque ao contrário dos filmes americanos que vale a pena ver (directos, frontais e pragmáticos), este filme europeu é lento e redundante, perdido em contraditórios labirintos. Representa uma visão torturada e ruminante da existência, a dos povos europeus. Mormente os de hoje, como nós todos, por específicas razões.
Travis caminha pelo deserto até à exaustão. Perdeu a fala e os modos de assumir uma identidade. E é lenta e quase penosamente que viremos a saber porquê.
Conheceu a paixão até ao paroxismo, até o casal se destruir. Um filho que ficou, Hunter, vem pôr as coisas a limpo. Através dele, o pai retoma a consciência própria e a mãe reencontra o filho. Mas isso não chega para salvar o casal, em que a paixão mútua parece manter-se ao rubro, se ainda fosse possível.
Uma mirada de duas horas aqui.
A seu modo, também é premonitório este filme. Porque ao contrário dos filmes americanos que vale a pena ver (directos, frontais e pragmáticos), este filme europeu é lento e redundante, perdido em contraditórios labirintos. Representa uma visão torturada e ruminante da existência, a dos povos europeus. Mormente os de hoje, como nós todos, por específicas razões.
Travis caminha pelo deserto até à exaustão. Perdeu a fala e os modos de assumir uma identidade. E é lenta e quase penosamente que viremos a saber porquê.
Conheceu a paixão até ao paroxismo, até o casal se destruir. Um filho que ficou, Hunter, vem pôr as coisas a limpo. Através dele, o pai retoma a consciência própria e a mãe reencontra o filho. Mas isso não chega para salvar o casal, em que a paixão mútua parece manter-se ao rubro, se ainda fosse possível.
Uma mirada de duas horas aqui.
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
Primícias
Esopo
O mais certo é ter-lhe tomado medo. Mas fosse ele por ter chegado a velho,
ou porque se cansou dos ruídos do mundo, o homem deitou-lhe as rédeas por cima
e afastou-se. Comprou uma horta distante e fez nela uma mansarda debaixo do
carvalho. Depois levantou a cerca à sombra da latada e soltou nela as galinhas.
E assim viveram um tempo. O homem comia os ovos, e as galinhas catavam as
minhocas e o milho que a horta dava.
A certa altura a raposa saltou a vedação. Avançou pelo terreiro, espaventou
as galinhas, esganou logo a mais gorda e comeu-a. O homem assistiu àquilo tudo
sentado no alpendre e não mexeu uma palha. As galinhas amontoaram-se ao canto,
pasmadas pelo terror. E a raposa, aprisionada na cerca, ficou a fazer a
digestão. Quando a fome lhe voltava, esgorjava outra galinha. E o homem
assistia àquilo tudo sentado no alpendre.
Depois chegou a cegonha, deu duas voltas no ar e fez ninho na copa do
carvalho. E em breve engordava os filhos com os sapos-conchos que havia nas
redondezas, e eram muitos. Engordavam os filhos da cegonha, benza-os Deus, mas
a barriga da raposa dava horas. Um dia começaram a pintar as uvas da parreira.
E quanto mais ela pulava, a abocanhá-las, mais a barriga minguava.
Certa tarde passou lá por cima um corvo, trazia um queijo no bico, roubado
à janela duma velha que o tinha a secar ao sol. Viu a raposa magrita, deu-lhe
duas de conversa e foi-se embora. A raposa desfez-se ali em queixumes, mas o
homem assistiu àquilo tudo sentado no alpendre e não mexeu uma palha.
Quando os filhos levantaram voo, foi a cegonha que ouviu os lamentos dela e
deixou-se condoer. Fez umas papas do milho que a horta dava, meteu-as numa
cabaça e baixou a partilhá-las com a raposa. Logo ela as estendeu em cima
duma laja, onde em tempos as galinhas debicavam o milho. E foi assim que a
raposa se desforrou de misérias e a cegonha ficou a ver navios.
Foi então que o homem se levantou e veio abrir a porta do cerrado.
Fatigara-se do mundo, quisera afastar-se dele, viera encontrá-lo em casa. E
deste modo se dispôs a relatar as muitas fábulas dele.
domingo, 21 de agosto de 2016
Enrico Caruso 1904
Os seringueiros, e outros donos da borracha, construíram-lhe um teatro em Manaus, à beira da floresta.
Ele esteve lá e cantou-lhes isto.
Ele esteve lá e cantou-lhes isto.
Independentemente das parangonas oportunistas da puta da imprensa mercenária...
...ler o verdadeiro pensamento da Catarina Martins é positivo.
Arroz doce
No tempo dela não havia os serviços que hoje há, a fornecer bodas a tantos marcos por bico. O mais que havia era fome geral. E foi por isso que ela, no dia do casamento, fez um alguidar de barro de arroz doce. Juntou o povo no quinteiro, arranjou colheres para todos, e matou-lhes a fome com um pitéu.
Hoje tem 102 anos e vê o mundo de consciência tranquila. Não lhe pesa o que nele anda torcido. É verdade que a cabeça já não é o que foi sempre, e as pernas já se cansaram de tanto andarilhar.
O tempo é que já é muito. Por isso só pede a Deus que um dia se lembre dela e a mande chamar. Ele é que anda distraído, sem saber o que fazer daquilo que um dia fez. Arrependido, talvez!
