sexta-feira, 31 de julho de 2015
Justas
(A coisa parte daqui, e da "dívida infinita" da Grécia, e da cristianíssima "culpa", e da Schuld alemã que significa uma coisa e a outra ao mesmo tempo.)
«Falemos do filisteu*** — uma figura fascinante agraciada com a unção das reminiscências bíblicas. Não da sua versão clássica (a que deu origem à palavra “filistinismo”, que o escritor alemão Clemens von Brentano, no início do século XIX, utilizou pela primeira vez como conceito para designar uma atitude intelectual de desprezo pela cultura e pela arte, em nome do pragmatismo e da utilidade imediata), mas de uma versão moderna, típica da época da cultura de massa, a que Hannah Arendt chamou “filisteu cultivado”.
O filisteu cultivado não despreza os objectos culturais. Pelo contrário, na boa sociedade cultivada sente-se como peixe na água. Para ele, a cultura é mesmo uma moral e, por conseguinte, uma prescrição: a prescrição da transparência, da homogeneidade, dos discursos bem oleados em que tudo corre sobre rodas. O filisteu cultivado ama a cultura, habita-a como casa sua, mas na condição de ela estar bem limpa e isenta de tudo o que provoca atrito. Vive em estado de plenitude cultural e acha que tudo o que lhe escapa — e é muito — pura e simplesmente não tem sentido. A nostalgia do sentido é o sentimento mais comum do filisteu cultivado.
Podemos confirmá-lo através do exemplo de um escritor, cronista, blogger e muito mais que se chama Luís Miguel Rainha. Na sua página do Facebook (a que só tive acesso através de um amigo porque ainda não fixei morada nesse lugar universal), reage ele assim a uma passagem da minha crónica da semana passada, onde falava da “dívida infinita” da Grécia: “Alguém me explique, por favor, onde se encontra um só grama de sentido nesta frase: ‘Recordemos que, para a teologia cristã, existe uma única instituição legal que não conhece interrupção nem fim: o inferno’”.
Com enorme solicitude, passarei a explicar, não apenas ao reclamante, mas também a quem aproveitou (gente igualmente culta, dessa espécie de filisteus cultivados, entre eles um escritor, Bruno Vieira Amaral, e uma editora, Bárbara Bulhosa) para dar o seu assentimento, através de likes, à declaração de que nem um grama de sentido pesava esta frase. (...) E a seguir refere-se à doutrina de S. Tomás segundo a qual, enquanto no Paraíso, depois do Juízo Final, os anjos abandonam toda a função de governo, no Inferno os executores das penas infernais continuam a desempenhar a sua função judiciária. Mas nisto não há um grama de sentido, sentenciam os filisteus cultivados, carnífices de serviço no tribunal popular.»
[António Guerreiro, in Ipsilon]
***Burguês de espírito vulgar e estreito; pessoa que nada entende da arte. (dicionário Morais.)
«Falemos do filisteu*** — uma figura fascinante agraciada com a unção das reminiscências bíblicas. Não da sua versão clássica (a que deu origem à palavra “filistinismo”, que o escritor alemão Clemens von Brentano, no início do século XIX, utilizou pela primeira vez como conceito para designar uma atitude intelectual de desprezo pela cultura e pela arte, em nome do pragmatismo e da utilidade imediata), mas de uma versão moderna, típica da época da cultura de massa, a que Hannah Arendt chamou “filisteu cultivado”.
O filisteu cultivado não despreza os objectos culturais. Pelo contrário, na boa sociedade cultivada sente-se como peixe na água. Para ele, a cultura é mesmo uma moral e, por conseguinte, uma prescrição: a prescrição da transparência, da homogeneidade, dos discursos bem oleados em que tudo corre sobre rodas. O filisteu cultivado ama a cultura, habita-a como casa sua, mas na condição de ela estar bem limpa e isenta de tudo o que provoca atrito. Vive em estado de plenitude cultural e acha que tudo o que lhe escapa — e é muito — pura e simplesmente não tem sentido. A nostalgia do sentido é o sentimento mais comum do filisteu cultivado.
Podemos confirmá-lo através do exemplo de um escritor, cronista, blogger e muito mais que se chama Luís Miguel Rainha. Na sua página do Facebook (a que só tive acesso através de um amigo porque ainda não fixei morada nesse lugar universal), reage ele assim a uma passagem da minha crónica da semana passada, onde falava da “dívida infinita” da Grécia: “Alguém me explique, por favor, onde se encontra um só grama de sentido nesta frase: ‘Recordemos que, para a teologia cristã, existe uma única instituição legal que não conhece interrupção nem fim: o inferno’”.
Com enorme solicitude, passarei a explicar, não apenas ao reclamante, mas também a quem aproveitou (gente igualmente culta, dessa espécie de filisteus cultivados, entre eles um escritor, Bruno Vieira Amaral, e uma editora, Bárbara Bulhosa) para dar o seu assentimento, através de likes, à declaração de que nem um grama de sentido pesava esta frase. (...) E a seguir refere-se à doutrina de S. Tomás segundo a qual, enquanto no Paraíso, depois do Juízo Final, os anjos abandonam toda a função de governo, no Inferno os executores das penas infernais continuam a desempenhar a sua função judiciária. Mas nisto não há um grama de sentido, sentenciam os filisteus cultivados, carnífices de serviço no tribunal popular.»
[António Guerreiro, in Ipsilon]
***Burguês de espírito vulgar e estreito; pessoa que nada entende da arte. (dicionário Morais.)
Foi assim durante muitos séculos
E ameaça agora voltar a ser. Porque terminou a guerra-fria, o muro da vergonha desabou, extinguiu-se o perigo comunista dos anos 40 e 50, e as oligarquias feudais entraram em roda livre. Só o comité central é que o não sabe, e o desespero da plebe é o que melhor lhe serve.
quinta-feira, 30 de julho de 2015
Bênçãos
Céu de cúmulos intranquilos, a prometer um chuvisco de Verão. Mesmo os ouriços se puseram a sorrir.
Os tempos é que não estão nada para festas, para tréguas. Menos ainda para bênçãos.
Os tempos é que não estão nada para festas, para tréguas. Menos ainda para bênçãos.
