segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Corso romano

                   [clicar ajuda um pouco]
« (...) E também nós, sem darmos por isso, fechámos o nosso carnaval com uma Quarta Feira de Cinzas, com o que não receamos deixar triste nenhum dos nossos leitores. Continuando a vida a ser, no seu conjunto, como o carnaval romano, inabarcável, insuportável e problemática, desejaríamos antes que cada um de vós, tal como nós, atentasse nesta sociedade de máscaras despreocupadas, e se lembrasse da importância de cada um dos momentâneos, e tantas vezes aparentemente insignificantes, prazeres da vida.»  
[J.W.Goethe, Viagem a Itália 1786-1788, Liv. Bertrand, Lisboa]

Cantata

Duas horas de caminhada ao sol, ver os montes perto e longe, atentar nos madrigais das cotovias, de crista em riste, no alto céu azul, guardar emoções e pensamentos atrás do cortinado... 
Sentir? Só as dentadas do cieiro nas pontas das orelhas, sem pensar nos dentes dele. É esta a transcendência de Ceres e de Pã, celebrada por mestres. Cabe toda num quadrado de papel.

II
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer, 
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo.

Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso, 
Porque quem ama nunca sabe o que ama.

[Poemas de Alberto Caeiro, Ed. Ática, Lisboa]

Uma seita em roda livre, ou de como Sócrates tinha que ser atado ao pelourinho

Em dez anos 24 procuradores tiveram licença (sem vencimento)) e nove voltaram à magistratura.

Regras que permitem aos magistrados pedir licença sem vencimento são as mesmas dos funcionários públicos. Ministra da Justiça admitiu um regime específico no estatuto, que pode passar por criar um regime de incompatibilidades. [In PÚBLICO]

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Malas-artes contemporâneas (conceptuais?)

Ditos oportunos, em contra-corrente, ou a simples ousadia de os dizer. [Visto aqui]

Bonecos pintados

Desgraçadamente para os portugueses, as elites indígenas deixaram de ter uma cara lavada e alguém que fale por elas. Tiveram aí um governo onde até a Cristas fez o papel de ministra. Esse governo de bonecos pintados por crianças criativas.
Ora os bonecos pintados das crianças só existem no papel, nunca aceitam o confronto com as pessoas concretas. Que têm pele, e vidas, e sonhos, e pesadelos, e o seu odor corporal, e a fisicidade de tudo quanto faz sombra. 
É por isso que esta Cristas, num caso muito hipotético, dará apoio a consensos de emergência. A um Assis, a um (in)Seguro, aí está bem. Mas ao Costa, a esse, nunca!

Nápoles

[clicar]
Itália abaixo, Goethe passa por Roma, onde voltará. E alarga-se em visitas e considerações sobre a pintura, o teatro, a escultura, a arquitectura, o urbanismo, a paisagem, os hábitos e a agricultura dos italianos. Em Nápoles sobe ao Vesúvio.
«2 de Março
Subi ao Vesúvio, apesar de o tempo estar nublado e o cume envolto em nuvens. De carro até Resina, depois numa mula pela encosta acima, entre vinhedos; finalmente a pé sobre a lava de 1771, já com um musgo fino mas consolidado, e depois ao longo da faixa de lava. A cabana do eremita lá no cimo, à minha esquerda. Seguiu-se a subida do monte de cinza, um verdadeiro trabalho de forçado. Dois terços do cume estavam cobertos de nuvens. Chegámos finalmente à antiga cratera, agora tapada, encontrámos as novas lavas de há dois meses e meio, e também outra mais fraca, de há cinco dias, já fria.Subimos por ela até uma colina vulcânica de erupção recente, que fumegava por todos os lados.
O fumo afastava-se nós e eu quis ir até à cratera. Tínhamos avançado uns cinquenta passos no meio dos vapores quando eles ficaram tão densos que mal via os sapatos. Levei o lenço à boca, mas isso não serviu de muito, o guia tinha desaparecido, o piso sobre os torrões de lava era inseguro, e eu achei melhor voltar para trás e deixar a observação do lugar para outro dia, mais claro e com menos fumo.Mas fiquei a saber como é difícil respirar numa atmosfera destas. (...)
Já tive ocasião de ver aqui gente de toda a espécie, belos cavalos e estranhos peixes. Sobre a localização da cidade e as suas maravilhas, tantas vezes descritas e elogiadas, não preciso de dizer nada. "Vedi Napoli e poi muori!"»

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Louçanias

Era uma vez um grupo de maralha cuja maior mais-valia residia nas hormonas. E num dia de intensa louçania pôs-se a desenhar cartazes num ecrã.
O resultado foi este: a muito séria questão da eutanásia levou um rombo fatal. E foi ao fundo.

Saudades da Primavera

São ares do tempo, que hão-de passar com ele. Enquanto não passam, atendamos às febres que aí andam, em volta da literatura e de certas romarias, os festivais literários. Que este universo é o mesmo das artes contemporâneas, é o mercado que o faz em círculo viciado. Criadores e marchands (sujeitos activos), membros de elites e de performances sociais (são os passivos), fazem os cozinhados nas suas galerias, põem a coisa em quermesse. Nunca fica por pagar, há sempre um totó qualquer em busca de promoção. 
Neste caso são as editoras e o seu marketing, a crítica que não há, o umbiguismo narcísico, a vaidadezita equívoca, a inanidade comum e a fraca literacia. Formas de vida, enfim, que a literatura a sério é um rendilhado distinto. Aparentemente simples, sai-nos das tripas da alma. Mas é sempre luminosa e faz-se com harmonias, prima dilecta duma música assim. Dessa, quem ma dera a mim! 
Canção de MozartSehnsucht nach dem Frühling!