Hoje tem 102 anos e vê o mundo de consciência tranquila. Não lhe pesa o que nele anda torcido. É verdade que a cabeça já não é o que foi sempre, e as pernas já se cansaram de tanto andarilhar.
O tempo é que já é muito. Por isso só pede a Deus que um dia se lembre dela e a mande chamar. Ele é que anda distraído, sem saber o que fazer daquilo que um dia fez. Arrependido, talvez!
sábado, 20 de agosto de 2016
sexta-feira, 19 de agosto de 2016
Redford, Jennifer Lopez, Freeman, uma neta límpida, um urso e a violência doméstica
Uma bela história sobre o perdão, sobre perdoar a nós próprios e aos outros. O sentimento de culpa. O poder de resgate do amor e da tolerância.
Um filme muito bem feito e eficaz (2005), em extremo lacónico e directo. Não se perdendo em labirintos metafísicos, seria mesmo capaz de nos reconciliar com a sociedade americana.
É o que sucederia se padecêssemos de cataratas, ao ponto de tomarmos uma árvore pela floresta dela. Não é exactamente o caso.
quinta-feira, 18 de agosto de 2016
Tropa
O Exército Português fortemente empenhado no Combate aos Incêndios
Florestais em 2016! Um depoimento por parte do Alferes de Cavalaria
João Silva ( Comandante do 2º Pelotão de Carros de Combate do 2º
Esquadrão de Carros de Combate do Quartel de Cavalaria da Brigada
Mecanizada, em Santa Margarida ).
Questionaram-me há dias.. O que faz um Militar do Exército nos incêndios? Dei a minha resposta teórica.."by the book".. toda pipi.. mas espremido.. não dava lá muito sumo..
Pois bem, agora que senti na sola da bota o calor e a dificuldade que é subir e descer colinas com fumo.. vou partilhar dados específicos sobre que aconteceu nas últimas 72 horas da minha vida e de 22 homens iguais a mim, em que tive a SORTE de ser o Comandante de Pelotão deles.
- Horas em que foi possível dormir: média de 13 horas em 72 horas.
- Total de Quilómetros percorridos 330 km.
- Total de Quilómetros percorridos em patrulhamento em 48 horas: média de 85 km por equipa.
- 23 homens fizeram 12 patrulhas de 8 horas continuas em 48 horas.
- N° total de vezes que efetuaram acções de rescaldo (reacendimentos da mata) e conseguiram resolver com os seus próprios meios: 28 em 48 horas.
- N° total de vezes em que foi pedido auxílio aos bombeiros pois não se tinha capacidade para apagar o reacendimento: 8 vezes.
- uma das minhas equipas identificou um potencial incendiário à GNR.
- quando recebemos ordem para ir descansar e deixar de efetuar patrulhas. 2 horas depois colocaram fogo posto a 100 metros de uma entidade publica importante daquela localidade. E para terminar em beleza, ainda tivemos que abrir uma faixa de contenção de fogo ao longo de 225 metros (na foto) numa colina;
Resultado final: "Perguntai ao "fogo extinto de Castanheira de Pêra" quem somos"... ( adaptado do lema do Grupo de Carros de Combate - "Perguntai ao inimigo quem somos".
Questionaram-me há dias.. O que faz um Militar do Exército nos incêndios? Dei a minha resposta teórica.."by the book".. toda pipi.. mas espremido.. não dava lá muito sumo..
Pois bem, agora que senti na sola da bota o calor e a dificuldade que é subir e descer colinas com fumo.. vou partilhar dados específicos sobre que aconteceu nas últimas 72 horas da minha vida e de 22 homens iguais a mim, em que tive a SORTE de ser o Comandante de Pelotão deles.
- Horas em que foi possível dormir: média de 13 horas em 72 horas.
- Total de Quilómetros percorridos 330 km.
- Total de Quilómetros percorridos em patrulhamento em 48 horas: média de 85 km por equipa.
- 23 homens fizeram 12 patrulhas de 8 horas continuas em 48 horas.
- N° total de vezes que efetuaram acções de rescaldo (reacendimentos da mata) e conseguiram resolver com os seus próprios meios: 28 em 48 horas.
- N° total de vezes em que foi pedido auxílio aos bombeiros pois não se tinha capacidade para apagar o reacendimento: 8 vezes.
- uma das minhas equipas identificou um potencial incendiário à GNR.
- quando recebemos ordem para ir descansar e deixar de efetuar patrulhas. 2 horas depois colocaram fogo posto a 100 metros de uma entidade publica importante daquela localidade. E para terminar em beleza, ainda tivemos que abrir uma faixa de contenção de fogo ao longo de 225 metros (na foto) numa colina;
Resultado final: "Perguntai ao "fogo extinto de Castanheira de Pêra" quem somos"... ( adaptado do lema do Grupo de Carros de Combate - "Perguntai ao inimigo quem somos".
Burkini
Simples é assim. Mas se for com bandeira é muito diferente.
