terça-feira, 31 de agosto de 2010
Mercado
Mais do que aos inúteis produtos que nos impinge, é a nós que o mercado transforma em avatares.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Dois murros no focinho
Assim desabrida e rude, desta forma se exprimiu a polémica surgida entre um grupo de ex-combatentes da guerra colonial e o escritor António Lobo Antunes. À exacta e justa medida de qualquer dos contendores.
Em causa estavam afirmações do escritor, a propósito da guerra: a desmedida violência experimentada, as baixas de 150 homens num batalhão de 600, e a contabilidade dos famigerados pontos, que eram a forma de rodar para um lugar menos agreste.
A primeira questão a esclarecer é a da ficção literária, que se não submete às leis do discurso historiográfico. Abundam por aí vastos equívocos. Porque a ficção cria um universo ex-nihilo. O que ela narra não é o acontecido, mas o que bem podia acontecer. Uma vez que o narrado tem que ser verosímil e plausível.
Ora as polémicas afirmações de ALA são feitas numa conversa com o jornalista. Não estão integradas em qualquer narrativa literária, não são uma página da literatura. Pertencem ao discurso da história, que não ao da ficção. Têm por isso que respeitar o vivido, para não se confundirem com charlatanice bêbeda.
Os ex-combatentes ganham aqui a primeira cartada. E ganham outra logo em seguida, porque nenhum batalhão da guerra colonial sofreu baixas de 25%. Se ALA, lá nas Lundas onde esteve, experimentou violências desmedidas, então nunca viu lobo pequeno, conforme diria o outro. Tivesse ele andado por Cabo Delgado, ou pela santa província da Guiné, e não sei o que diria.
Com a teoria dos pontos, perde a cartada terceira. Mesmo que ela alguma vez tivesse estado em vigor, para aferição do ardor patriótico dos escalões superiores, transformado em medalhas ou benesses, nunca houve dela o mais leve sinal ao nível do soldado atirador, ou do alferes médico exilado no mato.
É pena ver um homem que se quer do espírito e do pensamento a dar razão de protesto e argumento a muitos outros, de quem se não esperam ensinamentos úteis. Mas a vida é assim, e o génio tem limites, mesmo lá onde for real e verdadeiro, isento de objecção. E tal não é o caso, manifestamente.
Em causa estavam afirmações do escritor, a propósito da guerra: a desmedida violência experimentada, as baixas de 150 homens num batalhão de 600, e a contabilidade dos famigerados pontos, que eram a forma de rodar para um lugar menos agreste.
A primeira questão a esclarecer é a da ficção literária, que se não submete às leis do discurso historiográfico. Abundam por aí vastos equívocos. Porque a ficção cria um universo ex-nihilo. O que ela narra não é o acontecido, mas o que bem podia acontecer. Uma vez que o narrado tem que ser verosímil e plausível.
Ora as polémicas afirmações de ALA são feitas numa conversa com o jornalista. Não estão integradas em qualquer narrativa literária, não são uma página da literatura. Pertencem ao discurso da história, que não ao da ficção. Têm por isso que respeitar o vivido, para não se confundirem com charlatanice bêbeda.
Os ex-combatentes ganham aqui a primeira cartada. E ganham outra logo em seguida, porque nenhum batalhão da guerra colonial sofreu baixas de 25%. Se ALA, lá nas Lundas onde esteve, experimentou violências desmedidas, então nunca viu lobo pequeno, conforme diria o outro. Tivesse ele andado por Cabo Delgado, ou pela santa província da Guiné, e não sei o que diria.
Com a teoria dos pontos, perde a cartada terceira. Mesmo que ela alguma vez tivesse estado em vigor, para aferição do ardor patriótico dos escalões superiores, transformado em medalhas ou benesses, nunca houve dela o mais leve sinal ao nível do soldado atirador, ou do alferes médico exilado no mato.
É pena ver um homem que se quer do espírito e do pensamento a dar razão de protesto e argumento a muitos outros, de quem se não esperam ensinamentos úteis. Mas a vida é assim, e o génio tem limites, mesmo lá onde for real e verdadeiro, isento de objecção. E tal não é o caso, manifestamente.
domingo, 29 de agosto de 2010
A sangueira do Côa
Foi isto há 200 anos, tinha o rei há tempos zarpado para o Brasil, com mais 10 mil colegas da elite dirigente.
