(Depoimento de um utente da Saúde Militar)
Gostaria de partilhar a experiência que tive há dias, quando senti, na pele, a atual política de preços de taxas moderadoras praticada no HFAR:
A minha esposa, beneficiária da ADM (por enquanto, porque quando o seu cartão de
beneficiária caducar, deixará de o ser – questão que nos levaria a outra reflexão…), foi a uma consulta de dermatologia. A esta consulta, realizada por médico militar, no HFAR, correspondeu uma taxa moderadora de 7,… Euros.
Esse valor corresponde quase ao dobro do que teria de pagar, por idêntica consulta, numa das muitas clínicas protocoladas em Lisboa, e no resto do país. Quais as consequências práticas desta situação e qual a intenção política1 que lhe está subjacente?
A intenção parece ser, claramente a de, desviando os doentes dos Hospitais militares, públicos por natureza, transferir verbas do sistema de saúde dos militares para o sector privado. Naturalmente que os doentes - atendendo à sua própria circunstância económica e financeira cada vez mais debilitada - tenderão a optar pela solução mais barata (para o utente, não para o erário público), situação perfeitamente compreensível e previsível…
Assim sendo, e tendo em conta os objetivos da política de “prosseguir a realização do bem
comum”, através da melhor gestão possível dos bens públicos - adquiridos pelo governo em nome dos cidadãos, no exercício da gestão da riqueza produzida por esses mesmos cidadãos, confiscada compulsivamente através de uma carga fiscal brutal – cabe perguntar em que medida é que esta situação prossegue o bem comum?
A resposta é clara e evidente: não prossegue, pelo contrário vilipendia-o grosseiramente. Como, e em que medida? Afastando os utentes das consultas de especialidade, retira-se a principal fonte de financiamento de qualquer hospital, uma vez que, à excepção dos eventuais exames complementares, este tipo de consultas não acrescentam quaisquer custos à gestão hospitalar, antes permitem rentabilizar o corpo clínico contratado.Privado desta fonte de receita, o hospital fica apenas com os procedimentos médicos mais complexos e não lucrativos (no sector público), como as cirurgias, internamentos, etc.
Consequências? Dentro de pouco tempo, haverá com toda a certeza uma tentativa de encerrar o HFAR, com o pretexto de que não é “financeiramente viável” – situação à qual não será alheia a mais que previsível “fuga” de utentes da ADM, face às novas regras, elas mesmas bastante questionáveis -, como tem vindo a suceder, qual incêndio florestal fora de controlo, com todos os sectores estratégicos e lucrativos da esfera do Estado.
O que pode ser feito para contrariar esta situação?
Pelo utente, militar ou familiar, continuar a recorrer ao HFAR (com prejuízo financeiro);
Pelo IASFA/ADM, proceder ao pagamento, atempado, dos valores correspondentes, aos
HFAR.
E esperar que os próximos responsáveis pela gestão da Coisa Pública saibam, e queiram,
“prosseguir a realização do bem comum”.
1 No seu sentido mais nobre de “ciência ou arte de governar”.
segunda-feira, 31 de agosto de 2015
Claro como água!
« (...) Ao abdicar de lutar pela sua narrativa acerca das circunstâncias que nos levaram para a forma mais radical da austeridade, onde à Troika se juntou um Governo de fanáticos pelo empobrecimento, o PS deixa que se sedimente a ideia de que a austeridade é o justo castigo pelos pecados cometidos enquanto Sócrates governou.
Com isso, perde a razão moral para criticar o Governo, quando este alega que teve de tomar as medidas que tomou por causa dos erros que herdou, e por causa da necessidade de salvar o País.
Resultado: o tópico do “foram além da Troika” perde impacto, relevância e até sentido. (...)»
Com isso, perde a razão moral para criticar o Governo, quando este alega que teve de tomar as medidas que tomou por causa dos erros que herdou, e por causa da necessidade de salvar o País.
Resultado: o tópico do “foram além da Troika” perde impacto, relevância e até sentido. (...)»
domingo, 30 de agosto de 2015
Saturno
A feira de ano passou. Os indígenas regressaram à Europa, no seu fadário de lastro de aluguer. O solstício continua a descer.
Um dia destes agita-se a paisagem. O céu muda de cor, levanta-se uma aragem, e é então que Saturno bate à porta.
Um dia destes agita-se a paisagem. O céu muda de cor, levanta-se uma aragem, e é então que Saturno bate à porta.
Cavalona
Tem catorze anos e um ar ainda juvenil, num corpo de cavalona que sugere os vinte. Sobrepassa num terço a altura da avó, da bisavó o melhor é nem falar. E não gosta da comida dos adultos.
Pratica a unha pintada de escarlate, a mesma cor do bâton com que realça o lábio. E o leito das mamas que usa ao peito desencadeia motins de hormonas pela rua.
Quando não dedilha o ecrã do android, consome fitas de terror duns humanóides mutantes, esses robôs que a América encarrega de imbecilizar o mundo. E tudo isto lhe custará, não tarda, um preço muito elevado. Mas ela ainda o não sabe.
Pratica a unha pintada de escarlate, a mesma cor do bâton com que realça o lábio. E o leito das mamas que usa ao peito desencadeia motins de hormonas pela rua.
Quando não dedilha o ecrã do android, consome fitas de terror duns humanóides mutantes, esses robôs que a América encarrega de imbecilizar o mundo. E tudo isto lhe custará, não tarda, um preço muito elevado. Mas ela ainda o não sabe.
"Quebrar a espinha às corporações", palavra de juiz!
Foi este o crime de Sócrates, pôr as eminências na ordem. Nós é que já não andamos lembrados, porque emprenhamos de ouvido.
Mutatis mutandis, o Marquês teve que fazer o mesmo aos Távoras e quejandos. E pagou pela mesma tabela.
Mutatis mutandis, o Marquês teve que fazer o mesmo aos Távoras e quejandos. E pagou pela mesma tabela.
sábado, 29 de agosto de 2015
FCT. Alguém se lembra ainda dos ilotas que estes marginais puseram na direcção disto?!
« Com as universidades fechadas e a comunidade académica de férias, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) divulgou, em pleno mês de agosto, os resultados do concurso para financiamento de projectos científicos. Fê-lo, assim, de mansinho, como quem não quer a coisa, para que as péssimas avaliações passassem despercebidas.
O Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), da Universidade do Minho, viu reprovados os 24 projectos que apresentou a concurso. De igual modo, o centro de comunicação da Universidade da Beira Interior (LabCom.IFP) também viu recusado o financiamento a todos os seus projectos. A FCT cumpriu, deste modo, a segunda fase do desmantelamento das ciências da comunicação em Portugal. Na primeira fase (dezembro de 2014), havia reduzido as ciências da comunicação a dois centros de investigação financiados, um como Excelente (CECS), outro como Bom (LabCom.IFP). Ao reprovar, agora, todos os projectos destes dois centros, a FCT faz a demonstração exuberante da sua política destrutiva.
Escrevi neste jornal, a 03.02.2014: “um vento ruim levantou-se na Cidade; enquanto durar, serão anos de calamidade.” Outro não foi, aliás, o diagnóstico de Ramada Curto, ao assinalar que o Inverno chegara à investigação das CSH “com a força de uma hecatombe” (02.01.2014). E também Sobrinho Simões (22.11.2013) viu o que está à vista de todos; a FCT fez, com a ciência, “uma espécie de destruição criativa: rebentou com tudo, esperando que, das cinzas, nasça algo de novo”.
(...)
Mas eu ainda não perdi a esperança de que acabem por lhe rebentar na cabeça as balas da roleta russa com que tem rebentado, a eito, as CSH em Portugal.»
[Lemos Martins, Univ. do Minho, PÚBLICO]
O Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), da Universidade do Minho, viu reprovados os 24 projectos que apresentou a concurso. De igual modo, o centro de comunicação da Universidade da Beira Interior (LabCom.IFP) também viu recusado o financiamento a todos os seus projectos. A FCT cumpriu, deste modo, a segunda fase do desmantelamento das ciências da comunicação em Portugal. Na primeira fase (dezembro de 2014), havia reduzido as ciências da comunicação a dois centros de investigação financiados, um como Excelente (CECS), outro como Bom (LabCom.IFP). Ao reprovar, agora, todos os projectos destes dois centros, a FCT faz a demonstração exuberante da sua política destrutiva.
Escrevi neste jornal, a 03.02.2014: “um vento ruim levantou-se na Cidade; enquanto durar, serão anos de calamidade.” Outro não foi, aliás, o diagnóstico de Ramada Curto, ao assinalar que o Inverno chegara à investigação das CSH “com a força de uma hecatombe” (02.01.2014). E também Sobrinho Simões (22.11.2013) viu o que está à vista de todos; a FCT fez, com a ciência, “uma espécie de destruição criativa: rebentou com tudo, esperando que, das cinzas, nasça algo de novo”.
(...)
Mas eu ainda não perdi a esperança de que acabem por lhe rebentar na cabeça as balas da roleta russa com que tem rebentado, a eito, as CSH em Portugal.»
[Lemos Martins, Univ. do Minho, PÚBLICO]
sexta-feira, 28 de agosto de 2015
"Por isso, o que é prioritário?" Terceira carta de Costa, ou o preço que o PS paga pela cobardia de apagar Sócrates do mapa, mesmo quando havia (e há!) muito sólidas razões para fazer o contrário.
«Sabe-se (apesar de a direita tudo fazer para esconder o facto) que a grande aposta (ganha) do governo Sócrates foi precisamente no conhecimento e na inovação. E este era e continua a ser o caminho certo para o desenvolvimento sustentado do país. O programa foi violentamente interrompido. Esta carta de Costa pretende pegar no assunto, mas a medo, para que a grande coligação negativa do PEC IV não lhe caia em cima com o peso do preso Sócrates. Mais que qualquer outra mensagem, a que fica é a admissão da responsabilidade do PS -Sócrates pela bancarrota e, coladinha a esta, a presunção de culpabilidade do ex-PM-PS na Op Marquês. A grande coligação anti-PS deve andar a rir às gargalhadas com a estratégia do PS desde 2011 até hoje. As apostas preciosas dos governos Sócrates, e que deram frutos para estes governantes colherem, são tratadas nestas cartas aos indecisos como se nunca tivessem existido. A narrativa da direita venceu em toda a linha, tanto em Seguro como em Costa, embora para vergar e estarrecer Costa tivessem de criar a Operaçâo Marquês. Aqui chegados, meus amigos, só nos resta dizer “seja o que Deus quiser”. Maior indecisão não há.»
[Comentário lido aqui.]
[Comentário lido aqui.]
"Tudo é possível"
« (...) À nossa frente, está a passar-se algo que não queremos olhar: o regresso a formas de brutalização e barbárie, a instauração de espaços anómicos onde, novamente, “tudo é possível”. Sem
conseguirmos vislumbrar soluções para o problema, desistimos também de uma vigilância capaz de nos lançar este alerta: os campos que regressaram à Europa, em grande número e por todo o lado, muito embora não sejam regidos pelo regime de excepção que presidiu à tanatopolítica — à política da morte — dos regimes totalitários, não nos dão garantias de que nenhum descarrilamento terá lugar e nenhuma inclinação criminosa latente poderá seguir o seu curso. Não podemos hoje ignorar que há uma lógica terrível imanente ao campo como figura: ele acaba por desenvolver uma zona cinzenta onde todas as situações-limite, à margem de todos os direitos, se tornam possíveis. (...)»
[António Guerreiro, in Ipsilon]
conseguirmos vislumbrar soluções para o problema, desistimos também de uma vigilância capaz de nos lançar este alerta: os campos que regressaram à Europa, em grande número e por todo o lado, muito embora não sejam regidos pelo regime de excepção que presidiu à tanatopolítica — à política da morte — dos regimes totalitários, não nos dão garantias de que nenhum descarrilamento terá lugar e nenhuma inclinação criminosa latente poderá seguir o seu curso. Não podemos hoje ignorar que há uma lógica terrível imanente ao campo como figura: ele acaba por desenvolver uma zona cinzenta onde todas as situações-limite, à margem de todos os direitos, se tornam possíveis. (...)»
[António Guerreiro, in Ipsilon]
Espeleologias 2
(...) Há mil anos a Holanda era um pântano. Um quinto do território que o país tem hoje estava debaixo de água, encurralado entre o mar do Norte e a boca de dois rios, o Reno vindo da Alemanha e o Mosa de França. Ambos formam um delta a Leste dos Países-Baixos, chegando ao mar através dum labirinto.
Não era um lugar bom para alguém viver, nem vivia, salvo uns quantos pescadores. Mas isso foi uma sorte, porque o feudalismo não criou raízes na região. Enquanto no resto da Europa os camponeses viviam em semi-escravidão, ao serviço de fidalguias, na Holanda eles eram donos de si próprios. Pescavam, plantavam, vendiam e compravam por sua própria conta. Não é que não houvesse nobres, donos de terras maiores. Mas o modelo feudal de trabalhar a terra em troca de comida não seguiu a norma. E uma boa parte do trabalho consistia em transformar um pântano num país, roubando terras ao mar. Isso exigia um enorme trabalho colectivo, e os holandeses aprenderam a unir-se para domar a natureza. Construíram diques e canais para drenar as terras, e moinhos para bombear as águas. Ficaram ecos disso em van Dam, em van Dick, em Roterdam, em Amsterdam...
