terça-feira, 31 de agosto de 2010

Mercado

Mais do que aos inúteis produtos que nos impinge, é a nós que o mercado transforma em avatares.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Dois murros no focinho

Assim desabrida e rude, desta forma se exprimiu a polémica surgida entre um grupo de ex-combatentes da guerra colonial e o escritor António Lobo Antunes. À exacta e justa medida de qualquer dos contendores.
Em causa estavam afirmações do escritor, a propósito da guerra: a desmedida violência experimentada, as baixas de 150 homens num batalhão de 600, e a contabilidade dos famigerados pontos, que eram a forma de rodar para um lugar menos agreste.
A primeira questão a esclarecer é a da ficção literária, que se não submete às leis do discurso historiográfico. Abundam por aí vastos equívocos. Porque a ficção cria um universo ex-nihilo. O que ela narra não é o acontecido, mas o que bem podia acontecer. Uma vez que o narrado tem que ser verosímil e plausível.
Ora as polémicas afirmações de ALA são feitas numa conversa com o jornalista. Não estão integradas em qualquer narrativa literária, não são uma página da literatura. Pertencem ao discurso da história, que não ao da ficção. Têm por isso que respeitar o vivido, para não se confundirem com charlatanice bêbeda.
Os ex-combatentes ganham aqui a primeira cartada. E ganham outra logo em seguida, porque nenhum batalhão da guerra colonial sofreu baixas de 25%. Se ALA, lá nas Lundas onde esteve, experimentou violências desmedidas, então nunca viu lobo pequeno, conforme diria o outro. Tivesse ele andado por Cabo Delgado, ou pela santa província da Guiné, e não sei o que diria.
Com a teoria dos pontos, perde a cartada terceira. Mesmo que ela alguma vez tivesse estado em vigor, para aferição do ardor patriótico dos escalões superiores, transformado em medalhas ou benesses, nunca houve dela o mais leve sinal ao nível do soldado atirador, ou do alferes médico exilado no mato.
É pena ver um homem que se quer do espírito e do pensamento a dar razão de protesto e argumento a muitos outros, de quem se não esperam ensinamentos úteis. Mas a vida é assim, e o génio tem limites, mesmo lá onde for real e verdadeiro, isento de objecção. E tal não é o caso, manifestamente.

domingo, 29 de agosto de 2010

A sangueira do Côa

Foi isto há 200 anos, tinha o rei há tempos zarpado para o Brasil, com mais 10 mil colegas da elite dirigente.
Os ingleses vieram por aí fora, amigaram-se com a tropa portuguesa,
e desceram à ponte velha do Côa, para resistir ao papão que aí vinha.
Foi ali uma sangueira. E o Massena conquistou a ponte e derreteu Almeida, mas perdeu a guerra.
Pelo sim pelo não, as senhorinhas ataviaram-se a preceito e foram ver em que paravam as modas.
O povo esqueceu as guerras próprias e pôs-se a ver as alheias.
Indiferente, quem sabe se desgostado, o Côa lá ficou até hoje, a lamber a face dos fraguedos.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Paredes-meias

É frequente na história portuguesa a oscilação esquizofrénica entre a megalomania absurda e a catástrofe. Mafra e o seu rei magnânimo são apenas um exemplo.
O plano original tinha previsto, frente à fachada poente, a principal, uma avenida, ou alameda, ou álea, desde o convento ao mar, até à Ericeira.
E eu imagino quilómetros de bosques e fontanas, e escadórios barrocos, e jogos de água e arabescos mitológicos, e tritões à versalhesa, à enorme dimensão da paranóia de el-rei.
Felizmente a catástrofe do terramoto de 1755 veio gorar tais projectos, já que o país todo inteiro pouco era, para reconstruir Lisboa. E a alameda grandiosa nunca mais foi construída.
Assim nos poupou, o terramoto, a mais esta contradição. Entre a megalomania duma elite dirigente, parasita e antipatriótica, e a miséria com que o povo nunca deixou de viver paredes-meias.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Portugal e o Futuro

O futuro de Portugal é cuidar dele. Qualquer outro só existe nas visões do V Império.