Cleptocratas velhos, cleptocratas novos 2

O maior contributo dos colonizadores portugueses para a saga marítima e comercial do homem branco foi o transporte de quatro milhões de negros africanos para a América do Sul em navios negreiros, e a criação dos mestiços. Para além disso, depressa desapossados das praças da Índia por holandeses e ingleses, limitaram-se a existir no tempo, até ao absurdo.
Outros povos europeus lhes tomaram as ambições e o lugar, no saque das riquezas coloniais: ingleses, belgas, holandeses e franceses foram actores maiores na pilhagem de África. Ontem, hoje e amanhã (com a China). Enquanto dura.
"Há mais de duas décadas que os economistas tentam perceber o que faz com que os recursos naturais semeiem o caos. Paradoxalmente, apesar das perspectivas de riqueza e oportunidades que acompanham a descoberta e extracção de petróleo e outros recursos naturais, é demasiado frequente tais dádivas impedirem , em vez de promoverem, o desenvolvimento sustentável e equlibrado. (...) A maldição dos recursos não é exclusiva de África, mas é mais virulenta no continente que é, ao mesmo tempo, o mais pobre do mundo e provavelmente o mais rico. (...) África tem 13% da população mundial e apenas 2% do seu produto interno bruto cumulativo. Mas é o repositório de 15% das reservas de petróleo bruto do planeta, 40% do seu ouro e 80% da sua platina. As minas de diamantes mais ricas estão em África, tal como estão significativos depósitos de urânio, cobre, ferro, bauxite (alumínio) e praticamente todos os outros frutos da geologia vulcânica. África contém cerca de um terço dos recursos minerais e hidrocarbonetos."
Angola é um manancial de petróleo e diamantes; o Níger é a principal fonte de urânio que abastece a economia da França, alimentada por energia nuclear; O Congo (Brazza) tem os depósitos mais ricos de coltan, cruciais para a produção da indústria de telemóveis; O Congo (Kinshasa) o cobre e o cobalto; a Guiné (Conacri) a bauxite (alumínio); a Serra Leoa o ferro; a Nigéria o petróleo; O Botsuana, diamantes; o Zimbabue, platina; a África do Sul, platina e diamantes...
" (...) O FMI define um país rico em recursos como sendo aquele que depende dos recursos naturais em mais de um quarto das suas exportações. Há pelo menos 20 países africanos que se incluem nesta categoria. (...) Os recursos são responsáveis por 11% das exportações da Europa, 12% das da Ásia, 15% das da América do Norte, 42% das da América Latina e 66% das da África. (...)
O que está a acontecer nos estados donos de recursos em África é uma pilhagem sistemática. (...) À medida que os colonos europeus partiam e os estados africanos conquistavam a sua soberania, os colossos empresariais da indústria de recursos (Shell, BP, Exxon Mobil, Chevron, Total, Petrobrás, Petronas (Malásia), (e recentemente as chinesas) conservaram os seus interesses. Em vez dos antigos impérios, ocultam-se agora redes de multinacionais, agentes e potentados africanos. Estas redes não estão alinhadas com nenhuma nação, e pertencem a elites transnacionais que floresceram na era da globalização." 
Os governos das independências substituíram os colonos. Os agentes das empresas multinacionais, para obter licenças de exploração, corromperam os governos das independências. Corrompem políticos, generais, milícias de segurança, grupos tribais. E alimentam as cleptocracias actuais, à custa da miséria geral dos povos. (É aqui que entra o Vicente, e aquele arranjo do magistrado Figueira)

Serão ele os manda-chuvas, ou os humores do clima?

Prometeram invernia, pintaram-nos o mapa de vermelho... Há sinais de neve na paisagem, há montes brancos ao longe, está pintalgado de branco o telhado do vizinho... Isto enquanto um sol afoito cresce na manhã azul, luminosa e benfazeja.
Tudo isto me faz lembrar as farroncas do Coelho, um sipaio primitivo que chefiou aí um governo de traidores e aldrabões. Anda agora levado em braços pelos media, a soltar barbaridades, a contrariar os ventos, a espreitar uma aberta. É o destino dos inúteis, dos servis, enquanto na manhã chilreia a passarada. 

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Queiram eles ou não queiram, quer eles gostem quer não!

O Vicente é o ponta-de-lança dos cleptocratas de Luanda, do petróleo e dos diamantes. São iguaizinhos em todos os desgraçados países africanos possuidores de recursos. Quanto mais recursos têm, mais os povos passam fome.
Com o magistrado Figueira atascado no lamaçal, é a corporação inteira dos meretíssimos, e o poder todo que têm, atada a um pelourinho. A fazer vénias à pátria com a fardeta dos palhaços ricos.

"Caem coa calma as aves"

Calam-se com esta chuva as aves, põem-se a cantar os algerozes. E a forneirita aparece no alpendre, sem aceitar o meu convite para o chá. Que é timida, é temerosa.
Traz-me guerras velhas à lembrança. Deus nos guarde e deus nos livre delas!

A propósito de Eco e da pós-modernidade

« (...) A Internet é uma máquina de guerra, a cibernética é uma nova tecnologia de governo e o ponto de partida e de chegada do novo capitalismo, pelo que só a entropia (esse conceito fundamental da teoria da informação) o pode combater. Provocar a entropia é ficar invisível para os instrumentos de vigilância e de captura, tornar-se opaco para a visão cibernética.»
[António Guerreiro, in Ípsilon]

Impaciências

Goethe em Viagem a Itália 1786-1788, já perto de Roma.
«(...) Os favores das musas, como os dos demónios, nem sempre descem sobre nós na altura certa. Senti-me hoje impelido a dar forma a uma ideia que ainda não amadureceu. Ao aproximar-me do centro do catolicismo, rodeado de católicos, metido numa caleche com um padre, movido pela mais pura intenção de observar e apreender a verdadeira natureza e a nobre arte, veio-me subitamente ao espírito a convicção de que se perdeu todo e qualquer vestígio do Cristianismo primitivo, e se me ponho a imaginar a sua pureza, tal como a podemos encontrar nos Actos dos Apóstolos, arrepio-me todo ao ver o paganismo monstruoso, barroco, que se abateu sobre aqueles começos tão singelos. E lembrei-me de novo do Judeu Errante, que testemunhou todas estas estranhas transformações e complicações e conheceu um estado de coisas tal que o próprio Cristo, quando voltar para se certificar dos frutos da sua doutrina, corre perigo de ser crucificado pela segunda vez. Para o tratamento desta catástrofe, pode servir-me de lema aquela epígrafe que diz: "Venio iterum crucifigi".***
Andam-me na cabeça sonhos destes. A minha impaciência em avançar leva-me a dormir vestido, e não há coisa melhor do que ser acordado antes do nascer do Sol, meter-me na carruagem e ir ao encontro do dia entre o sono e a vigília, deixando correr livremente a fantasia.(...)» 
***Venho para me deixar crucificar de novo.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O carroção

Dez da manhã e o carroção buzina, rua fora, enquanto não chega ao adro. Depois pára no meio do empedrado e abre as portas de trás. O episódio não é surpreendente, nem altera a rotina de ninguém. A imperfeita centena de moradores precários, os mais deles idosos e dependentes, todos frágeis e achacados, não tem pressa de se mostrar na rua. Ouve estas buzinas estridentes e continua na cama, ou à lareira, à espera que a manhã suba.
Um dia é o carro da fruta que traz as mercearias, o do peixe congelado, o talho que vem da Póvoa, um tal que vende calçado, os padeiros que são seis e vem um todos os dias... Mas este de hoje é maior, e traz lá dentro uma loja sortida de pronto-a-vestir: blusas de flores a pender de cabides, saias enegrecidas de poeira, chambres sintéticos de forma hesitante, pares de jeans de marca desconhecida e joelheiras surradas, lingeries fugidias e precárias, dois kispos acolchoados que são falsos, peúgas de fibra num cubo de cartão.
O tendeiro é pouco assíduo, é muito raro aparecer. Usa bigodes, tem um estranho semblante, põe a fugir da cabine uns requebros de flamengo. Espera dez minutos a chupar um cigarro e vai-se embora. Esteve hoje aqui conforme há-de fazer os mercados semanais das redondezas, os de perto e os de longe, debaixo duma tenda presa a uns ferros. Nunca faz negócio que se veja porque lhe faltam clientes, e os artigos que transporta vieram de muito longe, um contentor cheio deles, dumas fábricas do outro lado do mundo onde operários escravos trabalham, comem e dormem, para abastecer os mercados. 
Eu não sei como o tendeiro (ele e os mais) paga os óleos e os pneus, e o seguro, e o selo do carroção, e lhe mete o combustível, e não pára. Olho em volta e não sei o que fazer, num mar de precariedade, com tanto mercado à solta. Que artes, que malas-artes nos salvarão a todos? Se o Estado abandonar as funções sociais que lhe competem, como defendem uns espantalhos que aí têm andado, três milhóes de portugueses resvalam para a miséria. Foi isto que nós herdámos, de séculos duma história desgraçada. 
Tomo um café num balcão e avanço para a caminhada. É um bom começo e a bela manhã convida.