A laicidade, a separação igreja/estado e os ideais iluministas seguidos na Europa devem impor, lá onde forem respeitados, a proibição destes sarcófagos (totais ou parciais) em que uns machistas fariseus enclausuram as mulheres, à ordem dum beduíno que se disse profeta.
quarta-feira, 17 de agosto de 2016
"O caminho de ferro impossível"
A ligação do Porto à Europa. A fraca rentabilidade da linha. A falência do sindicato bancário do Porto. O conde Henry Burnay. O abandono das linhas e das estações. A Refer e a CP. O Douro-Azul e os cruzeiros rio acima. A resistência transfronteiriça. Os Brave Ones. Um país às aranhas. Um fadário muito antigo.
terça-feira, 16 de agosto de 2016
Babette
Melhor filme estrangeiro 1987. Eis um filme absolutamente premonitório. Com uma diferença fundamental em relação aos dias de hoje. É que os calvinistas de então eram a sério, e os de hoje são a fingir. Seguem religiosamente as ordens do capital que servem, em troca de prebendas e migalhas. À custa da vida e do sangue dos povos europeus, que espartilham na austeridade e parasitam.
Uma pequena comunidade de fiéis que seguem um pastor reformado vive na costa desolada e remota da Jutlândia. O pastor tem duas filhas, Filipa (por Melanchton) e Martina (por Lutero). As quais (de grande beleza e rectidão moral) se entregam a tarefas de solidariedade e apoio à comunidade.
A sua presença não deixa indiferentes os espíritos jovens da comunidade local, e muito menos as figuras cortesãs que por lá passam, entre elas o tenor francês Papin.
Babette, a cozinheira do Café Anglais, perde a família na revolução da Comuna de Paris, em 1870, e é obrigada a procurar refúgio na pequena comunidade da Jutlândia. Um amigo em Paris compra-lhe sempre uma lotaria, que sai premiada passados anos. E é assim que Babette, a cozinheira francesa, recebe uma pequena fortuna. No dia em que a comunidade celebra a memória do pastor, Babette propõe-lhe, a expensas suas, um jantar de sabores franceses, em que investe todo o prémio da lotaria.
O resultado final é surpreendente. Os fiéis rendem-se aos prazeres da mesa, que os resgata de quezílias e disputas mútuas.
segunda-feira, 15 de agosto de 2016
domingo, 14 de agosto de 2016
A literatura não é uma extravagância
Mesmo quando, como autor,*** se nasceu de cu para a lua.
***A selecção só pode significar grosseria de comentários!
***A selecção só pode significar grosseria de comentários!
Estilhaços perfurantes
Uma ilha que durante meio século atura e re-elege uma figura como Alberto João Jardim, merecia afundar-se no mar, sem arrastar ninguém consigo.
Nobel da Literatura em 2008
Transcreve-se o preâmbulo sem mais comentários. Porque a literatura a sério agarra o leitor pelos colarinhos, diz-lhe o que tem a dizer e o resto é com ele.
«Conheço a fome, sofri-a. Criança, no fim da guerra, faço parte dos que correm pela estrada ao lado dos camiões dos Americanos, estendo as mãos para apanhar embalagens de chewing-gum, chocolates, sacos de pão que os soldados arremessam pelo ar. Criança, sinto tanta sede de gordura que bebo o azeite das latas de sardinha, lambo, deliciado, a colher de óleo de fígado de bacalhau que a minha avó me dá para me fortalecer. Preciso tanto de sal que como às mancheias os cristais de sal cinzento do frasco da cozinha.
Criança, comi pela primeira vez pão branco. Não o pão de miolo do padeiro - pão escuro, essse, feito de farinha deteriorada e serradura, que quase me matou quando eu tinha três anos. Antes um pão quadrado, feito numa forma com farinha de força, leve, odorífera, de miolo tão branco quanto o papel em que escrevo. E, ao escrever, cresce-me água na boca, como se o tempo não tivesse passado e eu continuasse intimamente ligado à minha primeira infância. A fatia de pão macio, fofo, que meto na boca e mal a engulo peço mais, e se a minha avó não o guardasse no armário fechado à chave, poderia devorá-lo todo num instante, até me enjoar. Nunca outra coisa me deixou tão satisfeito, não voltei a comer nada que tanto me agradasse, que assim me saciasse a fome.
Como a SPAM*** americano. Muito tempo depois, ainda guardo as latas que se abriam com uma chave, para fazer navios de guerra que pinto cuidadosamente de cinzento. A pasta cor-de-rosa que contêm, orlada de geleia, com um leve gosto a sabão, enche-me de felicidade. O odor a carne fresca, a fina película de gordura que o paté me deixa na língua, vai revestir o fundo da minha garganta. (...)
Esta fome está dentro de mim. Não posso esquecê-la. Contém uma luz intensa que me impede de esquecer a infância. Sem ela, não teria com certeza conservado a memória desses tempos, desses anos tão longos, em que nos faltava tudo. Ser feliz é não ter que recordar. Fui infeliz? Não sei. Lembro-me simplesmente de um dia acordar e experimentar, enfim, o deslumbramento das sensações saciadas. Aquele pão muito branco, muito macio, que cheira muito bem, a gordura do peixe que escorre pela minha garganta, os cristais de sal grosso, as colheres de leite em pó que formam uma pasta no fundo da boca, na língua, é então que começo a viver. (...)
*** Spiced Pork and Meat, uma marca de corned-beef.
sábado, 13 de agosto de 2016
Cabriolas há quem aprecie muito!
