terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Adivinha

Se o crude  é caro, chove; se ele é barato, troveja.
Quem é que, por enquanto, ganha sempre?!

Ferralha aos cafres

Os cabrões faziam negociatas, vendiam ferralha aos cafres, compravam as decisões de responsáveis canalhas. Um forrobodó.
O mexilhão herda a dívida, que tem as costas largas.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Ventos

Do Norte vem o cieiro. É seco e frígido, e corta as carnes da gente, como um gume. Já do Sul chega o suão, bem mais macio e molhado. Entre um e outro, venho o diabo e escolha.
O sol, que é um vagamundos, já deu começo à volta do filho pródigo. Vem de longe e ainda demora, ainda tem que passar pelas Sete-Pipas, e a Cruz de Pedra, e o descampado todo, até subir ao pico do castro de Casteição. Só aí os corpos folgarão.
A festa é por isso antecipada, prematura como todas as esperanças. Desde há séculos que o mundo sabe estas coisas, salvo quem anda a aprendê-las.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Votos

Aos muitos canalhas do meu país, votos de muito bom Natal.

A quem pediu, nas Finanças, uma cabra refinada

Aí a tem em funções, com vários chibos à volta!

Sebastianismo 10



Visão do autor: uma no cravo e duas ao lado!
«Existe um profundo equívoco no modo como histórica e sociologicamente se tem interpretado o fenómeno do sebastianismo. Com efeito, este não se tem constituído apenas como um negativo ponto histórico de chegada: o cume da expansão marítima portuguesa na segunda metade do séc. XVI e o princípio da decadência histórica posterior. Diferentemente, o sebastianismo tem-se constituído também como positivo ponto de partida ou como motor ético que tem forçado, nos últimos 400 anos, cada português a agir, crendo que no seio da injustiça social geral propulsionada pelas elites que dominam o poder político e económico, algo ou alguém lhe alterará a sorte desgraçada, encaminhando-o para uma vida mais próspera. (…)
Assim, a crença sebastianista tornou-se a última esperança do português – contra ou paralelamente às elites reinantes, o sebastianismo aposta num recomeço, reconstruindo a vida bloqueada pelas políticas do Estado, acreditando que o futuro pode repetir o passado longínquo e a actual população ou os seus filhos (ainda) podem ser felizes. (…)
O português em geral não usufruiu da imensa riqueza proveniente das especiarias, do açúcar, do ouro, do café, das oleaginosas, sempre monopolizada por fidalgos e funcionários régios ou por aventureiros. Sentiu que algo que pertencia a Portugal inteiro como país e nação era usufruído apenas pelas elites ligadas ao Estado e sentiu-se incompleto e irrealizado. Assim, por um estado de necessidade, o sebastianismo consiste numa representação mental generalizada, constitutiva da mentalidade de todos os grupos sociais. Ou, como regista José Enes, “o heroísmo [do Império] expirou em catástrofe” (…).
Sintetizados no sebastianismo, desenham-se os 4 complexos culturais constitutivos da personalidade do português:
Complexo Viriatino – baseado na imagem de Viriato, homem impoluto, puro, virtuoso, soldado modelo, chefe guerreiro íntegro, homem simples, pastor humilde que se revolta contra a prepotência do ocupante estrangeiro, conduzindo os lusitanos a sucessivas vitórias (…).
Complexo Vieirino – Nação superior: da decadência do Império a partir de D. João III, do fracasso de Alcácer Quibir e da perda da independência, nasce o assombro de nos sentirmos insignificantes depois de nos termos sabido gigantes na descoberta da totalidade do mundo. Pe. António Vieira, resgatando o providencialismo de Ourique e o milenarismo judaico de Bandarra, dourou-nos o futuro com o regresso anunciado às glórias do passado, agora sob o divino nome de V Império. (…)
Complexo Pombalino -  Nação inferior: no final do séc. XVIII, após 250 anos de domínio exclusivo da Igreja Católica na formação da mentalidade colectiva portuguesa, (…) Portugal reconheceu a sua pobreza intrínseca – o comércio urbano e as exportações encontravam-se nas mãos dos ingleses, o pão era confeccionado com farinha branca inglesa, o carvão importado da Inglaterra, os trajes tecidos de seda de Lyon e das fazendas dos teares de Manchester, a louça provinda de Itália, as berlindas armadas em Paris, escolas públicas inexistentes, estradas reais inexistentes, (…). Pela Europa culta ostentavam-se os espectáculos públicos nacionais como exemplos de barbárie e superstição: autos-de-fé, procissões penitenciais e touradas. O Marquês de Pombal reagiu a esta situação catastrófica revolucionando o todo de Portugal – tesouro régio, educação, economia, urbanismo – assente na profunda convicção de que a Portugal nada faltava para ser igual aos restantes países, caso se alterasse o perfil das elites, insuflando-lhes um banho de Europa. (…)
Complexo Canibalista -  (…) Se quiséssemos definir o tempo moderno e contemporâneo da cultura portuguesa entre 1580 (perda da independência) e 1980 (acordo de pré-adesão à CEE), (…) defini-lo-íamos como o tempo do canibalismo, o tempo da culturofagia, o tempo em que os portugueses se foram pesadamente devorando uns aos outros, cada nova doutrina emergente destruindo e esmagando as anteriores, (…).
Para efeito do ambiente educacional e social, cada português percorre na sua vida, recorrente e ciclicamente, estas quatro figurações da história e da cultura pátrias. (…)
Assim, ainda que de origem histórica profundamente negativa, o sebastianismo constitui igualmente uma espécie de motor ético dos portugueses, forçando-os a acreditarem ser o futuro melhor do que o presente, mesmo que para tal se sintam obrigados a fugir da medíocre elite portuguesa, que do país se apodera como coutada sua, e emigrar, como o fazem hoje.»

