Chamávamos-lhe Toninho. Era sobrinho do padre e tinha direito a diminutivo.
Um dia fechámo-nos num palheiro e engulipámos três latas de corned beef, que as fábricas da América mandavam para a Europa e o abade repartia na paróquia.
No fim experimentámos cigarros Kentucky, que também vinham da América. Uns rolos toscos apertados numa cinta, que os velhotes fumavam pelos caminhos.
A mim amotinaram-se-me os bofes, e até a alma se me queria sair.
Mas lá nos livraram do comunismo.
sábado, 31 de julho de 2010
Esperar demais
A senhora ministra da Cultura é figura façanhuda, embora à primeira vista não pareça. Na mesma inauguração do museu dos cavalinhos, (o tal de que ninguém sabe bem o que fazer, salvo uma escassa trupe de agentes culturais iluminados, que confundem vida real e quimeras pós-modernas), armou-se dum capacete de mestra-de-obras, enfiou umas galochas de sapador, não sem prevenir, quiçá, umas quantas acções da empresa de electricidade. Para depois assegurar, do alto do pedestal, que a classificação da linha do Tua como património nacional não impedirá a EDP de a sepultar nas águas. É uma garantia que podemos dar!
Ora é tal e qual aí que o problema se centra!
Nenhum espírito que viva com os pés na terra pode desconhecer a dimensão dos problemas da energia, que o ar condicionado da senhora ministra não dispensa. E eles só podem agravar-se num futuro breve.
É por isso que a heresia de construir uma barragem pode bem ser um gesto inevitável e sensato, ao contrário do que pregam visionários idiotas. Depende do compromisso que ela implica, entre aquilo que se ganha ao fazê-la, e o que se perde deixando de a fazer.
O voluntarismo irresponsável da suspensão da barragem do Côa (onde um razoável compromisso era possível) abriu à EDP o caminho para o vale do Sabor e para a linha do Tua (onde nada se salva do naufrágio). É dum património incalculável e único que estamos a falar, quer em termos nacionais, quer em termos europeus.
Seria de esperar que a ministra da Cultura, ao analisar tão delicadas questões, fizesse melhor do que um vulgar mestre-de-obras. Quem havia de dizer que era esperar demais!
Ora é tal e qual aí que o problema se centra!
Nenhum espírito que viva com os pés na terra pode desconhecer a dimensão dos problemas da energia, que o ar condicionado da senhora ministra não dispensa. E eles só podem agravar-se num futuro breve.
É por isso que a heresia de construir uma barragem pode bem ser um gesto inevitável e sensato, ao contrário do que pregam visionários idiotas. Depende do compromisso que ela implica, entre aquilo que se ganha ao fazê-la, e o que se perde deixando de a fazer.
O voluntarismo irresponsável da suspensão da barragem do Côa (onde um razoável compromisso era possível) abriu à EDP o caminho para o vale do Sabor e para a linha do Tua (onde nada se salva do naufrágio). É dum património incalculável e único que estamos a falar, quer em termos nacionais, quer em termos europeus.
Seria de esperar que a ministra da Cultura, ao analisar tão delicadas questões, fizesse melhor do que um vulgar mestre-de-obras. Quem havia de dizer que era esperar demais!
quinta-feira, 29 de julho de 2010
O elefante branco
O mastodonte é pardo. E não parece, mas é, um elefante. É um elefante branco.
Os papagaios de serviço dizem que custou 18 milhões, porém não é verdade. Ficou por 96, que é uma conta calada.
O Museu de Arte Rupestre é o segundo museu de Portugal, em superfície coberta. Maior só o de Arte Antiga. E sobram-lhe ainda desassete quilómetros de área aberta e ar livre, que é património mundial não sei de quê. Como se o não fosse tudo o que há no mundo.
Os elefantes brancos, bichos raros, eram poupados às torturas dos cornacas, que destruíam o ânimo dos seus irmãos comuns, para os reduzir à escravatura e os transformar em catrapilos. E assim andavam por ali, na vida airada, ninguém sabia o que fazer com eles. Nem eles tinham nada que fazer.
É o caso deste museu. Vão inaugurá-lo amanhã, que já é tarde para o riscarem do mapa. Mas ninguém sabe o que fazer com ele. É o IGESPAR que pretende uma coisa, é o poder local que há-de ter outra, é o Instituto dos Museus que puxa para a direita, é o Turismo que lhe prefere a esquerda, é o Parque Natural que afinal acha que não, são empresários privados que lhes parece que sim, é a triste salgalhada à portuguesa e o destino nacional.
Dizem agora que vai ser gerido por uma sociedade anónima. Que é como quem diz, mordam-se para aí, mas à porta fechada.
Vão inaugurá-lo amanhã. Da América vai chegar o melhor que há no mercado, desde que cheire a tralha pós-moderna e às palhaçadas da cena contemporânea. Os cachets são matéria reservada, para não alvoroçar a gentinha ignorante que anda aí por ver andar os outros. No mundo dos farsantes é assim.
E com sorte talvez haja, lá no meio, uma parelha de auroques num lameiro, em ousado pas-de-deux de animação, num ecrã computorizado. Só para deixar umas luzes de como se deve interpretar a arte rupestre.
Depois disso desmancha-se a barraca, excelências e génios vão-se embora. Fica o património mundial, a flutuar ali numa bandeira. E a gentinha triste a olhar para ela, enquanto o sol lhe não comer a cor.
[Adenda: À última hora, inventou-se uma fundação para gerir a coisa, em lugar da sociedade anónima. A seu tempo se verá que só as moscas mudaram.]
Os papagaios de serviço dizem que custou 18 milhões, porém não é verdade. Ficou por 96, que é uma conta calada.
O Museu de Arte Rupestre é o segundo museu de Portugal, em superfície coberta. Maior só o de Arte Antiga. E sobram-lhe ainda desassete quilómetros de área aberta e ar livre, que é património mundial não sei de quê. Como se o não fosse tudo o que há no mundo.
Os elefantes brancos, bichos raros, eram poupados às torturas dos cornacas, que destruíam o ânimo dos seus irmãos comuns, para os reduzir à escravatura e os transformar em catrapilos. E assim andavam por ali, na vida airada, ninguém sabia o que fazer com eles. Nem eles tinham nada que fazer.
É o caso deste museu. Vão inaugurá-lo amanhã, que já é tarde para o riscarem do mapa. Mas ninguém sabe o que fazer com ele. É o IGESPAR que pretende uma coisa, é o poder local que há-de ter outra, é o Instituto dos Museus que puxa para a direita, é o Turismo que lhe prefere a esquerda, é o Parque Natural que afinal acha que não, são empresários privados que lhes parece que sim, é a triste salgalhada à portuguesa e o destino nacional.
Dizem agora que vai ser gerido por uma sociedade anónima. Que é como quem diz, mordam-se para aí, mas à porta fechada.