Eu gosto mais do clássico pas-de-deux, de preferência numa boa cama.
País devoluto.
Marialva é um lugar de peregrinação, se melhor não for chamar-lhe de romagem. E ontem lá fui, aproveitando uma fresca.
O posto de turismo está a cargo da câmara da Meda. Mas fechou, contrariando o horário afixado. Ninguém cobra as entradas no castelo. Eu porfio e encontro abertas as portas do Anjo.
Vejo das muralhas as três páginas da história que aqui ficaram abertas: a página de há mil anos, a de há quinhentos e a de ontem.
Vejo o que tenho para ver, salvo a transcrição da Viagem a Portugal, de Saramago, que ali ficou picotada numa fraga. Mais a adivinho, porque não se pode ler. Os líquenes tomaram conta dela.
Sobrou-nos a paisagem da charneca a perder-se de vista, ressequida agreste e milenar, por onde deambulam uns camones.
O posto de turismo está a cargo da câmara da Meda. Mas fechou, contrariando o horário afixado. Ninguém cobra as entradas no castelo. Eu porfio e encontro abertas as portas do Anjo.
Vejo das muralhas as três páginas da história que aqui ficaram abertas: a página de há mil anos, a de há quinhentos e a de ontem.
Vejo o que tenho para ver, salvo a transcrição da Viagem a Portugal, de Saramago, que ali ficou picotada numa fraga. Mais a adivinho, porque não se pode ler. Os líquenes tomaram conta dela.
Sobrou-nos a paisagem da charneca a perder-se de vista, ressequida agreste e milenar, por onde deambulam uns camones.
sexta-feira, 12 de agosto de 2016
Génesis novo? Oxalá fosse!
Crepúsculo pardacento, tal é a tarde difusa na fumarada. Sol doente, dum caos primordial. Além na cumeada, parecem mais distantes as luzes das aldeias. Nenhuma estrela se arrisca no firmamento . E até o quarto crescente aparece hesitante.
Para abstémios, calvinistas, puritanos e outros anhos
Campanha publicitária de vinhos italianos na Rússia. [Roubado aqui]
quinta-feira, 11 de agosto de 2016
Textos oportunos
Este é de um coronel de artilharia, vogal do Conselho Nacional da AOFA.
«FOGOS / FORÇA AÉREA
Parece impossível... No final do século passado, enquanto o combate aos incêndios florestais foi uma "Missão", a Força Aérea Portuguesa operava os meios aéreos em Portugal; mas quando esse combate passou a ser um "Negócio" arrumaram-se os C-130, os kit MAFFS para os equiparem ficaram a apodrecer, os bombeiros exaustos, os meios de substituição não aparecem e....o flagelo continua.
Quais as vantagens? A centralização dos meios aéreos na Força Aérea com custos reduzidos para o erário público, bem como a poupança em termos de manutenção (dado o background existente) e uma logística dos meios incomensuravelmente mais rápida e operacional.
Parece que, conforme noticiado em 09jun2016, o MAI recusou entregar à Força Aérea, a gestão e operação dos meios aéreos de combate a incêndios, bem como os de emergência médica, optando por manter o atual estado de coisas, com várias entidades, várias frotas, cada uma no seu "interesse" e custos acumulados para todos, incluindo contratação dentro e fora do país.
Espanha, EUA, Grécia, Croácia, Marrocos, são exemplos de países onde os meios aéreos de combate a incêndios são operados pela Força Aérea local. Parece impossível...»
«FOGOS / FORÇA AÉREA
Parece impossível... No final do século passado, enquanto o combate aos incêndios florestais foi uma "Missão", a Força Aérea Portuguesa operava os meios aéreos em Portugal; mas quando esse combate passou a ser um "Negócio" arrumaram-se os C-130, os kit MAFFS para os equiparem ficaram a apodrecer, os bombeiros exaustos, os meios de substituição não aparecem e....o flagelo continua.
Quais as vantagens? A centralização dos meios aéreos na Força Aérea com custos reduzidos para o erário público, bem como a poupança em termos de manutenção (dado o background existente) e uma logística dos meios incomensuravelmente mais rápida e operacional.
Parece que, conforme noticiado em 09jun2016, o MAI recusou entregar à Força Aérea, a gestão e operação dos meios aéreos de combate a incêndios, bem como os de emergência médica, optando por manter o atual estado de coisas, com várias entidades, várias frotas, cada uma no seu "interesse" e custos acumulados para todos, incluindo contratação dentro e fora do país.
Espanha, EUA, Grécia, Croácia, Marrocos, são exemplos de países onde os meios aéreos de combate a incêndios são operados pela Força Aérea local. Parece impossível...»
As tripas da Europa apodreceram.
[Beriev russo de combate a fogos]
Um conjunto circunstancial criou em Portugal a tempestade perfeita. E o fogo tomou conta da Madeira e da metade Norte do país.Portugal pediu a Bruxelas o apoio adequado à emergência. A Itália mandou um Canadair, a Espanha tem aí dois aviões ao abrigo dum pacto ibérico. Marrocos mandou dois Canadair que estão em operação. Até a Rússia mandou dois pesadões.
A Bruxelas calvinista apodreceu, e a sanidade obriga a enterrá-la.