[A propósito do tema, que aqui finda: a função dos pensadores é abrir janelas ao povo, a quem falta o tempo de pensar. Janelas de lucidez, de racionalidade, de progresso. Isto em sociedades saudáveis, não na nossa!]

Solstício

Deitei um filho ao mundo, escrevi um livro ou dois, fiz uma casa nova na paisagem. E tirei a tralha dos caixotes antes que a noite chegasse. Encerei bem as madeiras, limpei as lixaradas, fiz a cama em que me vou deitar. No fim saí ao alpendre a sondar o horizonte. Era ainda o mesmo que avistei, há uns cem anos por pouco, numa antiga madrugada em que os olhos se me abriram pela primeira vez.
Encontrei à minha frente a Orion, com a Betelgeuse e as três Marias no meio, desenhadas num céu que suspendeu as névoas para me surpreender.
Rejubilei do presságio e fui dormir. É que me falta enraizar umas árvores, e acordar cedo para sujeitar à horta os alhos mais as favas. Já está aí o tempo deles.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Sebastianismo 9

Dois sobre a seita:
Eduardo Lourenço
«Em Heterodoxia (I), Lourenço atribui o atraso português à ausência de uma mentalidade europeia desde a segunda metade do séc. XVI. O primeiro parágrafo de “Europa ou o diálogo que nos falta” refere que o mundo da cultura portuguesa arrasta há quatro séculos uma existência crepuscular. (…) Esta existência crepuscular deveu-se e deve-se a três absolutas ausências com que o nosso país respondeu “à cisão religiosa das reformas, à criação da físico-matemática e à filosofia cartesiana”. Assim, o caudal de conhecimentos que tínhamos erguido com a empresa dos Descobrimentos “perdeu tudo o que tinha de vivo e prometedor, para conservar apenas o comentarismo ruminante estéril. Nascera assim o sebastianismo, como não-resposta de Portugal ao avanço científico, religioso, cultural e económico da Europa Ocidental. O sebastianismo é uma não-resposta que nos compromete num outro caminho mental – o do “irrealismo prodigioso”. (…)
Operando uma ligação histórico-cultural com o povo judaico, Lourenço explica que “Portugal não espera o Messias, o Messias é o seu próprio passado, convertido na mais consistente e obsessiva referência do seu presente, constituindo até o horizonte mítico do seu futuro. ” Numa palavra, Portugal esconde-se no seu passado, incapaz de abordar desinibidamente o presente. (…)»