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Paredes-meias
É frequente na história portuguesa a oscilação esquizofrénica entre a megalomania absurda e a catástrofe. Mafra e o seu rei magnânimo são apenas um exemplo.
O plano original tinha previsto, frente à fachada poente, a principal, uma avenida, ou alameda, ou álea, desde o convento ao mar, até à Ericeira.
E eu imagino quilómetros de bosques e fontanas, e escadórios barrocos, e jogos de água e arabescos mitológicos, e tritões à versalhesa, à enorme dimensão da paranóia de el-rei.
Felizmente a catástrofe do terramoto de 1755 veio gorar tais projectos, já que o país todo inteiro pouco era, para reconstruir Lisboa. E a alameda grandiosa nunca mais foi construída.
Assim nos poupou, o terramoto, a mais esta contradição. Entre a megalomania duma elite dirigente, parasita e antipatriótica, e a miséria com que o povo nunca deixou de viver paredes-meias.
O plano original tinha previsto, frente à fachada poente, a principal, uma avenida, ou alameda, ou álea, desde o convento ao mar, até à Ericeira.
E eu imagino quilómetros de bosques e fontanas, e escadórios barrocos, e jogos de água e arabescos mitológicos, e tritões à versalhesa, à enorme dimensão da paranóia de el-rei.
Felizmente a catástrofe do terramoto de 1755 veio gorar tais projectos, já que o país todo inteiro pouco era, para reconstruir Lisboa. E a alameda grandiosa nunca mais foi construída.
Assim nos poupou, o terramoto, a mais esta contradição. Entre a megalomania duma elite dirigente, parasita e antipatriótica, e a miséria com que o povo nunca deixou de viver paredes-meias.
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Portugal e o Futuro
O futuro de Portugal é cuidar dele. Qualquer outro só existe nas visões do V Império.
sábado, 21 de agosto de 2010
Metáforas
É frequente, nos meios escritos ou falados, tropeçarmos em referências ao recurso estilístico de metáforas que o não são. A ignorância é um vasto cobertor que tapa muita coisa.
À semelhança da metonímia e da sinédoque, que também o fazem por razões diferentes, a metáfora dá a uma coisa o nome de outra coisa, por razões de semelhança ou identificação.
Um exemplo: as estrelas da Mariana alvoroçam o bairro. O emissor da frase usou uma metáfora. E para que ela seja eficaz em termos de comunicação, o receptor tem que descodificar o seu significado. Que coisa são as estrelas da Mariana, que fazem tanto alarido?
A primeira etapa de qualquer metáfora é sempre uma comparação: os olhos da Mariana são tão brilhantes como as estrelas.
A segunda etapa da metáfora consiste em identificar uma coisa com a outra: os olhos da Mariana são estrelas.
A metáfora propriamente dita coloca estrelas no lugar de olhos: as estrelas da Mariana semeiam ânsias no bairro.
A frase incorporou valor estético, e amplificou o valor significante. Vistas por dentro, as coisas são assim.
À semelhança da metonímia e da sinédoque, que também o fazem por razões diferentes, a metáfora dá a uma coisa o nome de outra coisa, por razões de semelhança ou identificação.
Um exemplo: as estrelas da Mariana alvoroçam o bairro. O emissor da frase usou uma metáfora. E para que ela seja eficaz em termos de comunicação, o receptor tem que descodificar o seu significado. Que coisa são as estrelas da Mariana, que fazem tanto alarido?
A primeira etapa de qualquer metáfora é sempre uma comparação: os olhos da Mariana são tão brilhantes como as estrelas.
A segunda etapa da metáfora consiste em identificar uma coisa com a outra: os olhos da Mariana são estrelas.
A metáfora propriamente dita coloca estrelas no lugar de olhos: as estrelas da Mariana semeiam ânsias no bairro.
A frase incorporou valor estético, e amplificou o valor significante. Vistas por dentro, as coisas são assim.
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Boa lição
Passaram ontem 48 anos, desde o primeiro concerto dos Beatles, em Hamburgo, com a formação que ficou consagrada: John, Paul, George e Ringo.
Com o meu amigo Cabide, comprei eu em 66, num PX americano, o Sargeant Peppers Lonely Hearts Club Band, quando mais tarde apareceu. Nunca mais me esqueci disso.