Tsipras
Convida França, Itália, Espanha, Chipre, Malta e Portugal para mini-cimeira sobre a Europa. A 9 de Setembro. Isto sem contar a Grécia, que já deixou de existir às mãos dos calvinistas.
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
Deus te livre, ó Marques!
Diz a badana:
«Knut Hamsun (1859-1952), escritor norueguês, no ano em que lhe foi atribuído o prémio Nobel de Literatura, em 1920, era provavelmente o mais influente autor europeu. (...)
Mestre inovador do romance psicológico, com a viragem do século, Hamsun prefere abordar temáticas sociais e históricas mais vastas, oferecendo nas suas obras uma particular visão do mundo, que se consubstancia numa crítica feroz à modernidade e ao progresso, considerados fontes da degradação do Homem, exortando pelo contrário o retorno deste a uma vida simples e salutar, em comunhão com a Natureza.
Máximo exemplo desta viragem é a publicação do romance Os Frutos da Terra (1917), cujo enorme sucesso numa Europa pós-bélica valeu em grande medida ao autor a atribuição do prémio Nobel. (...).»
Isso levou-me a trazer o romancinho para casa, a ver o que tem nas tripas. Lá fui andando até à pág. 75. E quando vi que a coisa se estende por 400 páginas de discurso saltitante, mandei-o reciclar, para não o tratar pior. Deus te livre a ti, ó Marques!
terça-feira, 9 de agosto de 2016
Roer as unhas
[rotunda do Diz]
O homem da propaganda é taxativo! Promete "fazer obra custe o que custar, gostem ou não". Inauguradas as rotundas do Diz e do Alvendre, com água benta de bispo e tudo o mais, o propagandista até invocou Pessoa: "quando Deus quer e o homem sonha a obra nasce"!
A câmara da Guarda continuará a requalificação de outras rotundas da cidade. E os guardenses que roam as unhas!
segunda-feira, 8 de agosto de 2016
A um passo! Não sabemos bem de quê, mas não era grande coisa!
[oferta de JJ]
A picada do Stuka
«Voando a 4,600 m (15,000 ft), o piloto localizava o seu objectivo através duma janela de visualização no pavimento do cockpit. Recuava uma alavanca de picada e os freios eram automaticamente activados. Ajustava os compensadores, reduzia a manete do gás e fechava os flaps de arrefecimento. A aeronave rolava então 180°, entrando em picada. No extradorso da asa saíam então uns indicadores vermelhos, indicando ao piloto que, no caso de black-out induzido pela aceleração, seria activado automaticamente o mecanismo de recuperação. O Stuka efectuava a picada num ângulo de 60-90°, mantendo uma velocidade constante de 500–600 km/h (350-370 mph), devido à abertura dos freios de picada, o que aumentava a precisão de mira do Ju 87’s.
Com o avião já próximo do objectivo, acendia-se uma luz de altímetro para indicar o ponto de largada de bombas, a uma altitude mínima de 450 m (1,500 ft). O piloto largava as bombas e iniciava o mecanismo automático de recuperação, activando um botão na coluna de comandos. Um mecanismo em U por baixo da fuselagem afastava a bomba da hélice do avião, e começava de imediato a recuperação automática a 6 g's. Com o nariz acima do horizonte, recolhiam os freios, abria a manete de gás e o passo era acertado para a subida. O piloto retomava o comando normal do voo. Para evitar o sobreaquecimento, os flaps de arrefecimento abriam rapidamente. A recuperação automática não era do agrado de todos os pilotos. Helmut Mahlke disse mais tarde que na sua unidade o sistema era desligado, porque permitia ao inimigo prever a curva e a altitude de recuperação do Ju 87s, tornando mais fácil a defesas antiaéreas atingir o avião.
Era violento o stress da tripulação. Seres humanos submetidos a mais de 5 g's em posição sentada perdem a visão, sob a forma dum "véu" conhecido pelas tripulações como "ver as estrelas". Perdiam a visão mentendo-se conscientes; cinco segundos depois entravam em black out. Os pilotos de Ju 87 experimentavam deficiências de visão sobretudo durante a recuperação de picada.
Eric “Winkle” Brown RN, piloto inglês de testes, experimentou o Ju 87 em Farnborough. Disse do Stuka, “Voei muitos bombardeiros de picada, e é o único que picava na vertical (a 90º). Com alguns deles… a picada máxima era da ordem dos 60 graus... Com o Stuka, por ser tudo automático, picava-se na vertical. O Stuka estava na sua verdadeira classe.”
Testes de aceleração em Dessau
Na fábrica de Dessau foram realizados testes exaustivos pela Junkers. Descobriu-se que o máximo de aceleração que um piloto podia suportar eram 8.5 g's durante três segundos. A menos de 4 g's não havia problemas ou perdas de consciência. Acima de 6 g's, 50% dos pilotos tinham problemas visuais, viam "cinzento". 40% perdiam a visão acima de 7,5 g's (,,,). O piloto retomava consciência dois ou três segundos depois, com aceleração abaixo de 3 g's. Na posição de voo, os pilotos podiam suportar 7.5 g's. A Junkers concluiu que ⅔ dos pilotos podiam aguentar 8 e às vezes 9 g's durante 3 a 5 segundos sem limitações de visão, o que, em condições de guerra, era aceitável. (...)»