Boaventura de Sousa Santos
«Sousa Santos compreende o mito sebastianista como representativo de um tempo português passado, “sem tradição filosófica nem científica”. “Enquanto objectos de discursos eruditos, os mitos [como o sebastianismo e o V Império] são as ideias gerais de um país sem tradição filosófica nem científica. O excesso mítico de interpretação é o mecanismo de compensação do défice de realidade, típico de elites culturais restritas, fechadas no brilho das suas ideias.”
Neste sentido, o mito sebastianista coincide temporalmente com o início de um período de obscurantismo cultural: “A partir do séc. XVII, Portugal entrou num longo período histórico dominado pela repressão ideológica, a estagnação científica e o obscurantismo cultural, um período que teve a sua primeira manifestação na Inquisição, e a última nos quase 50 anos de censura salazarista. A violação recorrente das liberdades cívicas e a atitude hostil à razão crítica fez com que acabasse por dominar a crítica da razão geradora dos mitos e esquecimentos com que os portugueses teceram os seus desencontros com a história. (…) O Encoberto [o mito sebastianista] é a imagem da ignorância de nós mesmos reflectida num espelho complacente.” (…)
“Dada a distância entre as elites culturais e o cidadão comum, o nível de interiorização é relativamente baixo, e portanto o sebastianismo, se teve amplo apoio popular no séc. XVII, foi gradualmente perdendo este apoio nos séculos seguintes até não passar, hoje, de um discurso registado por uma ínfima elite cultural. (…)
É um discurso de decadência e de descrença, e quando projecta uma ideia positiva do país fá-lo de um modo elitista e desfocado, e por isso está sempre à beira da frustração, da queda e do ressentimento.”»

Acerca da premeditação destas catástrofes

Só imbecis e canalhas é que ainda têm dúvidas

Mordaça fascista

Sócrates não pode dar a entrevista pedida pelo Expresso, por ordens da escumalha corporativa de juízes, ou magistrados, ou investigadores.
Ao advogado de Sócrates não é permitido, pela secção de Lisboa da Ordem dos Advogados, dar a público peças processuais do recurso apresentado.
O motorista Perna, afinal, parece que não andou a atravessar os Pirinéus com malas de dinheiro do patrão às costas. Diz-se que nunca foi a Paris. O que não quer dizer que a imprensa amiga não afirme todos os dias o contrário.
Aos portugueses em geral pouco interessam tais assuntos. Há séculos habituados a ser o corno da história, não querem saber quem é que os anda a foder.
Já outros, mais sabidões, preferem a chafurdice do comentário metafísico. Indiferentes ao duro facto de que Sócrates está apenas a ser frito no fogo mediático e na opinião pública, sem direito a contraditório nem a defesa.

Equívocos e a força deles

Guardo no arquivo um par de imagens de há vinte anos. A primeira é do Carlos Cruz, por então publicista e estrela maior da comunicação. Exultava ele numa emissora qualquer, duma capital do centro da Europa. Alguém algures tinha presenteado os portugueses com a benesse de organizar o Euro 2004. Mais do que eufórico, o homem estava fora de si. Portugal tinha vencido uma grande batalha, e realmente o país não coube em si de contente. (Hoje é sabido no que esse equívoco deu.)
A segunda imagem é do Jorge Coelho, ministro das Obras Públicas. De sorriso aberto às câmaras, anunciava os planos dum túnel na Serra da Estrela, entre a Covilhã e Seia. Os próprios ecologistas (e os amadores da Serra e do ambiente) exultavam com o projecto, pois desse modo o mundo cruzava a Estrela sem molestar as urzes e as carquejas. O túnel nunca se abriu, e aos morcegos coube a maior perda. Foram privados dum tecto, numa galeria escura, onde dormiriam regalados de cabeça ao pendurão.
Dizem que as ideias ganham força quando tomam conta da cabeça das massas. E os equívocos também. De tais matérias se fez a lucidez honrada do Velho do Restelo. Taxado de cobarde e pusilânime, indiferente a insânias colectivas, ficou na Praia das Lágrimas a vociferar sozinho, contra a temeridade e a vã cobiça. A história andou quinhentos anos até lhe dar razão.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Sebastianismo 8

Sequazes (2).