Em vez de feudos enormes, havia propriedades divididas entre os homens que ajudaram a tirá-las debaixo de água. Em vez do trabalho em troca de protecção e alimento, era trabalho em troca de salário. E séculos destas práticas colectivas formaram um carácter democrático e humanista. Com um efeito muito peculiar, que foi a criação dum comércio vivo. Enquanto no resto da Europa a circulação de dinheiro era uma miragem, porque os povos o não tinham, nos Países Baixos ela era o centro da economia.
Nos alvores do Renascimento europeu, a Holanda ia na frente, no que respeita a uma economia moderna. A pesca já era industrial nos anos de 1500. Os barcos passavam dois meses no alto mar, com companhas de 20 a 30 homens. Pescavam ininterruptamente e armazenavam o peixe em barricas salgadas. Em 1560 existiam 400 desses barcos-fábrica, a maior parte deles propriedade de investidores urbanos, estranhos a actividades piscatórias.
A agricultura seguiu caminhos similares. Os holandeses importavam cereais, mas deixavam a terra para produtos de maior valia, como o cânhamo das velas dos navios, o lúpulo da cerveja, o linho dos vestidos, e muito mais tarde o tabaco e as tulipas. Em 1595, Amsterdam já controlava um volume de comércio maior que o da França e Inglaterra juntas. Mas ainda não tinha chegado a hora da Holanda, porque o comércio mais lucrativo de então - as especiarias orientais directamente na origem para revender na Europa - estava nas mãos dos dois países ibéricos, entretanto unidos sob a Coroa espanhola.
Não faltavam marinheiros holandeses nas armadas portuguesas. E um deles, van Linschoten, depois de nove anos nas caravelas, produziu um livro em que relatava o know-how acumulado pelos portugueses durante um século de navegações: rotas, ventos, mapas dos melhores lugares de comércio, tabelas de preços, meios de compra a disponibilizar...
O Relato duma Viagem pelas Navegações dos Portugueses no Oriente veio a público em 1596. Em 1600 já havia seis empresas na Holanda a operar navios mercantes para a Índia, isto é, seis "Companhias das Índias". O Relato chegou a Inglaterra, que em 1600 fundou também a sua Companhia. A corrida às especiarias começara.
O problema era o dinheiro para financiar as expedições. A fórmula portuguesa, centralizada na Coroa, que consistia em reunir banqueiros e contrair empréstimos, não era a mais eficaz e tentadora. Dos 22 barcos que tinham saído da Holanda para as Índias em 1598, só 12 regressaram. A solução era reduzir o risco da empreitada, integrando não apenas um ou dois grandes investidores, mas centenas ou milhares de participantes. Se um navio se perdesse, cada um perderia só um pouco.
O governo uniu as seis "Companhias da Índias" já existentes numa grande empresa estatal e convidou os holandeses a tomarem parte na Companhia Unida Holandesa das Índias Orientais. Isso significava dividir a empresa em partes e vendê-las. Exactamente 1143 holandeses compraram partes no mercado.
A guerra no mar com os navios ibéricos foi feroz, já que eles não queriam perder o monopólio. E tempos houve em que os maiores lucros da "Companhia das Índias Orientais" provinham mais do corso do que do comércio. Além disso a inexistência de entrepostos comerciais no Índico, há muito ocupado pelos portugueses, dificultava o comércio. Por isso os holandeses foram fixar-se mais a Leste, no arquipélago da Indonésia. Os habitantes da região de Banda não gostaram e reagiram à invasão. Mas a resposta do capitão e director da Companhia, Jan Pieterson Coen (e a que é que soa este apelido, se não for a judeu sefardita!), foi fulminante. Contratou mercenários do Japão para matar bandaneses. Havia 15 mil habitantes em Banda, quando os holandeses lá chegaram. Quinze anos depois restavam seiscentos.
Depois de garantir a presença na Indonésia, os holandeses apoderaram-se de algumas posições dos portugueses na Índia e foram ganhando terreno. A empresa ganhou viabilidade, e a Companhia tornou-se o maior fornecedor de especiarias para a Europa. Em 1670 já ela dispunha dum exército particular de 30 mil soldados e 200 navios. Ao longo do séc. XVII, mandaria 1770 navios para o Oriente, enquanto a Coroa portuguesa mandara 371; cem anos depois eram 2950 contra 196.
[Adaptado de CRASH, A. Versignassi]
Não era um lugar bom para alguém viver, nem vivia, salvo uns quantos pescadores. Mas isso foi uma sorte, porque o feudalismo não criou raízes na região. Enquanto no resto da Europa os camponeses viviam em semi-escravidão, ao serviço de fidalguias, na Holanda eles eram donos de si próprios. Pescavam, plantavam, vendiam e compravam por sua própria conta. Não é que não houvesse nobres, donos de terras maiores. Mas o modelo feudal de trabalhar a terra em troca de comida não seguiu a norma. E uma boa parte do trabalho consistia em transformar um pântano num país, roubando terras ao mar. Isso exigia um enorme trabalho colectivo, e os holandeses aprenderam a unir-se para domar a natureza. Construíram diques e canais para drenar as terras, e moinhos para bombear as águas. Ficaram ecos disso em van Dam, em van Dick, em Roterdam, em Amsterdam...
Em vez de feudos enormes, havia propriedades divididas entre os homens que ajudaram a tirá-las debaixo de água. Em vez do trabalho em troca de protecção e alimento, era trabalho em troca de salário. E séculos destas práticas colectivas formaram um carácter democrático e humanista. Com um efeito muito peculiar, que foi a criação dum comércio vivo. Enquanto no resto da Europa a circulação de dinheiro era uma miragem, porque os povos o não tinham, nos Países Baixos ela era o centro da economia.
Nos alvores do Renascimento europeu, a Holanda ia na frente, no que respeita a uma economia moderna. A pesca já era industrial nos anos de 1500. Os barcos passavam dois meses no alto mar, com companhas de 20 a 30 homens. Pescavam ininterruptamente e armazenavam o peixe em barricas salgadas. Em 1560 existiam 400 desses barcos-fábrica, a maior parte deles propriedade de investidores urbanos, estranhos a actividades piscatórias.
A agricultura seguiu caminhos similares. Os holandeses importavam cereais, mas deixavam a terra para produtos de maior valia, como o cânhamo das velas dos navios, o lúpulo da cerveja, o linho dos vestidos, e muito mais tarde o tabaco e as tulipas. Em 1595, Amsterdam já controlava um volume de comércio maior que o da França e Inglaterra juntas. Mas ainda não tinha chegado a hora da Holanda, porque o comércio mais lucrativo de então - as especiarias orientais directamente na origem para revender na Europa - estava nas mãos dos dois países ibéricos, entretanto unidos sob a Coroa espanhola.
Não faltavam marinheiros holandeses nas armadas portuguesas. E um deles, van Linschoten, depois de nove anos nas caravelas, produziu um livro em que relatava o know-how acumulado pelos portugueses durante um século de navegações: rotas, ventos, mapas dos melhores lugares de comércio, tabelas de preços, meios de compra a disponibilizar...
O Relato duma Viagem pelas Navegações dos Portugueses no Oriente veio a público em 1596. Em 1600 já havia seis empresas na Holanda a operar navios mercantes para a Índia, isto é, seis "Companhias das Índias". O Relato chegou a Inglaterra, que em 1600 fundou também a sua Companhia. A corrida às especiarias começara.
O problema era o dinheiro para financiar as expedições. A fórmula portuguesa, centralizada na Coroa, que consistia em reunir banqueiros e contrair empréstimos, não era a mais eficaz e tentadora. Dos 22 barcos que tinham saído da Holanda para as Índias em 1598, só 12 regressaram. A solução era reduzir o risco da empreitada, integrando não apenas um ou dois grandes investidores, mas centenas ou milhares de participantes. Se um navio se perdesse, cada um perderia só um pouco.
O governo uniu as seis "Companhias da Índias" já existentes numa grande empresa estatal e convidou os holandeses a tomarem parte na Companhia Unida Holandesa das Índias Orientais. Isso significava dividir a empresa em partes e vendê-las. Exactamente 1143 holandeses compraram partes no mercado.
A guerra no mar com os navios ibéricos foi feroz, já que eles não queriam perder o monopólio. E tempos houve em que os maiores lucros da "Companhia das Índias Orientais" provinham mais do corso do que do comércio. Além disso a inexistência de entrepostos comerciais no Índico, há muito ocupado pelos portugueses, dificultava o comércio. Por isso os holandeses foram fixar-se mais a Leste, no arquipélago da Indonésia. Os habitantes da região de Banda não gostaram e reagiram à invasão. Mas a resposta do capitão e director da Companhia, Jan Pieterson Coen (e a que é que soa este apelido, se não for a judeu sefardita!), foi fulminante. Contratou mercenários do Japão para matar bandaneses. Havia 15 mil habitantes em Banda, quando os holandeses lá chegaram. Quinze anos depois restavam seiscentos.
Depois de garantir a presença na Indonésia, os holandeses apoderaram-se de algumas posições dos portugueses na Índia e foram ganhando terreno. A empresa ganhou viabilidade, e a Companhia tornou-se o maior fornecedor de especiarias para a Europa. Em 1670 já ela dispunha dum exército particular de 30 mil soldados e 200 navios. Ao longo do séc. XVII, mandaria 1770 navios para o Oriente, enquanto a Coroa portuguesa mandara 371; cem anos depois eram 2950 contra 196.
[Adaptado de CRASH, A. Versignassi]
quinta-feira, 27 de agosto de 2015
quarta-feira, 26 de agosto de 2015
Espeleologias 1
Ou a história tornada compreensível.
(...) Bartolomeo Marchionni era um florentino radicado em Lisboa. Além de ser dono dum banco em Florença, traficava marfim, ouro e escravos na costa de África. Depois entrou numa empreitada mais arriscada: tornou-se o maior financiador privado da expedição de Pedro Álvares Cabral à Índia. Mas a frota fez uma escala de duas semanas na costa da América do Sul, assim descobrindo o Brasil a 21 de Abril de 1500, onde atracaram num lugar que depois se chamaria Porto Seguro.
Cabral, um jovem capitão de 33 anos, tinha acertado um pagamento de dez mil cruzados pela empreitada. O seu objectivo era buscar os lucros de um negócio que prometia ser o mais rentável da história: o comércio de especiarias orientais, sem os intermediários árabes.
As especiarias passavam por dezenas de intermediários, no caminho entre a origem, no Sul da Ásia, e a Europa. Os indianos levavam à península arábica o cravo, a canela, a noz moscada, a pimenta. Daí seguiam em caravanas de camelo até Alexandria, no Egipto. E eram sobretudo os venezianos que os faziam cruzar o Mediterrâneo. Tinham negociado um monopólio com os egípcios, e só ancorava em Alexandria quem fosse veneziano. Não foi por acaso que Veneza se tornou no que foi. Também chegavam especiarias à Europa via Constantinopla. Mas em 1453 os otomanos tomaram conta da cidade e fecharam esse comércio.
O único caminho de acesso directo às especiarias da Índia era contornar a África, se isso fosse possível. Em 1488 Bartolomeu Dias passou o Cabo das Tormentas. E D.João II rebaptizou-o da Boa Esperança, na esperança de "pôr as mãos na garganta de Veneza", como diziam então alguns fidalgos portugueses.
Em 1498 Vasco da Gama chegou a Calecute, o centro fundamental do comércio de especiarias na costa Oeste da Índia. O samorim fez saber claramente aos portugueses: ou traziam ouro e prata para as pagar, ou não haveria negócio. O Gama regressou a Lisboa com dois dos quatro barcos que haviam partido, e 55 dos seus 170 homens. Mas valeria a pena: um saco de pimenta custava 16 ducados em Veneza, e saía pelo equivalente a dois, em Calecute.
Isso levou o rei D. Manuel a enviar à Índia uma segunda expedição, a de Cabral, logo em 1500. Treze navios e 1500 homens. O problema é que isso custava mais do que a Coroa podia pagar. D. Manuel precisava de ajuda, pois já a primeira expedição do Gama contara com dinheiro privado. Sem o dinheiro investido pelos banqueiros, nem as caravelas teriam sido construídas. Foi aí que entrou Bartolomeo Marchionni, o qual, com outros banqueiros, ajudou a financiar a operação.
Um dos efeitos laterais da expedição de Cabral foi Marchionni tornar-se mais tarde um dos principais comerciantes de pau-brasil na Europa. Mas na Índia, em Calecute, as coisas não correram pacificamente. Os comerciantes árabes, que vendiam as especiarias pela rota tradicional de Alexandria, não estavam dispostos a perder terreno para os portugueses. No final, dos treze navios originais voltaram sete, com metade dos homens e 700 toneladas de pimenta. Foi o bastante para que a expedição desse lucro.