Era uma coisa nova e nunca vista, cada cantiga daquelas: na estrutura, nos textos, nos temas, na composição, no instrumental, nas orquestrações, no universo estético induzido.
O que se ouvia então eram as xaropadas licorosas do Dean Martin ou do Bing Crosby, e um bom artista era aquele dinossauro que tinha uma boa voz. E mal ouvimos o disco, o meu amigo Cabide achou-o tão esquisito que logo trocou o dele por uma Ella Fitzgerald.
É isso a arte, a criatividade e a inovação. É extrair do nada um mundo novo. Tudo o mais é imitação, dejà-vu, tempo perdido. Depois dos Fab Four, a música futrica nunca mais foi a mesma.
Ora aí está uma boa lição para os numerosos farsantes pós-modernos de hoje.
Com o meu amigo Cabide, comprei eu em 66, num PX americano, o Sargeant Peppers Lonely Hearts Club Band, quando mais tarde apareceu. Nunca mais me esqueci disso.
Era uma coisa nova e nunca vista, cada cantiga daquelas: na estrutura, nos textos, nos temas, na composição, no instrumental, nas orquestrações, no universo estético induzido.
O que se ouvia então eram as xaropadas licorosas do Dean Martin ou do Bing Crosby, e um bom artista era aquele dinossauro que tinha uma boa voz. E mal ouvimos o disco, o meu amigo Cabide achou-o tão esquisito que logo trocou o dele por uma Ella Fitzgerald.
É isso a arte, a criatividade e a inovação. É extrair do nada um mundo novo. Tudo o mais é imitação, dejà-vu, tempo perdido. Depois dos Fab Four, a música futrica nunca mais foi a mesma.
Ora aí está uma boa lição para os numerosos farsantes pós-modernos de hoje.
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Magalhães
Ao rei D. Manuel I chamaram O Venturoso, quando melhor lhe quadrava chamarem-lhe merceeiro. Ou oportunista caça-noivas, se depois de outras faenas acabou por se apoderar da prometida do filho.
Repudiou o plano de Magalhães. E assim foi que o maior navegador daqueles tempos, que juntou as pontas da Terra mostrando que era redonda e navegável, acabou a cumprir a odisseia ao serviço dum castelhano.
Dar hoje a um computador o nome que foi o seu é um remedeio fraco. Que a mãe-pátria é madrasta há muito tempo.
Repudiou o plano de Magalhães. E assim foi que o maior navegador daqueles tempos, que juntou as pontas da Terra mostrando que era redonda e navegável, acabou a cumprir a odisseia ao serviço dum castelhano.
Dar hoje a um computador o nome que foi o seu é um remedeio fraco. Que a mãe-pátria é madrasta há muito tempo.
Sol de pouca dura
A cruzada contra os albigenses, que em meados do séc. XIII levou à sua extinção nas primeiras fogueiras da Santa Inquisição, destruiu as condições em que floresceu no Sul de França uma sociedade cortesã requintada e culta. Os jograis, os trovadores, e a poética provençal eram elementos dela.
Com a sua morte, morreu entre nós a poesia trovadoresca. D. Dinis resistiu-lhe como poucos, honra lhe seja feita. Mas foi sol de pouca dura.
Com a sua morte, morreu entre nós a poesia trovadoresca. D. Dinis resistiu-lhe como poucos, honra lhe seja feita. Mas foi sol de pouca dura.
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Toma... e retoma!
[o marketing... ]
Dezenas de milhar de licenciados portugueses não têm trabalho. Centenas de milhar de outros trabalhadores estão no desemprego. Espanhóis inactivos são quatro milhões. Alemães são ainda mais. Americanos, ingleses, franceses...
[... os produtos...]
A economia chinesa cresce 10% ao ano, e acaba de ultrapassar a japonesa. A Volvo já é chinesa, e a Jaguar é indiana. 40% dos produtos vendidos na América pela cadeia Wall-Mart são fabricados na China. Cada ano, 300 milhões de chineses abandonam o campo, com todo o direito a quererem viver melhor. A China já destronou os Estados Unidos, como primeiro poluidor planetário. E tornar-se na primeira economia mundial é questão de poucos anos.
Dezenas de milhar de licenciados portugueses não têm trabalho. Centenas de milhar de outros trabalhadores estão no desemprego. Espanhóis inactivos são quatro milhões. Alemães são ainda mais. Americanos, ingleses, franceses...
