(Cont)
Tivemos Camões (diz o professor palestrante), que mostrou à Europa um povo desbravador dos caminhos do mundo. Repete o lugar-comum e invectiva os Velhos do Restelo, que preferiram ficar a lamentar-se na Praia das Lágrimas. Tivemos mais tarde o Fernando Pessoa, esse dramático fragmentado. E o Cesário Verde, que o antecedeu. Tivemos o Vieira, mestre da oratória e artífice da língua. E o Fernão Lopes. E o Virgílio Ferreira, um precursor.
Entre quantos tivemos, o palestrante omite Saramago, e a diferença que vai da ironia ao humor, que ele estabeleceu. A ironia pretende significar o contrário do que afirma. É um exercício de alta inteligência e grande requinte estético. O humor, o sarcasmo, são altivez e agressividade, essa arma de combate prosaica.
Sublinha quatro tópicos na obra de VF:
- o individualismo (que ele ousou afirmar quando a miséria geral apelaria à solidariedade dos criadores da arte literária). Porém o palestrante, como bom intelectual, padece desse divórcio, frequente e sobranceiro, entre o artista e a realidade social. Por isso mesmo sobrevaloriza VF. É claro que desconhece, ou se alheia do absurdo a que conduz a atitude individualista. Na década de 70, foi Margareth Thatcher quem ousou afirmar que "não há sociedade, há apenas indivíduos". Em termos estritamente classistas não há dúvidas. Já em termos de pensamento social e de visão da vida, o individualismo é um absurdo que conduz as sociedades para a tragédia já visível;
- o segundo tópico é Deus, que os homens inventaram por fragilidade, mais que por sentimento religioso. Os portugueses serão fatalistas, mas não são religiosos nem dispensam Deus. Por isso Deus morreu;
- o terceiro tópico é o corpo, esse templo do individualismo;
- o quarto tópico é a morte inelutável do mesmo corpo. Da energia e da beleza dele, mormente no feminino.
E foi um VF visionário, que antecipou tudo isso!