sábado, 21 de agosto de 2010

Metáforas

É frequente, nos meios escritos ou falados, tropeçarmos em referências ao recurso estilístico de metáforas que o não são. A ignorância é um vasto cobertor que tapa muita coisa.
À semelhança da metonímia e da sinédoque, que também o fazem por razões diferentes, a metáfora dá a uma coisa o nome de outra coisa, por razões de semelhança ou identificação.
Um exemplo: as estrelas da Mariana alvoroçam o bairro. O emissor da frase usou uma metáfora. E para que ela seja eficaz em termos de comunicação, o receptor tem que descodificar o seu significado. Que coisa são as estrelas da Mariana, que fazem tanto alarido?
A primeira etapa de qualquer metáfora é sempre uma comparação: os olhos da Mariana são tão brilhantes como as estrelas.
A segunda etapa da metáfora consiste em identificar uma coisa com a outra: os olhos da Mariana são estrelas.
A metáfora propriamente dita coloca estrelas no lugar de olhos: as estrelas da Mariana semeiam ânsias no bairro.
A frase incorporou valor estético, e amplificou o valor significante. Vistas por dentro, as coisas são assim.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Boa lição

Passaram ontem 48 anos, desde o primeiro concerto dos Beatles, em Hamburgo, com a formação que ficou consagrada: John, Paul, George e Ringo.
Com o meu amigo Cabide, comprei eu em 66, num PX americano, o Sargeant Peppers Lonely Hearts Club Band, quando mais tarde apareceu. Nunca mais me esqueci disso.
Era uma coisa nova e nunca vista, cada cantiga daquelas: na estrutura, nos textos, nos temas, na composição, no instrumental, nas orquestrações, no universo estético induzido.
O que se ouvia então eram as xaropadas licorosas do Dean Martin ou do Bing Crosby, e um bom artista era aquele dinossauro que tinha uma boa voz. E mal ouvimos o disco, o meu amigo Cabide achou-o tão esquisito que logo trocou o dele por uma Ella Fitzgerald.
É isso a arte, a criatividade e a inovação. É extrair do nada um mundo novo. Tudo o mais é imitação, dejà-vu, tempo perdido. Depois dos Fab Four, a música futrica nunca mais foi a mesma.
Ora aí está uma boa lição para os numerosos farsantes pós-modernos de hoje.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Magalhães

Ao rei D. Manuel I chamaram O Venturoso, quando melhor lhe quadrava chamarem-lhe merceeiro. Ou oportunista caça-noivas, se depois de outras faenas acabou por se apoderar da prometida do filho.
Repudiou o plano de Magalhães. E assim foi que o maior navegador daqueles tempos, que juntou as pontas da Terra mostrando que era redonda e navegável, acabou a cumprir a odisseia ao serviço dum castelhano.
Dar hoje a um computador o nome que foi o seu é um remedeio fraco. Que a mãe-pátria é madrasta há muito tempo.

Sol de pouca dura

A cruzada contra os albigenses, que em meados do séc. XIII levou à sua extinção nas primeiras fogueiras da Santa Inquisição, destruiu as condições em que floresceu no Sul de França uma sociedade cortesã requintada e culta. Os jograis, os trovadores, e a poética provençal eram elementos dela.
Com a sua morte, morreu entre nós a poesia trovadoresca. D. Dinis resistiu-lhe como poucos, honra lhe seja feita. Mas foi sol de pouca dura.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Toma... e retoma!

[o marketing... ]
Dezenas de milhar de licenciados portugueses não têm trabalho. Centenas de milhar de outros trabalhadores estão no desemprego. Espanhóis inactivos são quatro milhões. Alemães são ainda mais. Americanos, ingleses, franceses...
[... os produtos...]
A economia chinesa cresce 10% ao ano, e acaba de ultrapassar a japonesa. A Volvo já é chinesa, e a Jaguar é indiana. 40% dos produtos vendidos na América pela cadeia Wall-Mart são fabricados na China. Cada ano, 300 milhões de chineses abandonam o campo, com todo o direito a quererem viver melhor. A China já destronou os Estados Unidos, como primeiro poluidor planetário. E tornar-se na primeira economia mundial é questão de poucos anos.
[... e as condições de produção. Clique para ver melhor!]
Uma economia assim globalizada transformou um bilião de orientais em escravos do planeta, ao mesmo tempo que partiu os dentes aos pré-escravos do Ocidente. Serve apenas a criação de dividendos para o accionista, e a ganância da cleptocracia que puxa os cordéis do mundo.
Num quadro destes, com a energia barata a esgotar-se, falar de competitividade e crescimento, de trabalho e de retoma, só é próprio de imbecis ou de farsantes. Que merecem é um toma, à Zé Povinho. E um retoma dos valentes!

Ó Bama!