[Na guerra dos nazis, em troca de 500 mil soldados, a América teve a sua cereja em cima do chantilly! A Europa ficou em ruínas.]
[Na guerra dos nazis, em troca de 500 mil soldados, a América teve a sua cereja em cima do chantilly! A Europa ficou em ruínas.]
domingo, 7 de agosto de 2016
So long, Marianne!
Se te passa pela cabeça que há no mundo emoções estéticas sem uma, estás muito enganado.
O Pavelca
Fazendo hoje as contas desse tempo, terá sido depois de 1956, o ano do sobressalto húngaro contra o stalinismo. O Pavelca apareceu na aldeia trazido pelo padre, que o recebeu mandado por alguém.
Era ruivo, de cabelos cor de linho, e uma pele muito branca que o nosso sol mordia. E depressa se integrou em jogos e brincadeiras. Um dia metemo-nos num palhal e devorámos duas latas de corned-beef, dessas que vinham das fábricas de Chicago pela mão da Caritas. O padre distribuía sacos de farinha, leite em pó e queijo que era de plástico. E cigarros que vinham do Kentucky, enrolados numa cinta, os mata-ratos que os velhos fumavam pelos caminhos.
O sobrinho do padre, um belo judeu errante, trazia no bolso um rolo de mata-ratos. E nós fumámo-lo todo, na penumbra, não sei bem como chegámos ao fim.
Um dia o Pavelca foi-se embora, demos pela falta dele. Terá partido para a América, a terra da promissão. Talvez o Trump seja um rebento dele, arraçado de sioux. É questão a esmiuçar.
Era ruivo, de cabelos cor de linho, e uma pele muito branca que o nosso sol mordia. E depressa se integrou em jogos e brincadeiras. Um dia metemo-nos num palhal e devorámos duas latas de corned-beef, dessas que vinham das fábricas de Chicago pela mão da Caritas. O padre distribuía sacos de farinha, leite em pó e queijo que era de plástico. E cigarros que vinham do Kentucky, enrolados numa cinta, os mata-ratos que os velhos fumavam pelos caminhos.
O sobrinho do padre, um belo judeu errante, trazia no bolso um rolo de mata-ratos. E nós fumámo-lo todo, na penumbra, não sei bem como chegámos ao fim.
Um dia o Pavelca foi-se embora, demos pela falta dele. Terá partido para a América, a terra da promissão. Talvez o Trump seja um rebento dele, arraçado de sioux. É questão a esmiuçar.
sábado, 6 de agosto de 2016
Há uns anos Portugal pôs aí um sapateiro a tocar rabecão. Sem surpresa, deu nisto!
Passados cerca de dois anos sobre a tentativa gorada de extinção do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF), através de um "decreto", por parte do anterior governo e, concretamente, do então Ministro da Defesa Aguiar-Branco, tudo parece indiciar que, uma vez mais e recorrendo-se a um expediente já por demais conhecido, a asfixia financeira, existirá uma nova estratégia "em marcha" de liquidação do LMPQF. Na verdade, as dívidas ao LMPQF por parte da Assistência na Doença aos Militares (ADM), via Instituto da Ação Social das Forças Armadas (IASFA), não param de aumentar, mas também por parte do Hospital das Forças Armadas (HFAR) existem valores muito avultados por pagar ao LMPQF. Na globalidade as dívidas ultrapassam já claramente os 2 Milhões de Euros e os atrasos nos pagamentos caminham "a passos largos" para os 12 meses.
Trata-se pois de uma situação que urge resolver, de forma muito urgente, não se vislumbrando qualquer razão legal ou outra para a acumulação mensal das dívidas e para os enormes atrasos verificados, encontrando-se o LMPQF, por via desta realidade, numa situação de eminente colapso, de tal modo que, ao que sabemos, já não existem verbas disponíveis quer para o pagamento de salários quer para fazer face aos compromissos de pagamento de medicamentos a fornecedores.
Claro que esta é a situação que urge resolver, de imediato, mas sem perder de vista a indispensabilidade de rever/revogar o Despacho nº 511/2015, do então Ministro da Defesa Nacional (ainda o Dr. Aguiar-Branco), que, entre outros males, impôs que os militares pagassem custos que não devem ser seus, e ver a ADM ser ressarcida do alívio que assegura ao Serviço Nacional de Saúde. Sim, porque os militares são cidadãos contribuintes como os outros e não devem ter que pagar duas vezes (impostos e desconto para a ADM) por um direito, a Saúde, ainda por cima constitucionalmente protegido
É absolutamente lamentável que o Laboratório Militar, uma Instituição secular que tantos e tão relevantes serviços já prestou e continua a prestar a Portugal, se encontre, por via da evidente asfixia financeira a que está ilegal e injustificadamente a ser sujeito corra o risco de, no curtíssimo prazo ter de "fechar portas". Não o foi por decreto do anterior governo, será por ação ou omissão do atual?
Nem mesmo as necessidades decorrentes de toda e qualquer projeção de forças faz regressar a razoabilidade ao quadro que apresentamos desenvolvidamente em anexo?
Importa, por isso, ver a situação esclarecida – e não apenas com palavras de circunstância – e resolvida com urgência.
Com os melhores cumprimentos,
O Presidente da AOFA
António Augusto Proença da Costa Mota
Tenente-Coronel
Confuso? Só na aparência!