Das poucas coisas que invejo

Um só exemplo:

Noite escura noite escura
Eu bem sei quem te arreceia!
Quem tem um amor pastor
E lhe vai levar a ceia!

Criou-a uma certa voz, há muito tempo perdida, que não se sabe onde está.

Estilhaços letais 18

São isto: fragmentos metálicos e cegos, dispersos pela explosão duma granada. Enterram-se no corpo e são de extracção difícil; acabam encapsulados ou provocam gangrena.

Estilhaços 17, ou de como a imprensa (mesmo de referência!) os desvaloriza e branqueia

«Imagine um banco público sem atividade durante quase seis anos, com um reduzido montante de depósitos, no qual o anterior Governo injetou 90 milhões de euros e vendido pelo mesmo Governo por 38 milhões de euros a uma sociedade com poucos dias de vida que conta com Miguel Relvas (ex-número 2 desse Governo) como recém-acionista. É o caso do banco Efisa, sociedade financeira e bancária que pertenceu ao universo do BPN até ao processo da nacionalização deste, em 2008.
Antes da nacionalização, o Efisa foi cliente da KapaKonsult, consultora com a qual colaborava Miguel Relvas, que acumulava este “part-time” com a função de deputado. Digo que colaborava, porque não ficou totalmente esclarecido se Miguel Relvas foi mesmo administrador da KapaKonsult. 
Acrescente-se que o BPN-Efisa era o único cliente da KapaKonsult.
Com a nacionalização, o Efisa passou a ser gerido pela Parvalorem, entidade presidida por Francisco Nogueira Leite, ex-administrador da Tecnoforma com Passos Coelho.
Foi no período da presença de Miguel Relvas no anterior Governo PSD-CDS que se iniciou o processo da venda do banco Efisa. O passo decisivo foi dado pelo despacho da ex-secretária de Estado do Tesouro e Finanças Isabel Castelo Branco, datado de Março de 2014, que determinou a injeção de 90 milhões de euros de dinheiro público no Efisa, sem que alguma vez estivesse em causa a proteção dos depositantes.
Mais tarde, em Outubro de 2015, o ainda Governo de Passos Coelho decidiu vender o Efisa por cerca de 38 milhões de euros à Pivot SGPS, em alternativa a uma outra proposta protagonizada pela Patris (sociedade que adquiriu o Real Vida). Conhece a Pivot SGPS? É uma sociedade financeira constituída dias antes do prazo limite para a apresentação das propostas para a aquisição do Efisa. É verdade, com poucos dias de vida a Pivot SGPS conseguiu comprar um banco público. A Pivot SGPS foi criada para comprar o Efisa. Acha possível? Foi possível, porventura pelo facto de Miguel Relva ter sido colaborador da consultora contratada pela Pivot SGPS para a aquisição do Efisa.
E se até este ponto está indeciso entre a versão “Miguel Relvas sempre teve uma paixão 
assolapada pelo Efisa” ou “Miguel Relvas tudo fez para ser dono do Efisa”, fique com mais este episódio, no mínimo, inquietante: Miguel Relvas é o novo acionista da Pivot SGPS, aguardando apenas autorização do Banco de Portugal.
O anterior Governo de Passos Coelho despendeu 52 milhões de euros do erário público num banco que agora é de Miguel Relvas, ex-número 2 do seu Governo. Se não estavam em causa os depósitos, será que este “assalto” ao Efisa terá tido que ver com o facto de este banco ter licença bancária para operar em Portugal, Angola, Moçambique e Brasil? E terá isso levado a que o anterior Governo tenha injetado 90 milhões de euros no Efisa para o vender a “interessados”?
Depois do BPN, do BES e do Banif, a capitalização e venda do banco Efisa é, talvez, o caso em que se torna mais difícil distinguir o negócio da negociata.» 
[Texto de João Paulo Correia, in PÚBLICO, 23Fev. Título no jornal: O caso do banco Efisa - Debate sistema bancário] (!!!)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

É este o psicodrama dos sipaios que aí andaram a fingir-se de governo

Se um dia abandonam a ilusão, e deixam de fingir que ainda lá estão, voltam ao nada que são.

A pasteleira

Era novato, o Zé, antes de partir para o Congo, donde regressaria adoentado. E decidiu-se pelas artes de barbeiro. A barbearia era a loja da ruela, por baixo do alpendre. E o negócio corria tão bem ao Zé, que o levara a comprar a bicicleta a um de Vale de la Mula. Um dia meteu o António para ajudante, e os dois expandiram-no a Alfaiates.
Mas a jornada era longa, vinte quilómetros de estrada para os lados do Sabugal. E só havia aquela bicicleta, uma pasteleira inglesa que levava atrás os apetrechos do ofício.
De modo que chegavam ao Carril e montavam a estafeta. O Zé recebia o testemunho, pedalava os seus cinco quilómetros, encostava a pedaleira à berma e continuava a pé. Vinha António, pegava no testemunho, ultrapassava o irmão e só parava uns quilómetros adiante. E a maratona seguia, até chegar ao destino.
Mas temeram pelo saco dos apetrechos, e ele passou a andar aos ombros do caminheiro, era melhor. Nunca mais ficou atado à grade da pasteleira, no caminho de Alfaiates.
E ainda hoje andavam nisto, se acaso no paraíso não tem havido maçãs!

Manchas na pintura, superstições, atavismos...