António Quadros
«(…) O mito sebastianista originar-se-ia da junção de dois mitos europeus anteriores: o mito do Encoberto, de raiz popular hispânica e europeia (…); e o mito do V Império, mito bíblico e expressão do desejo inconsciente dos povos do estabelecimento dum reino definitivo de paz e de justiça no mundo. (…) “Camões é o maior dos sebastianistas”. (…)
António Quadros eleva a obra de António Sérgio a centro detractor da teoria sebastianista. Sérgio é estatuído como adversário frontal do sebastianismo. (…) Trata-se de compreender a diferença radical entre história positiva, fundada em factos e documentos, e mito, estrutura inconsciente da mentalidade dos povos, de que a poesia seria a intérprete mais correcta. (…)
De facto, António Sérgio, como qualquer historiador positivista ou empirista, alimentado exclusivamente de factos, não compreendeu a profundidade e a natureza do mito sebastianista. (…)
A teoria de A. Sérgio, por preconceito racionalista, foi incapaz de compreender a natureza profundamente cultural do mito sebastianista, como narrativa compensatória e consolatória de um povo que:
- com supremo orgulho na criação dum império mundial, se viu humilhantemente desprovido de riqueza, poder, prestígio e até de independência;
- desde o séc. XVI intuía ser incapaz de favorecer a sua vida pela objectividade do trabalho, pela disciplina do esforço, pela capacidade de iniciativa, já que as elites parasitárias cortesãs não só impediam a ascensão social, como repartiam entre si as benesses cumuladas pelos proveitos retirados dos Descobrimentos, do ciclo da pimenta e do ouro, da escravatura, do café.

José Marinho
« (…) José Marinho aceita e não aceita o sebastianismo como um mito. Trata-se de um mito enquanto forma de conhecimento em ruptura com a história factual e positiva e a configuração imaginária da cultura portuguesa; não se trata de um mito porque um povo isolado não tem o poder e a capacidade de criação de mitos, apenas a humanidade como um todo a teria. (…)»

Pinharanda Gomes
«(…) Segundo Pinharanda Gomes, o movimento sebastianista tem duas fases: “a pré-vieirina, que intelige o Desejado como pessoa singular, seja ela Sebastião, António Prior do Crato ou um Bragança; e a pós-vieirina, que intelige o sebastianismo como sistema de filosofia política, que mantém a eleição de Portugal para a edição do Reino [o V Império]. (…)
Após proceder a uma síntese histórica do movimento sebastianista e dos seus opositores, conclui Pinharanda Gomes sobre os aspectos positivos do movimento sebastianista: “Na melhor das intenções, o sebastianismo constitui uma tentativa de revigoramento da Cruzada, um desejo de reaportuguesamento da Pátria, para que um povo velho não se apagasse da história”.»

Joaquim Domingues
(…) Assinalando ter sido a teoria providencialista a visão dominante da história de Portugal até Alexandre Herculano, Joaquim Domingues aclara em seguida a teoria da história deste autor, de Teófilo Braga e de Sampaio Bruno, concluindo ter sido com a obra deste último que se reergueu e renovou a antiga visão providencialista. (…)
Assim, a análise da história de Portugal muda radicalmente de foco: Portugal passa a ter um destino, constitui-se como um ser com uma finalidade. É justamente em função deste novo foco que faz sentido a aparição de Cristo a D. Afonso Henriques na batalha de Ourique narrada por Frei Bernardo de Brito, faz sentido a visão quinto-imperialista esboçada em Os Lusíadas e desenhada com pormenor por Padre António Vieira, faz sentido a gesta heróica e aventureira dos Descobrimentos – um território periférico e imensamente exíguo da Europa descobrindo e dominando um império geograficamente descomunal – e finalmente faz sentido o mito sebastianista; (…)
“Não temamos o descaminho – não escreve Deus direito por linhas tortas? -, hoje como outrora a via real a trilhar é a da aventura, ousada mas racional, com risco mas com rasgo. Deixemos os caminhos por demais trilhados, a certeza dos métodos confirmados, a segurança das normas gerais. Na manhã de nevoeiro, todos os caminhos estarão irreconhecíveis”.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Pastor

Aos meus pés o rio passa
- vai lamentando o pastor -  
e eu fico, a vê-lo passar!
O rio corre para longe
até se cumprir no mar.
E quem passa é o pastor.