Marchionni mandou dizer aos seus amigos banqueiros de Florença que a empreitada fora um sucesso financeiro. E em 1502 o Gama partiu pela segunda vez para a Índia, com vinte navios e muitos canhões. Depois de várias peripécias, conseguiu estabelecer um forte na região de Calecute. E voltou a Portugal em 1503, com treze dos vinte navios e 1700 toneladas de especiarias. Praticamente a mesma quantidade que Veneza recebia por ano, pelas rotas do Egipto. Com margens de lucro incomparavelmente maiores.
Portugal mandaria 705 navios para o Oriente ao longo do séc. XVI. Estabeleceria fortes e colónias no Índico, desde Goa e Ormuz a Malaca. Chegaria à China e ao Japão. E praticamente monopolizaria o comércio naquelas paragens. Mas os holandeses depressa descobririam uma arma letal. Sem pólvora, mas mais explosiva: o mercado de acções. (...)
[Adaptado de CRASH, A. Versignassi]
(...) Bartolomeo Marchionni era um florentino radicado em Lisboa. Além de ser dono dum banco em Florença, traficava marfim, ouro e escravos na costa de África. Depois entrou numa empreitada mais arriscada: tornou-se o maior financiador privado da expedição de Pedro Álvares Cabral à Índia. Mas a frota fez uma escala de duas semanas na costa da América do Sul, assim descobrindo o Brasil a 21 de Abril de 1500, onde atracaram num lugar que depois se chamaria Porto Seguro.
Cabral, um jovem capitão de 33 anos, tinha acertado um pagamento de dez mil cruzados pela empreitada. O seu objectivo era buscar os lucros de um negócio que prometia ser o mais rentável da história: o comércio de especiarias orientais, sem os intermediários árabes.
As especiarias passavam por dezenas de intermediários, no caminho entre a origem, no Sul da Ásia, e a Europa. Os indianos levavam à península arábica o cravo, a canela, a noz moscada, a pimenta. Daí seguiam em caravanas de camelo até Alexandria, no Egipto. E eram sobretudo os venezianos que os faziam cruzar o Mediterrâneo. Tinham negociado um monopólio com os egípcios, e só ancorava em Alexandria quem fosse veneziano. Não foi por acaso que Veneza se tornou no que foi. Também chegavam especiarias à Europa via Constantinopla. Mas em 1453 os otomanos tomaram conta da cidade e fecharam esse comércio.
O único caminho de acesso directo às especiarias da Índia era contornar a África, se isso fosse possível. Em 1488 Bartolomeu Dias passou o Cabo das Tormentas. E D.João II rebaptizou-o da Boa Esperança, na esperança de "pôr as mãos na garganta de Veneza", como diziam então alguns fidalgos portugueses.
Em 1498 Vasco da Gama chegou a Calecute, o centro fundamental do comércio de especiarias na costa Oeste da Índia. O samorim fez saber claramente aos portugueses: ou traziam ouro e prata para as pagar, ou não haveria negócio. O Gama regressou a Lisboa com dois dos quatro barcos que haviam partido, e 55 dos seus 170 homens. Mas valeria a pena: um saco de pimenta custava 16 ducados em Veneza, e saía pelo equivalente a dois, em Calecute.
Isso levou o rei D. Manuel a enviar à Índia uma segunda expedição, a de Cabral, logo em 1500. Treze navios e 1500 homens. O problema é que isso custava mais do que a Coroa podia pagar. D. Manuel precisava de ajuda, pois já a primeira expedição do Gama contara com dinheiro privado. Sem o dinheiro investido pelos banqueiros, nem as caravelas teriam sido construídas. Foi aí que entrou Bartolomeo Marchionni, o qual, com outros banqueiros, ajudou a financiar a operação.
Um dos efeitos laterais da expedição de Cabral foi Marchionni tornar-se mais tarde um dos principais comerciantes de pau-brasil na Europa. Mas na Índia, em Calecute, as coisas não correram pacificamente. Os comerciantes árabes, que vendiam as especiarias pela rota tradicional de Alexandria, não estavam dispostos a perder terreno para os portugueses. No final, dos treze navios originais voltaram sete, com metade dos homens e 700 toneladas de pimenta. Foi o bastante para que a expedição desse lucro.
Marchionni mandou dizer aos seus amigos banqueiros de Florença que a empreitada fora um sucesso financeiro. E em 1502 o Gama partiu pela segunda vez para a Índia, com vinte navios e muitos canhões. Depois de várias peripécias, conseguiu estabelecer um forte na região de Calecute. E voltou a Portugal em 1503, com treze dos vinte navios e 1700 toneladas de especiarias. Praticamente a mesma quantidade que Veneza recebia por ano, pelas rotas do Egipto. Com margens de lucro incomparavelmente maiores.
Portugal mandaria 705 navios para o Oriente ao longo do séc. XVI. Estabeleceria fortes e colónias no Índico, desde Goa e Ormuz a Malaca. Chegaria à China e ao Japão. E praticamente monopolizaria o comércio naquelas paragens. Mas os holandeses depressa descobririam uma arma letal. Sem pólvora, mas mais explosiva: o mercado de acções. (...)
[Adaptado de CRASH, A. Versignassi]
Esta corja de indigentes!
- Depois de ter destruído o Colégio Militar.
- Depois de ter aniquilado o Instituto de Odivelas.
- Depois de ter arrasado a Saúde Militar reduzindo-a ao exíguo Hospital do Lumiar, e entregando a Estrela à Misericórdia.
- Depois de ter sabotado capacidades das indústrias de Defesa e privatizado estaleiros.
Propõe-se agora:
- Instalar em Angola Colégios militares;
- Apresentar propostas para o atendimento em Lisboa, no hospital das Forças Armadas, de militares ou ex-militares para assistência médica.
- Admitir que Portugal venha a ser fornecedor de navios de patrulha oceânica.
Balha-nos Deus!
- Depois de ter aniquilado o Instituto de Odivelas.
- Depois de ter arrasado a Saúde Militar reduzindo-a ao exíguo Hospital do Lumiar, e entregando a Estrela à Misericórdia.
- Depois de ter sabotado capacidades das indústrias de Defesa e privatizado estaleiros.
Propõe-se agora:
- Instalar em Angola Colégios militares;
- Apresentar propostas para o atendimento em Lisboa, no hospital das Forças Armadas, de militares ou ex-militares para assistência médica.
- Admitir que Portugal venha a ser fornecedor de navios de patrulha oceânica.
Balha-nos Deus!
domingo, 23 de agosto de 2015
Barry Lindon remake
O crepúsculo ainda não tinha chegado mas a luz já era fraca. Foi quando a mãe, dos seus 40 anos, veio ao quinteiro e pediu ao Joaquim. Se a deixava dar uma volta no cavalo, só descer além à Corredoura e voltar a subir, antes de acabar as férias.
O bicho até era manso, o próprio dono ajudou a mulher a escarranchar-se na albarda. A filhita, de seis anos, é que ninguém a calava, também queria experimentar.
O Joaquim passou as rédeas à mãe. E a outra filha, de máquina na mão, quis fixar as cavaleiras. Para recordar na Suíça, nas noites de Inverno, as tardes quentes de Agosto ali na aldeia.
Mas a máquina armou-se em inteligente. Faltou-lhe a luz, disparou o flash, e o cavalo do Joaquim ficou encandeado. Alçou as patas da frente e despejou pela garupa as duas amazonas no meio da ladeira. Depois desabou em cima delas.
Vieram dois helicópteros, muito a custo acharam heliporto. Mas a filhita chegou morta ao hospital e a mãe uivou. De alma e corpo
A grande ceifeira tem as artes da raposa, que são sábias mas injustas. Quando entra na capoeira, é para levar a galinha mais gorda. Diz-se que é Deus, esse pobre coitado, quem sabe e quem manda. E leva com as culpas todas.
O povo, para quem a compaixão é um instinto, acorreu em massa ao cemitério.
O bicho até era manso, o próprio dono ajudou a mulher a escarranchar-se na albarda. A filhita, de seis anos, é que ninguém a calava, também queria experimentar.
O Joaquim passou as rédeas à mãe. E a outra filha, de máquina na mão, quis fixar as cavaleiras. Para recordar na Suíça, nas noites de Inverno, as tardes quentes de Agosto ali na aldeia.
Mas a máquina armou-se em inteligente. Faltou-lhe a luz, disparou o flash, e o cavalo do Joaquim ficou encandeado. Alçou as patas da frente e despejou pela garupa as duas amazonas no meio da ladeira. Depois desabou em cima delas.
Vieram dois helicópteros, muito a custo acharam heliporto. Mas a filhita chegou morta ao hospital e a mãe uivou. De alma e corpo
A grande ceifeira tem as artes da raposa, que são sábias mas injustas. Quando entra na capoeira, é para levar a galinha mais gorda. Diz-se que é Deus, esse pobre coitado, quem sabe e quem manda. E leva com as culpas todas.
O povo, para quem a compaixão é um instinto, acorreu em massa ao cemitério.
sábado, 22 de agosto de 2015
Finalmente
« (...) o atual PS não pode apoiar Maria de Belém porque, no fundo, ela está a apostar (mesmo que não deliberadamente, mesmo que não conscientemente) na derrota dos socialistas nas legislativas e na substituição de António Costa – pela única e simples razão de saber que, com Costa, não terá nem cargos, nem prebendas, nem sinecuras nos próximos anos, se este chegar a primeiro-ministro. O regresso de Seguro é o seu seguro de vida política futura. Maria de Belém está a trabalhar para isso.»
Requiem
« (...) Em 1482 o capitão português Diogo Cão chegou à foz do rio Congo. Nessa época, o grande reino africano do Congo prosperava ali, com a sua capital em Mbanza, conhecida na época dos portugueses como São Salvador e actualmente chamada M'banza-Congo. Em 1975 São Salvador era uma pequena cidade de província. de onde são naturais Holden Roberto e quase todos os líderes da FNLA (seus familiares). (...) Dez anos depois de Diogo Cão pisar terras congo-angolanas, Colombo chegou à costa do continente americano. Os dois acontecimentos estão intimamente ligados. Os emigrantes europeus na América começaram a estabelecer plantações de cana-de-açúcar e de algodão. Desenvolveu-se aprocura duma força de trabalho substancial e barata, porque o cultivo da cana em especial requer muita mão de obra. Começou assim o tráfico de escravos. (...) Segundo os historiadores, entre 3 e 4 milhões de escravos foram enviados dos territórios que se encontram dentro das fronteiras da actual Angola. (...) Na primeira metade do séc. XIX, a exportação de escravos ainda constituía mais de 90% do valor global das exportações de Angola. (...)
O rapto voraz de seres humanos levou Angola a um tal estado de ruína que no início do séc.XX a Inglaterra e a Alemanha chegaram a conduzir negociações secretas para tirar a colónia a Portugal e dividi-la entre si. (...) Ao longo de vários séculos, Portugal canalizou os seus melhores elementos para o Brasil, os piores para Angola. Angola era uma colónia penal, o lugar para onde era deportado todo o tipo de criminosos e de párias, todos os que estavam nas margens da sociedade. Na velha Lisboa (onde 10% da população chegou a ser escrava africana), as pessoas referiam-se a Angola como o país dos degredados, o país dos deportados, dos expulsos, dos sem-futuro. A mediocridade dos colonos contrubuiu para que Angola se tornasse um dos países africanos mais atrasados.(...)
4 de Fevereiro de 1961
Ataque armado de combatentes do MPLA à prisão em Luanda (Casa de Reclusão Militar), onde estão encarcerados patriotas angolanos. É o início da luta armada pela libertação de Angola.
15 de Março de 1961
No Norte, a UPA dá o sinal para um levantamento racista dos bacongos contra todos os não-bacongos. Bandos armados assassinam civis portugueses, mulatos angolanos e elementos das tribos ovimbundo e mbundo. A insurreição é reprimida pelo exército português e termina com um terrível massacre de bacongos, e com a emigração de um grande número deles para o Zaire.
23 de Março de 1962
A UPA muda o seu nome para FNLA. O seu líder é o presidente da UPA, o funcionário de longa data duma empresa belga no Congo, Holden Roberto. (...) A FNLA era e continua a ser uma organização estritamente tribal, o partido dos bacongos, cuja ambição é restaurar o reino de Bacongo e nele incorporar o resto de Angola. O grupo de Holden Roberto , cujos membros pertenciam à Igreja Protestante, foi sempre apoiado, através da igreja baptista, pelo American Comittee on Africa. A luta entre a FNLA e o MPLA tinha a faceta adicional de conflito religioso. O MPLA conta nas suas fileiras com muitos católicos. (...)
