Goethe em Viagem a Itália 1786-1788, já perto de Roma.
«(...) Os favores das musas, como os dos demónios, nem sempre descem sobre nós na altura certa. Senti-me hoje impelido a dar forma a uma ideia que ainda não amadureceu. Ao aproximar-me do centro do catolicismo, rodeado de católicos, metido numa caleche com um padre, movido pela mais pura intenção de observar e apreender a verdadeira natureza e a nobre arte, veio-me subitamente ao espírito a convicção de que se perdeu todo e qualquer vestígio do Cristianismo primitivo, e se me ponho a imaginar a sua pureza, tal como a podemos encontrar nos Actos dos Apóstolos, arrepio-me todo ao ver o paganismo monstruoso, barroco, que se abateu sobre aqueles começos tão singelos. E lembrei-me de novo do Judeu Errante, que testemunhou todas estas estranhas transformações e complicações e conheceu um estado de coisas tal que o próprio Cristo, quando voltar para se certificar dos frutos da sua doutrina, corre perigo de ser crucificado pela segunda vez. Para o tratamento desta catástrofe, pode servir-me de lema aquela epígrafe que diz: "Venio iterum crucifigi".***
Andam-me na cabeça sonhos destes. A minha impaciência em avançar leva-me a dormir vestido, e não há coisa melhor do que ser acordado antes do nascer do Sol, meter-me na carruagem e ir ao encontro do dia entre o sono e a vigília, deixando correr livremente a fantasia.(...)»
***Venho para me deixar crucificar de novo.