Sebastianismo 7

[anterior]
Sigamos o exotismo dos sequazes (1):

Sampaio Bruno
«(…) Neste sentido, Sampaio Bruno desloca a essência do mito e do movimento sebastianistas para a totalidade do Homem ou da Humanidade. Na verdade, o Encoberto não seria D. Sebastião, mas o Homem na sua universalidade. “Dissipe-se a nuvem que encobre o herói. O herói não é um príncipe predestinado [alusão ao rei português]. Não é mesmo um povo [alusão ao povo judaico e ao povo português]. É o Homem. O sebastianismo seria assim a expressão em Portugal de um movimento ontológico constitutivo de toda a humanidade: o messianismo.»
Teixeira de Pascoais
« (…) O sebastianismo evidencia-se como um elemento intrínseco à cultura portuguesa. A “raça portuguesa” apresenta um conjunto de elementos constitutivos que lhe são específicos e que a diferencia de todas as restantes (…); o “génio” da língua expressa no sentimento de saudade; a independência religiosa do povo, expressa na primitiva igreja portuguesa ou Igreja Lusitana; a lenda sebastianista; as primitivas leis portuguesas, baseadas nos costumes regionais; a transmutação espiritual da paisagem nas obras estéticas portuguesas. (…)
O sebastianismo, integrando constitutivamente a alma portuguesa, deixara de ser determinante para a história de Portugal. (…) De igual modo, torna-se necessário abandonar o positivismo cientista e o experimentalismo europeu, com predomínio das ciências naturais e matemáticas, e retornar à antiga escala axiológica onde dominavam os valores morais e nacionais. “Duas grandes qualidades possui o povo português: o Génio Aventureiro e o Temperamento Messiânico. (…)»
António Sardinha
« (…) Monárquico e integralista, Sardinha defende uma visão sebastianista da História de Portugal, como forma de superação do decadentismo politico-partidário presente na 1ª República, e como reassunção da identidade permanente de Portugal. Na sua obra, o sebastianismo encontra-se sempre subordinado a uma filosofia política peninsularista, designada por “hispanidade” ou “iberismo”. (…) Defende a visão histórica, cultural e psicológica do sebastianismo como “filosofia da nossa Raça, e como crença activa no regresso do “grande amanhã de Portugal”. (…)

Fernando Pessoa
  «Fernando Pessoa apresenta-se a Adolfo Casais Monteiro como um “sebastianista racional”, isto é, um estudioso e um crente num messias salvador de Portugal. (…) Sebastianista porque não se limitou a crer e a reproduzir poeticamente o conteúdo das Trovas de Bandarra e os argumentos do Padre A. Vieira, mas intentou actualizá-los para o séc. XX, nomeadamente a teoria do V Império. (…) Revela ser Pessoa uma das mais altas figuras da filosofia esotérica portuguesa, escrevendo sobre este tema não de um modo despiciendo ou diletante, como um simples amador, mas de um modo empenhado, quase militante (…).
Pessoa considera a fundação de Portugal como materialização territorial e espiritual da Ordem do Templo – posteriormente a partir do reinado de D. Dinis designada como Ordem de Cristo (…). Justamente quando a Igreja Católica esgotou o seu múnus evangélico, pervertendo-se, assenhoreando-se de Portugal por via de instituições “estrangeiras” (o tribunal do Santo Ofício e a Companhia de Jesus), surge em Portugal o “profeta” do V Império, Bandarra, anunciador de “O Encoberto”, isto é, do “Cristo de Portugal”, o rei D. Sebastião. (…)
“E a nossa grande Raça partirá em busca duma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas “daquilo de que os sonhos são feitos”. E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal ante-arremedo, realizar-se-á divinamente. (…)»

Um pouco mais de sol

E o país ficava limpo do fadário funesto que é o seu há quatro séculos.
E o PPD foi a principal gazua de que o rebotalho destas elites se serviu, para reverter a trajectória política, cultural, económica, educativa, social, e até humana, que Portugal iniciou há 40 anos. Não fora Abril, e toda essa gentalha ressonaria tranquila no regaço do salazarismo, em que todos nasceram e medraram.
Um pouco mais de sol e isto mudava. Mas ainda não foi desta.