"Estamos hoje a lutar..."
Já vi porcos a voar, e ursos a pedalar na bicicleta. O que eu nunca imaginei foi um facínora destes, um neto de negreiros de cravineta ao peito, a cozinhar a sua propaganda com argumentos de Abril.
Culturas, se não cultos!
Na Antena 2, que o vulgo despreza olimpicamente e poderia fazer alguma diferença, pontificam uns artistas do microfone com um traço curioso: gostam muito mais de se ouvir a si próprios do que à música.
quarta-feira, 29 de julho de 2015
terça-feira, 28 de julho de 2015
Então não era isto que tu querias...
... quando desfilavas na avenida, à frente dos teus legionários?!
600 anos
Portugal nasceu como país inviável, e nele marca o rei D. Dinis a fronteira do possível. Entre o mais, foi o rei que emprestou dinheiro a Castela. Desde então, por entre sobressaltos esporádicos, o resvalar para a irrelevância e a decadência foi um contínuo.
A tomada de Ceuta, que por aí anda a ser celebrada, não foi mais que uma inconsequente e ruinosa rapaziada de corte. Atiçada por bulas papais da cruzada medieval, e pelos apetites duma nobreza desocupada da Reconquista, a aventura ficou-nos caríssima e deu início às peripécias da gesta gloriosa. Alcácer-Quibir, e o que se lhe seguiu, foi o corolário fatal do equívoco.
A única força organizada e consequente que alguma vez existiu em Portugal foi a nação judaica. Expulsa ela do reino, perseguida e açulada para satisfação de Roma, tratou de ir fazer o que sabia para outros lugares.
O país ficou condenado à voracidade de elites venais e parasitas. O povo alimentou-se de escuridão, de mitos, de desespero, arrastando uma história desgraçada que não conhece nem julga. E Portugal nunca teve, nem hoje tem, salvação.
A tomada de Ceuta, que por aí anda a ser celebrada, não foi mais que uma inconsequente e ruinosa rapaziada de corte. Atiçada por bulas papais da cruzada medieval, e pelos apetites duma nobreza desocupada da Reconquista, a aventura ficou-nos caríssima e deu início às peripécias da gesta gloriosa. Alcácer-Quibir, e o que se lhe seguiu, foi o corolário fatal do equívoco.
A única força organizada e consequente que alguma vez existiu em Portugal foi a nação judaica. Expulsa ela do reino, perseguida e açulada para satisfação de Roma, tratou de ir fazer o que sabia para outros lugares.
O país ficou condenado à voracidade de elites venais e parasitas. O povo alimentou-se de escuridão, de mitos, de desespero, arrastando uma história desgraçada que não conhece nem julga. E Portugal nunca teve, nem hoje tem, salvação.
segunda-feira, 27 de julho de 2015
domingo, 26 de julho de 2015
"Temos um complexo cultural que é moderno...
... que nasceu, cá e em Espanha, quando deixámos de acompanhar o movimento europeu de evolução científica. Foi aí que começámos a refugiar-nos em mitologias de tipo místico, em vez de na celebração das coisas." (Eduardo Lourenço)
Aprisionados por séculos de sujeição aos mitos equívocos do império e aos interesses do Vaticano, espanhóis e portugueses falharam a modernidade. Ainda assim, os espanhóis levam hoje uma notória vantagem: há um século, foram expulsos pela América do que restava do império, em Cuba e nas Filipinas; os portugueses arrastaram até ao absurdo a mó de moinho pendurada ao pescoço.
Mais que tudo, é isso que hoje nos afasta deles, num atraso que se tornou definitivo. Governados que somos por porcos que voam, e andam de bicicleta sempre que é necessário.
Aprisionados por séculos de sujeição aos mitos equívocos do império e aos interesses do Vaticano, espanhóis e portugueses falharam a modernidade. Ainda assim, os espanhóis levam hoje uma notória vantagem: há um século, foram expulsos pela América do que restava do império, em Cuba e nas Filipinas; os portugueses arrastaram até ao absurdo a mó de moinho pendurada ao pescoço.
Mais que tudo, é isso que hoje nos afasta deles, num atraso que se tornou definitivo. Governados que somos por porcos que voam, e andam de bicicleta sempre que é necessário.
Infanticídio e lembranças
Uns cartazes prometiam hoje o lançamento de trutas na represa. Virá daí o formigueiro destas viaturas, estacionado nas enseadas do lago. E no límpido silêncio da manhã ouve-se o galrejar dos pescadores de canas espetadas nessas margens. Teme-se um infanticídio.
Eu tenho mais que fazer e vou à vida. Mas levo na lembrança o prado de lima que hoje dorme por baixo do espelho de água. Muitas vezes lá levei as vacas a pastar. Regressávamos todos ao crepúsculo, as vacas de odre redondo a trepar a ladeira e eu atrás delas a cavalo na Marquesa, o velho rádio de pilhas enfiado na ombreira, enquanto ouvia "um conto radiofónico pelo doutor Paulo Pombo".
Eu nunca cheguei a conhecer o Pombo. Mas os contos dele ficaram por aí.
Eu tenho mais que fazer e vou à vida. Mas levo na lembrança o prado de lima que hoje dorme por baixo do espelho de água. Muitas vezes lá levei as vacas a pastar. Regressávamos todos ao crepúsculo, as vacas de odre redondo a trepar a ladeira e eu atrás delas a cavalo na Marquesa, o velho rádio de pilhas enfiado na ombreira, enquanto ouvia "um conto radiofónico pelo doutor Paulo Pombo".
Eu nunca cheguei a conhecer o Pombo. Mas os contos dele ficaram por aí.
sábado, 25 de julho de 2015
Subprimes
1 - A arte em geral, e a literatura em particular, têm uma função na nossa vida. E surgem, nascem, brotam de um contexto específico: pessoal, social, cultural, civilizacional. É daí que saem, é isso que repercutem, é a isso que tentam responder. E assim será obrigatoriamente, sob pena de nada ser. Desenraizada de qualquer realidade, a arte é uma flor tosca de plástico.