Enquanto espero, vou comprar o Notícias de Viseu, é lá que estou, para conhecer as propostas do Teatro Viriato. Sobre isso, o jornalinho é omisso. Mas fico a saber outra coisa importante.
A ESE do IPV tem 150 alunos no curso de Artes Plásticas e Multimédia. E anda por lá uma polémica acesa, a propósito do modelo nu. Nas aulas da cadeira são utilizados esculturas e esqueletos, ou imagens da Internet. Mas o mestre há muito que defende as vantagens do modelo humano nu. E lamenta que a escola os não contrate, aparentemente "por motivos morais". Já o presidente da ESEV considera fora de agenda um tal assunto.
O Notícias foi ouvir seis estudantes da ESEV, através do Facebook. E estes são os depoimentos:
- Não é necessário termos uma figura humana real, para sabermos as proporções e conseguirmos desenhar. Existem outras formas de fazer esse trabalho, como por exemplo o recurso a bonecos articulados. No decurso das aulas, temos conseguido aprender sem necessidade de modelos nus. Penso que actualmente o ambiente não é propício à presença de corpos nus na sala de aula. Talvez ninguém o verbalizasse, mas creio que todos nós iríamos sentir um certo desconforto.
- Seria muito vantajoso termos desenho e pintura de modelos nus, pois é mais fácil aprender vendo os movimentos do corpo, as suas formas puras. (...) A minha irmã está em Artes Plásticas no Porto, onde tem desenho com modelos vivos, e eu vejo como ela tem progredido (...).
- Não sei, mas pelo que observo aqui, penso que a existência de modelos nus nos poderia levar a uma banalização do corpo humano e não à sua elevação artística. (...)
- Eu acho que seria uma vantagem o recurso a modelos pois poderíamos observar directamente o corpo humano. Provavelmente este assunto envolve questões morais, mas a nudez é bela, é verdadeira, e não deveria haver pudor em a mostrar. (...) Devíamos aprender a olhar o mundo tal como ele é, com os olhos e os sentidos.
- Os recursos alternativos - fotos, estátuas, etc - não permitem perceber a anatomia humana. (...) Falta-nos a pele, e esta só poder ser devidamente percepcionada através de modelos nus.
- Eu sou a favor de aulas com modelos nus, até porque isso iria contrariar a tendência para a banalização da nudez como algo de reprovável e contribuir para mudar as mentalidades, promovendo a sensibilidade artística.
O último depoimento é masculino. E a ESEV leva um grande avanço à América profunda, onde estados como o Kansas já proibiram a exposição escolar do evolucionismo, sem o contraponto do criacionismo. Falta-lhes ainda negar o heliocentrismo, repudiar Copérnico e Galileu, e a ciência, e a história, e o Renascimento europeu. Com calma e um par de Colts à cinta, um dia lá chegarão. Mas à ESEV não, onde há quem olhe o mundo tal como ele é, visto com os olhos e os sentidos. 
Embarco enfim no autocarro que me leva ao meu destino, mesmo ao nascer duma lua redonda e friorenta.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Dois rostos, duas culturas, duas posições, duas soluções, duas dignidades

É um problema de séculos! E como não ser aqui maniqueísta, ou a resposta à pergunta "de que lado estás tu, na batalha que aqui se trava?!

DAESH (E.I.)?!

Vai aqui ver isto, e ali ver aquilo, e acolá ver aqueloutro!

Azáfamas

Às sete da manhã não há quem cale a passarada brava. É-lhes chegado o tempo de acordarem cedo e começarem o dia, eles lá sabem. Com sotaques tão vários e maviosos, que só tendo na cabeça um manual de ornitólogo. Até o picapau, ali ao lado, exercita a bateria a picotar uma toca no braço do castanheiro.
Traz-me à lembrança uma história de há uns anos.

Dia 3
«O maurício picapau foi tipógrafo durante um ror de anos. Fartou-se de esquadriar linguados no linótipo, já via tudo mais pardo que o chumbo dos caracteres. Costumava passar todos os dias no jardim de são lázaro, abria os olhos para o céu alto e deleitava-se com a majestade das copas das tílias. Pareciam mesmo árvores da pomerânia.
De há uns tempos para cá, começou a andar de cabeça baixa e ar consumido. Os computadores entraram na gráfica ideal e desataram a fazer o trabalho com uma prontidão nunca vista. Primeiro o maurício ficou regalado, depois ficou perplexo, e finalmente aflito. Mas o pior sucedeu no dia em que o patrão falou da flexibilização do trabalho pela primeira vez. O rapaz levou o lenço tabaqueiro aos olhos, talvez para estancar uma emoção inoportuna, e deu conta de que estava a crescer-lhe um bico na ponta do nariz.
A situação agravou-se com o tempo, à medida que o patrão entrou a falar de globalização, de deslocalização e de coisas assim. O bico do nariz cresceu-lhe descontroladamente, e o velho tipógrafo acabou mesmo despedido, por clara inadequação para o serviço.
Depois disso, o picapau continuou a fazer todos os dias o trajecto de sempre, mas nunca mais foi além do jardim de são lázaro. Mirava de longe os velhos reformados que lhe estranhavam a fisionomia, às vezes subia o olhar pela majestade das tílias e pensava na família, pensava na ordem de despejo por falha da renda, pensava numa solução para a vida. Até que um dia deixou avançar a tarde, marinhou pela tília mais alta, e passou a noite a escavar uma toca numa forquilha aconchegada.
Na manhã seguinte mudou-se para lá com a mulher. A entrada é acanhada, de tão redonda, e o nariz é complicado de arrumar lá dentro. Mas há males que vêm por bem, com este inverno de chuva que anda por aí.»
[O mensário do Corvo, Jorge Carvalheira, Ed. Quasi, 2002]

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Nem só de limões se vive

O viajante vai particularmente atento à arquitectura e ao urbanismo, durante a sua Viagem a Itália. E em Vicenza, entre Verona e Pádua, visita edifícios de Palladio*** e assiste a uma assembleia da Academia dos Olímpicos.
« (...) Um grande salão ao lado do teatro de Palladio, bem iluminado, presentes o Governador e uma parte da nobreza, em geral um público de pessoas cultas, muitos religiosos, ao todo talvez uma quinhentas pessoas.
A questão proposta pelo presidente para a sessão de hoje era: o que terá trazido mais vantagens às artes, a invenção ou a imitação? A ideia era bastanre feliz; pois se separarmos os termos da alternativa contida na questão, é possível falar durante cem anos de ambas as coisas. E os senhores académicos não desperdiçaram esta oportunidade, discursando abundantemente em prosa e em verso, com algumas boas peças de permeio.
E o público é o mais animado que se possa imaginar. Os ouvintes gritavam "bravo!", batiam palmas e riam. Se pudéssemos estar assim perante a nossa nação e diverti-la pessoalmente! Damos-lhe o nosso melhor, preto no branco, e cada um esconde-se com isso num canto e vai remoendo a coisa como pode!
Era de calcular que também desta vez Palladio viesse sempre à baila, quer se tratasse da invenção ou da imitação. No final, quando se exige sempre a intervenção mais bem humorada, houve um que teve a feliz ideia de dizer que, já que os outros lhe tinham roubado o Palladio, ele iria louvar o Franceschini, o grande fabricante de seda. E começou a mostrar como a imitação dos leoneses e florentinos tinha trazido grandes vantagens a este eficiente empresário, e com ele à cidade de Vicenza, do que concluiu que as excelências da imitação são muito superiores às da invenção. E tudo isto com tanto humor que se gerou uma risota incontrolável.
No geral os defensores da imitação tiveram mais aplausos, porque disseram coisas que as massas também pensam e são capazes de pensar. De uma das vezes o público deu grandes aplausos a um sofisma muito pouco convincente, enquanto que não entendeu nada de muitos e certeiros argumentos em favor da invenção. (...)»
[Goethe, Viagem a Itália 1786/1788, trad. de João Barrento]

*** Andrea Palladio (1508/1580), nascido em Pádua, é um dos arquitectos do Renascimento que mais sistematicamente estuda e aplica os Antigos neste domínio. Goethe, como aliás toda a Europa classicista, conhece Palladio.

[NOTA: Por essa altura, por cá, os indígenas continuavam a fazer mulatinhos nas pretas debaixo das palmeiras, enquanto uns castiços marialvas cantavam ao fado. E ainda hoje nos esgotamos a dizer mal da sorte!]