Na verdade, o que este meco faz aqui é fugir com o rabo à seringa. É escamotear as responsabilidades que teve em 2010, na manipulação de milhares de professores contra a ministra sinistra. Eles não aceitavam nenhuma forma de avaliação.
Com isso levou a que dezenas de milhares de professores deixassem de apoiar eleitoralmente o PS, que perdeu as eleições de 2011. Sócrates demitiu-se, o governo de sipaios do Passos e do Relvas mandou chamar a troika e executou-lhe o programa.
E dezenas de milhares de professores da escola pública foram chutados para a rua. Que a terra seja leve a mais este embusteiro!
Com isso levou a que dezenas de milhares de professores deixassem de apoiar eleitoralmente o PS, que perdeu as eleições de 2011. Sócrates demitiu-se, o governo de sipaios do Passos e do Relvas mandou chamar a troika e executou-lhe o programa.
E dezenas de milhares de professores da escola pública foram chutados para a rua. Que a terra seja leve a mais este embusteiro!
sexta-feira, 5 de agosto de 2016
A viragem na guerra
[peça antiaérea russa, usada pelo PAIGC]
«(...) Desde o início da guerra que o apoio prestado pela FAP apenas conhecia como limites a sua disponibilidade em meios humanos e/ou materiais ou, como muitas vezes sucedeu, as condições meteorológicas. Na Guiné, o apoio aéreo nas suas diferentes modalidades, era fundamental e, muitas vezes, taticamente decisivo. Por outro lado, a capacidade de as aeronaves detectarem o inimigo e poderem atacá-lo, de imediato ou depois de um reconhecimento fotográfico, ficou bem marcada, durante o ano de 1968, quando surgiram as primeiras armas antiaéreas, mais exactamente no Quitafine, que o inimigo já anunciava como "zona libertada”.(...) Os guerrilheiros usavam então metralhadoras múltiplas ZPU 14,5mm, instaladas em espaldões em forma de caracol. Nesse ano, foi atingido com fogo antiaéreo o comandante do Grupo Operacional da BA 12, Tenente-Coronel Costa Gomes, que saltou em pára-quedas e foi recolhido perto de Aldeia Formosa. Fiquei com a impressão – por ter ouvido as comunicações rádio – de que armas antiaéreas eram atacadas e destruídas uma a uma, pelo então Capitão Jesus Vasquez e cheguei a ver as fotos antes e depois do ataque, a uma delas. (...)
Se as metralhadoras antiaéreas, pela sua pouca mobilidade, eram armas essencialmente defensivas, os mísseis portáteis, de guiamento passivo, tinham características que permitiam ao PAIGC passar à ofensiva. O Strela era um míssil portátil, podendo por isso acompanhar qualquer grupo de guerrilheiros em deslocamento apeado, de manejo fácil e quase intuitivo, por combatentes pouco letrados e que não necessitava de qualquer acção depois do disparo. Esta circunstância poderá, de certo modo, explicar o relativamente baixo rendimento tirado do Strela (36 disparos para atingir 6 aviões) e o facto de os primeiros dois disparos terem tido origem junto à fronteira Norte faz supor que tenham sido levados a cabo por conselheiros estrangeiros. (...)
No caso em apreço, um guerrilheiro decidido e moralizado, embora quase analfabeto, só teve que aprender a usar uma arma feita de acordo com as suas características psicofísicas, para com ela destruir uma máquina caríssima – no nosso caso “paga a peso de ouro” – de produção lenta e, principalmente, operada por um técnico cuja formação e evolução técnica-literária é muito considerável e obtida através de um demorado processo de formação. Estamos também perante uma vantagem que os guerrilheiros conseguiram obter com relativa facilidade e, como habitualmente, a custo zero.(...)
O passo seguinte seria algo que se previa, também de há muito: o “fornecimento” de aviões MIG 17 ao PAIGC, operados por pilotos estrangeiros. Nunca chegou a ser dado, mas o “número de sobrevoos não autorizados” não parava de subir, em todos os documentos de informações recebidos nas unidades e não nos esqueçamos do Antonov que apodrecia na placa da BA 12, com os distintivos da Guiné Conacri (que nunca o reconheceu como seu) depois de ter aterrado, por engano, em território da Guiné Bissau.(...)
Por mim creio que perdemos 9 homens e 5 aparelhos em 10 dias, por termos subestimado a possibilidade de o inimigo poder obter e utilizar a arma decisiva e assim virar uma página no conflito.»
O lugar em que nasceu
Quando encontro à espera o mecânico que me cuida do carro, a ler o Livro do Desassossego, sinto-me privilegiado.
Seria hoje um génio da engenharia mecânica, capaz de dar lições aos alemães, se não tivesse nascido no lugar em que nasceu.
quinta-feira, 4 de agosto de 2016
A curva da chouriça
Pouco lhe falta para dar a volta a si mesma, um cão a morder no rabo. É por isso que lhe dão um nome assim. Ficou aqui, à vista de Vila Franca, desde que um rei cá passou a inaugurar o comboio.