2 - A esta Europa decadente e colonizada, é da América que chegam as primícias culturais que por cá se incensam. Qualquer inovação que justifique realce e prometa futuro vem da terra da promissão. (Já na década de 80, com Menos que Zero, o celebrado Easton Ellis nos mostrava quadros sugestivos da sociedade americana, particularmente da sua juventude; mas aqui há um salto em frente.)
Foi também de lá que veio o subprime (financeiro) de há uns anos, quem tiver memória ainda se lembra dele. Mas há subprimes vários, em arte é um vê-se-te-avias! E há sempre uns trombeteiros avençados que vivem de os difundir.
3 - Foi assim que há tempos me chegou notícia dumas histórias curtas, duns contos breves duma autora americana que fazia furor. Ora nem mais, textos duma dúzia de linhas são hoje para mim a quintessência da literatura, num mercado que lá vai vivendo de verbos de encher. Verdadeiras práticas de tiro tenso, são modelos de economia, concisão e domínio da língua, em que cada palavra tem um lugar único. Encomendei a obrinha numa livraria e logo a trouxe para casa.
4 - "Lydia Davis é hoje uma das mais originais e importantes escritoras norte-americanas. Os seus contos breves revelam uma enorme acuidade emocional, grande imaginação e um particular talento para capturar a vida em alta velocidade. (...) Em 2013 recebeu o Man Booker International Prize."
(Isto é o que se lê na badana.)
- "A obra de Lydia Davis é única na literatura americana." (The New Yorker)
- "Um conto de duas linhas de Lydia Davis ou um parágrafo aparentemente insignificante, invade-nos e persegue-nos." (The Guardian)
- Davis captura palavras como um caçador, e usa a pontuação como uma armadilha. Uma mente ousada e original." (The Sunday Telegraph)
(Isto são citações da contra-capa.)
5 -
Não posso nem quero
Recentemente não me foi atribuído um prémio porque, disseram, eu era preguiçosa. O que eles queriam dizer com preguiçosa era que eu costumava ser demasiado concisa: por exemplo, não escrevia a forma mais extensa da frase eu não posso e também não quero, e em vez disso abreviava-a para não posso nem quero.
Bloomington
Agora que já aqui estou há algum tempo, posso dizer com toda a confiança que nunca estive aqui antes.
As papas de milho
Esta manhã, a tigela de papas de milho quentes, pousada sob um prato transparente e ali deixada, cobriu a parte inferior do prato com gotas de condensação: também ela decidiu tomar medidas, dentro das suas possibilidades limitadas.
Contingência (VS. Necessidade) 2: De férias
Podia ser o meu marido.
Mas não é o meu marido.
É o marido dela.
E por isso tira-lhe uma fotografia a ela (e não a mim), com a sua roupa de praia às flores, em frente da velha fortaleza.
O mau romance
Este romance aborrecido e difícil que trouxe comigo na viagem - continuo a tentar lê-lo. Já regressei a ele tantas vezes, receando-o sempre e achando-o sempre tão mau como da vez anterior, que com o tempo acabou por se tornar uma espécie de velho amigo. O meu velho amigo: o mau romance.
(Alguns destes contos são anotados como 'sonho'. De facto apresentam lógicas estranhas, algo oníricas. É a autora que explica, em nota final, que "foram escritos a partir de sonhos nocturnos meus, ou de experiências semelhantes a sonhos que tive acordada; e a partir dos sonhos, experiências semelhantes a sonhos, e cartas de familiares e amigos".) Um exemplo:
O Adro
Tenho a chave do adro e abro o portão. A igreja fica na cidade e tem um grande terreno em volta. Agora que o portão está aberto, entram muitas pessoas que se sentam na relva para aproveitarem o sol.
Entretanto, as raparigas da esquina estão a pedir dinheiro para a sua sogra, que se chama "La Bella".
Ofendi ou desiludi duas mulheres, mas estou a embalar Jesus (que está vivo) entre um amontoado aconchegante de pessoas.
6 - Comentários para quê?! É preferível responder a estes objectos de leitura na mesma moeda: aliená-los. Como não conheço ninguém de confiança no Sunday Telegraph, nem no Guardian, nem no New Yorker, vou limitar-me a devolver o livrinho cheio de notas ao editor, num envelope verde almofadado. Depois de transcrever da pág. 239, um dos seus raros contos úteis que não chegam para o salvar.
Escrever
A vida é demasiado séria para eu continuar a escrever. A vida costumava ser mais fácil, e muitas vezes agradável, e então escrever era agradável, embora também parecesse sério. Agora a vida não é fácil, tornou-se muito séria e, por comparação, escrever parece um pouco disparatado. Escrever não é, muitas vezes, sobre coisas reais, mas depois, quando é sobre coisas reais, está muitas vezes a ocupar o lugar de algumas coisas reais. Escrever é demasiadas vezes sobre pessoas que não aguentam mais. Tornei-me entretanto uma dessas pessoas. Sou uma dessas pessoas. O que eu devia fazer, em vez de escrever sobre pessoas que não aguentam mais, é pura e simplesmente desistir de escrever e aprender a aguentar. E prestar mais atenção à própria vida. A única maneira de me tornar mais inteligente é não voltar a escrever. Há outras coisas que eu devia estar a fazer em vez disso.
[Para completar o ramalhete, não falta, na tradução, o pormenor imbecil duma tarde solarenga e dum jardim que também o é. Mas felizmente nenhuma figura corre perigo de vida. Já não é mau!]
quarta-feira, 22 de julho de 2015
Contas feitas
Conheci-a em Berlim, há vinte anos. Há sessenta, no rescaldo da guerra, vivera ela parte da meninice na ruína gelada dum orfanato.
Hoje um número crescente de gregos entrega os filhos numa instituição. Que não os podem criar.
Hoje um número crescente de gregos entrega os filhos numa instituição. Que não os podem criar.
Linha vermelha
Costa atola-se no equívoco de pretender resguardar-se das políticas passadas do PS e de Sócrates. Adoptar a cassete da década perdida é lá com ele (se o fosse!).
Mas excluir das listas de candidatos a deputados, em posição elegível, João Galamba ou Idália Serrão, é uma linha vermelha no meu volteio.
