sábado, 22 de agosto de 2015

Requiem

« (...) Em 1482 o capitão português Diogo Cão chegou à foz do rio Congo. Nessa época, o grande reino africano do Congo prosperava ali, com a sua capital em Mbanza, conhecida na época dos portugueses como São Salvador e actualmente chamada M'banza-Congo. Em 1975 São Salvador era uma pequena cidade de província. de onde são naturais Holden Roberto e quase todos os líderes da FNLA (seus familiares). (...) Dez anos depois de Diogo Cão pisar terras congo-angolanas, Colombo chegou à costa do continente americano. Os dois acontecimentos estão intimamente ligados. Os emigrantes europeus na América começaram a estabelecer plantações de cana-de-açúcar e de algodão. Desenvolveu-se aprocura duma força de trabalho substancial e barata, porque o cultivo da cana em especial requer muita mão de obra. Começou assim o tráfico de escravos. (...) Segundo os historiadores, entre 3 e 4 milhões de escravos foram enviados dos territórios que se encontram dentro das fronteiras da actual Angola. (...) Na primeira metade do séc. XIX, a exportação de escravos ainda constituía mais de 90% do valor global das exportações de Angola. (...)
O rapto voraz de seres humanos levou Angola a um tal estado de ruína que no início do séc.XX a Inglaterra e a Alemanha chegaram a conduzir negociações secretas para tirar a colónia a Portugal e dividi-la entre si. (...) Ao longo de vários séculos, Portugal canalizou os seus melhores elementos para o Brasil, os piores para Angola. Angola era uma colónia penal, o lugar para onde era deportado todo o tipo de criminosos e de párias, todos os que estavam nas margens da sociedade. Na velha Lisboa (onde 10% da população chegou a ser escrava africana), as pessoas referiam-se a Angola como o país dos degredados, o país dos deportados, dos expulsos, dos sem-futuro. A mediocridade dos colonos contrubuiu para que Angola se tornasse um dos países africanos mais atrasados.(...)
4 de Fevereiro de 1961
Ataque armado de combatentes do MPLA à prisão em Luanda (Casa de Reclusão Militar), onde estão encarcerados patriotas angolanos. É o início da luta armada pela libertação de Angola.
15 de Março de 1961
No Norte, a UPA dá o sinal para um levantamento racista dos bacongos contra todos os não-bacongos. Bandos armados assassinam civis portugueses, mulatos angolanos e elementos das tribos ovimbundo e mbundo. A insurreição é reprimida pelo exército português e termina com um terrível massacre de bacongos, e com a emigração de um grande número deles para o Zaire. 
23 de Março de 1962
A UPA muda o seu nome para FNLA. O seu líder é o presidente da UPA, o funcionário de longa data duma empresa belga no Congo, Holden Roberto. (...) A FNLA era e continua a ser uma organização estritamente tribal, o partido dos bacongos, cuja ambição é restaurar o reino de Bacongo e nele incorporar o resto de Angola. O grupo de Holden Roberto , cujos membros pertenciam à Igreja Protestante, foi sempre apoiado, através da igreja baptista, pelo American Comittee on Africa. A luta entre a FNLA e o MPLA tinha a faceta adicional de conflito religioso. O MPLA conta nas suas fileiras com muitos católicos. (...)
1964
Entre os que abandonaram o GRAE (criado dois anos antes por H. Roberto), encontra-se o ministro dos Negócios Estrangeiros Jonas Savimbi, que no periódico Remarques Africaines de 25 de Novembro de 1964 publica uma carta acusando Roberto de corrupção e nepotismo. Cita os nomes da CIA a operar dentro da FNLA (...). 
13 de Março de 1966
Surge a UNITA, cujo líder é Jonas Savimbi. A UNITA era financiada por colonos portugueses, que mais tarde criaram a Frente de Resistência Angolana. Os líderes da FRA eram o coronel Gilberto Santos e Castro, posteriormente comandante dos mercenários que lutaram ao lado da FNLA, assim como o banqueiro António Espírito Santo. Queriam arrancar Angola a Portugal e criar um estado de colonos brancos (como Ian Smith tinha feito na Rodésia). A UNITA, tal como a FNLA, era uma organização tribal. Os seus membros são recrutados entre os membros da tribo dos ovimbundos.(...)
30 de Janeiro de 1975
O governo provisório entra em funções em Angola (presidido por Vasco Vieira de Almeida).
Março de 1975
Motins sangrentos em Luanda. A população civil da capital, declarando-se a favor do MPLA, é atacada pelas tropas da FNLA.
Julho de 1975
O MPLA liberta Luanda das divisões da FNLA. A maioria do território de Angola fica sob o controlo do MPLA.
19 de Outubro de 1975
Chega a Luanda a primeira unidade do exército cubano.
11 de Novembro de 1975
Declaração de independência de Angola por Agostinho Neto.
Anos de 1976-2000
A guerra continua. É um dos conflitos armados de mais longa duração do mundo contemporâneo. (...) O governo tem abundantes depósitos de petróleo. Savimbi tem grandes minas de diamantes. (...)»
[Mais um dia de vida - Angola 1975, Kapuscinski]