Vão inaugurá-lo amanhã. Da América vai chegar o melhor que há no mercado, desde que cheire a tralha pós-moderna e às palhaçadas da cena contemporânea. Os cachets são matéria reservada, para não alvoroçar a gentinha ignorante que anda aí por ver andar os outros. No mundo dos farsantes é assim.
E com sorte talvez haja, lá no meio, uma parelha de auroques num lameiro, em ousado pas-de-deux de animação, num ecrã computorizado. Só para deixar umas luzes de como se deve interpretar a arte rupestre.
Depois disso desmancha-se a barraca, excelências e génios vão-se embora. Fica o património mundial, a flutuar ali numa bandeira. E a gentinha triste a olhar para ela, enquanto o sol lhe não comer a cor.
[Adenda: À última hora, inventou-se uma fundação para gerir a coisa, em lugar da sociedade anónima. A seu tempo se verá que só as moscas mudaram.]
Estiagem
Esta canícula maluca, e os fogos que entretanto regressaram, trazem-me à lembrança os "secos e molhados", por razões de analogia e de contraste. Uns polícias a malhar noutros polícias, perante um rei atónito de bronze, e um terreiro do paço envergonhado.
Eram os tempos do ministro Dias Loureiro, a mais fina flor do cavaquismo, modelo maior da livre iniciativa e bicho de sete ofícios. Ah, homenzinho duma cana, é destes que à pátria fazem falta!
Escrevia os discursos do caudilho à custa de horas de sono, foi ministro das polícias e banqueiro, e cavalheiro de múltiplas indústrias, e lobrigou tecnoclogias de ponta numa ilha de indígenas que não vem no planisfério, e não se acobardou com traficantes de armas, e por pouco não reconquistou as praças de África, e andou na caça com el-rei de Espanha, e subiu na vida a pulso como a lei ordena, e traçou os rumos da protecção civil, e investiu forte no combate aos fogos, quando os fogos não paravam de crescer. E ainda lhe sobrava tempo para regressar às origens, a serões de bisca no país profundo, no salão dum mafioso que lhe servia whisky do melhor.
Dizem que agora vive em Cabo Verde, num resort que lá tem. É forte prejuízo nacional! Ele é dos que a pátria a muito custo dispensa, há tantos séculos sujeita a lavar-lhes os pés.
Eram os tempos do ministro Dias Loureiro, a mais fina flor do cavaquismo, modelo maior da livre iniciativa e bicho de sete ofícios. Ah, homenzinho duma cana, é destes que à pátria fazem falta!
Escrevia os discursos do caudilho à custa de horas de sono, foi ministro das polícias e banqueiro, e cavalheiro de múltiplas indústrias, e lobrigou tecnoclogias de ponta numa ilha de indígenas que não vem no planisfério, e não se acobardou com traficantes de armas, e por pouco não reconquistou as praças de África, e andou na caça com el-rei de Espanha, e subiu na vida a pulso como a lei ordena, e traçou os rumos da protecção civil, e investiu forte no combate aos fogos, quando os fogos não paravam de crescer. E ainda lhe sobrava tempo para regressar às origens, a serões de bisca no país profundo, no salão dum mafioso que lhe servia whisky do melhor.
Dizem que agora vive em Cabo Verde, num resort que lá tem. É forte prejuízo nacional! Ele é dos que a pátria a muito custo dispensa, há tantos séculos sujeita a lavar-lhes os pés.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Chatice grande
O papa B16 andou aí. Recebeu devotadas vassalagens, esparziu indulgências avulsas, e regressou a casa em boa hora.
Um dia passou por Fátima, a sopesar a caixa das esmolas. Mandou dizer que estava lá para o ver meio milhão de crentes.
Mas uma empresa espanhola, que tem olho de Lynce e se dedica ao ofício das contagens, levou a coisa mais ao pormenor. Apanhas 40 mil e é um pau!
Não sei quem tem razão. O mais certo é ficar a demanda para a última instância do juízo final. Mas não deixa de ser uma chatice grande, este mundo moderno, e metediço, e tecnológico!
Um dia passou por Fátima, a sopesar a caixa das esmolas. Mandou dizer que estava lá para o ver meio milhão de crentes.
Mas uma empresa espanhola, que tem olho de Lynce e se dedica ao ofício das contagens, levou a coisa mais ao pormenor. Apanhas 40 mil e é um pau!
Não sei quem tem razão. O mais certo é ficar a demanda para a última instância do juízo final. Mas não deixa de ser uma chatice grande, este mundo moderno, e metediço, e tecnológico!
Tiros pela culatra
Sócrates não é espingarda da minha colecção. Mas pior são os canhangulos que abundam por aí.
A chamada Direita, não sozinha, andou a fritá-lo em lume brando, durante muitos anos, à espera de comer o refogado. Agora o caso Freeport rebentou-lhe com os beiços. Transformou a tralha dessa gente política num bando mafioso de jogadores de vermelhinha, dos que andam pelas feiras com cartas marcadas.
A dita Esquerda, bem acompanhada, gastou-nos a todos o juízo, o tempo e o dinheiro com comissões parlamentares de inquérito, para mostrar que Sócrates mentiu ao Parlamento. Acabou transformada num catálogo de virgens postiças, das de página de anúncios.
Cavaco sobressaiu, no caso das escutas a Belém, que haviam de provar que o homem era um perigo para a nossa democracia. E só aquela saída de velho taralhoco, a tartamudear ao estupefacto país razões incompreensíveis, de atrasado inimputável, lhe permitiu descalçar a bota e besuntar os calos dos artelhos. Acompanhou na sombra todas as manobras e perdeu em todas elas.
Até no caso PT/Telefónica, por ínvios caminhos, Sócrates acabou a ganhar. Usou discutivelmente a golden share, que na minha singela opinião não tinha nada que usar. Mas viu afinal resolver a contento a contenda. O interesse nacional lá ficou salvaguardado, e até os espanhóis aumentaram a espórtula.
Mas tudo isto são notícias más, visto que Sócrates não é grande espingarda, e muito menos boa solução. E ir à caça com a restante canalha, é forte risco de apanhar com tiros que saem pela culatra.
A chamada Direita, não sozinha, andou a fritá-lo em lume brando, durante muitos anos, à espera de comer o refogado. Agora o caso Freeport rebentou-lhe com os beiços. Transformou a tralha dessa gente política num bando mafioso de jogadores de vermelhinha, dos que andam pelas feiras com cartas marcadas.
A dita Esquerda, bem acompanhada, gastou-nos a todos o juízo, o tempo e o dinheiro com comissões parlamentares de inquérito, para mostrar que Sócrates mentiu ao Parlamento. Acabou transformada num catálogo de virgens postiças, das de página de anúncios.
Cavaco sobressaiu, no caso das escutas a Belém, que haviam de provar que o homem era um perigo para a nossa democracia. E só aquela saída de velho taralhoco, a tartamudear ao estupefacto país razões incompreensíveis, de atrasado inimputável, lhe permitiu descalçar a bota e besuntar os calos dos artelhos. Acompanhou na sombra todas as manobras e perdeu em todas elas.