1964
Entre os que abandonaram o GRAE (criado dois anos antes por H. Roberto), encontra-se o ministro dos Negócios Estrangeiros Jonas Savimbi, que no periódico Remarques Africaines de 25 de Novembro de 1964 publica uma carta acusando Roberto de corrupção e nepotismo. Cita os nomes da CIA a operar dentro da FNLA (...).
13 de Março de 1966
Surge a UNITA, cujo líder é Jonas Savimbi. A UNITA era financiada por colonos portugueses, que mais tarde criaram a Frente de Resistência Angolana. Os líderes da FRA eram o coronel Gilberto Santos e Castro, posteriormente comandante dos mercenários que lutaram ao lado da FNLA, assim como o banqueiro António Espírito Santo. Queriam arrancar Angola a Portugal e criar um estado de colonos brancos (como Ian Smith tinha feito na Rodésia). A UNITA, tal como a FNLA, era uma organização tribal. Os seus membros são recrutados entre os membros da tribo dos ovimbundos.(...)
30 de Janeiro de 1975
O governo provisório entra em funções em Angola (presidido por Vasco Vieira de Almeida).
Março de 1975
Motins sangrentos em Luanda. A população civil da capital, declarando-se a favor do MPLA, é atacada pelas tropas da FNLA.
Julho de 1975
O MPLA liberta Luanda das divisões da FNLA. A maioria do território de Angola fica sob o controlo do MPLA.
19 de Outubro de 1975
Chega a Luanda a primeira unidade do exército cubano.
11 de Novembro de 1975
Declaração de independência de Angola por Agostinho Neto.
Anos de 1976-2000
A guerra continua. É um dos conflitos armados de mais longa duração do mundo contemporâneo. (...) O governo tem abundantes depósitos de petróleo. Savimbi tem grandes minas de diamantes. (...)»
[Mais um dia de vida - Angola 1975, Kapuscinski]
O rapto voraz de seres humanos levou Angola a um tal estado de ruína que no início do séc.XX a Inglaterra e a Alemanha chegaram a conduzir negociações secretas para tirar a colónia a Portugal e dividi-la entre si. (...) Ao longo de vários séculos, Portugal canalizou os seus melhores elementos para o Brasil, os piores para Angola. Angola era uma colónia penal, o lugar para onde era deportado todo o tipo de criminosos e de párias, todos os que estavam nas margens da sociedade. Na velha Lisboa (onde 10% da população chegou a ser escrava africana), as pessoas referiam-se a Angola como o país dos degredados, o país dos deportados, dos expulsos, dos sem-futuro. A mediocridade dos colonos contrubuiu para que Angola se tornasse um dos países africanos mais atrasados.(...)
4 de Fevereiro de 1961
Ataque armado de combatentes do MPLA à prisão em Luanda (Casa de Reclusão Militar), onde estão encarcerados patriotas angolanos. É o início da luta armada pela libertação de Angola.
15 de Março de 1961
No Norte, a UPA dá o sinal para um levantamento racista dos bacongos contra todos os não-bacongos. Bandos armados assassinam civis portugueses, mulatos angolanos e elementos das tribos ovimbundo e mbundo. A insurreição é reprimida pelo exército português e termina com um terrível massacre de bacongos, e com a emigração de um grande número deles para o Zaire.
23 de Março de 1962
A UPA muda o seu nome para FNLA. O seu líder é o presidente da UPA, o funcionário de longa data duma empresa belga no Congo, Holden Roberto. (...) A FNLA era e continua a ser uma organização estritamente tribal, o partido dos bacongos, cuja ambição é restaurar o reino de Bacongo e nele incorporar o resto de Angola. O grupo de Holden Roberto , cujos membros pertenciam à Igreja Protestante, foi sempre apoiado, através da igreja baptista, pelo American Comittee on Africa. A luta entre a FNLA e o MPLA tinha a faceta adicional de conflito religioso. O MPLA conta nas suas fileiras com muitos católicos. (...)
1964
Entre os que abandonaram o GRAE (criado dois anos antes por H. Roberto), encontra-se o ministro dos Negócios Estrangeiros Jonas Savimbi, que no periódico Remarques Africaines de 25 de Novembro de 1964 publica uma carta acusando Roberto de corrupção e nepotismo. Cita os nomes da CIA a operar dentro da FNLA (...).
13 de Março de 1966
Surge a UNITA, cujo líder é Jonas Savimbi. A UNITA era financiada por colonos portugueses, que mais tarde criaram a Frente de Resistência Angolana. Os líderes da FRA eram o coronel Gilberto Santos e Castro, posteriormente comandante dos mercenários que lutaram ao lado da FNLA, assim como o banqueiro António Espírito Santo. Queriam arrancar Angola a Portugal e criar um estado de colonos brancos (como Ian Smith tinha feito na Rodésia). A UNITA, tal como a FNLA, era uma organização tribal. Os seus membros são recrutados entre os membros da tribo dos ovimbundos.(...)
30 de Janeiro de 1975
O governo provisório entra em funções em Angola (presidido por Vasco Vieira de Almeida).
Março de 1975
Motins sangrentos em Luanda. A população civil da capital, declarando-se a favor do MPLA, é atacada pelas tropas da FNLA.
Julho de 1975
O MPLA liberta Luanda das divisões da FNLA. A maioria do território de Angola fica sob o controlo do MPLA.
19 de Outubro de 1975
Chega a Luanda a primeira unidade do exército cubano.
11 de Novembro de 1975
Declaração de independência de Angola por Agostinho Neto.
Anos de 1976-2000
A guerra continua. É um dos conflitos armados de mais longa duração do mundo contemporâneo. (...) O governo tem abundantes depósitos de petróleo. Savimbi tem grandes minas de diamantes. (...)»
[Mais um dia de vida - Angola 1975, Kapuscinski]
Extrema-unção
« (...) Nós não quisemos esta guerra! - insiste Ndozi. Mas o Holden Roberto atacou do Norte e o Jonas Savimbi do Sul. Este país está em guerra há 500 anos, desde que os portugueses chegaram. Eles precisavam de escravos para o tráfico, para exportar para o Brasil, para as Caraíbas e para o outro lado do mar em geral. De toda a África, Angola foi a região que maior número de escravos forneceu para esses países. Por isso é que chamam ao nosso país a Mãe Negra do Novo Mundo. Metade dos camponeses brasileiros, cubanos e dominicanos descende de angolanos. Esta terra foi em tempos um país populoso, estabelecido, e depois esvaziou-se como se tivesse havido uma praga. Angola continuou deserta até aos dias de hoje. (...) As guerras de escravos continuaram durante trezentos anos ou mais. Era um bom negócio para os nossos chefes. As tribos mais fortes atacavam as mais fracas, faziam prisioneiros e punham-nos à venda. O preço dum escravo era determinado pela qualidade dos seus dentes. Eles arrancavam os dentes ou limavam-nos com pedras, para terem um valor de mercado inferior. (...) De geração em geração, as tribos viviam no receio umas das outras, viviam no ódio. (...)
Mas ali, no quartel-general do estado maior em Pretória, mais tarde em Vinduque, e finalmente no quartel-general da frente em Tsumeb, tudo estava exacta e devidamente pensado. (...) Nome da operação: Orange. Objectivo da operação: ocupar Luanda até 10 de Novembro de 1975 (às 18 horas desse dia, segundo os acordos de Alvor, as últimas unidades portuguesas deviam deixar Angola). No dia seguinte anunciar a independência do pais, com a passagem do poder para as mãos do governo de coligação FNLA/UNITA. (...)
Regressei num camião que transportava soldados portugueses. Eram tropas num total estado de dissolução. Tinham barba comprida e não usavam bonés nem cinto. Vendiam as suas rações no mercado negro e arrombavam carros. Tinham ordens para se manterem neutros, não dispararem, não se envolverem.Estavam a carregar os navios com tudo. A última unidade partiria daí a uma semana. (...)
E se o auxílio não chegar a tempo? O ataque a Luanda. Quem entrará primeiro? Os do Sul ou a FNLA? A FNLA é um exército cruel. Pratica o canibalismo. Até há alguns dias eu não acreditava nisso. (...) Um dia antes Lucala fora reconquistada a uma unidade da FNLA que se retirou para Samba Caju, uma cidade a 70 quilómetros para Norte. Os setenta quilómetros constituíam um espectáculo horrível. Ao longo da estrada, através desta região densamente povoada, não havia uma só pessoa com vida ou uma só casa. O exército em retirada destruíra todos os sinais de vida. Cabeças de mulher tinham sido atiradas para a erva das bermas da estrada. Havia cadáveres com o coração e os fígados cortados. Metade do tempo permaneci de olhos fechados. (...)
Na segunda-feira a guarnição portuguesa partiu de navio. O último pelotão subiu a prancha de embarque nessa manhã. Eu conhecia alguns oficiais que estavam de partida e fui despedir-me deles. Os angolanos queriam que eles se fossem embora tão depressa quanto possível. Depois de anos de guerra colonial, não podia haver compreensão nem simpatia entre os dois lados. Mas eu tinha uma visão diferente. Os angolanos tinham uma grande dívida de gratidão para com muitos, embora não todos, oficiais portugueses. Souberam comportar-se com lealdade. Eu mesmo lhes devia muito. Também nunca atacaram os cubanos, embora as primeiras pessoas de Havana tivessem chegado quando Angola era ainda formalmente território português. (...)»
[Mais um dia de vida - Angola 1975, Kapuscinski]
Mas ali, no quartel-general do estado maior em Pretória, mais tarde em Vinduque, e finalmente no quartel-general da frente em Tsumeb, tudo estava exacta e devidamente pensado. (...) Nome da operação: Orange. Objectivo da operação: ocupar Luanda até 10 de Novembro de 1975 (às 18 horas desse dia, segundo os acordos de Alvor, as últimas unidades portuguesas deviam deixar Angola). No dia seguinte anunciar a independência do pais, com a passagem do poder para as mãos do governo de coligação FNLA/UNITA. (...)
Regressei num camião que transportava soldados portugueses. Eram tropas num total estado de dissolução. Tinham barba comprida e não usavam bonés nem cinto. Vendiam as suas rações no mercado negro e arrombavam carros. Tinham ordens para se manterem neutros, não dispararem, não se envolverem.Estavam a carregar os navios com tudo. A última unidade partiria daí a uma semana. (...)
E se o auxílio não chegar a tempo? O ataque a Luanda. Quem entrará primeiro? Os do Sul ou a FNLA? A FNLA é um exército cruel. Pratica o canibalismo. Até há alguns dias eu não acreditava nisso. (...) Um dia antes Lucala fora reconquistada a uma unidade da FNLA que se retirou para Samba Caju, uma cidade a 70 quilómetros para Norte. Os setenta quilómetros constituíam um espectáculo horrível. Ao longo da estrada, através desta região densamente povoada, não havia uma só pessoa com vida ou uma só casa. O exército em retirada destruíra todos os sinais de vida. Cabeças de mulher tinham sido atiradas para a erva das bermas da estrada. Havia cadáveres com o coração e os fígados cortados. Metade do tempo permaneci de olhos fechados. (...)
Na segunda-feira a guarnição portuguesa partiu de navio. O último pelotão subiu a prancha de embarque nessa manhã. Eu conhecia alguns oficiais que estavam de partida e fui despedir-me deles. Os angolanos queriam que eles se fossem embora tão depressa quanto possível. Depois de anos de guerra colonial, não podia haver compreensão nem simpatia entre os dois lados. Mas eu tinha uma visão diferente. Os angolanos tinham uma grande dívida de gratidão para com muitos, embora não todos, oficiais portugueses. Souberam comportar-se com lealdade. Eu mesmo lhes devia muito. Também nunca atacaram os cubanos, embora as primeiras pessoas de Havana tivessem chegado quando Angola era ainda formalmente território português. (...)»
[Mais um dia de vida - Angola 1975, Kapuscinski]
Lido aí em comentários
«E cada vez gosto menos do distanciamento “sanitário” do PS em relação ao “leproso” Sócrates. O PS, a democracia e o País vão pagar caro por consentirem na perseguição política de um homem que foi PM de Portugal, e que está a ser perseguido, precisamente, pelas funções que desempenhou como governante.
Já não tenho palavras para exprimir a minha revolta. Consola-me ter ouvido ainda há poucos minutos na SIC o Miguel S. Tavares afirmar, corajosamente, que em cada dia que passa mais convencido fica de que a prisão preventiva de Sócrates é completamente injustificada.»
Tirou-me as palavras da boca!
Já não tenho palavras para exprimir a minha revolta. Consola-me ter ouvido ainda há poucos minutos na SIC o Miguel S. Tavares afirmar, corajosamente, que em cada dia que passa mais convencido fica de que a prisão preventiva de Sócrates é completamente injustificada.»
Tirou-me as palavras da boca!
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
A pulhice e o dano dela
Esta sinistra coligação dos PaF's não dispõe de qualquer artilharia eleitoral que a recomende. Mas dois torpedos lhe bastam: o governo do PS levou Portugal à bancarrota, e José Sócrates mandou entrar a troika.