Cavalos de Tróia

Os saxões, que já eram um cavalo de Tróia americano numa Europa destroçada, são-no agora a justo título. Mamam de todas as tetas, sem aleitarem nenhuma.
E acrescentam-lhes ainda este falso mamilo: utilizam milhares de técnicos portugueses com excelente formação a custo zero. Enfermeiros, informáticos, médicos e outros, a quem sonegam direitos, o Schengen que se lixe! Por cá, sobram umas elites bastardas que continuam a celebrar a diáspora. Cavalos de Tróia nossos!
Bela Europa esta, se não for antes maldita corvina!

sábado, 20 de fevereiro de 2016

O Eco da casa

Já nos bastava que o Eco tivesse deixado O Nome da Rosa. Mas deixou mais:

« (...) Em Portugal, não faltam casos de imprensa que existe para intimidar alvos devidamente seleccionados. Todos conhecemos situações dessas. Mas ao contrário do livro de Umberto Eco, por cá é para vender papel, fazendo sangue... Achei curiosa uma das descrições que Babelia singularizava: "O seu repórter mais aguerrido, de nome Bagagadocio, exclama em plena febre investigadora que "os jornais não estão feitos para difundir, mas para encobrir notícias". E num outro passo: "Sucede o facto X, não podes obviá-lo, mas, como põe em apuros demasiada gente, nesse mesmo número marcas uns grandes títulos, de pôr os cabelos em pé, e a tua notícia se afoga no grande mar da informação".
No livro de Eco, "o director da redacção fantasma veta inclusivamente nos números zero qualquer notícia que possa beliscar os interesses do proprietário, quer se trate do assassinato do juiz Falcone às mãos da Mafia ou dos subornos a políticos para conseguir contratos: a realidade é apenas um elemento aleatório que deve submeter-se à vontade de amedrontar". O escritor César António Molina, que comenta o livro, lembra: "A queda da imprensa em mãos irresponsáveis é a mordaça que os corruptos impõem à democracia e significa a destruição das raízes da própria democracia. Um jornalismo que só serve para fabricar dossiers. Esta falsa novela de Eco (...) é todo um requisitório contra o estado de ruína em que se tornou a sociedade italiana desde o fascismo até aos nossos dias. (...)".


Visto aqui. À atenção do Correio da Manha, do SOL, do I, do Observador, e mais de quem enfiar a carapuça.

30 horas de negociações no Conselho Europeu?

Pela amostra logo se entende por que razões o governo serviçal do Passos e da loira burra dos SWAP´s era o preto preferido dos patrões da Europa para governar em Lisboa!
Mas é indo por aqui e passando por ali que a coisa se entende melhor.

Assim é que é falar, esclarecer, expor

A quem for às aulas, claro!

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Uma teia indestrinçável de imbecilidade

Isto anda tudo ligado! Um Cavaco boçal e analfabeto, informador encartado da pide, incapaz de ler um romance do Saramago e entender o que lê, porque o autor não respeita a pontuação; um Sousa Lara, monárquico militante e membro do opus dei, sub-secretário de estado da cultura de Cavaco em 1991/92, que nunca leu Saramago por razões sabidas; o patrono da comenda, o Infante do chapéu largo, que foi o maior bastardo da história de Portugal, sempre recheada deles.
O que uniu todos estes figurantes foi a comenda do patrono bastardo, que o informador boçal, em final de reinado, pendurou agora ao cachaço do monárquico; este pouco porque o Lara prestou serviços relevantes a Portugal no país e no estrangeiro, mormente vetando O Evangelho segundo Jesus Cristo (uma obra que não representava Portugal!), impedindo assim o Saramago de concorrer ao Prémio Literário Europeu.
Podíamos acrescentar quinhentos mil exemplos que os portugueses merecem. E para quê, se o analfabeto que reinou aí durante o melhor das décadas democráticas já não pode ser reeleito?

Noite antiquíssima

Vénus vai alta, majestosa, solitária, num céu frio, estranhamente azul. O que vai cá por baixo apenas se adivinha. Ou se vê, cego não sendo.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Nunca viu lobo pequeno

« (...) Eu trouxera estes ramos do Parque Giusti, que tem uma localização soberba e ciprestes enormes, erguendo-se todos para o céu como sovelas. Provavelmente os teixos cortados de forma afilada da arte dos jardins do Norte são uma imitação da arte deste magnífico produto natural. Uma árvore cujos ramos, de baixo até acima, os mais antigos como os mais recentes, se voltam todos para o céu, e que pode durar trezentos anos, é certamente merecedora da nossa admiração. A avaliar pela altura em que o parque foi plantado, estes devem já ter alcançado essa bonita idade. (...).»
[Goethe, Viagem a Itália 1786/1788, trad. de João Barrento]

Trezentos anos, homem?! Estes que aqui tenho em frente da janela são umas crianças e têm duzentos! Nem tenho que ir a Verona para os ver todos os dias!

Os olhos e o rio

O rio corre, apressado, em frente do varandim, e ferve espumas nas pedras do leito. E quanto mais depressa corre mais frenético se torna e mais espumas ferve. E maior é a alegria dos meus olhos, que o vêem a passar. E mais depressa chega aos campos de Montemor, antes de entrar na foz.
Quem nada se alegra ao vê-lo são os olhos dos camponeses dos arrozais, porque lhes entra em casa, e lhes leva lama, e tristeza, e abandono. Os meus só o vêem a ferver ali nas margens, rodeado de mimosas.
Mas o rio é sempre o mesmo. Os olhos é que mudaram, ao vê-lo.

Sem surpresas

O venerando chefe do estado e comandante supremo despediu-se das Forças Armadas no registo dos grandes fariseus em uso. "Lesar ou desvalorizar a condição militar é enfraquecer a Nação." E no entanto Cavaco promulgou diplomas do anterior governo que procediam à gravosa revisão dos estatutos (EMFAR); liquidaram o fundo de pensões (FPMFA); refinaram o injusto regime da assistência na doença (ADM); assistiram sem tugir nem mugir ao escândalo do IASFA, e à ruína dos SSFA. Nunca arranjou tempo para receber as associações profissionais (APM). Sem surpresas.
A latere: vê isto, com filtro.

"Viagem a Itália"


Pois que não ia por lã, não poderei dizer que volto tosquiado. Mas fui à procura do que ainda não encontrei. O viajante, bom teutónico, alarga-se em considerandos sobre os solos da paisagem e a física deles, os cursos de água, os recortes das montanhas imponentes, e a natureza das nuvens que os ornamentam. Tão objectivo quanto maçador. 
Mas quando encontra o sol, as pessoas e a vida delas, não resiste: Kennst Du das Land who die Zitronen blühen? Traduzido assim: "Eu, porém, delicio-me mais com a fruta, os figos e as pêras, que devem ser deliciosas, em terras onde já crescem limoeiros."

« Verona, 17 de Setembro (...) Num país em que gozamos o dia, mas sobretudo nos alegramos com a chegada da noite, este momento tem um significado muito especial. O trabalho suspende-se, o passeante regressa a casa, o pai quer a filha de volta ao lar, o dia chega ao fim; mas nós, os Cimérios,*** mal sabemos o que é o dia. Mergulhados em eternas névoas cinzentas, é-nos indiferente saber se é dia ou noite; pois quantas horas podemos nós verdadeiramente deliciar-nos ao ar livre? Quando aqui chega a noite, o dia ficou decisivamente para trás, delimitado por crepúsculo e aurora, passaram vinte e quatro horas, abre-se uma nova página, os sinos tocam, reza-se o terço, de lamparina acesa entra a criada no quarto e diz: "Felicissima note!" (...)
Se obrigássemos este povo a viver ao ritmo de ponteiros alemães, ele ficaria confuso, porque os seus estão intimamente ligados à sua natureza mais funda. (...)»