Até no caso PT/Telefónica, por ínvios caminhos, Sócrates acabou a ganhar. Usou discutivelmente a golden share, que na minha singela opinião não tinha nada que usar. Mas viu afinal resolver a contento a contenda. O interesse nacional lá ficou salvaguardado, e até os espanhóis aumentaram a espórtula.
Mas tudo isto são notícias más, visto que Sócrates não é grande espingarda, e muito menos boa solução. E ir à caça com a restante canalha, é forte risco de apanhar com tiros que saem pela culatra.
terça-feira, 27 de julho de 2010
segunda-feira, 26 de julho de 2010
domingo, 25 de julho de 2010
As sobras e as faltas
Duas casas que um século separa e a condição irmana. Não albergam nem servem a ninguém.
Ao fundo uma quinta velha, vencida pelo tempo, sem préstimos maiores. Mais perto uma quinta nova, inútil e falhada, que a vencem a desmesura e o desequilíbrio. Violenta a paisagem, instaura a desarmonia, agride-nos o olhar. A cinco léguas já luz.
Faz lembrar um tempo que vivemos, e um rei que um dia tivemos e já esquecemos. Mandou vir aos holandeses dois carrilhões de Mafra, para mostrar a essa gente que o ouro brasileiro chegava para pagar um, e até sobrava para outro.
O ouro de então chegou, sem ter sobrado. O de agora é que não sobra nem chega, para semelhante espavento.
sexta-feira, 23 de julho de 2010
quinta-feira, 22 de julho de 2010
Razão atendível
[clicar ajuda a ver]
Era uma tarde de sol. E quando os grifos assim se manifestaram numa penedia em Riba-Côa, logo eu quis saber do que falavam, porque isto de abutres tem que se lhe diga. Lancei mão da ajuda duns especialistas em escutas e microfones, para que tudo resultasse claro.
Cito um jornalista, o senhor Fernandes, que já seguiu o grande timoneiro, e agora segue um pequeno à falta doutro maior. Cito Lima, o assessor, que é mestre com tarimba e provas dadas. E cito ainda Cavaco, que é nosso presidente, e faz lembrar uma pítia calada que às vezes tartamudeia. Para que não se diga que poupei no sal.
Os resultados não se fizeram esperar, e valeram bem a pena. Entre avulsas minudências várias, os bichos espenujaram acaloradamente a crítica da razão atendível.
Acabaram a entender-se mal, mas lá deram que falar.
Era uma tarde de sol. E quando os grifos assim se manifestaram numa penedia em Riba-Côa, logo eu quis saber do que falavam, porque isto de abutres tem que se lhe diga. Lancei mão da ajuda duns especialistas em escutas e microfones, para que tudo resultasse claro.
Cito um jornalista, o senhor Fernandes, que já seguiu o grande timoneiro, e agora segue um pequeno à falta doutro maior. Cito Lima, o assessor, que é mestre com tarimba e provas dadas. E cito ainda Cavaco, que é nosso presidente, e faz lembrar uma pítia calada que às vezes tartamudeia. Para que não se diga que poupei no sal.
Os resultados não se fizeram esperar, e valeram bem a pena. Entre avulsas minudências várias, os bichos espenujaram acaloradamente a crítica da razão atendível.
Acabaram a entender-se mal, mas lá deram que falar.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Equívocos
Em Foz-Côa, o Museu de Arte Rupestre é isto que fica à vista...
Agora, depois de pronto, o IGESPAR, o Município Local e os Museus não se entendem sobre o que fazer com ele. Está fechado.
Um dia destes há-de lá ir um ministro, talvez o da Cultura, a inaugurá-lo. Depois, descalçada a bota, vai-se embora.
segunda-feira, 19 de julho de 2010
sexta-feira, 16 de julho de 2010
Filhos da puta
Consta que sim, que é verdade, que a maioria dirigente da autarquia do Porto recusou dar a uma rua da cidade o nome de Saramago.
Dá bem aqui a mocha com a cornuda, não há dúvida!
Um arrabalde de indigentes tristes, mergulhado na neblina, levado à certa por um bando de filhos da puta sem vergonha.
Dá bem aqui a mocha com a cornuda, não há dúvida!
Um arrabalde de indigentes tristes, mergulhado na neblina, levado à certa por um bando de filhos da puta sem vergonha.
Como "não" será o mundo, daqui a 100 anos
Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Há semanas atrás escrevi aqui sobre a forma como os nossos bisavós imaginavam o mundo de hoje. E ficou claro que havia naquele imaginário uma crença profunda num mundo melhor: mais organizado, mais fácil, menos poluído, mais livre de doenças e de pragas. Na opinião dos nossos avoengos, os homens e mulheres do futuro seriam mais felizes, e o mundo iria transformar-se numa espécie de paraíso terrestre.
As previsões de há cem anos inspiravam-se na crença de que a evolução tecnológica e o progresso do conhecimento não teriam limites. E que, ao desvendar os segredos das Ciências e ao dissecar as células microscópicas, o Homem iria explicar as origens da Vida e penetrar nas profundezas da Alma. Assim adquirindo a sapiência e o poder que antes só eram atributos dos deuses.
Mas o mundo dos últimos 100 anos não teve a "suave" evolução que se esperava. Foi antes uma espiral de acontecimentos contraditórios, em que os sucessos foram, muitas vezes, submergidos pelos insucessos. Descobrimos a penicilina mas tivemos o Holocausto, eliminámos a varíola mas vimos massacrar gente, em muitas partes do mundo. Produzimos e consumimos mais, e andámos mais depressa. Mas estamos, por causa disso, a esgotar os recursos e a destruir o ambiente. Libertámos a energia do átomo, e com ela mataram-se pessoas. Descobrimos o ADN, e já "manipulamos" genes de animais e plantas.
E quando parecia estarmos a atingir o paraíso, vimos o planeta reagir em fúria, parecendo contrariar o nosso desejo. Surgiram, quando menos se esperava, os tornados, os furacões, as enxurradas súbitas, e enfrentámos o aquecimento global. Até o planeta já se nega a que lhe retirem das entranhas o “sangue” negro que alimentou a nossa expansão. O “excremento do diabo”, como já lhe chamaram.
Por isso eu não me atrevo a fazer previsões para os próximos 100 anos, e já me contentaria se alguém mas mostrasse para os próximos dez. Porque, acredito eu, muita coisa se irá decidir neste curto prazo. Porém, o simples pensamento no que "não" poderá acontecer no século que temos pela frente, já é preocupante. E isso eu posso prever:
- A população “não” poderá voltar a multiplicar-se por quatro, como aconteceu nos últimos 100 anos.
- O aumento progressivo da concentração de CO2 na atmosfera “não” pode continuar.
- "Não" podemos continuar a destruir espécies, como temos feito até agora.
- O consumo de energia fóssil, barata e abundante, “não” continuará a crescer.