Poeirada

Poeirada. Poeirada.
Mais poeirada com vénia: 
Você não sabe do que a casa gasta. Ou parece. Não ficou surpreendida com a nega da entrevista. Vai ter muito com que se surpreender. Carlos Alexandre e os gajos do MP estão-se cagando para os direitos, liberdades e garantias. Eles são a lei e sabem-se totalmente protegidos ao mais alto nível. Quem ainda não percebeu isto, e imagina que os magistrados que prenderam Sócrates trabalham sem cobertura, é porque não sabe nada do que se passa. Sócrates é para apodrecer na cadeia até que esteja reduzido a um farrapo perante a opinião pública. Nem oportunidade terá de mostrar que não verga e se mantém um homem digno. A sua dignidade ficará dentro das grades da prisão, e cá fora só ecoará em toda a imprensa o labéu de corrupto da pior espécie. Enquanto isso, os que o lá puseram rebentam de gozo e o povo enaltece a coragem da justiça que prendeu o cabrão que se fartou de roubar enquanto era PM e depois foi para Paris estoirar o produto do roubo em luxos. O João Araújo bem pode perder mais um mês a juntar argumentos contra a prisão do cliente. Os magistrados vão limpar o cu aos papeis que lhes vai entregar. Você já esqueceu o Freeport e a Face Oculta, de que o Marquês é uma versão muito mais refinada?

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Passo em frente

Com o encarceramento preventivo de Sócrates, a direita que de novo atraiçoou o país deu um passo em frente. O único que ainda poderia salvá-la.
Agora não há alternativa: ou esta justiça transforma em crimes provados os indícios e suspeitas que administra, condenando Sócrates, ou só pode acabar pendurada num candeeiro.
Já para a imprensa de canalhas, vendidos e irresponsáveis, que por aí campeia e lhe serve de trombeta, qualquer tempo é oportuno para virar a casaca.

Sebastianismo 6 - O V Império

[anterior]
Na peugada de D. João de Castro (neto), o Padre A. Vieira engendrou para Portugal, no crepúsculo trágico do séc. XVII, a nebulosa do V Império. Teorizou-a e deu-a como certeza futura.
Portugal é caracterizado como:
- a nação d’O Encoberto, identificado como um rei português futuro;
- a nação possuidora de um destino messiânico, concretizador da vitória sobre os turcos;
- a nação criadora do V Império;
- O Encoberto, já revelado pelas Trovas do Bandarra, era nada mais que o rei João IV, futuro Restaurador.
E o que é o V Império?
«Consiste no estado perfeito e realizado ou consumado do Reino de Cristo em todo o mundo, reino em que todos os príncipes e nações e povos viverão em paz e segurança: cessarão todas as guerras, as comunidades serão boas observantes da lei divina, sendo Cristo adorado e obedecido por todos; pressupõe-se que a justiça seja universal, o bem-estar pleno e todas as qualidades humanas negativas desaparecerão.
Onde se localizará o V Império?
Localizar-se-á na totalidade geográfica da Terra, e não no Céu, segundo a ortodoxia católica.
Quando se cumprirá o V Império? (…)
O V Império opera-se em momentos sucessivos:
- primeiro convertem-se os gentios, ou povos gentílicos;
- depois convertem-se as nações judaicas;
- todas as heresias serão combatidas e eliminadas; (…)
- haverá um dilúvio de sangue como se fosse um novo baptismo, ou seja, uma mortandade anterior;
- haverá cada vez maior vocação de padres, maior a intensidade nas orações a Cristo e à Virgem Maria, maior a difusão da palavra de Cristo pelos Pregadores, uma superior iluminação do Espírito Santo e um crescente número de milagres, acompanhado pelo aumento do poder militar dos reinos cristãos.
Quanto tempo dura o V Império?
- não se sabe.
Quando acaba o V Império?
- terminará com o aparecimento do Anticristo, o qual dominará durante 45 dias;
Quem promove o V Império?
- dois futuros imperadores: O Sumo Pontífice de Roma e o rei D. João IV.»
O Padre António Vieira aponta ainda um ano para o início da instauração do V Império: 1666.
[seguinte]

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Força maior

Este blogue não existe para retirar leitores ao NYT ou ao Osservatore Romano. Pratica apenas a tortura do sono, por ser crime andar aí de olhos fechados.
Há poucos dias passaram por ele, em 24 horas, quinhentos visitantes. É sinal de algum alento.
Mas há mais vida para além deste blogue, como havia para lá do défice, conforme o outro dizia, com razão.
Por motivos de força maior, e até futuro aviso, o Ladraralua pára aqui.