Nada disto é verdadeiro, mas o Coelho e o Portas e o MAC e tutti quanti repeti-lo-ão até à náusea. E os portugueses engolem-no como quem emborca minis numa tarde de sol.
A pulhice e o maior dano das cumplicidades do Seguro foram isto: durante três anos, deixou que se instalasse este discurso fraudulento e anti-PS, sem uma única palavra de contestação. Ora quem cala, consente! - diz o outro e tanto basta.
Nada disto é verdadeiro, mas o Coelho e o Portas e o MAC e tutti quanti repeti-lo-ão até à náusea. E os portugueses engolem-no como quem emborca minis numa tarde de sol.
A pulhice e o maior dano das cumplicidades do Seguro foram isto: durante três anos, deixou que se instalasse este discurso fraudulento e anti-PS, sem uma única palavra de contestação. Ora quem cala, consente! - diz o outro e tanto basta.
Freio nos dentes
Espoliado e achincalhado por elites sem pudor, o cavalo popular toma o freio nos dentes. Pena é que lhe faltem os queixais e já não morda.
Rigor mortis
« (...) Toda a gente se afadigava a construir caixotes. (...) Quanto mais ricas eram as pessoas, tanto maiores os caixotes que faziam. (...) Dentro destes caixotes metiam-se salões e quartos inteiros, sofás, mesas, guarda-fatos, cozinhas e frigoríficos, cómodas e cadeirões, quadros, carpetes, candelabros, porcelanas, roupas de cama e de mesa, peças de vestuário, tapeçarias e vasos, até mesmo flores artificiais (vi-as com os meus próprios olhos), todo o lixo monstruoso e interminável que atulha as casas da classe média. Nos caixotes metiam-se estatuetas, conchas, bolas de vidro, vasos de flores, lagartos empalhados, uma miniatura em metal da catedral de Milão, trazida de Itália, cartas! - cartas e fotografias, fotografias de casamento nas suas molduras douradas, todas as fotografias das crianças, e nesta foi a primeira vez que ele se sentou, e aqui a primeira vez que ele disse dá-dá, e aqui está ele com um chupa-chupa, e aqui com a avó - tudo, tudo mesmo, porque esta caixa de garrafas de vinho, este pacote de macarrão que eu pus de lado quando começou o tiroteio, e depois a cana de pesca, as agulhas do croché - a minha lã! - a minha espingarda, os cubos coloridos do Totó, pássaros, amendoins, o aspirador e o quebra-nozes têm de caber, é o que é, têm de caber e hão-de caber, e cabem, por isso tudo o que deixaremos ficar será o chão vazio, as paredes nuas, despidas. Só resta fechar a porta à chave, fazer paragem na avenida a caminho do aeroporto e atirar as chaves para o oceano. (...)
Eu nunca vira uma cidade assim em parte nenhuma do mundo, e talvez não volte a ver nada que se assemelhe. Existiu durante meses, e de súbito começou a desaparecer. Ou melhor, bairro após bairro, foi levada de camião para o porto. Agora espalhava-se à beira-mar, iluminada à noite pelas lanternas do porto e pelo clarão das luzes dos navios ancorados. (...) Mais tarde, quando a situação na cidade de pedra já tinha piorado muito e nós, o seu punhado de habitantes, esperávamos como fatalistas pelo dia da destruição, a cidade de madeira fez-se ao mar. (...) Isso aconteceu subitamente, como se embarcações de piratas tivessem aportado, pilhado um tesouro valioso e escapado com ele. (...) Deixei-me ficar na praia com alguns soldados angolanos e uma pequena multidão de crianças negras maltrapilhas e enregeladas. "Tiraram-nos tudo", disse um dos soldados sem azedume, e voltou-se para cortar um ananás, porque esse fruto era então o nosso único alimento. (...) Ali de pé, encantado com a ideia de que Angola lhe pertencia, disparou uma descarga inteira da sua espingarda automática para o ar. (...)
E agora a cidade de madeira navegava num Atlântico varrido por ondas violentas. Num ponto do oceano, deu-se a separação da cidade, e uma parte, a maior, dirigiu-se para Lisboa, uma outra para o Rio de Janeiro e a terceira foi para a cidade do Cabo. (...)
A cidade nómada sem telhados nem paredes, a cidade dos refugiados à volta do aeroporto, foi gradualmente desaparecendo. (...) Agora partiam vários aviões por dia - franceses, portugueses, russos e italianos. (...) Isto foi no início de Outubro. De dia para dia a cidade tornava-se cada vez mais deserta. (...) Cada vez mais lojistas fechavam os seu estabelecimentos. (...) Agora Luanda era a única cidade do mundo sem polícia. (...) Todos os bombeiros se foram embora! (...) Todos os lixeiros se foram embora! (...)
Os cães ainda estavam vivos. Eram animais de estimação abandonados pelos donos. Viam-se cães de todas as raças mais caras, boxers, buldogues, galgos, dobermanns, dachshunds, airedales, spaniels, até mesmo terriers escoceses e grand-danois, pugs e caniches. (...) Enquanto o exército português se manteve em Angola, os cães reuniam-se todas as manhãs na praça em frente ao quartel-general, e as sentinelas davam-lhes latas de rações de combate da NATO. Mais tarde, a matilha bem alimentada ia para o relvado macio e húmido dos jardins do Palácio do Governo. Começavam então uma surpreendente orgia sexual em massa, uma loucura excitada e infatigável, perseguindo-se e derrubando-se uns aos outros até à exaustão total. (...)
Quando o exército se foi embora, os cães começaram a passar fome e a emagrecer. (...) Um dia desapareceram. (...) Se foram para Norte, deram com a FNLA. Se foram para Sul, deram com a UNITA. (...) Depois do êxodo dos cães, a cidade caiu em rigor mortis. Por isso decidi ir para a linha da frente.»
[Mais um dia de vida - Angola 1975, Kapuscinski]
Eu nunca vira uma cidade assim em parte nenhuma do mundo, e talvez não volte a ver nada que se assemelhe. Existiu durante meses, e de súbito começou a desaparecer. Ou melhor, bairro após bairro, foi levada de camião para o porto. Agora espalhava-se à beira-mar, iluminada à noite pelas lanternas do porto e pelo clarão das luzes dos navios ancorados. (...) Mais tarde, quando a situação na cidade de pedra já tinha piorado muito e nós, o seu punhado de habitantes, esperávamos como fatalistas pelo dia da destruição, a cidade de madeira fez-se ao mar. (...) Isso aconteceu subitamente, como se embarcações de piratas tivessem aportado, pilhado um tesouro valioso e escapado com ele. (...) Deixei-me ficar na praia com alguns soldados angolanos e uma pequena multidão de crianças negras maltrapilhas e enregeladas. "Tiraram-nos tudo", disse um dos soldados sem azedume, e voltou-se para cortar um ananás, porque esse fruto era então o nosso único alimento. (...) Ali de pé, encantado com a ideia de que Angola lhe pertencia, disparou uma descarga inteira da sua espingarda automática para o ar. (...)
E agora a cidade de madeira navegava num Atlântico varrido por ondas violentas. Num ponto do oceano, deu-se a separação da cidade, e uma parte, a maior, dirigiu-se para Lisboa, uma outra para o Rio de Janeiro e a terceira foi para a cidade do Cabo. (...)
A cidade nómada sem telhados nem paredes, a cidade dos refugiados à volta do aeroporto, foi gradualmente desaparecendo. (...) Agora partiam vários aviões por dia - franceses, portugueses, russos e italianos. (...) Isto foi no início de Outubro. De dia para dia a cidade tornava-se cada vez mais deserta. (...) Cada vez mais lojistas fechavam os seu estabelecimentos. (...) Agora Luanda era a única cidade do mundo sem polícia. (...) Todos os bombeiros se foram embora! (...) Todos os lixeiros se foram embora! (...)
Os cães ainda estavam vivos. Eram animais de estimação abandonados pelos donos. Viam-se cães de todas as raças mais caras, boxers, buldogues, galgos, dobermanns, dachshunds, airedales, spaniels, até mesmo terriers escoceses e grand-danois, pugs e caniches. (...) Enquanto o exército português se manteve em Angola, os cães reuniam-se todas as manhãs na praça em frente ao quartel-general, e as sentinelas davam-lhes latas de rações de combate da NATO. Mais tarde, a matilha bem alimentada ia para o relvado macio e húmido dos jardins do Palácio do Governo. Começavam então uma surpreendente orgia sexual em massa, uma loucura excitada e infatigável, perseguindo-se e derrubando-se uns aos outros até à exaustão total. (...)
Quando o exército se foi embora, os cães começaram a passar fome e a emagrecer. (...) Um dia desapareceram. (...) Se foram para Norte, deram com a FNLA. Se foram para Sul, deram com a UNITA. (...) Depois do êxodo dos cães, a cidade caiu em rigor mortis. Por isso decidi ir para a linha da frente.»
[Mais um dia de vida - Angola 1975, Kapuscinski]
Cavalgaduras à solta
Aqui há anos, para cumprir ordens da troika, o Relvas ainda arriscou uns relinchos, sobre a necessária reforma administrativa. Mas mal o Ruas começou a rosnar, logo meteu a viola no saco. Limitou-se a anular inutilmente mil e tal freguesias, que era exactamente o que não devia ser feito.
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Cissiparidade
Cá em casa fala-se por vezes com algum sarcasmo sobre os eruditos. E há-de parecer que assim se lhes falta ao respeito, o que não é verdade. Aqui são tidos em grande apreço os eruditos a sério, os que abrem caminhos novos e desvendam horizontes, os que acendem luzes no nevoeiro, os que nos activam bóias de navegação, O que aqui se despreza com sarcasmo são os eruditos a fingir, aqueles que não cumprem a função, os que vivem para a carreira, os que defendem a cátedra, os que cuidam da vidinha. Apenas marcam terrenos, como fazem os cachorros, e levam-nos ao engano.
Quando se fala da história e da crítica dela, trazem sempre um argumento na ponta da língua: o anacronismo. Dizem eles, como quem descobre a pólvora, que um facto qualquer longínquo tem que ser analisado e visto com o espírito da época. O que é mais do que verdade. Desde que nos não capturem o juízo crítico, a visão da razão e o direito de julgar.
Um exemplo?! No séc. XVIII caravelas houve a transportar carradas de granito lusitano para a Amazónia, usado para construir fortins que a floresta ainda hoje por lá guarda. Isto hoje só tem um nome, com anacronismos ou sem eles: um despautério de paranóicos.
Mas a catilinária vem a propósito disto e dos 600 anos da ida a Ceuta. O autor remete mesmo para um textozinho seu que é parcial, contraditório, coxo e omisso em questões essenciais: por quem, porquê, com que fins e com que resultados.
Esta foi a sequência: a corte foi a Ceuta em 1415; só voltou a Marrocos, pela mão do Navegador, em 1437, para o desastre de Tânger; o Navegador, que era um crápula fanático e tinha na mão a riqueza maior dos Templários através da Ordem de Cristo, apenas salvou o pêlo comprometendo-se a devolver Ceuta em troca dum irmão, que por lá ficou como refém; o crápula não cumpriu, condenando o irmão ao sacrifício; em 1458, o Africano, um reizito juvenil manuseado pela fidalguia desocupada, acabou por tomar Alcácer Ceguer; em 1471 tomaria finalmente Arzila e Tânger; e em 1550, o rei João III abandonou as praças de Marrocos. Eram um fardo insuportável para o reino. E assim se passou um século de políticas falhadas.
Por essa altura já o reino era pequeno para submeter o Indostão, iludido pelo tráfico da pimenta. O escasso povo era arrebanhado pelas ruas, quando não era forçado às grilhetas, para povoar os porões das caravelas. Foi assim que alcunharam Portugal de país de marinheiros, e ainda hoje uns eruditos o repetem. Reproduzindo sem parar a mixórdia mental, por uma cissiparidade que nos é fatal.
Quando se fala da história e da crítica dela, trazem sempre um argumento na ponta da língua: o anacronismo. Dizem eles, como quem descobre a pólvora, que um facto qualquer longínquo tem que ser analisado e visto com o espírito da época. O que é mais do que verdade. Desde que nos não capturem o juízo crítico, a visão da razão e o direito de julgar.
Um exemplo?! No séc. XVIII caravelas houve a transportar carradas de granito lusitano para a Amazónia, usado para construir fortins que a floresta ainda hoje por lá guarda. Isto hoje só tem um nome, com anacronismos ou sem eles: um despautério de paranóicos.
Mas a catilinária vem a propósito disto e dos 600 anos da ida a Ceuta. O autor remete mesmo para um textozinho seu que é parcial, contraditório, coxo e omisso em questões essenciais: por quem, porquê, com que fins e com que resultados.