- "Não" poderemos continuar a desperdiçar recursos escassos, a começar pela água.
- Os economistas “não” vão ser capazes de resolver os problemas económicos do mundo.
Não queiras prever o futuro das coisas
Elas são imprevisíveis!
A fronteira entre a ordem e o caos
É o bater das asas de uma borboleta...
A amena fogueira dá lugar ao incêndio devastador
A brisa suave dá lugar ao tornado assustador
A chuva serena dá lugar à enchente destruidora
E ao doce crepúsculo, segue o dia claro ou a noite de trevas...
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Há semanas atrás escrevi aqui sobre a forma como os nossos bisavós imaginavam o mundo de hoje. E ficou claro que havia naquele imaginário uma crença profunda num mundo melhor: mais organizado, mais fácil, menos poluído, mais livre de doenças e de pragas. Na opinião dos nossos avoengos, os homens e mulheres do futuro seriam mais felizes, e o mundo iria transformar-se numa espécie de paraíso terrestre.
As previsões de há cem anos inspiravam-se na crença de que a evolução tecnológica e o progresso do conhecimento não teriam limites. E que, ao desvendar os segredos das Ciências e ao dissecar as células microscópicas, o Homem iria explicar as origens da Vida e penetrar nas profundezas da Alma. Assim adquirindo a sapiência e o poder que antes só eram atributos dos deuses.
Mas o mundo dos últimos 100 anos não teve a "suave" evolução que se esperava. Foi antes uma espiral de acontecimentos contraditórios, em que os sucessos foram, muitas vezes, submergidos pelos insucessos. Descobrimos a penicilina mas tivemos o Holocausto, eliminámos a varíola mas vimos massacrar gente, em muitas partes do mundo. Produzimos e consumimos mais, e andámos mais depressa. Mas estamos, por causa disso, a esgotar os recursos e a destruir o ambiente. Libertámos a energia do átomo, e com ela mataram-se pessoas. Descobrimos o ADN, e já "manipulamos" genes de animais e plantas.
E quando parecia estarmos a atingir o paraíso, vimos o planeta reagir em fúria, parecendo contrariar o nosso desejo. Surgiram, quando menos se esperava, os tornados, os furacões, as enxurradas súbitas, e enfrentámos o aquecimento global. Até o planeta já se nega a que lhe retirem das entranhas o “sangue” negro que alimentou a nossa expansão. O “excremento do diabo”, como já lhe chamaram.
Por isso eu não me atrevo a fazer previsões para os próximos 100 anos, e já me contentaria se alguém mas mostrasse para os próximos dez. Porque, acredito eu, muita coisa se irá decidir neste curto prazo. Porém, o simples pensamento no que "não" poderá acontecer no século que temos pela frente, já é preocupante. E isso eu posso prever:
- A população “não” poderá voltar a multiplicar-se por quatro, como aconteceu nos últimos 100 anos.
- O aumento progressivo da concentração de CO2 na atmosfera “não” pode continuar.
- "Não" podemos continuar a destruir espécies, como temos feito até agora.
- O consumo de energia fóssil, barata e abundante, “não” continuará a crescer.
- "Não" poderemos continuar a desperdiçar recursos escassos, a começar pela água.
- Os economistas “não” vão ser capazes de resolver os problemas económicos do mundo.
Não queiras prever o futuro das coisas
Elas são imprevisíveis!
A fronteira entre a ordem e o caos
É o bater das asas de uma borboleta...
A amena fogueira dá lugar ao incêndio devastador
A brisa suave dá lugar ao tornado assustador
A chuva serena dá lugar à enchente destruidora
E ao doce crepúsculo, segue o dia claro ou a noite de trevas...
quinta-feira, 15 de julho de 2010
Pendão
Tempo
SNS
O ancião é bisavô há muito, mas há muito não vê os bisnetos, porque os olhos deixaram de funcionar. Nasceu há perto dum século, está quase a dar a volta no conta-quilómetros. E desde há meia dúzia de anos que lembra um vegetal.
Incontinente, se o estendem na cama, ali fica. Só se move se o moverem. Quando o sentam no sofá, lá fica debruçado. Come bem se o pitéu lhe agradar, e lho meterem na boca. Umas vezes acena um monossílabo, outras vezes nem tanto. O que lá vai dentro ninguém o sabe ao certo.
Há tempos o coração deu em falhar. E uma filha, que faz vida na Saúde, levou-o ao hospital. Afrontando a opinião do clínico de serviço, e porque o seu dever é conservar a vida, impôs ao ancião um pace-maker.
Agora dizem que a pilha garante mais sete anos de batimento cardíaco regular. Tantos como os que Jacob serviu Labão, que era o pai de Raquel, serrana bela. Porém esse não servia ao pai, servia a ela. E aqui se repete o caso, na forma duma pilha. Que crucifica o pai, mortifica a família, parasita o sistema, e só serve a cegueira, a paranóia, o falso humanitarismo e os desarranjos da filha.
Incontinente, se o estendem na cama, ali fica. Só se move se o moverem. Quando o sentam no sofá, lá fica debruçado. Come bem se o pitéu lhe agradar, e lho meterem na boca. Umas vezes acena um monossílabo, outras vezes nem tanto. O que lá vai dentro ninguém o sabe ao certo.
Há tempos o coração deu em falhar. E uma filha, que faz vida na Saúde, levou-o ao hospital. Afrontando a opinião do clínico de serviço, e porque o seu dever é conservar a vida, impôs ao ancião um pace-maker.
Agora dizem que a pilha garante mais sete anos de batimento cardíaco regular. Tantos como os que Jacob serviu Labão, que era o pai de Raquel, serrana bela. Porém esse não servia ao pai, servia a ela. E aqui se repete o caso, na forma duma pilha. Que crucifica o pai, mortifica a família, parasita o sistema, e só serve a cegueira, a paranóia, o falso humanitarismo e os desarranjos da filha.
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Fastos duma pátria ditosa-2
[mapa dos locais da sedição]
(...)
Para atingir tão elevados objectivos, o melhor que pode acontecer ao governador Gorgulho é uma insurreição comunista. É ela que lhe há-de permitir sujeitar os nativos amotinados às grilhetas das brigadas e ao "contrato" nas roças. E o enfermeiro Coelho, que veio de Estremoz, aprendeu na secreta como se faz um plano detalhado.
Em Janeiro de 1953, Zé Mulato e o Coelho procedem à colagem dos panfletos falsos que em dialecto apelam à revolta. "Vamos cortar a cabeça do governador, matar todos os brancos e ficar com as mulheres deles"!
Os amotinados têm armas comunistas, alguém dirá mais tarde que viu um barco russo aproximar-se da costa e dele sairem muitos homens com um motor às costas, a voar na direcção da ilha. Aos desgraçados nativos, que não sabem de nada, apenas lhes cheira a esturro. Amedrontados, refugiam-se nas matas.