[... os produtos...]
A economia chinesa cresce 10% ao ano, e acaba de ultrapassar a japonesa. A Volvo já é chinesa, e a Jaguar é indiana. 40% dos produtos vendidos na América pela cadeia Wall-Mart são fabricados na China. Cada ano, 300 milhões de chineses abandonam o campo, com todo o direito a quererem viver melhor. A China já destronou os Estados Unidos, como primeiro poluidor planetário. E tornar-se na primeira economia mundial é questão de poucos anos.
Uma economia assim globalizada transformou um bilião de orientais em escravos do planeta, ao mesmo tempo que partiu os dentes aos pré-escravos do Ocidente. Serve apenas a criação de dividendos para o accionista, e a ganância da cleptocracia que puxa os cordéis do mundo.
Num quadro destes, com a energia barata a esgotar-se, falar de competitividade e crescimento, de trabalho e de retoma, só é próprio de imbecis ou de farsantes. Que merecem é um toma, à Zé Povinho. E um retoma dos valentes!
Ó Bama!
Pensas, e afirmas, que os muçulmanos têm o direito de erguer uma mesquita em Manhattan, no exacto local do crime. Só por isso, eras um tipo decente.
Mas a América profunda está-se nas tintas para tipos decentes e não te vai perdoar. Não foi para isso que ela engendrou o Ground Zero.
Mas a América profunda está-se nas tintas para tipos decentes e não te vai perdoar. Não foi para isso que ela engendrou o Ground Zero.
Romaria do Pontal
Muito apesar de tudo, sublinhe-se, todo aquele que não sabe distinguir o PPD do PS, ou pertence ao comité central, ou é ainda mais estúpido.
sábado, 14 de agosto de 2010
Como se o mundo...
Consta de três narrativas distintas: As Águas do Capembáua, João Carlos, natural do Chinguar, no Bié, e Como se o Mundo não tivesse Leste. Foi com esta obra que, em 1985, o autor me comoveu e me conquistou.
Um e a outra conheci-os em Luanda, num tempo em que não mais de 30 portugueses trabalhavam em Angola. Passava o autocarro da Itália, com crianças que iam à escola italiana. Passava o autocarro belga, e o autocarro espanhol, e o autocarro brasileiro. Mas não passava o autocarro português, porque não havia em Angola nenhuma escola para as crianças portuguesas.
Angola estava povoada de soldados cubanos e de idiotas russos. Os políticos de Lisboa andavam atarefados, a descobrir a maneira de pôr o país no prego e governar a vidinha. E os jornalistas portugueses, cuja cretinice não é só de agora, chamavam nessa altura mercenários aos 30 portugueses que trabalhavam em Angola. Hoje vivem lá cem mil.
Um e a outra conheci-os em Luanda, num tempo em que não mais de 30 portugueses trabalhavam em Angola. Passava o autocarro da Itália, com crianças que iam à escola italiana. Passava o autocarro belga, e o autocarro espanhol, e o autocarro brasileiro. Mas não passava o autocarro português, porque não havia em Angola nenhuma escola para as crianças portuguesas.
Angola estava povoada de soldados cubanos e de idiotas russos. Os políticos de Lisboa andavam atarefados, a descobrir a maneira de pôr o país no prego e governar a vidinha. E os jornalistas portugueses, cuja cretinice não é só de agora, chamavam nessa altura mercenários aos 30 portugueses que trabalhavam em Angola. Hoje vivem lá cem mil.
[clicar ajuda a ler]
Ruy Duarte de Carvalho, cuja origem portuguesa a União dos Escritores Angolanos por essa altura omitia, foi um português de lei, mesmo quando se naturalizou angolano. Agora morreu. Bom pretexto para o honrar, e para voltar a lê-lo.
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Retardantes
De modo que resolveram organizar um simpósio, para acudir aos incêndios. Não digo internacional, seria exagerado. Uma coisa assim transfronteiriça, para ser mais rigoroso. Custeada a fundos de coesão.
Vieram alcaldes espanhóis, bombeiros dum lado e doutro, delegados da protecção civil, e autarcas raianos ou nem tanto. Estava um representante do centro distrital de operações de socorro e alguns futricas avulsos. A mim, por lhes constar que entendo de palavras, que é uma coisa que não vem nos catálogos, encarregaram-me de resumir as actas.