Mas excluir das listas de candidatos a deputados, em posição elegível, João Galamba ou Idália Serrão, é uma linha vermelha no meu volteio.
terça-feira, 21 de julho de 2015
Queimar etapas
Quem anda descoroçoado com as moscas é o cobrador das bombas de gasolina. Aterram-lhe no ecrã táctil da máquina que faz as contas, dão à pobre ordens anárquicas e contraditórias, e acabam por confundir e bloquear o sistema.
O homem já instalou uma folha A4 por cima do ecrã, para se proteger. Mas as putas das moscas esgueiram-se por baixo do papel, e declaram-lhe dali uma guerra desleal de empastelamento electrónico.
Já me cá tinha parecido, e assim fica confirmado, que o homo sapiens andou a queimar etapas. Antes destas correrias tecnológicas, movidas a mercado e a dinheiro, não teria sido mau exterminar as moscas. É certo que se perdia tempo histórico. Mas ganhavam-se ferramentas e produtividades, na imensa trabalheira de erguer esta Civilização. Basta perguntar ao cobrador das bombas!
O homem já instalou uma folha A4 por cima do ecrã, para se proteger. Mas as putas das moscas esgueiram-se por baixo do papel, e declaram-lhe dali uma guerra desleal de empastelamento electrónico.
Já me cá tinha parecido, e assim fica confirmado, que o homo sapiens andou a queimar etapas. Antes destas correrias tecnológicas, movidas a mercado e a dinheiro, não teria sido mau exterminar as moscas. É certo que se perdia tempo histórico. Mas ganhavam-se ferramentas e produtividades, na imensa trabalheira de erguer esta Civilização. Basta perguntar ao cobrador das bombas!
segunda-feira, 20 de julho de 2015
Bailados
Que os deuses se amerceiem dos estetas contemporâneos! Os que dançam, os que encenam, os que pintam e compõem, os que escrevem e projectam, os que criam, os que inventam, os que rasgam...
Deixam-me sempre a impressão de que deram no que dão para escapar ao desemprego.
Deixam-me sempre a impressão de que deram no que dão para escapar ao desemprego.
Pimenta
Fiz hoje a colheita primeira da uva-espim. Metade do que há-de ser e essa me basta. Que a horta não é a pimenta da Índia.
Pelo mundo, em pedaços...
Ninguém sabe, ninguém hoje se pergunta, como foi que chegaram ao Congo. Lá se deixaram levar, como o Diogo Cão. Eram os tempos finados da República, e os fidalgotes feudais ninguém pegava neles, à espera que viesse o general de Braga. Isto somos nós a cogitar agora, eles sabiam apenas que a terra era madrasta e já não era pouco. Tão madrasta que toda era tomada, e não dava pão para alimentar os filhos.
Não era vida que chegasse a netos. Por isso se juntaram todos três e foram ao deus-dará. Dois deles eram casados, já com filhos, o Zé já lá tinha três. O Ti'ngídio tinha andado nas guerras da Flandres, sobrevivera em La Lys. E quando voltou ao povo trazia uns modos estranhos, ninguém o entendia muito bem. Só o Antero era solteiro.
Uns anos depois voltaram daquelas terras, que a vida sorriu-lhes pouco. Mas o Zé nunca mais veio. Arranjou-se com umas pretas de Benguela, plantou mulatos debaixo dumas palmeiras, lá ficou. Os outros dois regressaram ao Valado e o Antero arranjou mulher e filhos.
Até que ambos resolveram largar para o Brasil, numa tarde à sombra do chorão. Lá foram parar a Santos. O Ti'ngídio ainda voltou, ninguém o entendia muito bem. O Antero é que ficou por lá, e lá morreu.
Não era vida que chegasse a netos. Por isso se juntaram todos três e foram ao deus-dará. Dois deles eram casados, já com filhos, o Zé já lá tinha três. O Ti'ngídio tinha andado nas guerras da Flandres, sobrevivera em La Lys. E quando voltou ao povo trazia uns modos estranhos, ninguém o entendia muito bem. Só o Antero era solteiro.
Uns anos depois voltaram daquelas terras, que a vida sorriu-lhes pouco. Mas o Zé nunca mais veio. Arranjou-se com umas pretas de Benguela, plantou mulatos debaixo dumas palmeiras, lá ficou. Os outros dois regressaram ao Valado e o Antero arranjou mulher e filhos.
Até que ambos resolveram largar para o Brasil, numa tarde à sombra do chorão. Lá foram parar a Santos. O Ti'ngídio ainda voltou, ninguém o entendia muito bem. O Antero é que ficou por lá, e lá morreu.
domingo, 19 de julho de 2015
"A História humana é um combate sem fim"
[in revista LER, 138]
«(...)
- Jornalista: Mas continuamos a nascer "embarcados", e as melhores narrativas que temos para nos "distrair" são as nações, que podem cumprir melhor ou pior o seu papel.
- Eduardo Lourenço: Sim, e a verdade é que nós, portugueses, com o fim do império, estamos no fim da nossa narrativa.
- Não há solução de continuidade?
- Tem de haver, porque a narrativa é tão profunda, que nós não temos outra "inscrição", como diria o meu amigo José Gil. Repare que depois do 25 de Abril, todas as grandes manifestações, todos os acontecimentos importantes para nós, funcionam com referência ao império perdido. É a Ponte Vasco da Gama, a Europália... O que levámos? A gesta dos Descobrimentos. Não temos mais prata da casa para levar. A narrativa está no fim, mas por enquanto o nosso lugar de fuga ideal ainda é esse momento. É passado, definitivo passado, mas o passado humano é diferente de todos os outros passados, porque nunca passa.
- Recicla-se, encontra sucedâneos?
- Sim, o nosso problema agora é que não temos álibi. Precisamos de concentrar a nossa atenção naquilo de que somos capazes. Mas a nossa capacidade de ilusão é infinita. (...) Somos um povo cuja existência na ordem política e histórica é um milagre. Um país pequeno que tem sempre necessidade de uma sobre-representação. Tanto pode ser o Mourinho como o Ronaldo, um ídolo qualquer, em que o sentimento colectivo se possa exprimir.Porque temos um complexo cultural que é moderno, que nasceu, cá e em Espanha, quando deixámos de acompanhar o movimento europeu de evolução científica. Foi aí que começámos a refugiar-nos em mitologias de tipo místico, em vez de na celebração das coisas. A máquina a vapor, o comboio. Ainda hoje, os automóveis não somos nós que os fabricamos.