O capitão da polícia, que não dá mostras de inspiração nazi, é posto em prisão domiciliária e devolvido a Lisboa. Salustino Graça, o engenheiro agrónomo, acusado de ser o cabecilha e futuro governante, é feito prisioneiro. E o incansável Gorgulho elabora relatórios, distribui armas e mobiliza os brancos para a caçada: comerciantes, feitores de roças, militares, por junto 600 homens.
Por benesse dos deuses, um alferes é morto à catanada por Agostinho, um nativo que fugira para a mata e estava a ser perseguido. Os dados estavam lançados. E o que a seguir se passou não tem descrição possível.
A praia de Fernão Dias transformou-se em campo de concentração, e os presos de delito comum passaram a capatazes. A cadeira eléctrica improvisada, a coroa de espinhos feita de lâmpadas eléctricas, a tortura selvagem aplicada por fanáticos operaram maravilhas. Puseram presos a confessar que sim, que havia apoios de Moscovo e armas russas.
Muitos mortos, ou nem tanto, acabaram emparedados, nos caboucos das obras. Sobre um deles foi mais tarde confessado que"... ainda respirava, fui obrigado a fazer massa para o chapar na parede. Ele gritava e meteram-lhe cimento na boca e nos olhos". Mais de um milhar de nativos acabaram chacinados.
Para a PIDE era aquilo uma vergonha, um golpe comunista e ela sem saber de nada. Por isso um dia desembarcou na ilha o inspector Falcão, a investigar. E pouco depois chegaria Palma Carlos, um advogado contrário ao regime, alertado em Lisboa por familiares de presos.
O cinismo da história juntou, por uma vez, a PIDE e o reviralho. Depressa se concluiu que tudo fora encenação.
A carreira imperial de Gorgulho terminou precocemente, abrilhantada por uma Torre e Espada. Salazar preservou do escândalo o coronel e os poucos militares, bastou-lhe sacrificar o enfermeiro e o pára-motores.
Do massacre de Batepá, em 1953, pouco mais se ouviu falar. A bem da nação, que os portugueses têm mais em que pensar. E ao espelho da história, que os reflecte, chamaram-lhe mentiroso. Ainda hoje lhe chamam, se preciso for.
(...)
Para atingir tão elevados objectivos, o melhor que pode acontecer ao governador Gorgulho é uma insurreição comunista. É ela que lhe há-de permitir sujeitar os nativos amotinados às grilhetas das brigadas e ao "contrato" nas roças. E o enfermeiro Coelho, que veio de Estremoz, aprendeu na secreta como se faz um plano detalhado.
Em Janeiro de 1953, Zé Mulato e o Coelho procedem à colagem dos panfletos falsos que em dialecto apelam à revolta. "Vamos cortar a cabeça do governador, matar todos os brancos e ficar com as mulheres deles"!
Os amotinados têm armas comunistas, alguém dirá mais tarde que viu um barco russo aproximar-se da costa e dele sairem muitos homens com um motor às costas, a voar na direcção da ilha. Aos desgraçados nativos, que não sabem de nada, apenas lhes cheira a esturro. Amedrontados, refugiam-se nas matas.
O capitão da polícia, que não dá mostras de inspiração nazi, é posto em prisão domiciliária e devolvido a Lisboa. Salustino Graça, o engenheiro agrónomo, acusado de ser o cabecilha e futuro governante, é feito prisioneiro. E o incansável Gorgulho elabora relatórios, distribui armas e mobiliza os brancos para a caçada: comerciantes, feitores de roças, militares, por junto 600 homens.
Por benesse dos deuses, um alferes é morto à catanada por Agostinho, um nativo que fugira para a mata e estava a ser perseguido. Os dados estavam lançados. E o que a seguir se passou não tem descrição possível.
A praia de Fernão Dias transformou-se em campo de concentração, e os presos de delito comum passaram a capatazes. A cadeira eléctrica improvisada, a coroa de espinhos feita de lâmpadas eléctricas, a tortura selvagem aplicada por fanáticos operaram maravilhas. Puseram presos a confessar que sim, que havia apoios de Moscovo e armas russas.
Muitos mortos, ou nem tanto, acabaram emparedados, nos caboucos das obras. Sobre um deles foi mais tarde confessado que"... ainda respirava, fui obrigado a fazer massa para o chapar na parede. Ele gritava e meteram-lhe cimento na boca e nos olhos". Mais de um milhar de nativos acabaram chacinados.
Para a PIDE era aquilo uma vergonha, um golpe comunista e ela sem saber de nada. Por isso um dia desembarcou na ilha o inspector Falcão, a investigar. E pouco depois chegaria Palma Carlos, um advogado contrário ao regime, alertado em Lisboa por familiares de presos.
O cinismo da história juntou, por uma vez, a PIDE e o reviralho. Depressa se concluiu que tudo fora encenação.
A carreira imperial de Gorgulho terminou precocemente, abrilhantada por uma Torre e Espada. Salazar preservou do escândalo o coronel e os poucos militares, bastou-lhe sacrificar o enfermeiro e o pára-motores.
Do massacre de Batepá, em 1953, pouco mais se ouviu falar. A bem da nação, que os portugueses têm mais em que pensar. E ao espelho da história, que os reflecte, chamaram-lhe mentiroso. Ainda hoje lhe chamam, se preciso for.
segunda-feira, 12 de julho de 2010
Fastos duma pátria ditosa-1
Nos finais da 2ª Guerra Mundial, em 1944, Carlos Gorgulho, coronel de Artilharia, é nomeado por Salazar para o cargo de governador da colónia ultramarina de S. Tomé e Príncipe.
70% desta parcela do império está nas mãos duma dúzia de roceiros, que gozam na metrópole os proventos trazidos pelos elevados preços do cacau. O trabalho nas roças é feito por "contratados", os "cabeças de alcatrão", que em Angola e Moçambique são caçados em rusgas nos sertões e trazidos ao "contrato".
Zé Mulato, que tem 25 anos, é encarregado da segurança do governador. Filho duma preta e dum labrego de Lamego deportado para a ilha no princípio do século, chamam-lhe o "pára-motores", tal é o impacto dum soco dos seus punhos.
António Coelho é enfermeiro, veio um dia de Estremoz. E trabalhou em tempos para a PVDE, onde ganhou notáveis funcionalidades, que hão-de revelar-se decisivas.
O governador gosta de carros e de fêmeas, e tem elevadas ambições quanto ao futuro. Por enquanto manda nestas ilhas, mas quer subir a governador-geral de Angola, mais que todas a pérola do império. Para isso pretende levar a cabo um conjunto de realizações que há-de afirmá-lo como servidor exemplar, há-de alindar-lhe a folha de serviços, há-de granjear-lhe a almejada promoção.
A bem da província e em proveito da pátria, desenvolve um largo programa de obras públicas, assente no trabalho forçado das brigadas das obras do Estado. A elas são condenados os "contratados" recalcitrantes, castigados nas roças seja por insubmissão, seja por dá cá aquela palha.