Tecelões

Não há nada que falte dizer sobre os malefícios que o Santo Ofício provocou na Europa durante séculos. E sobre a tragédia que o mesmo constituiu para os povos ibéricos nunca o bastante será dito.
Torquemada foi o primeiro inquisidor-geral de Espanha, onde semeou a iniquidade sem limite à sombra dos pendões da Justiça, da União e da Misericórdia. Confessor e conselheiro espiritual de Isabel a Católica, induziu a criatura a instalar a Inquisição para o serviço de Deus.
Por onde quer que ele andasse, fazia-se acompanhar dum escudo pretoriano de 250 seguidores de fidelidade cega. Um dia morreu na cama, sossegado, cumprira bem a missão.
Também Pedro de Arbuès, que lhe sucedeu mais tarde, terá servido a Deus exemplarmente. Mas isso não foi bastante para o impedir de morrer em Saragoça, de morte muito matada, com trinta centímetros de lâmina furiosa a sangrar-lhe o baixo-ventre.
O super-juiz Alexandre também é uma criatura de missões. É certamente para melhor as cumprir que busca conselho em Fátima, e alento e inspiração no santo recolhimento de ermidas e de capelas.
Deus, mesmo se bem servido, é insondável, já que reserva a servidores iguais tão díspares destinos, como vimos. No lugar de Alexandre, eu antes queria ver-me rodeado de seguidores cegos. Porque Deus tecerá bem, mas o Diabo também é tecelão.

Agenda

Tão cedo quanto possível, arranjo um bilhete de autocarro e vou a Évora. Ver um homem que lá está encarcerado por uma cobardia antiga, às mãos de pulhas, de cínicos, de canalhas.
Nunca o vi de mais perto que um ecrã. Em contrapartida, de ver pulhas e canalhas estou cansado. E é perigoso andar aí de olhos fechados.

UE

A Europa não é nenhuma união. É antes é um jogo da vermelhinha, sofisticado e perverso, que a ciganada das elites dirigentes exercita, para pôr uma canga aos povos.
Dantes faziam a mesma coisa com a fumarada espessa dos canhões e o acre cheiro da pólvora. Hoje não precisam disso.

Praça de Londres

O café é dos antigos, há muitíssimo tempo que o não via. E ainda sobrevivem nele, no aquário do canto, piriquitos e canários a saltar de ramo em ramo.
Os velhos já não discutem arte nem mundanidades, deambulam apenas num crepúsculo. Falam de capitais angolanos, de golden shares douradas, e do Nabo que se foi embora a tempo.
Passa um retardatário à procura duma bica. Reformado na sua gabardina, passa alto e elegante, ergue o braço a um ignoto führer. E considera que tudo fica dito, pois não diz uma palavra. Pouparam-no à hecatombe de Stalingrado e agora é isto.

Outra loiça

Só um asno ou um canalha recusará ao PCP a honra de ter sido o principal baluarte de resistência ao fascismo do nosso século passado.
Mas este partido de hoje é outra loiça. Dito com todas as letras: é uma traição a um povo em desespero, é uma vergonha sem nome, é uma perniciosa seita de manobristas.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Hesitações

Confesso-te que não sei o que deves fazer, Costa!
No teu lugar eu iria, não mandava dizer.
Mas já passaram os tempos prazenteiros de fazermos sobretudo o que nos agradaria. Só temos para fazer o que deve ser feito.
E tenho aqui algumas hesitações. Entre o justo, e o humano, e o político; entre o que é forte e o que resulta fraco; entre o que sonhou corajoso e acordou pusilânime. 
Sei que tudo isso é pouco para vesgastar os canalhas e os cínicos, os pulhas e os tacticistas, que erguem o dedo molhado para ver donde vem a aragem. Mas para além disso não sei, por isso calo-me. Falta-me saber e dimensão.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Isto aqui

Não é uma coisa prazenteira. Mas elidi-la da nossa memória histórica é pior

O Pio

“A Justiça finalmente está a funcionar” – piou o pretendente. Mas ainda “precisamos de uma revolução cultural”.
Cabeças a rolar, queria ele dizer.

