segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Laranjas

Na praia fluvial da Congida a canícula era uma desmesura. Mas eu ia à procura das laranjas do Antunes, e não do muro das lamentações. Entrei na quinta, avancei pelo laranjal, espreitei na sombra do logradouro onde havia caixas delas. Do Antunes nem sinal. 
Subi ao fresco da loja, berrei por ele, nem um sinal lá de cima. Estava ferrado na sesta. Voltei atrás, estendi-me na relva numa manta à sombra, dei-lhe tempo. 
Lá voltei quando me pareceu, e foi então que o Antunes se mostrou em pijama.
Passados uns prolegómenos, disse-me que tinha estado em Goa. Mas não chegara a ver os 45 mil indianos que vieram reclamá-la em 1961, porque tinha acabado a comissão um ano antes e já estava em Moçambique. Por isso é que não assistira a nada. Muito menos aos dramas do Vassalo e Silva, que desrespeitou as ordens do Salazar e mandou render a tropa. Pagou bem caro por isso!
Não é que ele mo tivesse confidenciado, mas logo suspeitei que o Antunes pertencera à Pide. Hoje estava ali, reformado e conformado. Voltou à terra, comprou esta quinta na Congida, plantou o laranjal e tratou do olival onde selecciona azeites. São quatro hectares ao longo do rio, que assim o fazem viver.
Meto as laranjas na bagageira do carro e prometo lá voltar quando acabarem. Espero que nessa altura já tenham passado as dores do Antunes, que extraiu há dias o derradeiro queixal. Valem-lhe os antibióticos do clínico, e as óptimas laranjas que bem o justificam.