Alugaram a sala de conferências do hotel Continental, e iniciaram a sessão com um atraso maçador.
- Frequência e dimensão dos fogos florestais na paisagem moderna
- Causas e consequências
- Papel fundamental dos retardadores de fogo no combate à catástrofe
Antes da ordem do dia, o moderador introduz um ponto prévio. De tão ilustres presentes, quer uma declaração de interesses. Quer saber quem não trabalha no mercado dos retardantes do fogo. E fosse ele o imprevisto da pergunta, o intrincado da formulação, ou distração momentânea, o caso é que ninguém se pronunciou. E entrou-se finalmente na agenda dos trabalhos.
Durante o dia inteiro discutiram argumentos, cruzaram fórmulas químicas, compararam resultados. E lamentaram todos não poder fazer milagres.
Eu deixei-os falar e fui tirando notas. E antes de encerrarem os trabalhos já tinha lavrada a acta. Eram todos, menos um, industriais do ramo.
Foi ali um pandemónio, a acrescentar aos fogos, com tanta raposa dentro do galinheiro.
Vieram alcaldes espanhóis, bombeiros dum lado e doutro, delegados da protecção civil, e autarcas raianos ou nem tanto. Estava um representante do centro distrital de operações de socorro e alguns futricas avulsos. A mim, por lhes constar que entendo de palavras, que é uma coisa que não vem nos catálogos, encarregaram-me de resumir as actas.
Alugaram a sala de conferências do hotel Continental, e iniciaram a sessão com um atraso maçador.
- Frequência e dimensão dos fogos florestais na paisagem moderna
- Causas e consequências
- Papel fundamental dos retardadores de fogo no combate à catástrofe
Antes da ordem do dia, o moderador introduz um ponto prévio. De tão ilustres presentes, quer uma declaração de interesses. Quer saber quem não trabalha no mercado dos retardantes do fogo. E fosse ele o imprevisto da pergunta, o intrincado da formulação, ou distração momentânea, o caso é que ninguém se pronunciou. E entrou-se finalmente na agenda dos trabalhos.
Durante o dia inteiro discutiram argumentos, cruzaram fórmulas químicas, compararam resultados. E lamentaram todos não poder fazer milagres.
Eu deixei-os falar e fui tirando notas. E antes de encerrarem os trabalhos já tinha lavrada a acta. Eram todos, menos um, industriais do ramo.
Foi ali um pandemónio, a acrescentar aos fogos, com tanta raposa dentro do galinheiro.
Janelas
Enfim regressei ao bairro, onde a bicha dos crentes no euromilhões tomou conta do passeio.
As mulheres indígenas continuam toscas, mamudas, primitivas. Carregam sacos de alfaces para alimentar a família, e escolhem muito os pães na padaria. Os netos guincham como babuínos que se apoderaram do mundo. E as gaivotas pairam lá por cima, às gargalhadas sobre um areal.
Por sorte minha funciona o elevador, eu aproveito-o e subo. Fecho a porta e vou abrindo as janelas do deserto.
As mulheres indígenas continuam toscas, mamudas, primitivas. Carregam sacos de alfaces para alimentar a família, e escolhem muito os pães na padaria. Os netos guincham como babuínos que se apoderaram do mundo. E as gaivotas pairam lá por cima, às gargalhadas sobre um areal.
Por sorte minha funciona o elevador, eu aproveito-o e subo. Fecho a porta e vou abrindo as janelas do deserto.
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Morte do artista
A arrogância é das mais funestas qualidades humanas.
Irmã dela só a ignorância tosca.
Em parelha são a morte do artista.
Irmã dela só a ignorância tosca.
Em parelha são a morte do artista.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
domingo, 1 de agosto de 2010
O pico do petróleo
Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Nos anos recentes, sobretudo a partir de 1998, ano da publicação no Scientific American do artigo The Coming Oil Crisis, de Colin Campbell e Jean Laherrère, a questão energética e o provável esgotamento dos combustíveis fósseis num curto horizonte temporal tem vindo a ganhar grande relevância nos fóruns de discussão entre especialistas. Mormente na Internet, a discussão tem-se centrado sobretudo nos EUA, no Canadá, na Austrália e na UE. E embora timidamente, o assunto começa a ser tratado nos mass-media, sobretudo nos mais especializados.