***Na mitologia grega, povos das terras sombrias do Norte, referidos por este nome já em Homero.
[J. W. Goethe, Viagem a Itália 1786/1788, Liv. Bertrand Edit. Lisboa 2016]

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O que nos vale

Vento suão tem famas de ser macio, benfazejo. E costuma trazer chuva, logo para a tarde veremos. Este que me acompanha a caminhada é frio, perto do glacial. Enregela as mãos na pausa do farnel e penetra onde não deve. Mas não é nada que um canastro em ordem não possa resolver.
O Costa sabe disso, é o que nos pode valer, para recuperarmos alguma dignidade!

A verdadeira escumalha analisa-se nos gestos

Sobretudo nos pequenos.

Teremos nós dois primeiros-ministros em funções!

A que propósito é que esta alimária, um deputado do PPD em campanha eleitoral no seu partido, procede à "inauguração" dum centro escolar em Lordelo, o qual está a funcionar desde 2013?
Isto é um país, um circo, uma quinta de alguém, uma casa de putas... ou fizeram de nós todos uma geração de bandalhos?!

Memórias e lembranças

Paro uns minutos ao sol do alto de Santa Cruz para fumar um cigarro. E enquanto lavo os olhos nas encostas da Vela que levam ao rio Zêzere, chegam-me as lembranças duma jornada antiga, quando as desci pela primeira vez.
Eram as férias. E um jesuíta, que me deu a conhecer o Cícero, adquirira uma velha arrastadeira e quis passear nela a família. E porque eu tinha sido seu atento aluno, e conversava em bom latim com ele ao longo dos corredores nos intervalos das aulas, convidou-me a integrar a comitiva.
Para mim foi uma alegria, que acabou em bem. Fazia as descidas sempre em ponto morto, na esperança de ganhar alguma coisa e só perdia. Seria um bom latinista, mas ao volante falava latim bárbaro, vim a sabê-lo depois.
Fizemos um piquenique na margem duma ribeira, a dois passos de Nisa, ao lado duma ponte entre macelas floridas. E passei pela primeira vez no Rossio ao Sul do Tejo, onde tivemos um furo a atravessar a linha dum comboio. Fomos a Fátima, de que mal me lembro, que pecados trago nesta consciência. Lembro-me do Porto, onde pernoitámos todos, nunca depois soube aonde. Subimos por certo a Braga, que já era a idolátrica sem meu conhecimento. E sei só que no regresso, era de noite na estrada, adormeceu por momentos o nosso São Cristóvão. Nós livrámo-nos de boa, mas a tout-avant era uma boa estradeira.
Teremos voltado a casa, se a história assim o atesta. Porque a memória mais grata, enquanto desço para a Vela, é dumas pautas de Bach que aprendi a dedilhar numa organeta de foles, quando me foi permitido passar os intervalos a pedalar nela.
Nascemos com oceanos à espera que os naveguemos. Mas ainda hoje tem um preço, nascer atrás do sol-posto. Nesse tempo era pior e eu rejubilo.

[Mal sei que me espera ainda hoje (a propósito dum lutador distrital republicano, um precursor que seguia Afonso Costa), a palestra dum historiador confuso. Dos que não distinguem povos das elites dirigentes deles. Dos que confundem interesses dos barões das fundições do aço e do alumínio com os ideais humanistas da Revolução Francesa, nesse tempo há muito sepultada no bonapartismo.]

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Variações

Ontem visitei uma frigideira antiga e cheguei a casa de língua de fora. No âmbito dum ciclo de encontros com autores do distrito, organizado em escolas secundárias pela biblioteca municipal Eduardo Lourenço, tive palestras de manhã e à tarde com várias turmas juntas num anfiteatro. Assunto geral é a obra feita, a leitura, a língua, a literatura, a arte...
A escola já não é o que era há vinte anos. Há quem diga que é pior, julgo apenas que é diferente do que foi. E muito. A frigideira é que se mantém a mesma, arde nela tudo quanto entregas. Mas haverá outro modo de ser professor?
Dormi cedo e recompus-me depressa, porque o mundo também já não é o mesmo. Lá fora surgem augúrios de uma boa caminhada!

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A contra-informação em acção

Este texto do DN é um exemplo flagrante. Baseado em dados falsos, em realidades que se escamoteiam, põem-se os leitores a ruminar um feno cúmplice, e a apontar o dedo aos militares.
1 - Em 1995, num governo de Cavaco, os Serviços Sociais das Forças Armadas (SSFA) foram transformados em Instituto de Acção Social das Forças Armadas (IASFA), passando a reger-se pelas normas dos institutos públicos e saindo do âmbito militar. O novo IASFA foi sendo transformado num bolo tóxico, onde entraram a Acção Social Complementar (ASC) no CAS Oeiras, a Saúde Militar (ADM, com um único Hospital no Lumiar claramente insuficiente para as necessidades das Forças Armadas, e para a qual ADM os militares passaram a descontar 3,5% mensais excluindo esposas), a Cooperativa Militar na Rua de São José em Lisboa, e a sede do IASFA na Pedro Nunes em Lisboa. Do IASFA só saíram as cotizações dos sócios, que deixaram de existir. 
2 - A antiga gestão militar dos SSFA (através do novo IASFA) foi integralmente substituída por futricas, boys do partido do governo anterior, pagos pelo próprio IASFA. Em teoria, e afastado o general que presidia ao Conselho Directivo, só sobreviveu entre os futricas a figura dum general que até hoje não foi nomeado. Quer dizer que só existe no papel.
3 - Este percurso de ruína e desfalque financeiro foi sendo seguido (apesar da enorme degradação dos serviços prestados), com o claro objectivo de fragilizar o IASFA e tornar disponível o seu vasto e velho e muito apetecido património. Haveria de chegar aquele dia em que uma re-estruturação de tudo seria inevitável. E esse dia já chegou, contando sempre com a cumplicidade da contra-informação, que põe os militares a congeminar hotéis na Estrela, à vista da basílica duma rainha louca.
4 -  Isto tudo aconteceu pela mão dum marginal que aí andou a fingir de ministro (Aguiar Branco), membro duma quadrilha de salteadores, que se governaram até saltarem do governo. E um jornalista mercenário do DN explica tudo muito bem aos seus leitores.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Levemente, leve

Cai neve na Lapa. Uma poalha oblíqua e fugaz, varrida pela ventania infrene. Não chega a ser a neve furoa dos telhados do Aquilino Ribeiro, que essas neves da infância já não há. 
Estava ameaçada pelos manda-chuvas a 600 metros e não tem futuro. Mas lá se vai frustrar a caminhada de hoje.

The times they are a changin'!