E ao mesmo tempo pretende o governador satisfazer o volume de mão-de-obra que os roceiros não param de reclamar. A escravatura foi abolida há um século. E 30% dos forçados ao "contrato", trazidos de além do mar, não aguentam o regime de trabalho e morrem do coração.
Pela sua parte, os nativos de S. Tomé tomam à letra o discurso farisaico do poder colonial e consideram-se "forros", homens livres. Resistem ao "contrato" nas roças.
Entre a elite dos nativos "assimilados" sobressai um engenheiro agrónomo, Salustino Graça, duma família indígena dominante na ilha. É uma figura temida, porque sempre defendeu o seu povo do regime de escravatura.
Toda a mão-de-obra, assim, é sempre escassa. Mas o governador Gorgulho vai pegar o touro pelos cornos e resolver a questão. Assim ele consiga aplicar aos nativos as normas coloniais, taxá-los de "incivilizados", acusá-los de vadiagem. Quem não tiver documento de trabalho dum patrão, acaba acorrentado nas brigadas.
A missão católica apadrinha esta política. Porque o padre Martinho, que tem sete filhos duma preta e vende aos pescadores nativos, a cinco tostões a unidade, orações que trazem vento, quando o vento anda arredio e afrouxa as velas dos barquitos, não quer senão o bem do rebanho de Deus.
(Continua)
70% desta parcela do império está nas mãos duma dúzia de roceiros, que gozam na metrópole os proventos trazidos pelos elevados preços do cacau. O trabalho nas roças é feito por "contratados", os "cabeças de alcatrão", que em Angola e Moçambique são caçados em rusgas nos sertões e trazidos ao "contrato".
Zé Mulato, que tem 25 anos, é encarregado da segurança do governador. Filho duma preta e dum labrego de Lamego deportado para a ilha no princípio do século, chamam-lhe o "pára-motores", tal é o impacto dum soco dos seus punhos.
António Coelho é enfermeiro, veio um dia de Estremoz. E trabalhou em tempos para a PVDE, onde ganhou notáveis funcionalidades, que hão-de revelar-se decisivas.
O governador gosta de carros e de fêmeas, e tem elevadas ambições quanto ao futuro. Por enquanto manda nestas ilhas, mas quer subir a governador-geral de Angola, mais que todas a pérola do império. Para isso pretende levar a cabo um conjunto de realizações que há-de afirmá-lo como servidor exemplar, há-de alindar-lhe a folha de serviços, há-de granjear-lhe a almejada promoção.
A bem da província e em proveito da pátria, desenvolve um largo programa de obras públicas, assente no trabalho forçado das brigadas das obras do Estado. A elas são condenados os "contratados" recalcitrantes, castigados nas roças seja por insubmissão, seja por dá cá aquela palha.
E ao mesmo tempo pretende o governador satisfazer o volume de mão-de-obra que os roceiros não param de reclamar. A escravatura foi abolida há um século. E 30% dos forçados ao "contrato", trazidos de além do mar, não aguentam o regime de trabalho e morrem do coração.
Pela sua parte, os nativos de S. Tomé tomam à letra o discurso farisaico do poder colonial e consideram-se "forros", homens livres. Resistem ao "contrato" nas roças.
Entre a elite dos nativos "assimilados" sobressai um engenheiro agrónomo, Salustino Graça, duma família indígena dominante na ilha. É uma figura temida, porque sempre defendeu o seu povo do regime de escravatura.
Toda a mão-de-obra, assim, é sempre escassa. Mas o governador Gorgulho vai pegar o touro pelos cornos e resolver a questão. Assim ele consiga aplicar aos nativos as normas coloniais, taxá-los de "incivilizados", acusá-los de vadiagem. Quem não tiver documento de trabalho dum patrão, acaba acorrentado nas brigadas.
A missão católica apadrinha esta política. Porque o padre Martinho, que tem sete filhos duma preta e vende aos pescadores nativos, a cinco tostões a unidade, orações que trazem vento, quando o vento anda arredio e afrouxa as velas dos barquitos, não quer senão o bem do rebanho de Deus.
(Continua)
sábado, 10 de julho de 2010
Romantismos-3
Um pardacento céu hebdomadário!
E a cidade também não mudou nada.
Do mesmo modo idiota e salafrário
No Elba se mira como então, pasmada.
Assoam-se os narizes longamente
Com a mesma repetida convicção.
E há gente duma empáfia impertinente,
E outros, mais falsos, de olhos pelo chão.
Ó belo Sul! Quanto os teus céus adoro,
Quanto adoro os teus deuses! Sobretudo após
Rever de novo este infra-humano coro,
Esta borra de gente. E o clima atroz.
Heinrich Heine (1797/1856) "... um poderoso satírico da mediocridade satisfeita e reaccionária da sociedade germânica".
E a cidade também não mudou nada.
Do mesmo modo idiota e salafrário
No Elba se mira como então, pasmada.
Assoam-se os narizes longamente
Com a mesma repetida convicção.
E há gente duma empáfia impertinente,
E outros, mais falsos, de olhos pelo chão.
Ó belo Sul! Quanto os teus céus adoro,
Quanto adoro os teus deuses! Sobretudo após
Rever de novo este infra-humano coro,
Esta borra de gente. E o clima atroz.
Heinrich Heine (1797/1856) "... um poderoso satírico da mediocridade satisfeita e reaccionária da sociedade germânica".
Andorinhas
O bicho, a andorinha dáurica, não cheguei a vê-lo, porém o ninho é este. Literalmente grudado na parte inferior da fraga, que constitui o tecto duma pequena caverna.
Não há predador que o alcance. E dava jeito a nós todos, estou em crer, nos tempos que vão correndo.
Não há predador que o alcance. E dava jeito a nós todos, estou em crer, nos tempos que vão correndo.
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Congresso
1º Congresso da Associação Rio Vivo
Tema: À descoberta das nascentes
Data: 7/8 Agosto de 2010
Local: Pavilhão multiusos de S. Pedro do Rio Seco
Nos dias 7 e 8 de Agosto, a Associação Rio Vivo leva efeito o seu 1º Congresso no Pavilhão Multiusos de S. Pedro do Rio Seco.
A RIO VIVO foi constituída em Agosto de 2009, altura em que foi assinada a Carta de Princípios que ficou conhecida por “Declaração de S. Pedro”. Nesse documento estão expressos os princípios que norteiam a Associação, e estão definidos os objectivos que se propõe atingir. O tema do congresso é “À descoberta das nascentes”. Ao escolhê-lo assumimos que é na nascente que o rio se forma, e é das raízes que vem a seiva que dá a vida.
Nos tempos que correm, marcados pela euforia do consumismo, da facilidade aparente e do excesso, e pela desvalorização do trabalho, a Associação Rio Vivo pretende ser o espaço de reflexão e de busca de novas formas de desenvolvimento e prosperidade, pessoal e colectiva. Inspirados nas tradições e no exemplo dos que nos precederam, queremos deixar aos nossos filhos um mundo onde seja possível viver, com respeito pela Natureza, pela solidariedade humana e pela utilização racional dos recursos disponíveis.