Esta é, no entender de muitos especialistas, a questão central dos nossos dias. Os combustíveis fósseis são o principal recurso da nossa civilização. Moldaram o nosso modo de vida, alimentam o nosso modelo de crescimento económico, e permitiram a explosão populacional do último século. Porém, tal como aconteceu na Ilha da Páscoa, a Civilização, tal como a conhecemos, poderá não sobreviver ao esgotamento do seu principal recurso.
Quando falamos de combustíveis fósseis, é de petróleo, de gás natural e de carvão que estamos a falar. São compostos (ou misturas de compostos) com fórmulas químicas diferentes. Mas têm em comum o facto de armazenarem energia nas ligações do átomo de carbono. Essa energia liberta-se sob a forma de calor, quando o carbono desses compostos se combina com o oxigénio (O2) para formar o anidrido carbónico (CO2). Na natureza, este chamado ciclo do carbono é um ciclo longo, que se pode traduzir no seguinte esquema:
Energia Solar + CO2 -> Carbono +O2 -> CO2 +Energia Térmica
Num extremo da cadeia está a energia solar, e no outro extremo está a energia térmica. No fundo, é como se o anidrido carbónico absorvesse a energia solar (uma árvore a crescer é disso perfeito exemplo), a qual é posteriormente libertada, na combustão do carbono. O carbono funciona, neste caso, como um transportador, ou carrier de energia.
A grande diferença entre os dois processos do ciclo (a acumulação e a libertação da energia) está no tempo em que decorrem: a reacção simbolizada na primeira seta – a formação dos combustíveis fósseis - demorou milhões de anos a ocorrer; ao passo que a reacção da segunda seta - a utilização desses combustíveis - decorre no espaço de algumas décadas. Tudo se passa como se um tesouro tivesse sido acumulado ao longo de muitos anos, e fosse dissipado num ápice.
Não existem quaisquer dúvidas de que os combustíveis fósseis vão escassear no futuro. Não irão desaparecer do pé para a mão. Mas vão ser cada vez mais raros, o custo de os extrair aumentará, e aquilo que era barato vai passar a ser caro. Isso vai implicar um momento a partir do qual se verificará uma redução na produção desses combustíveis. Nesse momento atingiremos um máximo de produção, e é esse máximo que se designa por “pico” de produção.
Entre todos os combustíveis fósseis, o petróleo é aquele que mais nos preocupa. Por ser mais conveniente de usar e armazenar, por ser mais fácil de transportar, e por ser o mais adequado à indústria dos transportes. E o “pico do petróleo” está à vista. Poderá estar a ocorrer neste momento, mas só será identificado depois de ter acontecido, como se estivéssemos a olhar pelo retrovisor do tempo. Uma tal conclusão ganha força. E a própria Agência Internacional de Energia não a enjeita, ao rever a cada ano, sempre em baixa, as previsões para os anos próximos. Embora não a apresente de modo muito explícito, para evitar alarmismos.
A alternativa das energias renováveis é uma via possível, mas não é a solução. Em primeiro lugar porque isso obriga a investimentos massivos, que vão usar o petróleo. E depois porque o seu retorno energético (relação entre o input e o output de energia) será muito inferior ao que é proporcionado pelo petróleo convencional.
O que temos como certo é que a ocorrência do “pico do petróleo” vai ter como resultado mais evidente a redução do crescimento económico. Isso vai pôr em causa o modelo que está subjacente à economia, o qual se baseia exactamente no crescimento contínuo do PIB. É quase certo que a actual crise tem como causa central, precisamente, a carência de crude, associada aos elevados preços que ele tem vindo a atingir, nas bolsas de matérias-primas.
O mundo tem pela frente um extraordinário desafio: insistir no esgotado modelo de crescimento contínuo num mundo finito, ou adaptar-se a viver com menos recursos, e com um crescimento mais reduzido ou mesmo nulo. Serão os economistas, educados a raciocinar apenas em contexto de crescimento contínuo, capazes de resolver este dilema?!