Pensas, e afirmas, que os muçulmanos têm o direito de erguer uma mesquita em Manhattan, no exacto local do crime. Só por isso, eras um tipo decente.
Mas a América profunda está-se nas tintas para tipos decentes e não te vai perdoar. Não foi para isso que ela engendrou o Ground Zero.

Romaria do Pontal

Muito apesar de tudo, sublinhe-se, todo aquele que não sabe distinguir o PPD do PS, ou pertence ao comité central, ou é ainda mais estúpido.

Congresso

Associação Rio Vivo? Mas o que é isso?!

sábado, 14 de agosto de 2010

Antevisões

Homem prevenido vale sempre por dois.

Como se o mundo...

Consta de três narrativas distintas: As Águas do Capembáua, João Carlos, natural do Chinguar, no Bié, e Como se o Mundo não tivesse Leste. Foi com esta obra que, em 1985, o autor me comoveu e me conquistou.
Um e a outra conheci-os em Luanda, num tempo em que não mais de 30 portugueses trabalhavam em Angola. Passava o autocarro da Itália, com crianças que iam à escola italiana. Passava o autocarro belga, e o autocarro espanhol, e o autocarro brasileiro. Mas não passava o autocarro português, porque não havia em Angola nenhuma escola para as crianças portuguesas.
Angola estava povoada de soldados cubanos e de idiotas russos. Os políticos de Lisboa andavam atarefados, a descobrir a maneira de pôr o país no prego e governar a vidinha. E os jornalistas portugueses, cuja cretinice não é só de agora, chamavam nessa altura mercenários aos 30 portugueses que trabalhavam em Angola. Hoje vivem lá cem mil.
[clicar ajuda a ler]
Ruy Duarte de Carvalho, cuja origem portuguesa a União dos Escritores Angolanos por essa altura omitia, foi um português de lei, mesmo quando se naturalizou angolano. Agora morreu. Bom pretexto para o honrar, e para voltar a lê-lo.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Retardantes

De modo que resolveram organizar um simpósio, para acudir aos incêndios. Não digo internacional, seria exagerado. Uma coisa assim transfronteiriça, para ser mais rigoroso. Custeada a fundos de coesão.
Vieram alcaldes espanhóis, bombeiros dum lado e doutro, delegados da protecção civil, e autarcas raianos ou nem tanto. Estava um representante do centro distrital de operações de socorro e alguns futricas avulsos. A mim, por lhes constar que entendo de palavras, que é uma coisa que não vem nos catálogos, encarregaram-me de resumir as actas.
Alugaram a sala de conferências do hotel Continental, e iniciaram a sessão com um atraso maçador.

- Frequência e dimensão dos fogos florestais na paisagem moderna
- Causas e consequências
- Papel fundamental dos retardadores de fogo no combate à catástrofe

Antes da ordem do dia, o moderador introduz um ponto prévio. De tão ilustres presentes, quer uma declaração de interesses. Quer saber quem não trabalha no mercado dos retardantes do fogo. E fosse ele o imprevisto da pergunta, o intrincado da formulação, ou distração momentânea, o caso é que ninguém se pronunciou. E entrou-se finalmente na agenda dos trabalhos.
Durante o dia inteiro discutiram argumentos, cruzaram fórmulas químicas, compararam resultados. E lamentaram todos não poder fazer milagres.
Eu deixei-os falar e fui tirando notas. E antes de encerrarem os trabalhos já tinha lavrada a acta. Eram todos, menos um, industriais do ramo.
Foi ali um pandemónio, a acrescentar aos fogos, com tanta raposa dentro do galinheiro.

Janelas

Enfim regressei ao bairro, onde a bicha dos crentes no euromilhões tomou conta do passeio.
As mulheres indígenas continuam toscas, mamudas, primitivas. Carregam sacos de alfaces para alimentar a família, e escolhem muito os pães na padaria. Os netos guincham como babuínos que se apoderaram do mundo. E as gaivotas pairam lá por cima, às gargalhadas sobre um areal.
Por sorte minha funciona o elevador, eu aproveito-o e subo. Fecho a porta e vou abrindo as janelas do deserto.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Morte do artista