Esta foi a sequência: a corte foi a Ceuta em 1415; só voltou a Marrocos, pela mão do Navegador, em 1437, para o desastre de Tânger; o Navegador, que era um crápula fanático e tinha na mão a riqueza maior dos Templários através da Ordem de Cristo, apenas salvou o pêlo comprometendo-se a devolver Ceuta em troca dum irmão, que por lá ficou como refém; o crápula não cumpriu, condenando o irmão ao sacrifício; em 1458, o Africano, um reizito juvenil manuseado pela fidalguia desocupada, acabou por tomar Alcácer Ceguer; em 1471 tomaria finalmente Arzila e Tânger; e em 1550, o rei João III abandonou as praças de Marrocos. Eram um fardo insuportável para o reino. E assim se passou um século de políticas falhadas.
Por essa altura já o reino era pequeno para submeter o Indostão, iludido pelo tráfico da pimenta. O escasso povo era arrebanhado pelas ruas, quando não era forçado às grilhetas, para povoar os porões das caravelas. Foi assim que alcunharam Portugal de país de marinheiros, e ainda hoje uns eruditos o repetem. Reproduzindo sem parar a mixórdia mental, por uma cissiparidade que nos é fatal.
terça-feira, 18 de agosto de 2015
Roubado aí numa caixa de comentários
«JS [José Sócrates] a mim não tem de provar nada, rigorosamente nada ! O MP que o acusa de corrupção é que tem tudo para provar : tem de provar que a culpa existe, tem de provar que este processo não está encharcado de motivações politicas, tem de provar que a justiça não está refém das agendas corporativas dos seus agentes. E para isso a retórica processual não basta, as inferências não servem. É preciso o MP provar preto no branco quem, quando, onde e como, corrompeu o PM de Portugal. JS não tem de provar nada.»
Uma questão de umbigo
O poeta épico proclama o seu apoio ao "Pato Donald socialista" nas presidenciais. É certo que a candidata não tem qualquer hipótese de sucesso. Mas com isso dá ele mais um tiro nos pés de barro do Costa, e do PS, e do país.
Confesso que estou cansado destes burgueses de merda! Que medem o universo pelo tamanho do umbigo.
Confesso que estou cansado destes burgueses de merda! Que medem o universo pelo tamanho do umbigo.
"Qualquer Pato Donald teria 20% na sondagem"
A lista de Henrique Neto recebe apoios militantes do PPD, só para criar engulhos ao PS.
Para gáudio e benefício da direita, Dona Belém anuncia vagos planos de candidatura, propulsionada pela gentalha segurista saudosa do aparelho. Para meter farpas no Costa e no PS.
Em lugar de dar um murro na mesa, Costa eufemiza e adia, à espera de passar entre os pingos da chuva. Que provavelmente o vai molhar, tanto ou mais que a prisão preventiva de Sócrates, por razões claras de índole política.
Para gáudio e benefício da direita, Dona Belém anuncia vagos planos de candidatura, propulsionada pela gentalha segurista saudosa do aparelho. Para meter farpas no Costa e no PS.
Em lugar de dar um murro na mesa, Costa eufemiza e adia, à espera de passar entre os pingos da chuva. Que provavelmente o vai molhar, tanto ou mais que a prisão preventiva de Sócrates, por razões claras de índole política.
segunda-feira, 17 de agosto de 2015
Que mais queríamos nós?!
A implantação da República e o 25 de Abril de 74, que derrubou o fascismo indígena, foram factos determinantes do séc.XX português. A descolonização in extremis, e o consequente regresso à Praia das Lágrimas dum milhão de portugueses, numa onda de sofrimento e desespero indizíveis, foi a hecatombe do século.
A literatura já mostrara aos portugueses uma visão interna e magoada do que foi essa hecatombe, através deste Retorno da Dulce Maria Cardoso. E apresenta-lhes agora uma visão externa, objectiva, distanciada e crua, dum rigor e beleza difíceis de reunir. Que mais queríamos nós, se soubéssemos ler?!
«Durante três meses, vivi em Luanda, no Hotel Tivoli. (...) O Hotel Tivoli estava a rebentar pelas costuras e assemelhava-se às estações de caminho de ferro polacas logo após a Segunda Guerra Mundial: cheio de gente que oscilava entre a agitação e a apatia, carregando trouxas atadas com cordas. (...)
Todos os fins de tarde, um avião sobrevoava a cidade e lançava panfletos. O avião estava pintado de preto e não tinha luzes nem marcas. Nos panfletos afirmava-se que o exército de Holden Roberto estava às portas da cidade, e que entraria na capital em breve, talvez no dia seguinte. Para facilitar a conquista, encorajava-se o povo a matar todos os russos, húngaros e polacos, que comandavam as unidades do MPLA e eram a causa da guerra e de todos os infortúnios que assolavam a infeliz nação. Isto aconteceu em Setembro, quando em Angola inteira havia uma única pessoa da Europa de Leste: eu. (...) Luanda não estava a morrer da forma que as nossas cidades polacas morreram na última guerra. (...) A cidade estava a morrer como morre um oásis quando o poço seca: esvaziou-se, prostrou-se inanimada, caiu no esquecimento. (...) Toda a gente estava cheia de pressa, toda a gente se ia embora. Toda a gente tentava apanhar o avião seguinte para a Europa, para a América, para qualquer lado. Convergiam para Luanda portugueses de todos os cantos de Angola. Caravanas de automóveis carregados com pessoas e bagagem chegavam dos cantos mais remotos do país. Os homens traziam a barba por fazer, as mulheres vinham despenteadas e amarrotadas, as crianças sujas e cheias de sono. (...) A princípio iam para os hotéis de Luanda, mas mais tarde, quando já não havia vagas, seguiam directamente para o aeroporto. Uma cidade nómada, sem ruas nem casas, despontou à volta do aeroporto. As pessoas viviam ao ar livre, permanentemente encharcadas, porque não parava de chover. Viviam agora em piores condições do que os negros no bairro africano próximo do aeroporto, mas encaravam a situação com apatia, com uma resignação desanimada, não sabendo quem amaldiçoar pela sua má sorte. Salazar morrera, Caetano tinha ido para o Brasil, e o governo em Lisboa mudava constantemente. A culpa de tudo era da revolução, atiravam eles, porque antes estavam em paz. Agora o governo prometera a liberdade aos pretos e os pretos tinham-se desavindo entre si, queimando e matando. (...)
Meu caro senhor, só lhe digo o seguinte: perdi o fruto duma vida de trabalho. Além disso, lá onde vivíamos, em Lumbala, dois soldados da UNITA agarraram-me pelo cabelo, enquanto outro me apontava uma arma aos olhos. É razão suficiente para perder o juízo. (...)»
[Mais um dia de vida - Angola 1975, Kapuscinski]
A literatura já mostrara aos portugueses uma visão interna e magoada do que foi essa hecatombe, através deste Retorno da Dulce Maria Cardoso. E apresenta-lhes agora uma visão externa, objectiva, distanciada e crua, dum rigor e beleza difíceis de reunir. Que mais queríamos nós, se soubéssemos ler?!
«Durante três meses, vivi em Luanda, no Hotel Tivoli. (...) O Hotel Tivoli estava a rebentar pelas costuras e assemelhava-se às estações de caminho de ferro polacas logo após a Segunda Guerra Mundial: cheio de gente que oscilava entre a agitação e a apatia, carregando trouxas atadas com cordas. (...)
Todos os fins de tarde, um avião sobrevoava a cidade e lançava panfletos. O avião estava pintado de preto e não tinha luzes nem marcas. Nos panfletos afirmava-se que o exército de Holden Roberto estava às portas da cidade, e que entraria na capital em breve, talvez no dia seguinte. Para facilitar a conquista, encorajava-se o povo a matar todos os russos, húngaros e polacos, que comandavam as unidades do MPLA e eram a causa da guerra e de todos os infortúnios que assolavam a infeliz nação. Isto aconteceu em Setembro, quando em Angola inteira havia uma única pessoa da Europa de Leste: eu. (...) Luanda não estava a morrer da forma que as nossas cidades polacas morreram na última guerra. (...) A cidade estava a morrer como morre um oásis quando o poço seca: esvaziou-se, prostrou-se inanimada, caiu no esquecimento. (...) Toda a gente estava cheia de pressa, toda a gente se ia embora. Toda a gente tentava apanhar o avião seguinte para a Europa, para a América, para qualquer lado. Convergiam para Luanda portugueses de todos os cantos de Angola. Caravanas de automóveis carregados com pessoas e bagagem chegavam dos cantos mais remotos do país. Os homens traziam a barba por fazer, as mulheres vinham despenteadas e amarrotadas, as crianças sujas e cheias de sono. (...) A princípio iam para os hotéis de Luanda, mas mais tarde, quando já não havia vagas, seguiam directamente para o aeroporto. Uma cidade nómada, sem ruas nem casas, despontou à volta do aeroporto. As pessoas viviam ao ar livre, permanentemente encharcadas, porque não parava de chover. Viviam agora em piores condições do que os negros no bairro africano próximo do aeroporto, mas encaravam a situação com apatia, com uma resignação desanimada, não sabendo quem amaldiçoar pela sua má sorte. Salazar morrera, Caetano tinha ido para o Brasil, e o governo em Lisboa mudava constantemente. A culpa de tudo era da revolução, atiravam eles, porque antes estavam em paz. Agora o governo prometera a liberdade aos pretos e os pretos tinham-se desavindo entre si, queimando e matando. (...)
Meu caro senhor, só lhe digo o seguinte: perdi o fruto duma vida de trabalho. Além disso, lá onde vivíamos, em Lumbala, dois soldados da UNITA agarraram-me pelo cabelo, enquanto outro me apontava uma arma aos olhos. É razão suficiente para perder o juízo. (...)»
[Mais um dia de vida - Angola 1975, Kapuscinski]
"Complexo pombalino"
« (...) No final do séc. XVIII, após 250 anos de domínio exclusivo da Igreja Católica na formação da mentalidade colectiva portuguesa, (…) Portugal reconheceu a sua pobreza intrínseca – o comércio urbano e as exportações encontravam-se nas mãos dos ingleses, o pão era confeccionado com farinha branca inglesa, o carvão importado da Inglaterra, os trajes tecidos de seda de Lyon e das fazendas dos teares de Manchester, a louça provinda de Itália, as berlindas armadas em Paris, escolas públicas inexistentes, estradas reais inexistentes, (…). Pela Europa culta ostentavam-se os espectáculos públicos nacionais como exemplos de barbárie e superstição: autos-de-fé, procissões penitenciais e touradas. O Marquês de Pombal reagiu a esta situação catastrófica revolucionando o todo de Portugal – tesouro régio, educação, economia, urbanismo – assente na profunda convicção de que a Portugal nada faltava para ser igual aos restantes países, caso se alterasse o perfil das elites, insuflando-lhes um banho de Europa. [Miguel Real, Nova Teoria do Sebastianismo]
Faltou apenas dizer que Portugal esteve outra vez a um passo de romper com o seu fadário malsão. Tivesse isso acontecido, e era a presente a verdadeira ínclita geração, que finalmente acertou contas com uma história falhada. Mas não! As elites trucidaram o marquês novo com a Operação Marquês velho.
Isso não teve o Real tomates para o assumir, porque o preço era elevado.
Faltou apenas dizer que Portugal esteve outra vez a um passo de romper com o seu fadário malsão. Tivesse isso acontecido, e era a presente a verdadeira ínclita geração, que finalmente acertou contas com uma história falhada. Mas não! As elites trucidaram o marquês novo com a Operação Marquês velho.
Isso não teve o Real tomates para o assumir, porque o preço era elevado.
Fedores
Gosto de tudo o que fede a terebentina. Só por causa dos comboios, e das travessas das estações antigas.
domingo, 16 de agosto de 2015
sábado, 15 de agosto de 2015
Golpe de estado judicial
Este acórdão do TC, embrulhado em retórica manhosa, abre o atalho que fazia falta para condenar José Sócrates sem prova.
« (...) a presunção de inocência resulta ilidida (?!) por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do réu.»
« (...) a presunção de inocência resulta ilidida (?!) por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do réu.»
Kassinga
Sobra-me nos arquivos da memória o recorte dum monte, escuro e negro, a ocupar ao longe o horizonte. Um monte feito de ferro. As máquinas chegavam, amarelas, a empurrar umas pás, e despejavam-nas em vagonetas que serpenteavam nuns carris. Depois paravam num cais onde resfolegava uma locomotiva, à frente duma centopeia de vagões. Levava os minérios para o Lobito, numa linha de bitola estreita. e lá os embarcavam para o Japão.
Eu chegara ali na véspera, com um amigo, ao fim de dois dias de viagem por sertões, num Morris Mini que viera de Lisboa. Ele entrara de férias e aproveitava para visitar o pai, a trabalhar ali no estaleiro na manutenção das máquinas. E eu aguardava transporte, evacuado para o Hospital da Estrela, depois dum berbicacho muito sério.