- É aí que entra em cena o sebastianismo?
- Depois de Alcácer-Quibir todas as versões que foram surgindo do sebastianismo eram do tipo ficção fantástica. As únicas que têm algum interesse para a nossa autognose são a do Pe. António Vieira e a do Pessoa, na Mensagem, que é completamente hiper-sebastianista. (...) Esse conceito do papel da cada um dos povos do mundo, no sentido de uma hierarquização de contributos para a civilização, é uma coisa que não tem sentido. (...) Do que precisamos é de seguir o exemplo de outros, como estímulo. Precisamos de imitar, copiar, emular, ultrapassar os outros. A História humana é um combate sem fim. (...)
- O que podemos fazer para recuperar do atraso?
- Tudo depende da aposta que se fizer na Educação. É a coisa mais importante para Portugal, e o nosso futuro passa por isso. A escola é o que condiciona o futuro das civilizações modernas. Um país é o que for a sua escola. E nós temos, por causa de coisas do passado, um certo número de handicaps, que deveríamos corrigir em uma ou duas gerações.
- Que correcções seriam essas?
- (...) Devíamos recuperar um pouco a energia que outros povos puseram na descoberta e trabalho científicos, na organização. Porque vivemos num mundo de competição feroz. (...)»
NOTA: Eles a darem-lhe e a burra a fugir! Desde há 500 anos, quando os portugueses foram atirados para o mar, todas as elites dirigentes usaram até à paranóia a mitologia da gesta gloriosa imperial, para criarem e manterem poder e influência. Ainda hoje continuam a fazê-lo. Para essa corja poderosa de vigaristas e traidores, até a História Trágico-Marítima é um Livro de Viagens!
Com essa cajadada mataram dois coelhos: transformaram o povo em puro gado de exportação (que nunca mais deixou de ser), e dispensaram-se do trabalhinho de alguma vez modernizarem, enriquecerem e organizarem o país. E isso é coisa que só as elites podem fazer (ou não fazer).
Enquanto esse império, que nunca chegou a sê-lo, não for digerido e excretado, não sairemos desta imensa azia!
«(...)
- Jornalista: Mas continuamos a nascer "embarcados", e as melhores narrativas que temos para nos "distrair" são as nações, que podem cumprir melhor ou pior o seu papel.
- Eduardo Lourenço: Sim, e a verdade é que nós, portugueses, com o fim do império, estamos no fim da nossa narrativa.
- Não há solução de continuidade?
- Tem de haver, porque a narrativa é tão profunda, que nós não temos outra "inscrição", como diria o meu amigo José Gil. Repare que depois do 25 de Abril, todas as grandes manifestações, todos os acontecimentos importantes para nós, funcionam com referência ao império perdido. É a Ponte Vasco da Gama, a Europália... O que levámos? A gesta dos Descobrimentos. Não temos mais prata da casa para levar. A narrativa está no fim, mas por enquanto o nosso lugar de fuga ideal ainda é esse momento. É passado, definitivo passado, mas o passado humano é diferente de todos os outros passados, porque nunca passa.
- Recicla-se, encontra sucedâneos?
- Sim, o nosso problema agora é que não temos álibi. Precisamos de concentrar a nossa atenção naquilo de que somos capazes. Mas a nossa capacidade de ilusão é infinita. (...) Somos um povo cuja existência na ordem política e histórica é um milagre. Um país pequeno que tem sempre necessidade de uma sobre-representação. Tanto pode ser o Mourinho como o Ronaldo, um ídolo qualquer, em que o sentimento colectivo se possa exprimir.Porque temos um complexo cultural que é moderno, que nasceu, cá e em Espanha, quando deixámos de acompanhar o movimento europeu de evolução científica. Foi aí que começámos a refugiar-nos em mitologias de tipo místico, em vez de na celebração das coisas. A máquina a vapor, o comboio. Ainda hoje, os automóveis não somos nós que os fabricamos.
- É aí que entra em cena o sebastianismo?
- Depois de Alcácer-Quibir todas as versões que foram surgindo do sebastianismo eram do tipo ficção fantástica. As únicas que têm algum interesse para a nossa autognose são a do Pe. António Vieira e a do Pessoa, na Mensagem, que é completamente hiper-sebastianista. (...) Esse conceito do papel da cada um dos povos do mundo, no sentido de uma hierarquização de contributos para a civilização, é uma coisa que não tem sentido. (...) Do que precisamos é de seguir o exemplo de outros, como estímulo. Precisamos de imitar, copiar, emular, ultrapassar os outros. A História humana é um combate sem fim. (...)
- O que podemos fazer para recuperar do atraso?
- Tudo depende da aposta que se fizer na Educação. É a coisa mais importante para Portugal, e o nosso futuro passa por isso. A escola é o que condiciona o futuro das civilizações modernas. Um país é o que for a sua escola. E nós temos, por causa de coisas do passado, um certo número de handicaps, que deveríamos corrigir em uma ou duas gerações.
- Que correcções seriam essas?
- (...) Devíamos recuperar um pouco a energia que outros povos puseram na descoberta e trabalho científicos, na organização. Porque vivemos num mundo de competição feroz. (...)»
NOTA: Eles a darem-lhe e a burra a fugir! Desde há 500 anos, quando os portugueses foram atirados para o mar, todas as elites dirigentes usaram até à paranóia a mitologia da gesta gloriosa imperial, para criarem e manterem poder e influência. Ainda hoje continuam a fazê-lo. Para essa corja poderosa de vigaristas e traidores, até a História Trágico-Marítima é um Livro de Viagens!
Com essa cajadada mataram dois coelhos: transformaram o povo em puro gado de exportação (que nunca mais deixou de ser), e dispensaram-se do trabalhinho de alguma vez modernizarem, enriquecerem e organizarem o país. E isso é coisa que só as elites podem fazer (ou não fazer).
Enquanto esse império, que nunca chegou a sê-lo, não for digerido e excretado, não sairemos desta imensa azia!