Anda aí dito

Mas não é mau lembrá-lo aos esquecidos.

«Foi por estes dias do início de Dezembro, mas no ano de 1776, que apareceu um cartaz na esquina da casa lisboeta do Cardeal da Cunha, arcebispo de Évora, ex-inquisidor-mor, ex-presidente da Real Mesa Censória, e um dos homens que mais cargos e benefícios receberam do governo do Marquês de Pombal. Como descrito numa carta da época que se encontra na Biblioteca Pública de Évora, era isto que se via no cartaz:
«Dois ou trez homens, com tal ou insignia, ou Letra que indicavam serem Alfayates; e perguntava hum delles ao outro, ou aos outros: Que fazem aqui? Respondiam: Estamos para virar huma casaca.»
Era o fim do poder pombalino. Nas ruas sussurrava-se “isto está para acabar”; dentro das casas apostava-se sobre quem seriam os primeiros a abandonar o barco. Neste caso, acertaram. Quando o rei Dom José I morreu, a 24 de fevereiro do ano seguinte, o Cardeal da Cunha foi mesmo o primeiro a receber o Marquês de Pombal no Palácio Real e a anunciar-lhe de maneira seca: “Vossa Senhoria não tem mais nada a fazer neste lugar.”
Pois é, tudo nos parece muito moderno nesta história de cunhas e de virar casacas num cartaz de 1776. Ficou mais moderno ainda quando alguém decidiu chamar à investigação sobre José Sócrates, presumivelmente por causa da proximidade do seu apartamento à rotunda lisboeta, Operação Marquês. É um nome muito mal escolhido — e só não é pior porque talvez só os historiadores dêem por isso. Houve de facto, há 230 anos, um célebre “processo do Marquês”. Aconteceu dois anos depois de Pombal ter perdido o poder na corte e de os seus fiéis inimigos e alguns desleais amigos terem ocupado os cargos correspondentes no Governo da “Viradeira” de Dona Maria I. 
O ex-ministro do Reino foi acusado de corrupção e enriquecimento às custas do tesouro público, sem esquecer todos os seus abusos de poder e repressões ferozes. Entre 1779 e 1781, o velho Marquês (tinha a idade do século, tendo nascido em 1699) veio defender-se vigorosamente numa série de textos que de pouco lhe valeram. Não só as suas antigas vítimas estavam pouco dispostas a ouvi-lo, como a verdade é que ele havia enriquecido no exercício do poder. Os amigos que lhe restavam de pouco lhe podiam valer: estavam dispersos pelo país, num discreto exílio, trocando entre si cartas como a que citei no início deste texto. As acusações foram dadas por provadas e o Marquês de Pombal foi condenado. Mais humilhante ainda, foi depois perdoado pela rainha, em razão da sua velhice e enfermidades. Em 1782, Pombal morreu com o nome manchado e o orgulho ferido. 
Quem for que tenha dado o nome de “Marquês” ao caso de José Sócrates prestou assim um mau serviço ao processo e ao país. Desde logo porque, para o bem e para o mal, Sócrates não é Pombal. E sobretudo porque o processo do Marquês, há 230 anos, foi o epítome do que este não deveria ser: uma amálgama de sentimentos, arrogância de um lado e desejo de vingança do outro, divisão do país em duas metades incomunicáveis que se foram guerreando, sob diversos disfarces, nas gerações seguintes. O país não saiu regenerado, nem melhor. Pombal, nem bem condenado, nem inocentado. Depois dele veio Pina Manique, e depois Napoleão, e a rainha, agora já louca, embarcou para o Brasil dizendo: “Não corram! Vão pensar que estamos a fugir.” E estávamos. Espero que já não seja o caso.»
(Rui Tavares, in PÚBLICO)