De Carmona até Nova Lisboa foi um dia, por estradas e rectas que não tinham fim. Mal dormidos numa pensão manhosa, no dia seguinte arrancámos para Sul. As estradas boas acabaram, era apenas questão de seguirmos o mapa e acertar com a picada e com a bússola. Atravessámos um rio transparente numa ponte de troncos de madeira, e entrámos num mar de areia onde a caravela assentou a barriga. Mas o carrito portou-se como um herói e retomou, até que o pai do meu amigo lhe limpou o motor.
Chegámos ao fim do dia e eu deitei-me, de exaustão. Quando acordei, a tarde seguinte estava a terminar. E da viagem de regresso não guardo qualquer lembrança. Porque odisseias a dobrar não contam.
Eu chegara ali na véspera, com um amigo, ao fim de dois dias de viagem por sertões, num Morris Mini que viera de Lisboa. Ele entrara de férias e aproveitava para visitar o pai, a trabalhar ali no estaleiro na manutenção das máquinas. E eu aguardava transporte, evacuado para o Hospital da Estrela, depois dum berbicacho muito sério.
De Carmona até Nova Lisboa foi um dia, por estradas e rectas que não tinham fim. Mal dormidos numa pensão manhosa, no dia seguinte arrancámos para Sul. As estradas boas acabaram, era apenas questão de seguirmos o mapa e acertar com a picada e com a bússola. Atravessámos um rio transparente numa ponte de troncos de madeira, e entrámos num mar de areia onde a caravela assentou a barriga. Mas o carrito portou-se como um herói e retomou, até que o pai do meu amigo lhe limpou o motor.
Chegámos ao fim do dia e eu deitei-me, de exaustão. Quando acordei, a tarde seguinte estava a terminar. E da viagem de regresso não guardo qualquer lembrança. Porque odisseias a dobrar não contam.
Bicarbonato
Sobre o lastro duma opinião geral esparvoada, quando não iletrada, quando não sonâmbula, adicionar uma elite decadente e viciada por séculos de anomia parasita; um governo que é uma tropilha fandanga de avantesmas ignorantes, de mentirosos relapsos, de sipaios dum sertão; uma máquina de propaganda, distracção e desinformação montada segundo os manuais; uma comunicação que trombeteia fielmente a voz dos donos; um jornalismo amedrontado e precário, e avençado quando não é mercenário; uma oposição sectária e colaboracionista, com a máscara da esquerda verdadeira.
Não tomes bicarbonato e depois queixa-te da azia no piquenique de Outubro!
Não tomes bicarbonato e depois queixa-te da azia no piquenique de Outubro!
quinta-feira, 13 de agosto de 2015
quarta-feira, 12 de agosto de 2015
Eis no que acaba a política destes filhos da puta sem nome!
Naquilo que primeiro destruíram, e agora gostariam de recuperar.
Umbigos
« (...) A candidatura de Maria de Belém é mais uma brincadeira de mau gosto de políticos que pertencem a uma certa burguesia política, que, ganhando quase 20.000 euros em Estrasburgo ou com rendimentos garantidos em Portugal, estão mais preocupados com a grandeza ridículo do seu umbigo do que com o que o povo português sofreu ou pode vir a sofrer ainda, graças às suas manobras canalhas.
Ou estou muito enganado ou será desta vez que os eleitores do PS deixam de o ser. A candidatura de Belém, lançada pelo Correio da Manhã, e apoiada pelo Observador desde que o Henrique Neto se cansou, é uma manobra da direita e não admira que seja a jogada de uma certa direita do PS que bem podia ser a ala do centro do PAF.»
Estocolmo
Um país pode ser vítima duma história desgraçada, Portugal é-o há séculos.
Um povo pode tornar-se um rebanho tresmalhado, nas mãos de elites falsas, venais e decadentes.
Um espírito que padece da síndrome de Estocolmo, em que a vítima incorpora e se irmana com o carrasco, é um mecanismo alienado e doente. Mete dó e exige cuidados médicos, para não merecer o que tem.
Um povo pode tornar-se um rebanho tresmalhado, nas mãos de elites falsas, venais e decadentes.
Um espírito que padece da síndrome de Estocolmo, em que a vítima incorpora e se irmana com o carrasco, é um mecanismo alienado e doente. Mete dó e exige cuidados médicos, para não merecer o que tem.
terça-feira, 11 de agosto de 2015
E nós contigo!
Ó Costa! "Esquecer Sócrates na prisão é esquecer o partido, a justiça e a democracia."(duma caixa de comentários).
Logo depois apanhas com a Belém, e aí morderás o pó do chão. E nós contigo!
Logo depois apanhas com a Belém, e aí morderás o pó do chão. E nós contigo!
Direitos de pernada
O Firmino tinha uma vida composta, já que se escapava à fome e às penúrias maiores. Passava os dias nos jardins do conde, era jornaleiro a tempo inteiro, tinha mesmo folha permanente nos orçamentos da casa. Um tal contrato sem termo era coisa nunca vista. Só muito tempo mais tarde vim a perceber porquê..
Há um século, uma criada de dentro resolveu casar. E o conde velho, que já mijava nas botas, cedeu os direitos de pernada a um irmão mais novato, que vivia no solar. O fruto desse exercício era o exacto Firmino, algo tosco, algo confuso, um arbusto do jardim. Mas foi desse parentesco que ele herdou o estatuto, o salário e o favor. Até que um dia morreu.
As aparências são outras. Mas foi sempre este o fadário talhado, que há uns anos esteve para mudar e não mudou.
Há um século, uma criada de dentro resolveu casar. E o conde velho, que já mijava nas botas, cedeu os direitos de pernada a um irmão mais novato, que vivia no solar. O fruto desse exercício era o exacto Firmino, algo tosco, algo confuso, um arbusto do jardim. Mas foi desse parentesco que ele herdou o estatuto, o salário e o favor. Até que um dia morreu.
As aparências são outras. Mas foi sempre este o fadário talhado, que há uns anos esteve para mudar e não mudou.
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
Táketó mau!
Numa atitude de explícita provocação, um grupo de fascistas acorreu à prisão de Évora, e já tardava. Excelente ocasião para a polícia exercitar umas bastonadas oportunas e exemplares. Porém com quê?! Com dez frangos e sem direito a reforços, por falência de efectivos?! Para proteger a lei e a normalidade social?! Por causa dum cidadão preso preventivamente sem acusação há quase um ano, por vergonhosas razões de natureza política?! Táketó mau! Este caminho de decadência e achincalhamento da pátria é multifacetado e muito antigo, e serve à maravilha as pseudo-elites dela.
«Apoiantes e opositores de José Sócrates cruzaram-se ontem à tarde junto à prisão de Évora, em duas manifestações, e, com os ânimos exaltados, trocaram alguns insultos. De um lado, cerca de 30 pessoas afectas ao Partido Nacional Renovador (PNR) gritavam “Nacionalismo sempre” e “Sócrates ladrão”.
Por outro lado, outros tantos apoiantes do antigo primeiro-ministro, detido preventivamente
na cadeia de Évora, entoavam “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”.
Os elementos do PNR estavam concentrados à porta da prisão desde a hora de almoço, hora de início da manifestação que convocaram, enquanto os apoiantes do antigo chefe de governo estavam afastados algumas centenas de metros, numa manifestação marcada
pelo Movimento Cívico José Sócrates Sempre. Por duas vezes, pessoas afectas ao PNR subiram para cima de uma carrinha que transportava um cartaz com a imagem de José Sócrates e colaram autocolantes, empunharam bandeiras e gritaram palavras de ordem, (...)» [PÚBLICO]
«Apoiantes e opositores de José Sócrates cruzaram-se ontem à tarde junto à prisão de Évora, em duas manifestações, e, com os ânimos exaltados, trocaram alguns insultos. De um lado, cerca de 30 pessoas afectas ao Partido Nacional Renovador (PNR) gritavam “Nacionalismo sempre” e “Sócrates ladrão”.
Por outro lado, outros tantos apoiantes do antigo primeiro-ministro, detido preventivamente
na cadeia de Évora, entoavam “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”.
Os elementos do PNR estavam concentrados à porta da prisão desde a hora de almoço, hora de início da manifestação que convocaram, enquanto os apoiantes do antigo chefe de governo estavam afastados algumas centenas de metros, numa manifestação marcada
pelo Movimento Cívico José Sócrates Sempre. Por duas vezes, pessoas afectas ao PNR subiram para cima de uma carrinha que transportava um cartaz com a imagem de José Sócrates e colaram autocolantes, empunharam bandeiras e gritaram palavras de ordem, (...)» [PÚBLICO]
domingo, 9 de agosto de 2015
Divagações
Fui surpreendido há dias por uma útil tertúlia de eruditos, a divagar na rádio sobre o Padre António Vieira. Partiam de Saramago, e dum comentário seu sobre o "imperador da língua", nos Cadernos de Lançarote. O que ouvi deixou-me embasbacado. Pois custa muito assistir a desconchavos donde eles menos se esperam.
Os eruditos misturavam alegremente o Vieira literato, sermonista e cultor maior da língua, com o Vieira jesuíta e o Vieira visionário, messiânico, utópico e nefelibata. Vamos lá então por partes!
O Vieira literato não tem discussão, é realmente o "imperador da língua". O Vieira jesuíta é para esquecer, como todos. O Vieira anti-esclavagista é uma idiotice. O Vieira amiguinho dos índios do sertão é um mito. (Apenas se levantou contra os bandeirantes broncos e sanguinários, por demorarem demais a perceber que não era possível domesticar os índios, como os pretos do Congo. Os índios preferiam morrer, a submeter-se à escravidão dos engenhos. E os jesuítas sabiam que apenas eram manuseáveis pelo encantamento dos rituais. Os cânticos, o brilho das luzes e o esplendor dos cultos foi a arma de que se serviram para os pastorear nos ajuntamentos católicos.) O Vieira visionário e messiânico do V Império é uma béstia mentalmente nociva, precursora de muitas outras que aí andam. O Vieira da Clavis Prophetarum e da História do Futuro, que anteviu as ONU's e a união dos povos da Europa, é um desejo tomado como realidade, por estes licenciados de Bolonha.
Salva-se o Vieira diplomata, de que não ouvi falar. O dos muitos serviços que prestou por essa Europa, à corte e à afirmação da dinastia do Rei Restaurador. E o dos heterodoxos e bons conselhos que lhe deu (tardios infelizmente), sobre as relações com a Holanda, e mormente com os judeus que lá viviam. Isso a Inquisição não perdoou.
Os eruditos misturavam alegremente o Vieira literato, sermonista e cultor maior da língua, com o Vieira jesuíta e o Vieira visionário, messiânico, utópico e nefelibata. Vamos lá então por partes!
O Vieira literato não tem discussão, é realmente o "imperador da língua". O Vieira jesuíta é para esquecer, como todos. O Vieira anti-esclavagista é uma idiotice. O Vieira amiguinho dos índios do sertão é um mito. (Apenas se levantou contra os bandeirantes broncos e sanguinários, por demorarem demais a perceber que não era possível domesticar os índios, como os pretos do Congo. Os índios preferiam morrer, a submeter-se à escravidão dos engenhos. E os jesuítas sabiam que apenas eram manuseáveis pelo encantamento dos rituais. Os cânticos, o brilho das luzes e o esplendor dos cultos foi a arma de que se serviram para os pastorear nos ajuntamentos católicos.) O Vieira visionário e messiânico do V Império é uma béstia mentalmente nociva, precursora de muitas outras que aí andam. O Vieira da Clavis Prophetarum e da História do Futuro, que anteviu as ONU's e a união dos povos da Europa, é um desejo tomado como realidade, por estes licenciados de Bolonha.
Salva-se o Vieira diplomata, de que não ouvi falar. O dos muitos serviços que prestou por essa Europa, à corte e à afirmação da dinastia do Rei Restaurador. E o dos heterodoxos e bons conselhos que lhe deu (tardios infelizmente), sobre as relações com a Holanda, e mormente com os judeus que lá viviam. Isso a Inquisição não perdoou.
Calhandros
A segunda criação das andorinhas no alpendre tem três bicos. Aumenta a urgência de pasta de mosquitos que os infantes não cessam de reclamar, e os pais recorreram ao assistencialismo: uma legião de amigos anda numa fona a alimentá-los.
Entretanto os calhandros duplicaram, alguém os há-de limpar. É o que pensam estes maganões, alheios a silogismos ambientalistas.
Entretanto os calhandros duplicaram, alguém os há-de limpar. É o que pensam estes maganões, alheios a silogismos ambientalistas.
sábado, 8 de agosto de 2015
Patriot Act, lembras-te?!
Em 2001 foi ele o resultado imediato da implosão das Torres Gémeas, em nome do COMBATE AO TERROR. Em 2008, na voz deste falcão, era já "a natureza do mundo em que vivemos". Pois pudera, que isto anda tudo ligado!
Dick Cheney, vice-presidente de Bush Jr., que recordava em 2008 que o Presidente dos EUA tem o poder de “desencadear um ataque devastador como o mundo nunca viu [sem] precisar de consultar ninguém, sem precisar de convocar o Congresso, sem precisar de o comunicar ao poder judicial”. Na peculiar explicação de Cheney, “esta prerrogativa decorre da natureza do mundo em que vivemos”...