Luz
Quando a Bonitona regressou do Brasil, há muitos anos, trouxe para o povo um padre-nosso novo: "Grande Foco, vida do Universo / venha a nós a tua Luz / e cumpram-se as tuas leis / neste e nos outros planetas."
Não prometia o céu a nenhum pobre de espírito. Mas a vida começou a ser diferente do que costumava ser.
sábado, 18 de julho de 2015
Duas coisas são de sublinhar
A quantidade e o volume de inteligência desperdiçada são surpreendentes neste mundo. Aqui temos nós um romancinho de 350 páginas onde eles fulguram, sem ganhos assinaláveis para a literatura.
Há uma estrada que há-de levar à Europa, uma expropriação, um velho que a não aceita, uma juíza encarregada de dirimir a questão, um engenheiro de obras, um oficial de execuções, uma jovem oficial da GNR, uma História muito antiga, uma juventude maoísta... O thriller acaba por ter um desenlace a contento. Mas sobra no fim algum sabor a pouco, à fragilidade do tema, ao assunto friável, a um grande desperdício de talento. Será isto o que o mercado pede, mas não é seguramente o que enriquece e faz vibrar o leitor.
O discurso é escorreito e límpido, sem criatividades de pacotilha. O formalismo narrativo é rigoroso mas tradicional, sem surpresas nem inovações. E duas coisas nele são de sublinhar. A primeira é a visão impiedosa dos mitos da gesta gloriosa, e os equívocos da ida à Índia. A segunda é o detalhe e o volume de informação sobre o que foi no terreno a guerra das Invasões Francesas, particularmente a do Massena.
Trazer informação e conhecimento é um dos fins da literatura. E é nesse recanto que um leitor atento mais poderá ganhar.
Dos pobres de espírito será o reino dos céus
Os portugueses vivem seguramente no melhor dos mundos possíveis. Já que, à esquerda e à direita, elegeram há tempos e têm a cuidar da pátria um governo de assaltantes de estrada.
Tomemos como exemplo, entre múltiplos melhores, este capitão, aquele sargento, um soldado comum, que sofre uma emboscada no Afeganistão ou alhures. Isto ao serviço da pátria, que quer dizer ao serviço da Nato, que quer dizer ao serviço da América, que quer dizer ao serviço da finança, que quer dizer ao serviço das elites, que afinal sustentam este mundo.
A este capitão, àquele sargento, a um soldado qualquer, ficou a coluna num oito e a alma num farrapo. E ficaram também 3,5% do salário que desconta para a Assistência na Doença aos Militares (ADM) [tal como a ADSE], porque a Saúde Operacional dum militar em serviço é paga por ele desde há uns tempos. Assim como os cuidados da Assistência aos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) que a pátria há muito tempo alijou borda fora.
Se a mulher do soldado, que ficou em casa a tratar da família, precisar um dia de cuidados médicos, terá direito aos que houver, pagando 3,5% de 80% do salário. Se um filho ficar doente, o Hospital das Forças Armadas (HFAR) tem valências que o abrangem se ele tiver mais que 17 anos. Abaixo disso não as há.
Porque o serviço de saúde militar tem vindo a ser paulatinamente arruinado, em técnicos, prestações e instalações, em favor da auto-sustentabilidade. A Estrela já é da Misericórdia e dos mixordeiros da construção, as instalações da Marinha foram alienadas, e o hospital que restou foi o da Força Aérea, ao Lumiar, que não dá para as encomendas.
Afinal vem a saber-se, pela voz do Tribunal de Contas, que ADM e ADSE são excedentárias e auto-sustentáveis, e que os seus utentes estão a ser sangrados. E que o governo dos assaltantes de estrada desvia o excedente para sustentar o défice. Às ordens das elites, às ordens da finança, às ordens da América, às ordens da Nato, às ordens da pátria e às ordens dos portugueses, que vivem no melhor dos mundos possíveis.
O melhor está para vir. Consta por aí que este governo de desqualificados assaltantes de estrada se arrisca a repetir a dose nas próximas eleições.
Tomemos como exemplo, entre múltiplos melhores, este capitão, aquele sargento, um soldado comum, que sofre uma emboscada no Afeganistão ou alhures. Isto ao serviço da pátria, que quer dizer ao serviço da Nato, que quer dizer ao serviço da América, que quer dizer ao serviço da finança, que quer dizer ao serviço das elites, que afinal sustentam este mundo.
A este capitão, àquele sargento, a um soldado qualquer, ficou a coluna num oito e a alma num farrapo. E ficaram também 3,5% do salário que desconta para a Assistência na Doença aos Militares (ADM) [tal como a ADSE], porque a Saúde Operacional dum militar em serviço é paga por ele desde há uns tempos. Assim como os cuidados da Assistência aos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) que a pátria há muito tempo alijou borda fora.
Se a mulher do soldado, que ficou em casa a tratar da família, precisar um dia de cuidados médicos, terá direito aos que houver, pagando 3,5% de 80% do salário. Se um filho ficar doente, o Hospital das Forças Armadas (HFAR) tem valências que o abrangem se ele tiver mais que 17 anos. Abaixo disso não as há.
Porque o serviço de saúde militar tem vindo a ser paulatinamente arruinado, em técnicos, prestações e instalações, em favor da auto-sustentabilidade. A Estrela já é da Misericórdia e dos mixordeiros da construção, as instalações da Marinha foram alienadas, e o hospital que restou foi o da Força Aérea, ao Lumiar, que não dá para as encomendas.
Afinal vem a saber-se, pela voz do Tribunal de Contas, que ADM e ADSE são excedentárias e auto-sustentáveis, e que os seus utentes estão a ser sangrados. E que o governo dos assaltantes de estrada desvia o excedente para sustentar o défice. Às ordens das elites, às ordens da finança, às ordens da América, às ordens da Nato, às ordens da pátria e às ordens dos portugueses, que vivem no melhor dos mundos possíveis.
O melhor está para vir. Consta por aí que este governo de desqualificados assaltantes de estrada se arrisca a repetir a dose nas próximas eleições.
Ervagens ruins
O coberto vegetal mais adequado para a estacada são os agapantos. Mas não é altura de os encontrar no mercado, e menos ainda de os meter à terra. O tempo é de estiagem e de sesta!
