Ou a história tornada compreensível.
(...) Bartolomeo Marchionni era um florentino radicado em Lisboa. Além de ser dono dum banco em Florença, traficava marfim, ouro e escravos na costa de África. Depois entrou numa empreitada mais arriscada: tornou-se o maior financiador privado da expedição de Pedro Álvares Cabral à Índia. Mas a frota fez uma escala de duas semanas na costa da América do Sul, assim descobrindo o Brasil a 21 de Abril de 1500, onde atracaram num lugar que depois se chamaria Porto Seguro.
Cabral, um jovem capitão de 33 anos, tinha acertado um pagamento de dez mil cruzados pela empreitada. O seu objectivo era buscar os lucros de um negócio que prometia ser o mais rentável da história: o comércio de especiarias orientais, sem os intermediários árabes.
As especiarias passavam por dezenas de intermediários, no caminho entre a origem, no Sul da Ásia, e a Europa. Os indianos levavam à península arábica o cravo, a canela, a noz moscada, a pimenta. Daí seguiam em caravanas de camelo até Alexandria, no Egipto. E eram sobretudo os venezianos que os faziam cruzar o Mediterrâneo. Tinham negociado um monopólio com os egípcios, e só ancorava em Alexandria quem fosse veneziano. Não foi por acaso que Veneza se tornou no que foi. Também chegavam especiarias à Europa via Constantinopla. Mas em 1453 os otomanos tomaram conta da cidade e fecharam esse comércio.
O único caminho de acesso directo às especiarias da Índia era contornar a África, se isso fosse possível. Em 1488 Bartolomeu Dias passou o Cabo das Tormentas. E D.João II rebaptizou-o da Boa Esperança, na esperança de "pôr as mãos na garganta de Veneza", como diziam então alguns fidalgos portugueses.
Em 1498 Vasco da Gama chegou a Calecute, o centro fundamental do comércio de especiarias na costa Oeste da Índia. O samorim fez saber claramente aos portugueses: ou traziam ouro e prata para as pagar, ou não haveria negócio. O Gama regressou a Lisboa com dois dos quatro barcos que haviam partido, e 55 dos seus 170 homens. Mas valeria a pena: um saco de pimenta custava 16 ducados em Veneza, e saía pelo equivalente a dois, em Calecute.
Isso levou o rei D. Manuel a enviar à Índia uma segunda expedição, a de Cabral, logo em 1500. Treze navios e 1500 homens. O problema é que isso custava mais do que a Coroa podia pagar. D. Manuel precisava de ajuda, pois já a primeira expedição do Gama contara com dinheiro privado. Sem o dinheiro investido pelos banqueiros, nem as caravelas teriam sido construídas. Foi aí que entrou Bartolomeo Marchionni, o qual, com outros banqueiros, ajudou a financiar a operação.
Um dos efeitos laterais da expedição de Cabral foi Marchionni tornar-se mais tarde um dos principais comerciantes de pau-brasil na Europa. Mas na Índia, em Calecute, as coisas não correram pacificamente. Os comerciantes árabes, que vendiam as especiarias pela rota tradicional de Alexandria, não estavam dispostos a perder terreno para os portugueses. No final, dos treze navios originais voltaram sete, com metade dos homens e 700 toneladas de pimenta. Foi o bastante para que a expedição desse lucro.
Marchionni mandou dizer aos seus amigos banqueiros de Florença que a empreitada fora um sucesso financeiro. E em 1502 o Gama partiu pela segunda vez para a Índia, com vinte navios e muitos canhões. Depois de várias peripécias, conseguiu estabelecer um forte na região de Calecute. E voltou a Portugal em 1503, com treze dos vinte navios e 1700 toneladas de especiarias. Praticamente a mesma quantidade que Veneza recebia por ano, pelas rotas do Egipto. Com margens de lucro incomparavelmente maiores.
Portugal mandaria 705 navios para o Oriente ao longo do séc. XVI. Estabeleceria fortes e colónias no Índico, desde Goa e Ormuz a Malaca. Chegaria à China e ao Japão. E praticamente monopolizaria o comércio naquelas paragens. Mas os holandeses depressa descobririam uma arma letal. Sem pólvora, mas mais explosiva: o mercado de acções. (...)
[Adaptado de CRASH, A. Versignassi]