Dick Cheney, vice-presidente de Bush Jr., que recordava em 2008 que o Presidente dos EUA tem o poder de “desencadear um ataque devastador como o mundo nunca viu [sem] precisar de consultar ninguém, sem precisar de convocar o Congresso, sem precisar de o comunicar ao poder judicial”. Na peculiar explicação de Cheney, “esta prerrogativa decorre da natureza do mundo em que vivemos”...
Se ela não fosse já uma vergonha, esta Europa teria vergonha de si própria
Vincent Cochetel é um veterano de 30 anos da agência da ONU para os refugiados, mas a situação que encontrou nas ilhas gregas, o ponto da Europa onde este ano já chegaram mais refugiados, desafia todas as descrições: “O nível de sofrimento que vimos nas ilhas é insuportável. As pessoas vão para lá a pensar que chegaram à União Europeia. Mas a forma como são tratadas é inaceitável. É um caos total.”
O afluxo gigantesco de refugiados vai em 124 mil pessoas desde o início do ano, segundo as contas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. 50 mil deles chegaram só em Julho — afirmou Cochetel, em Genebra.
Após ter visitado as ilhas de Lesbos, Kos e Chios, onde chega a maioria destes imigrantes — vindos sobretudo da Síria e do Afeganistão — após uma curta viagem por mar a partir da Turquia e uma longa viagem por terra, Chochetel viu como “não há instalações nem estruturas para receber estas pessoas“. “Não há água, sanitários, assistência alimentar, locais para se abrigarem.” Depois as pessoas partem para Atenas, “mas também não há nada lá para elas”.
“O fluxo de imigrantes está para além do que a nossa infra-estrutura estatal pode aguentar”, afirmou Tsipras, apelando ao apoio da UE. “Vamos a ver se a UE é de solidariedade ou só quer proteger as fronteiras”, desafiou. (...)
“Dissemos às autoridades gregas que, se fosse um desastre natural, seriam mobilizados outros meios, incluindo do Ministério da Defesa. Então, chamemos-lhe uma emergência da protecção civil. Há muitos quartéis vazios na Grécia que podem ser alugados”, afirmou Cochetel. [in PÚBLICO]
O afluxo gigantesco de refugiados vai em 124 mil pessoas desde o início do ano, segundo as contas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. 50 mil deles chegaram só em Julho — afirmou Cochetel, em Genebra.
Após ter visitado as ilhas de Lesbos, Kos e Chios, onde chega a maioria destes imigrantes — vindos sobretudo da Síria e do Afeganistão — após uma curta viagem por mar a partir da Turquia e uma longa viagem por terra, Chochetel viu como “não há instalações nem estruturas para receber estas pessoas“. “Não há água, sanitários, assistência alimentar, locais para se abrigarem.” Depois as pessoas partem para Atenas, “mas também não há nada lá para elas”.
“O fluxo de imigrantes está para além do que a nossa infra-estrutura estatal pode aguentar”, afirmou Tsipras, apelando ao apoio da UE. “Vamos a ver se a UE é de solidariedade ou só quer proteger as fronteiras”, desafiou. (...)
“Dissemos às autoridades gregas que, se fosse um desastre natural, seriam mobilizados outros meios, incluindo do Ministério da Defesa. Então, chamemos-lhe uma emergência da protecção civil. Há muitos quartéis vazios na Grécia que podem ser alugados”, afirmou Cochetel. [in PÚBLICO]
sexta-feira, 7 de agosto de 2015
Uma pontinha do véu
Ou da fralda da camisa... ou do caralho mais velho em que isto anda transformado.
"Jornalismo mágico"
A Tinta da China editou em 2013 esta obra do polaco Kapuscinski, "unanimemente considerado o grande autor da reportagem literária". "Colaborou com vários órgãos de comunicação, mas distinguiu-se enquanto correspondente da agência noticiosa polaca, a PAP: ao longo de dez anos cobriu cinquenta países. Viveu vinte e sete revoluções e golpes de estado, foi preso cerca de quarenta vezes e sobreviveu a quatro sentenças de morte. Assistiu ao golpe de estado do Chile (1973) e à revolução do Irão (1979). Os seus trabalhos mais conhecidos datam dos anos que passou em África, nas décadas de 1960 e 1970, onde assistiu em primeira mão ao fim dos impérios coloniais europeus. (...) Morreu em 2007".
Para um povo que arrastou até ao naufrágio a mó de moinho do império pendurada ao pescoço, esta edição seria uma epifania. Só o não é porque os portugueses não aprenderam a ler, nem querem aprender, nem estão autorizados a aprendê-lo, nas mãos de elites venais, corruptas e decadentes, que os tratam como gado.
Discurso duma beleza e perfeição que faz inveja, servido por uma tradução irrepreensível de Ana Saldanha. A ele havemos de voltar.
quinta-feira, 6 de agosto de 2015
Crime inominável, com gatilhada apontada a Moscovo
[imagem de teste nuclear em Bikini]
HIROSHIMA 06Agosto1945, 08:15
« (...) uma bola de fogo que consumiu toda a cidade. A temperatura junto ao solo atingiu 4000 graus Celsius. Três dias depois, outra bomba foi lançada sobre Nagasáqui. Estima-se que tenham morrido 450 mil pessoas, em consequência destas duas bombas atómicas. (...)»
Verborreia
Padece a vida de muitas inflamações, várias gangrenas e algumas febres malsãs, uma delas a da verborreia que aí anda. Nunca se pretendeu vozear tanto, quando tão pouco é ouvido. Lido, esse então, nem se fala!
Cá em casa já se passou a usar um anti-inflamatório. Quotidiano.
Cá em casa já se passou a usar um anti-inflamatório. Quotidiano.
segunda-feira, 3 de agosto de 2015
País exemplar
Dez por cento do PIB nacional esteve ontem no casamento de Serralves. Dum empresário da bola. E eles a darem-lhe, com a treta da austeridade!
Quem encontrei na Ribeira, verdíssimo de inveja, foi o salafrário do Trimalquião.
Quem encontrei na Ribeira, verdíssimo de inveja, foi o salafrário do Trimalquião.
Porto
O bairro rumoreja em seu sossego (o nome é outro), e anda a acordar muito tarde.
A papelaria baixou a cortina derradeira. Ao lado abriu a peixaria congelada, que tem os dias contados.
A papelaria baixou a cortina derradeira. Ao lado abriu a peixaria congelada, que tem os dias contados.
domingo, 2 de agosto de 2015
Guerras de guerrilha
O homem andava a capinar a berma dum caminho, à beira do matagal. E as bichas, enterradas na trincheira, fizeram-lhe a emboscada. Espetaram-lhe na cara uns ferrões de 6 milímetros.
A dor foi excruciante e o edema do veneno não parava de alastrar. O homem lá subiu para a camioneta, à procura do Centro de Saúde. O médico injectou-lhe nas veias um antídoto eficaz e a glote não fechou.
A vespa asiática, ou veludina, ou assassina tem o dobro do tamanho das abelhas indígenas, e é delas que se alimenta. Veio do Oriente mais extremo, aprendeu as tácticas da guerrilha num livro já velho do Mao Tse Tung, meteu os pés ao caminho e chegou cá, por itinerários de terra queimada. Pelos vistos não quer outra coisa.
Constrói favos de madeira triturada em pontos altos, ou enterra-se nas furnas e cavernas. Captura as abelhas à entrada das colmeias, quando elas chegam carregadas de pólenes, no voo lento da aproximação. Decapita-as e desmembra-as. E junta em casa as carcaças, para engordar a criação.
Já houve gente que se lhes finou às mãos, e só bombeiros as vencem a maçarico.
Mais que razão tinha o outro quando disse: - Que bem que tá-se no campo! O pior são as formigas!
A dor foi excruciante e o edema do veneno não parava de alastrar. O homem lá subiu para a camioneta, à procura do Centro de Saúde. O médico injectou-lhe nas veias um antídoto eficaz e a glote não fechou.
A vespa asiática, ou veludina, ou assassina tem o dobro do tamanho das abelhas indígenas, e é delas que se alimenta. Veio do Oriente mais extremo, aprendeu as tácticas da guerrilha num livro já velho do Mao Tse Tung, meteu os pés ao caminho e chegou cá, por itinerários de terra queimada. Pelos vistos não quer outra coisa.
Constrói favos de madeira triturada em pontos altos, ou enterra-se nas furnas e cavernas. Captura as abelhas à entrada das colmeias, quando elas chegam carregadas de pólenes, no voo lento da aproximação. Decapita-as e desmembra-as. E junta em casa as carcaças, para engordar a criação.
Já houve gente que se lhes finou às mãos, e só bombeiros as vencem a maçarico.
Mais que razão tinha o outro quando disse: - Que bem que tá-se no campo! O pior são as formigas!
O que anda p'raí!
Manhã duma serenidade inimitável. Tanta é que se duvida dela. Só uns don-quixotes rodam pachorrentos ao canto do horizonte.
O melhor é ir à caminhada e passar pelo concílio dos deuses. A ver o que anda p'raí.
O melhor é ir à caminhada e passar pelo concílio dos deuses. A ver o que anda p'raí.
Livre-arbítrio e factura
Grazinavam as andorinhas, há dias, ao canto do alpendre, estava a cair a noite. Analisavam a crise, e os caprichos do FMI, e as congestões da Europa com esta azia da Grécia. O pai argumentou mesmo que o comité central da China, após décadas de filho único e milhões de bebés-fêmea liquidados, já decretou a lei do filho duplo.
Hoje andam cascas de ovo pelo chão. Sinal de que se arriscaram à segunda criação, que o solstício vai alto.
Não saberão desses engarrafamentos de barcos-tumba no Mediterrâneo?! O livre-arbítrio é delas e a factura respectiva. E assim é que deve ser!
Hoje andam cascas de ovo pelo chão. Sinal de que se arriscaram à segunda criação, que o solstício vai alto.
Não saberão desses engarrafamentos de barcos-tumba no Mediterrâneo?! O livre-arbítrio é delas e a factura respectiva. E assim é que deve ser!
sábado, 1 de agosto de 2015
Duas questões nada retóricas
Primeira - Mas que putedo é este que anda aqui?!
Segunda - O que é que alguém espera ainda da borra maoísta de há uns anos?!
Segunda - O que é que alguém espera ainda da borra maoísta de há uns anos?!
Hackers caseiros
Apareceu-me à tarde, no telefone fixo. A falar um inglês de cafre, podia muito bem estar fechado numa tenda, no deserto do Colorado. Disse-me que vinha da parte da Microsoft.
Porque o meu computador estava em grande risco, assediado por uns hackers, se eu sabia o que isso era. Daquele tipo da formiga-legionária. E era justamente o que ele pretendia, ajudar-me a fugir a riscos sérios. Porque dentro duma hora a máquina ia crashar. Precisava só duns dados meus, para entrar nela e poder intervir.
Eu pouco ou nada entendo de computadores, nem quero perceber mais. E com razão ou sem ela confio-me no Kaspersky. Apurei-me na pronúncia e mandei-o ali foder. Ele anda agora a bater a outras portas!
Porque o meu computador estava em grande risco, assediado por uns hackers, se eu sabia o que isso era. Daquele tipo da formiga-legionária. E era justamente o que ele pretendia, ajudar-me a fugir a riscos sérios. Porque dentro duma hora a máquina ia crashar. Precisava só duns dados meus, para entrar nela e poder intervir.
Eu pouco ou nada entendo de computadores, nem quero perceber mais. E com razão ou sem ela confio-me no Kaspersky. Apurei-me na pronúncia e mandei-o ali foder. Ele anda agora a bater a outras portas!
Ruínas e escuridão
Há múltiplas variantes de ruína cívica e escuridão mental. A mais negra delas todas é aquela avalizada por comendas do poder.
Intervilas
O comboio era intercidades mas agora é intervilas. Há três dias que não passa de Mortágua, porque uma bisarma de rolos de papel descarrilou na linha. Cinco autocarros levam os passageiros até Coimbra B. Como quem transporta gado. Há velhos a ruminar, e casais meio sonâmbulos, e crianças que pedem gelados, afogadas em calor. As armadas da Índia eram assim, na ida e mais no regresso.
Depois há-de vir um Alfa a assobiar de Braga, que provavelmente vai parar em Faro antes da meia-noite. É o que me interessa saber.
Andou muito bem, há dias, um vilão desqualificado, ao lembrar que os portugueses não comem autoestradas nem dívidas, nem comboios de alta velocidade. Tem ele muita razão, são intragáveis em qualquer dieta!
Depois há-de vir um Alfa a assobiar de Braga, que provavelmente vai parar em Faro antes da meia-noite. É o que me interessa saber.
Andou muito bem, há dias, um vilão desqualificado, ao lembrar que os portugueses não comem autoestradas nem dívidas, nem comboios de alta velocidade. Tem ele muita razão, são intragáveis em qualquer dieta!
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