Já as chorinas, que pareciam sucumbir à seca, estavam afinal saturadas de água. Ora toma! É às ervagens ruins que o tempo vai de feição!
Já as chorinas, que pareciam sucumbir à seca, estavam afinal saturadas de água. Ora toma! É às ervagens ruins que o tempo vai de feição!
sexta-feira, 17 de julho de 2015
Naquele tempo
Os figos aqui na Lapa são acidentais, um mimo doce ao canto duma horta, quando muito. São frias, as terras, e a geografia é sempre determinante. Por isso os figos vinham da terra quente, uns quilómetros para lá daqueles montes: os figos, o vinho e o azeite. E pelo Verão fora, andava numa fona a colheita das batatas, passavam sempre os figueiros. Deixavam figos a sério e levavam nos burricos as batatas que não tinham.
Nos invernos de há cem anos, uma casa daquelas não podia dispensar os figos secos, o único e fácil modo de lhes conservar algumas qualidades. Por isso a recolha deles era uma trabalheira. Secavam-se em grande escala, num sequeiro, e às vezes passavam pelo forno, depois de cozido o pão.
Lá íamos nós à vinha da Volta Larga, a cavalo na Marquesa, com a minha mãe atrás. Passávamos aos Crespos, ao Safrial, às Águas-Vivas, ao Ribeiro de Pau... ao atalho do Cruzeiro para escaparmos aos loquazes encontros do meio-do-povo. Mais um pouco e já lá estávamos. Depois era só encher os dois cestos vindimos, que a Marquesa a duras penas haveria de carregar.
Um dia encarrapitei-me num ramo duma figueira. Partiu ele e eu caí desamparado, e lá fiquei um bocado, entontecido e sonâmbulo. Foram por água ao poço dum vizinho, um que estava debaixo duma amoreira onde muitas vezes pintálgávamos bochechas e camisas.
O quebranto lá passou, ai Deus louvado. E o pior coube à Marquesa, que teve que me trazer às cavalitas.
Nos invernos de há cem anos, uma casa daquelas não podia dispensar os figos secos, o único e fácil modo de lhes conservar algumas qualidades. Por isso a recolha deles era uma trabalheira. Secavam-se em grande escala, num sequeiro, e às vezes passavam pelo forno, depois de cozido o pão.
Lá íamos nós à vinha da Volta Larga, a cavalo na Marquesa, com a minha mãe atrás. Passávamos aos Crespos, ao Safrial, às Águas-Vivas, ao Ribeiro de Pau... ao atalho do Cruzeiro para escaparmos aos loquazes encontros do meio-do-povo. Mais um pouco e já lá estávamos. Depois era só encher os dois cestos vindimos, que a Marquesa a duras penas haveria de carregar.
Um dia encarrapitei-me num ramo duma figueira. Partiu ele e eu caí desamparado, e lá fiquei um bocado, entontecido e sonâmbulo. Foram por água ao poço dum vizinho, um que estava debaixo duma amoreira onde muitas vezes pintálgávamos bochechas e camisas.
O quebranto lá passou, ai Deus louvado. E o pior coube à Marquesa, que teve que me trazer às cavalitas.
Pão para a boca
A fauna do Porto já precisava duma subida mecânica da estação de S. Bento para as alturas da Batalha. Como de pão para a boca.
Não a tendo, só pode ver passar na outra margem as gôndolas do teleférico que um megalómano pôs a dançar sobre os telhados das caves de Gaia, onde o porto vai envelhecendo.
Não a tendo, só pode ver passar na outra margem as gôndolas do teleférico que um megalómano pôs a dançar sobre os telhados das caves de Gaia, onde o porto vai envelhecendo.
quinta-feira, 16 de julho de 2015
Cativeiros
Do outro lado da travessa mora o sacristão. Toca os sinos às trindades, às novenas, e às missas sempre que as há.
Enquanto a mulher viveu, levava as cabras a pastar no lameiro. E do leite que escapava aos cabrititos fazia uns queijos pequenos. Depois de ela ter morrido, os bichos deixaram de sair.
Agora há noites em que uma cabrita ainda sonha com a dona, sentada na parede, a ver a tarde passar. Atira dois protestos ao escuro, como quem suspira, e volta a adormecer.
O sacristão não está muito bem sozinho, nem tem modos para tratar das cabras. Mas toca os sinos às trindades e às novenas com a fidelidade e a prontidão dos relógios muito antigos.
Enquanto a mulher viveu, levava as cabras a pastar no lameiro. E do leite que escapava aos cabrititos fazia uns queijos pequenos. Depois de ela ter morrido, os bichos deixaram de sair.
Agora há noites em que uma cabrita ainda sonha com a dona, sentada na parede, a ver a tarde passar. Atira dois protestos ao escuro, como quem suspira, e volta a adormecer.
O sacristão não está muito bem sozinho, nem tem modos para tratar das cabras. Mas toca os sinos às trindades e às novenas com a fidelidade e a prontidão dos relógios muito antigos.
À procura da rolha
Uns dias fora, em andanças de exames e jejuns, e faltas de energia, e horários de autocarros, são verdadeiros mergulhos na realidade.
Espinhosa e agreste, dizem que é edificante e formativa. Só eu não vislumbro formação que me valha. Fico sempre três dias à procura da rolha.
Espinhosa e agreste, dizem que é edificante e formativa. Só eu não vislumbro formação que me valha. Fico sempre três dias à procura da rolha.
Com a verdade me enganas!
«O grande romance americano é-me indiferente: escrevi vários.»
(James Ellroy, El País, in revista LER nº 138)
(James Ellroy, El País, in revista LER nº 138)
Futuro
Os filhos das andorinhas aproveitaram-me a ausência e bateram asa. Deixou de haver no alpendre a agitação dos pais a trazer-lhes paparoca.
De vez em quando regressam ao ninho, às vezes dormem lá. E talvez tenham saudades da infância, quem o sabe?
Um dia destes vão passar o estreito. E eu antes quero que eles tenham saudades, do que vão a correr alistar-se no ISIS. Mas quem sou eu para dizer seja o que for, sobre o futuro que convém a uma andorinha?
De vez em quando regressam ao ninho, às vezes dormem lá. E talvez tenham saudades da infância, quem o sabe?