[Imagem caseira da homenagem a E.L. erigida pela associação Rio Vivo em 2011, num jardim de S. Pedro do Rio Seco; criação de Leonel Moura] 

«Eduardo Lourenço, que aceitou há poucos dias o convite de Marcelo Rebelo de Sousa para integrar o Conselho de Estado, começou o seu percurso intelectual reclamando-se como heterodoxo. Heterodoxia: assim se chamou o seu primeiro livro, publicado em 1949. Seguir “o espírito da ortodoxia” significou um duplo desvio, ou uma dupla “traição”: em relação aos princípios filosófico-ideológicos e estéticos do marxismo, hegemónicos no ambiente intelectual em que se integrou mal chegou à Universidade, em relação à sua matriz católica de origem, a cultura religiosa em que tinha crescido. 
É bem visível o conflito interno que, por causa dessa traição, perpassa em muitos dos seus ensaios. Quando, em 1967, publicou Heterodoxia II, sentiu necessidade de questionar a posição heterodoxa e a boa consciência com que a tinha afirmado. 
O sentido do convite que agora lhe foi feito pode ser formulado com palavras que são ao mesmo tempo de homenagem e de reserva: o Eduardo Lourenço que chega a conselheiro de Estado é uma figura consensual, livre de todo o teor polémico e de conflito. É fácil perceber que o convite lhe foi dirigido por ele encarnar publicamente e por mérito próprio, no espaço cultural português, a última figura do “intelectual universal” e do “pensador” que se dispõe a ser consultado como um oráculo sobre as questões portuguesas (inclusivamente a famigerada “identidade” nacional), assim como sobre uma Europa desencantada – essa Europa que Eduardo Lourenço, seguindo uma grandiosa tradição literária e filosófica, sempre representou como um “continente espiritual”. (...)
A designação de Eduardo Lourenço para Conselheiro de Estado tem um grande significado simbólico, mas em termos efectivos não o vincula com maiores consequências do que o modo como tem sido cooptado por alguns sectores políticos e posto ao serviço de uma cultura acrítica e conservadora (onde o que menos importa é a distinção entre Esquerda e Direita). 
Quanto mais exaltam a figura do “pensador”, mais esses sectores celebram a ausência de pensamento. Com a sua nomeação para Conselheiro de Estado, Eduardo Lourenço já quase nada perde, mas também não tem nada a ganhar. As razões são óbvias: trata-se de um lugar que limita, pelo menos simbolicamente, o uso do instrumento fundamental de que ele não pode prescindir, sob pena de alterar o seu estatuto e a sua função: a palavra. Como é que um homem de palavras aceita colocar, ainda que simbolicamente, a palavra sob condição? Como é que renuncia, ainda que parcialmente, ao seu bem mais precioso?»

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Tarde boa

A invernia esconde, avara, os picos da Marofa. Mas Riba-Côa é um lugar de afectos, mesmo se a charneca está debaixo de água e as ribeirinhas correm, desalmadas.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Os negreiros e os nazis (honni soit)

Esse paraplégico mental mal sabe o que fazer do Deutsche Bank e do sistema financeiro alemão. Isto alguns anos depois de lhes andar a encher a bandurra à custa da penúria dos Untermenschen do Sul.
Entretanto vai fazendo a festa aqui, e apanha as canas além. Excita o grelo das galdérias do rating, em joguinhos conhecidos que ainda não esquecemos. E depois põe-lhes água na fervura, manifestando preocupação e tristeza pela subida dos juros. 
Bom era o Passos, sabemos, que reduzia o povo ao desespero e não pestanejava. Mas já aprendemos também que os negreiros e os nazis sempre se entenderam bem.

Donde é que emana

Esta harmonia compostinha que algures ouvi?

Estilhaços 15

Mais que um estilhaço, a questão da TAP é uma verdadeira granada armadilhada que o bando de marginais irresponsáveis do governo do Passos deixou de herança ao governo do Costa.
1 - Depois de indigitado pelo Cavaco para formar governo como partido mais votado, o Passos executou a privatização da empresa pública (através do mercenário Sérgio Monteiro, alegando a sua difícil situação financeira) já depois de o seu governo da semanada ter sido recusado pela Assembleia da República. Isto é, já depois de ter deixado de ser uma hipótese meramente académica.
2 - Como empresa privada, a administração da TAP tem (entre outros)  o direito de fazer as opções de gestão que mais lhe interessam, sem ingerências do governo legítimo. Quer quanto a rotas, aeronaves em uso, políticas de relações laborais, etc.
3 - Foi assim que suprimiu sete rotas a partir de Lisboa e quatro rotas a partir do Porto (Barcelona, Milão, Roma e Bruxelas).
4 -  Sentindo prejudicados os interesses da Região Norte em benefício da capital, o autarca Rui Moreira reage desabridamente, com palavras de cacique de bairro suburbano, demagogo e populista. Mas nem tudo em tais palavras será injusto. Há intensas relações entre empresários do Norte (do calçado, do têxtil, do vestuário, do turismo...), sobretudo com a Itália; e há o papel central que o aeroporto de Pedras Rubras desempenha no Noroeste peninsular, em relação a Vigo, Santiago e a Coruña. Daí ser muito importante preservar o hub do Porto.
5 - O discurso de Moreira encontra eco amplificado nos círculos tripeiros, marcados por velhos complexos regionalistas que a história atesta, muitas vezes com justificação. E abre campo a todos os demagogos, sempre prontos a explorar o filão da capital imperial.
6 - O Costa e o seu governo tentam restringir os danos. Propõem-se reverter a torpe negociata dos bisnetos de negreiros, reduzindo ao mínimo possível os direitos de indemnização da administração privada e dos milhões já injectados na TAP. A base foi uma parceria publico-privada na propriedade da empresa, com a gestão em mãos privadas. Isto é, o governo não pode interferir na gestão das rotas. E se quiser anular o contrato celerado, não são conhecidos os limites da indemnização exigida por reversão mais alargada.
7 - E aí quem calará os burocratas da Europa, a Comissão, o Eurogrupo, os servidores do Pacto de Estabilidade, o nazi paraplégico da cadeira de rodas, os especuladores dos juros da dívida, e os legalistas do défice, e as hienas das agências de rating?
8 - E internamente quem vai silenciar os revanchistas que perderam o poder, e os mercenários duma imprensa que está nas mãos da direita, e ainda não se cansaram de trombetear que o Costa chefia um governo ilegítimo? Quem vai calar os bloquistas, e o comité central, para quem o controlo da TAP é soberania nacional?
9 - A tropa dos marginais Passos e Portas já tinha posto em guerra uns portugueses contra os outros, os novos contra os velhos, os privados contra os públicos, os que emigram e os que ficam. Com esta granada sem cavilha vão pôr Norte contra Sul, os que vão à praia e os que ficam em casa, os que têm carro e os que vão a pé, os que têm um camião e os que o não têm. Não se vê como é que o Costa vai descalçar a contento uma tamanha bota. Porque, em eleições a prazo breve, uma maioria de eleitores imbecis, privados de raciocínio e manipulados pelos media, devolverá o poder aos sipaios e bisnetos de negreiros. No final vencerão os vencedores, e terá razão esta Cassandra.