Neste 1º Congresso, vamos apresentar e debater temas que têm que ver com a nossa aldeia, mas também com o mundo conturbado em que vivemos. E com o tempo, porventura ainda mais conturbado, que nos espera no futuro. Haverá também espaço para o jogo e o passatempo, recuperando antigas tradições locais como o Jogo do Ferro, e estimulando a vivência ao ar livre.
E é claro que a festa não poderia faltar: haverá sardinhada, animação, convívio e boa disposição!
Tema: À descoberta das nascentes
Data: 7/8 Agosto de 2010
Local: Pavilhão multiusos de S. Pedro do Rio Seco
Nos dias 7 e 8 de Agosto, a Associação Rio Vivo leva efeito o seu 1º Congresso no Pavilhão Multiusos de S. Pedro do Rio Seco.
A RIO VIVO foi constituída em Agosto de 2009, altura em que foi assinada a Carta de Princípios que ficou conhecida por “Declaração de S. Pedro”. Nesse documento estão expressos os princípios que norteiam a Associação, e estão definidos os objectivos que se propõe atingir. O tema do congresso é “À descoberta das nascentes”. Ao escolhê-lo assumimos que é na nascente que o rio se forma, e é das raízes que vem a seiva que dá a vida.
Nos tempos que correm, marcados pela euforia do consumismo, da facilidade aparente e do excesso, e pela desvalorização do trabalho, a Associação Rio Vivo pretende ser o espaço de reflexão e de busca de novas formas de desenvolvimento e prosperidade, pessoal e colectiva. Inspirados nas tradições e no exemplo dos que nos precederam, queremos deixar aos nossos filhos um mundo onde seja possível viver, com respeito pela Natureza, pela solidariedade humana e pela utilização racional dos recursos disponíveis.
Neste 1º Congresso, vamos apresentar e debater temas que têm que ver com a nossa aldeia, mas também com o mundo conturbado em que vivemos. E com o tempo, porventura ainda mais conturbado, que nos espera no futuro. Haverá também espaço para o jogo e o passatempo, recuperando antigas tradições locais como o Jogo do Ferro, e estimulando a vivência ao ar livre.
E é claro que a festa não poderia faltar: haverá sardinhada, animação, convívio e boa disposição!
segunda-feira, 5 de julho de 2010
Economia e ambiente
Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Estive há dias no Museu da Electricidade, onde assisti à conferência, promovida pelo “Sol”, sobre “Economia, Ambiente e Sustentabilidade”. O que me levou lá foi o meu interesse em ouvir o professor Ernâni Lopes. E valeu a pena, pois assisti a uma lição magistral. Mas não foi com a sua dissertação sobre economia que o professor mais me impressionou. Acima de tudo foi a atitude de uma pessoa sábia e humilde, que questionou o “direito” do homem destruir o ambiente, pois que o “poder” adquiriu-o ele já há bastante tempo: primeiro, com o “clarão” de Hiroshima em 1945; e depois, com a descoberta do ADN em 1960. No primeiro momento tornou-se evidente o poder da destruição cega e massiva, e no segundo a capacidade de manipular geneticamente o genoma dos seres vivos.
Falou o professor do capitalismo, que disse ter “nascido” em 1776, no ano da publicação da "Riqueza das Nações" de Adam Smith, e que foi também o ano da independência da América. Capitalismo cujo desenvolvimento foi alimentado pela primeira revolução industrial, e que foi causa e efeito de inúmeras conquistas tecnológicas (daí poder chamar-se-lhe uma revolução!). Mas conseguidas à custa da contínua e progressiva destruição do ambiente, acrescentou ele. Assistimos agora a um ponto de viragem, pois já nos demos conta de que o ambiente não pode mais continuar a ser destruído. Antes pelo contrário, precisamos de o reconstruir e de recuperar os estragos. E essa reconstrução, para o conferencista, abre uma nova e grande oportunidade ao capitalismo. Considera ele que o capitalismo sempre foi capaz de "dar a volta por cima” às dificuldades, e até foi capaz de transformar derrotas em vitórias, e falhanços em novas oportunidades.
Discordando eu desta conclusão, disse-lho no curto debate que seguiu. Como poderá o capitalismo passar de destruidor a protector? Poderá o lobo, devorador de cordeiros, transformar-se, como que por encanto, no seu criador e protector? A destruição do ambiente pelo capitalismo, é, na minha opinião, a afirmação do seu “instinto” predador, a forma de garantir a sua sobrevivência. Afinal consumir é, na nossa economia capitalista e liberal, sinónimo de destruir.
Ernâni Lopes acredita que a tecnologia (para ele o grande trunfo do capital) pode mudar o mundo, e pode até resolver o problema energético. Chegou mesmo a afirmar que a “economia” encontrará, quando for necessário, um substituto para o petróleo. E, quando se falou de “colapso”, ele acusou o toque, e confessou que conhecia os casos enunciados por Jared Diamond no seu famoso livro, com aquele nome, e recentemente traduzido para português. Mas que discordava do autor sobre as razões dos vários exemplos de “colapso” apresentados no livro (incluindo o famoso exemplo da Ilha da Páscoa). Considera ele que a verdadeira causa foi a incapacidade dos intervenientes para encontrar soluções tecnológicas para os resolver.
O que me separa aqui conferencista são os princípios da termodinâmica: a tecnologia não cria energia, aliás, a energia não se cria (1º princípio); apenas se transforma, e mesmo a transformação nunca é gratuita (2º princípio).
Mas este pormenores não retiram nada ao essencial da conferência, nem reduzem o seu interesse. Ernâni Lopes explanou conceitos que nos fazem pensar, tais como a diferença entre política, doutrina e ideologia. Lembrou que, na escala do nosso relacionamento com o mundo (a Weltanschauung), a sabedoria sobrepõe-se ao conhecimento, o qual por sua vez se sobrepõe à informação e aos dados. Nas sua dissertação revelou-se um sábio, descomprometido e humano, e demonstrou possuir uma grande inteligência. E assumiu, com humildade, uma atitude quase religiosa perante o mundo e perante a vida.
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal
Estive há dias no Museu da Electricidade, onde assisti à conferência, promovida pelo “Sol”, sobre “Economia, Ambiente e Sustentabilidade”. O que me levou lá foi o meu interesse em ouvir o professor Ernâni Lopes. E valeu a pena, pois assisti a uma lição magistral. Mas não foi com a sua dissertação sobre economia que o professor mais me impressionou. Acima de tudo foi a atitude de uma pessoa sábia e humilde, que questionou o “direito” do homem destruir o ambiente, pois que o “poder” adquiriu-o ele já há bastante tempo: primeiro, com o “clarão” de Hiroshima em 1945; e depois, com a descoberta do ADN em 1960. No primeiro momento tornou-se evidente o poder da destruição cega e massiva, e no segundo a capacidade de manipular geneticamente o genoma dos seres vivos.