No tempo da guerra não havia maneira melhor de mandar aos patrões de Lisboa o que por lá não havia: cestões de fruta e queijos dos rebanhos, e morcelas que a mulher fazia. Algumas foram parar à Checoslováquia, onde um filho da patroa dizem que era diplomata. Em Lisboa havia racionamentos, do pão, do açúcar e da manteiga dos ricos. Por aqui só os trabalhos nunca foram racionados.
Numa noite de Fevereiro lá fui eu, mais um criado, a despachar para Lisboa uma carrada de cestos ao domicílio. O caminho eram vinte e tal quilómetros, às três da manhã saímos nós de casa porque as vacas eram lentas. No cimo da carrada levávamos lenha seca, que as noites eram de gelo.
No alto da Broca as pobres vacas já o tinham pendurado nos focinhos, como as telhas dos telhados. E quando chegámos à curva da chouriça tivemos que parar, fazer uma fogueira e aquecer-nos. Mas nem eu nem o criado éramos capazes de acender um fósforo, que as mãos não davam para isso. Valeu-nos um cristão que subia de madrugada para o Feital e nos acendeu o lume.
O resto pouco mais era que chegar à estação, despachar os cestões ao domicílio nas balanças que lá havia, os homens do comboio encarregavam-se do resto.
Pelos Natais mandavam-nos café, e chocolates pequenos que os filhos achavam no sapatinho, à beira da chaminé.
Desde aí os tempos mudaram tanto que um homem nem acredita. O povo fugiu a salto, a ver se matava a fome. E os patrões acabaram a vender-lhes as courelas por bom preço. Em moeda forte, pois claro, porque não queriam escudos!
No tempo da guerra não havia maneira melhor de mandar aos patrões de Lisboa o que por lá não havia: cestões de fruta e queijos dos rebanhos, e morcelas que a mulher fazia. Algumas foram parar à Checoslováquia, onde um filho da patroa dizem que era diplomata. Em Lisboa havia racionamentos, do pão, do açúcar e da manteiga dos ricos. Por aqui só os trabalhos nunca foram racionados.
Numa noite de Fevereiro lá fui eu, mais um criado, a despachar para Lisboa uma carrada de cestos ao domicílio. O caminho eram vinte e tal quilómetros, às três da manhã saímos nós de casa porque as vacas eram lentas. No cimo da carrada levávamos lenha seca, que as noites eram de gelo.
No alto da Broca as pobres vacas já o tinham pendurado nos focinhos, como as telhas dos telhados. E quando chegámos à curva da chouriça tivemos que parar, fazer uma fogueira e aquecer-nos. Mas nem eu nem o criado éramos capazes de acender um fósforo, que as mãos não davam para isso. Valeu-nos um cristão que subia de madrugada para o Feital e nos acendeu o lume.
O resto pouco mais era que chegar à estação, despachar os cestões ao domicílio nas balanças que lá havia, os homens do comboio encarregavam-se do resto.
Pelos Natais mandavam-nos café, e chocolates pequenos que os filhos achavam no sapatinho, à beira da chaminé.
Desde aí os tempos mudaram tanto que um homem nem acredita. O povo fugiu a salto, a ver se matava a fome. E os patrões acabaram a vender-lhes as courelas por bom preço. Em moeda forte, pois claro, porque não queriam escudos!
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
Andanças
A barragem da Póvoa e Meadas já foi em tempos um lugar tão bonito que ainda me dói pensar nele!
[clicar]
No centro
Pesa o dobro do que devia pesar e triplica no volume. Mas não se importa. Este é o mês da sua libertação.
Veste uns calções que lhe não cobrem o rabo. Nem as cadeiras lá cabem, nem as mamas no corpete. E vai almoçar ao restaurante.
Para castigo basta-lhe o resto do ano, em que trabalha no centro da Europa.
Veste uns calções que lhe não cobrem o rabo. Nem as cadeiras lá cabem, nem as mamas no corpete. E vai almoçar ao restaurante.
Para castigo basta-lhe o resto do ano, em que trabalha no centro da Europa.
Lição
[NOTA: Numa caligrafia surpreendentemente compostinha: "Em Julho de 78 na Guarda, numa tarde de sol, nas festas da cidade, com o Pedro pela mão". Terá sido isto noutra incarnação?!]
«(...) Um breviário nobilíssimo da dignidade humana, escrito com a mais requintada das artes. (...)» Jorge de Sena, Lisboa, 1956.
- A tradução não é o que prometia, longe disso! E muito menos o discurso dela, surprendentemente frágil;
- Durante três dias, o grande peixe reboca o barco para o largo, de dentes ferrados no isco;
- O velho acaba por vencer o peixe, que regressa à superfície e ostenta uma orgulhosa cauda de espadarte de seis metros;
- O velho aniquila o peixe e amarra-o ao barco;
- Os tubarões despedaçam-lho à dentada, no caminho de volta a Havana;
- Chega à praia só com o esqueleto, a cabeça e a cauda sempre altiva;
- É Manolin, o rapaz, quem cuida do velho. Traz-lhe café à cabana enquanto ele repousa e dorme; ("Ainda há muito para eu aprender, e só tu és capaz de me ensinar!")
- Os turistas confundem o peixe com os tubarões;
- O velho dorme, cura as mãos feridas pelas linhas e hesita. A sonhar com leões que só conhece dos sonhos.
Um belíssimo texto de Hemingway, em 120 páginas. Uma lição aos prolixos que por aí se vêem!
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