A arrogância é das mais funestas qualidades humanas.
Irmã dela só a ignorância tosca.
Em parelha são a morte do artista.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

domingo, 1 de agosto de 2010

O pico do petróleo

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal

Nos anos recentes, sobretudo a partir de 1998, ano da publicação no Scientific American do artigo The Coming Oil Crisis, de Colin Campbell e Jean Laherrère, a questão energética e o provável esgotamento dos combustíveis fósseis num curto horizonte temporal tem vindo a ganhar grande relevância nos fóruns de discussão entre especialistas. Mormente na Internet, a discussão tem-se centrado sobretudo nos EUA, no Canadá, na Austrália e na UE. E embora timidamente, o assunto começa a ser tratado nos mass-media, sobretudo nos mais especializados.
Esta é, no entender de muitos especialistas, a questão central dos nossos dias. Os combustíveis fósseis são o principal recurso da nossa civilização. Moldaram o nosso modo de vida, alimentam o nosso modelo de crescimento económico, e permitiram a explosão populacional do último século. Porém, tal como aconteceu na Ilha da Páscoa, a Civilização, tal como a conhecemos, poderá não sobreviver ao esgotamento do seu principal recurso.
Quando falamos de combustíveis fósseis, é de petróleo, de gás natural e de carvão que estamos a falar. São compostos (ou misturas de compostos) com fórmulas químicas diferentes. Mas têm em comum o facto de armazenarem energia nas ligações do átomo de carbono. Essa energia liberta-se sob a forma de calor, quando o carbono desses compostos se combina com o oxigénio (O2) para formar o anidrido carbónico (CO2). Na natureza, este chamado ciclo do carbono é um ciclo longo, que se pode traduzir no seguinte esquema:
Energia Solar + CO2 -> Carbono +O2 -> CO2 +Energia Térmica
Num extremo da cadeia está a energia solar, e no outro extremo está a energia térmica. No fundo, é como se o anidrido carbónico absorvesse a energia solar (uma árvore a crescer é disso perfeito exemplo), a qual é posteriormente libertada, na combustão do carbono. O carbono funciona, neste caso, como um transportador, ou carrier de energia.
A grande diferença entre os dois processos do ciclo (a acumulação e a libertação da energia) está no tempo em que decorrem: a reacção simbolizada na primeira seta – a formação dos combustíveis fósseis - demorou milhões de anos a ocorrer; ao passo que a reacção da segunda seta - a utilização desses combustíveis - decorre no espaço de algumas décadas. Tudo se passa como se um tesouro tivesse sido acumulado ao longo de muitos anos, e fosse dissipado num ápice.
Não existem quaisquer dúvidas de que os combustíveis fósseis vão escassear no futuro. Não irão desaparecer do pé para a mão. Mas vão ser cada vez mais raros, o custo de os extrair aumentará, e aquilo que era barato vai passar a ser caro. Isso vai implicar um momento a partir do qual se verificará uma redução na produção desses combustíveis. Nesse momento atingiremos um máximo de produção, e é esse máximo que se designa por “pico” de produção.
Entre todos os combustíveis fósseis, o petróleo é aquele que mais nos preocupa. Por ser mais conveniente de usar e armazenar, por ser mais fácil de transportar, e por ser o mais adequado à indústria dos transportes. E o “pico do petróleo” está à vista. Poderá estar a ocorrer neste momento, mas só será identificado depois de ter acontecido, como se estivéssemos a olhar pelo retrovisor do tempo. Uma tal conclusão ganha força. E a própria Agência Internacional de Energia não a enjeita, ao rever a cada ano, sempre em baixa, as previsões para os anos próximos. Embora não a apresente de modo muito explícito, para evitar alarmismos.
A alternativa das energias renováveis é uma via possível, mas não é a solução. Em primeiro lugar porque isso obriga a investimentos massivos, que vão usar o petróleo. E depois porque o seu retorno energético (relação entre o input e o output de energia) será muito inferior ao que é proporcionado pelo petróleo convencional.
O que temos como certo é que a ocorrência do “pico do petróleo” vai ter como resultado mais evidente a redução do crescimento económico. Isso vai pôr em causa o modelo que está subjacente à economia, o qual se baseia exactamente no crescimento contínuo do PIB. É quase certo que a actual crise tem como causa central, precisamente, a carência de crude, associada aos elevados preços que ele tem vindo a atingir, nas bolsas de matérias-primas.
O mundo tem pela frente um extraordinário desafio: insistir no esgotado modelo de crescimento contínuo num mundo finito, ou adaptar-se a viver com menos recursos, e com um crescimento mais reduzido ou mesmo nulo. Serão os economistas, educados a raciocinar apenas em contexto de crescimento contínuo, capazes de resolver este dilema?!