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Nos anos recentes, sobretudo a partir de 1998, ano da publicação no Scientific American do artigo The Coming Oil Crisis, de Colin Campbell e Jean Laherrère, a questão energética e o provável esgotamento dos combustíveis fósseis num curto horizonte temporal tem vindo a ganhar grande relevância nos fóruns de discussão entre especialistas. Mormente na Internet, a discussão tem-se centrado sobretudo nos EUA, no Canadá, na Austrália e na UE. E embora timidamente, o assunto começa a ser tratado nos mass-media, sobretudo nos mais especializados.
Esta é, no entender de muitos especialistas, a questão central dos nossos dias. Os combustíveis fósseis são o principal recurso da nossa civilização. Moldaram o nosso modo de vida, alimentam o nosso modelo de crescimento económico, e permitiram a explosão populacional do último século. Porém, tal como aconteceu na Ilha da Páscoa, a Civilização, tal como a conhecemos, poderá não sobreviver ao esgotamento do seu principal recurso.
Quando falamos de combustíveis fósseis, é de petróleo, de gás natural e de carvão que estamos a falar. São compostos (ou misturas de compostos) com fórmulas químicas diferentes. Mas têm em comum o facto de armazenarem energia nas ligações do átomo de carbono. Essa energia liberta-se sob a forma de calor, quando o carbono desses compostos se combina com o oxigénio (O2) para formar o anidrido carbónico (CO2). Na natureza, este chamado ciclo do carbono é um ciclo longo, que se pode traduzir no seguinte esquema:
Energia Solar + CO2 -> Carbono +O2 -> CO2 +Energia Térmica
Num extremo da cadeia está a energia solar, e no outro extremo está a energia térmica. No fundo, é como se o anidrido carbónico absorvesse a energia solar (uma árvore a crescer é disso perfeito exemplo), a qual é posteriormente libertada, na combustão do carbono. O carbono funciona, neste caso, como um transportador, ou carrier de energia.
A grande diferença entre os dois processos do ciclo (a acumulação e a libertação da energia) está no tempo em que decorrem: a reacção simbolizada na primeira seta – a formação dos combustíveis fósseis - demorou milhões de anos a ocorrer; ao passo que a reacção da segunda seta - a utilização desses combustíveis - decorre no espaço de algumas décadas. Tudo se passa como se um tesouro tivesse sido acumulado ao longo de muitos anos, e fosse dissipado num ápice.
Não existem quaisquer dúvidas de que os combustíveis fósseis vão escassear no futuro. Não irão desaparecer do pé para a mão. Mas vão ser cada vez mais raros, o custo de os extrair aumentará, e aquilo que era barato vai passar a ser caro. Isso vai implicar um momento a partir do qual se verificará uma redução na produção desses combustíveis. Nesse momento atingiremos um máximo de produção, e é esse máximo que se designa por “pico” de produção.
Entre todos os combustíveis fósseis, o petróleo é aquele que mais nos preocupa. Por ser mais conveniente de usar e armazenar, por ser mais fácil de transportar, e por ser o mais adequado à indústria dos transportes. E o “pico do petróleo” está à vista. Poderá estar a ocorrer neste momento, mas só será identificado depois de ter acontecido, como se estivéssemos a olhar pelo retrovisor do tempo. Uma tal conclusão ganha força. E a própria Agência Internacional de Energia não a enjeita, ao rever a cada ano, sempre em baixa, as previsões para os anos próximos. Embora não a apresente de modo muito explícito, para evitar alarmismos.
A alternativa das energias renováveis é uma via possível, mas não é a solução. Em primeiro lugar porque isso obriga a investimentos massivos, que vão usar o petróleo. E depois porque o seu retorno energético (relação entre o input e o output de energia) será muito inferior ao que é proporcionado pelo petróleo convencional.
O que temos como certo é que a ocorrência do “pico do petróleo” vai ter como resultado mais evidente a redução do crescimento económico. Isso vai pôr em causa o modelo que está subjacente à economia, o qual se baseia exactamente no crescimento contínuo do PIB. É quase certo que a actual crise tem como causa central, precisamente, a carência de crude, associada aos elevados preços que ele tem vindo a atingir, nas bolsas de matérias-primas.
O mundo tem pela frente um extraordinário desafio: insistir no esgotado modelo de crescimento contínuo num mundo finito, ou adaptar-se a viver com menos recursos, e com um crescimento mais reduzido ou mesmo nulo. Serão os economistas, educados a raciocinar apenas em contexto de crescimento contínuo, capazes de resolver este dilema?!
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