Falou o professor do capitalismo, que disse ter “nascido” em 1776, no ano da publicação da "Riqueza das Nações" de Adam Smith, e que foi também o ano da independência da América. Capitalismo cujo desenvolvimento foi alimentado pela primeira revolução industrial, e que foi causa e efeito de inúmeras conquistas tecnológicas (daí poder chamar-se-lhe uma revolução!). Mas conseguidas à custa da contínua e progressiva destruição do ambiente, acrescentou ele. Assistimos agora a um ponto de viragem, pois já nos demos conta de que o ambiente não pode mais continuar a ser destruído. Antes pelo contrário, precisamos de o reconstruir e de recuperar os estragos. E essa reconstrução, para o conferencista, abre uma nova e grande oportunidade ao capitalismo. Considera ele que o capitalismo sempre foi capaz de "dar a volta por cima” às dificuldades, e até foi capaz de transformar derrotas em vitórias, e falhanços em novas oportunidades.
Discordando eu desta conclusão, disse-lho no curto debate que seguiu. Como poderá o capitalismo passar de destruidor a protector? Poderá o lobo, devorador de cordeiros, transformar-se, como que por encanto, no seu criador e protector? A destruição do ambiente pelo capitalismo, é, na minha opinião, a afirmação do seu “instinto” predador, a forma de garantir a sua sobrevivência. Afinal consumir é, na nossa economia capitalista e liberal, sinónimo de destruir.
Ernâni Lopes acredita que a tecnologia (para ele o grande trunfo do capital) pode mudar o mundo, e pode até resolver o problema energético. Chegou mesmo a afirmar que a “economia” encontrará, quando for necessário, um substituto para o petróleo. E, quando se falou de “colapso”, ele acusou o toque, e confessou que conhecia os casos enunciados por Jared Diamond no seu famoso livro, com aquele nome, e recentemente traduzido para português. Mas que discordava do autor sobre as razões dos vários exemplos de “colapso” apresentados no livro (incluindo o famoso exemplo da Ilha da Páscoa). Considera ele que a verdadeira causa foi a incapacidade dos intervenientes para encontrar soluções tecnológicas para os resolver.
O que me separa aqui conferencista são os princípios da termodinâmica: a tecnologia não cria energia, aliás, a energia não se cria (1º princípio); apenas se transforma, e mesmo a transformação nunca é gratuita (2º princípio).
Mas este pormenores não retiram nada ao essencial da conferência, nem reduzem o seu interesse. Ernâni Lopes explanou conceitos que nos fazem pensar, tais como a diferença entre política, doutrina e ideologia. Lembrou que, na escala do nosso relacionamento com o mundo (a Weltanschauung), a sabedoria sobrepõe-se ao conhecimento, o qual por sua vez se sobrepõe à informação e aos dados. Nas sua dissertação revelou-se um sábio, descomprometido e humano, e demonstrou possuir uma grande inteligência. E assumiu, com humildade, uma atitude quase religiosa perante o mundo e perante a vida.
Romantismos-2
DE MANHÃ CEDO
Minha esposa querida e boa.
Minha bem amada esposa,
que logo pela manhã
Negro café, branco leite,
É ela mesma quem serve!
E com que encanto, que riso!
Em todo o mundo de Cristo
Não há quem sorria assim.
E a flauta que é sua voz
Só entre os anjos se encontra.
Cá por baixo, quando muito,
Entre os melhores rouxinóis.
E as mãos que são como lírios!
E os cabelos que entressonham
Em volta do róseo rosto!
Ah, tudo nela é perfeito!
Hoje, porém, ocorreu-me
- Não sei porquê - que um pouquinho
Mais elegante o seu corpo
Pudera ser. Um pouquinho.
Heinrich Heine (1797-1856)
Os franceses chamaram-lhe Henri Heine. Ou terá sido Henri Haine?!
BOM CONSELHO
Põe sempre os nomes aos bois
Nas histórias que contares.
Ou logo os burros depois
Se queixam de os retratares:
"Mas são as minhas orelhas!
Este azurrar é o meu!
Se estas são minhas guedelhas!
Ai este burro sou eu!
Não me nomeie ele embora,
Toda a Pátria vai agora
Saber-me por burro, hin-hã!
Ai que eu, hin-hã, hin-hã!"
- Quiseste a um burro poupar...
Logo doze hão-de zurrar.
domingo, 4 de julho de 2010
Romantismos-1
Quisemo-nos os dois profundamente,
E o caso é que acertámos muito bem.
De "Marido e Mulher" brincou a gente,
Sem nos batermos nunca, e sem ralhar também.
Alegres e contentes nos beijávamos,
E era em ternura que nos enlaçávamos.
Por fim, num assomo de infantil ardor,
Jogámos na floresta às escondidas -
E fomos nesse jogo os dois de um tal valor,
Que não nos vimos mais em nossas vidas.
Heinrich Heine (1797/1856)
Nascido em Düsseldorf, viveu exilado em Paris, onde morreu.
Não sem antes deixar dito que uma coisa é Romantismo, e outra coisa é lamechice e folhas caídas.
E o caso é que acertámos muito bem.
De "Marido e Mulher" brincou a gente,
Sem nos batermos nunca, e sem ralhar também.
Alegres e contentes nos beijávamos,
E era em ternura que nos enlaçávamos.
Por fim, num assomo de infantil ardor,
Jogámos na floresta às escondidas -
E fomos nesse jogo os dois de um tal valor,
Que não nos vimos mais em nossas vidas.
Heinrich Heine (1797/1856)
Nascido em Düsseldorf, viveu exilado em Paris, onde morreu.
Não sem antes deixar dito que uma coisa é Romantismo, e outra coisa é lamechice e folhas caídas.
sábado, 3 de julho de 2010
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Estimação
Diz-se que todos os anos trinta e tal mil animais de estimação acabam abandonados: em estradas, em descampados, em terras desconhecidas.
Antigamente havia picos nesta selvajaria: no fim da vida dos bichos, no defeso da caça, no princípio das férias... Agora já são boas todas as estações. Os canis e as sociedades protectoras não têm mãos a medir.
Nos tempos do Grand Tour, um modo de avaliar as sociedades de selvagens era ver como tratavam os presos e as mulheres. Hoje basta ver os cães, para lhes augurar um lindo enterro. Às sociedades de selvagens.
Antigamente havia picos nesta selvajaria: no fim da vida dos bichos, no defeso da caça, no princípio das férias... Agora já são boas todas as estações. Os canis e as sociedades protectoras não têm mãos a medir.
Nos tempos do Grand Tour, um modo de avaliar as sociedades de selvagens era ver como tratavam os presos e as mulheres. Hoje basta ver os cães, para lhes augurar um lindo enterro. Às sociedades de selvagens.
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