Cleptocratas velhos, cleptocratas novos

« (...) Em muitos estados africanos com recursos naturais, as indústrias do petróleo e mineira estabeleceram-se antes da independência, antes de as nações recém-formadas terem oportunidade de desenvolverem instituições para orientar o bem comum, e de limitar o poder arbitrário. Quando foram descobertos campos de petróleo gigantes no Mar do Norte, em 1969, a Noruega e o Reino Unido tinham em funcionamento as instituições para mitigar a força destrutiva do dinheiro do petróleo. O mesmo não se passou com países como a Nigéria, onde a Shell já extraía petróleo antes de os governantes coloniais britânicos partirem. "Os britânicos e os outros foram como os conquistadores espanhóis", disse-me Gbadebo-Smith, um nigeriano erudito que se licenciou em medicina dentária antes de estudar na Kennedy School of Government em Harvard. "Os poderes coloniais montaram uma máquina, uma máquina para extrair recursos. Quando se foram embora, passou para os líderes seguintes, como o ADN. Em muitos países, os militares tomaram o poder para capturar receitas. É incrivelmente difícil mudar essa estrutura. Os parceiros estrangeiros permanecem com os seus colaboradores. É como um vírus, transmitido do regime colonial para os governantes pós-independência. E estes extractores são o oposto de uma sociedade que é governada para o bem comum, para benefício público."
O arquétipo destes extractores, aqueles que usam a conquista de recursos naturais para promover o poder político e vice-versa, foi Cecil Rhodes. Chegando às planícies centrais daquilo que viria a tornar-se a África do Sul, durante o frenesim de diamantes da década de 1870, Rhodes ascendeu de pequeno garimpeiro a senhor do comércio de diamantes. Fundou a de Beers e, quando foi descoberto ouro mais a norte dos campos de diamantes, lançou a Gold Fields of South Africa, que ainda figura entre as maiores empresas de extracção de ouro, com minas desde a Austrália ao Peru. (...)
Rhodes morreu em 1902, humilhado pelo seu apoio ao desastroso Jameson Raid em território boer. W.T.Stead, o grande jornalista cruzado da Inglaterra vitoriana, chamou a Cecil Rhodes "o primeiro de uma nova dinastia de Reis do Dinheiro, que evoluíram nos últimos tempos para se tornarem os verdadeiros governantes do mundo moderno". Essa descrição ecoa pelo século que se seguiu e continuou pelo novo milénio. A Areva no Níger, a Shell na Nigéria, a Glencore no Congo - estas e outras como elas replicam, com o seu poder absoluto sobre as nações africanas, os impérios que vieram antes delas. (...) Em Angola, outro executivo que tinha observado o grupo Queensway (chinês) a penetrar nos círculos mais próximos do poder e depois lançar a sua expansão pelo continente, disse-me: "Tem tendências megalómanas. É como o Rhodes, tentando conquistar a África outra vez". "Eles são uma companhia imperialista à moda antiga. Têm direitos sobre os minerais e contactos ao mais alto nível nos governos corruptos, o que lhes dá o direito de tirarem o que querem".

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Medalhas à repimpina!

À medida do agraciador, dos agraciados e do patrono de todos.

Rituais

Era uns anitos mais velho e tinha mãos criativas. E sabia fazer coisas fascinantes. Lembro-me dele, numa tarde debaixo do telheiro, a fazer um papagaio de papel: uma estrela de canas de flauta presa por atilhos de cordel, folhas d'O Século coladas com farinha, um rabo comprido urdido de papelotes, e uma guita, grosseira e compridona, que ele fazia dos canudos dos foguetes e enrolava num pau. Quando aquilo estava pronto grimpávamos às fragas. E era uma alegria ver o papagaio a subir ao sol, levado pela aragem.
Muitos anos depois, dedicou-se a refazer carros antigos, motores muito cansados, frisos que não existiam. Saíam-lhe das mãos como se fossem novos. Até que também ele ficou velho, ficou adoentado, apanhou uma pneumonia e foi-se embora.
Os velórios na igreja são aqui obrigatórios, e os funerais ainda mais, porque não há desobrigas da precária humana condição. O destino ainda comanda, neste céu que já foi de papagaios. E ao vê-lo irreconhecível, inerte e descolorido, coberto de rendas brancas e rodeado de flores, eu respeito os rituais. Mas quando partir um dia, não quero atravessar o rio pela mão do barqueiro mítico. Quero cruzá-lo sozinho, a ouvir a noite inteira as ondulações de Bach. Enquanto regresso ao cálcio, ao nitrogénio, ao carbono original.

Paisagens

Viajo duzentos e cinquenta quilómetros de autocarro para fazer um exame. Dentro da sopa, de manhã à noite.
Não sendo Portugal mais que bonitas paisagens, se não tivermos o céu, o horizonte, o sol... não resta nada. E o Porto, então, nem falar.
Mais vale emigrar para o Alto-Volta, onde há calor do deserto e umas palmeiras ao longe. Como hoje os entendo bem, os andarilhos do Infante do chapéu!

Pós-modernidade

E os conseguimentos dela.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Queijo da Serra, mas do bom?

Hããnn, burguesão!! Uma hora e quinze.

E sim, pois quê!

Já chegámos todos à Madeira?!

Artes

[visto aqui]
Aos criativos contemporâneos pouco lhes importa um significante. 
Consegues chegar a um significado, a um símbolo fugidio, a qualquer sugestão deles? 
Não é ainda o olimpo dos deuses mas avança para o sucesso, porque já existes e o tempo é fugaz!
E deixa o resto ao cuidado dos comerciantes!

As harmonias duma sonata levam-nos aonde? E os sonhos o que serão?

Já me tem acontecido desejar ter um tractor e esfalfar-me em cima dele, e acabar o domingo a jogar no café. Mas nunca o fiz, na verdade não me puxa. E o que mais me sucede é acordar de madrugada, repetir os gestos do pequeno-almoço e ficar três horas a escrever. Se o não fizer, sinto um buraco negro. 
Depois claudico, falta-me a energia. Regresso à cama, durmo ainda uma horita, fico recompensado e normalmente sonho. Às vezes são pesadelos, e muitos reproduzem-me peripécias do carro, esse fiel e já antigo amigo: um incêndio em que ardeu, um vandalismo qualquer que lhe infligiram, um comboio que o reduziu a metade. Saio deles e só fico apaziguado, quando constato que não eram verdadeiros.
Mas nem sempre me acontecem pesadelos, já cheguei a sonhar o que nunca vivi. Muitas vezes são entradas em mundos movediços, em cenários nunca imaginados, que não sei donde nascem, e as lógicas que perseguem, e o que me querem dizer.
A paisagem é campestre, sem referências concretas. Passa um rio, lento e fundo, que lá em baixo acaba num açude. Cai-me nele o porta-moedas preto, e eu fico a vê-lo, levado pela corrente. Sei muito bem que não sou bom nadador, mas decido ir atrás dele. Mergulho e acabo por alcançá-lo, antes que chegue à cascata, lá ao fundo, onde nos perderíamos os dois.
Volto a terra satisfeito e logo acordo, a perguntar-me donde é que isto vem. Serão ecos dum texto que escrevi de madrugada, réplicas de sismos de alma? 
Não seria melhor arranjar um tractor e esfalfar-me em cima dele, e acabar o domingo numa batota qualquer?