Um dia destes vão passar o estreito. E eu antes quero que eles tenham saudades, do que vão a correr alistar-se no ISIS. Mas quem sou eu para dizer seja o que for, sobre o futuro que convém a uma andorinha?
segunda-feira, 13 de julho de 2015
Equívocos de urso nórdico
Na citânia de Briteiros, um antigo povoado da Idade do Ferro, andam (ou andaram) umas escavações, assentes num projecto comparticipado pela União Europeia. É pelo menos o que diz o cartaz afixado à entrada.
E um desses ursos comuns do Norte da Europa, em vilegiatura local, apresentou-se um dia à porta, de visita. Vendo o cartaz, e as estrelas da Europa, recusou-se a pagar o bilhete de entrada. Alegou que já o tinha pago, do seu bolso, e andava já cansado de pagar.
De modo que não ficarás surpreendido, se um dia destes pedires uma bica ao balcão diante dum urso nórdico, e um tal gesto lhe suscitar reacções de alimária confusa.
E um desses ursos comuns do Norte da Europa, em vilegiatura local, apresentou-se um dia à porta, de visita. Vendo o cartaz, e as estrelas da Europa, recusou-se a pagar o bilhete de entrada. Alegou que já o tinha pago, do seu bolso, e andava já cansado de pagar.
De modo que não ficarás surpreendido, se um dia destes pedires uma bica ao balcão diante dum urso nórdico, e um tal gesto lhe suscitar reacções de alimária confusa.
domingo, 12 de julho de 2015
Resistir
Como a fruta numa sombra, refastelado no muro. E logo passa o João, a cavalo num tractor, a achar estranho ver-me assim tão longe, a manejar os bastões. Mas eu é que julgo exótico vê-lo montado em duzentos cavalos, à frente do rebanho que atrás vem, obediente e ordeiro, vereda fora. Recolho-me para escapar à poeirada. Até que, lá no coice, passam nove cães, dos pequenos e dos grandes, a guardar a retirada.
Na ladeira que sobe duma quinta aparece o homem dos morangos. Pára ao lado e desliga o motor, quer saber porque não voltei lá. Oferece-me uma mancheia, que me sabem a morangos verdadeiros. Digo-lhe eu que Roma e Pavia não se fizeram num dia, e lá vai ele.
No leito deste ribeiro há íris amarelas que estão a perder a flor, com rizomas que hei-de recolher em lhe chegando o tempo. Ponho-me a cogitar que se vão dar bem lá num jardim, mas já cheguei à Casa das Fidalgas.
Empurro o velho portão que ameaça desconjuntar-se e dou comigo perdido num sertão. A hospedeira do café vai-me explicar que tudo ficou assim desde que o Gastão morreu. Hoje o dono é de Leiria, há uns anos veio aí e comprou o Solar dos Brasis para um projecto de turismo. Mas as coisas emperraram e agora é o que se vê.
Causa-me grande tristeza, este abandono. Se cá fora é o que se vê, lá dentro nem se imagina. Mas o que é que havia a esperar dos ouros desses Brasis?! Só resistir, se resistências houvesse!
Na ladeira que sobe duma quinta aparece o homem dos morangos. Pára ao lado e desliga o motor, quer saber porque não voltei lá. Oferece-me uma mancheia, que me sabem a morangos verdadeiros. Digo-lhe eu que Roma e Pavia não se fizeram num dia, e lá vai ele.
No leito deste ribeiro há íris amarelas que estão a perder a flor, com rizomas que hei-de recolher em lhe chegando o tempo. Ponho-me a cogitar que se vão dar bem lá num jardim, mas já cheguei à Casa das Fidalgas.
Empurro o velho portão que ameaça desconjuntar-se e dou comigo perdido num sertão. A hospedeira do café vai-me explicar que tudo ficou assim desde que o Gastão morreu. Hoje o dono é de Leiria, há uns anos veio aí e comprou o Solar dos Brasis para um projecto de turismo. Mas as coisas emperraram e agora é o que se vê.
Causa-me grande tristeza, este abandono. Se cá fora é o que se vê, lá dentro nem se imagina. Mas o que é que havia a esperar dos ouros desses Brasis?! Só resistir, se resistências houvesse!
Ainda a infinita capacidade de ilusão
«(...)
- Eduardo Lourenço: O que unifica neste momento a humanidade é uma prática. Da ciência que conduz à acção. A ordem do mundo que estamos a construir é essa pulsão do conhecimento que sempre existiu, mas que, com as metamorfoses que a ciência moderna tem conhecido, atingiu a hegemonia absoluta. A ficção científica, imaginada por autores como Ray Bradbury, está a acontecer-nos. Deixou de ser ficção, para estar inclusa nas práticas mais básicas da Humanidade, como se fosse uma segunda natureza, quando na verdade é tudo artificial.
- Jornalista: E isso modifica realmente os seres humanos?
- A palavra de ordem da civilização ocidental foi dada pelo Discurso do Método. Ou seja, proceder de tal maneira, que sejamos capazes não só de compreender, mas de intervir e exercer poder sobre a natureza. Dominar o mundo que é nosso. Deixámos há muito de funcionar sob um paradigma religioso, em que o nosso destino era colectivo e possuidor de um sentido. A Humanidade inteira era conduzida pela Providência.
- Havia um Criador, que depois tomou conta de nós.
- Que nos criou em função de um bem a atingir. Mas depois passou a ser o Homem - e a Reforma está na origem disso - o criador do seu próprio futuro. O problema é saber se este sonho cartesiano levado ao extremo, em que deixamos de ser filhos da natureza para sermos seus donos, é um exercício impune.
- Parece que não, sob o ponto de vista do equilíbrio ecológico.
- Talvez a capacidade que temos de manipulação da natureza venha a virar-se contra nós, porque afinal também fazemos parte da natureza. (...) Não sabemos em que ponto estamos da História do Homem.
- Tudo isso vai alterar a forma como nos organizamos como sociedades? Seremos mais individualistas?
- Por um lado estamos a participar de qualquer coisa em comum. Nunca como hoje partilhámos formas de viver, comportamentos, ícones. Por outro lado estamos mais solitários.
- Porque, para sobreviver, já não precisamos uns dos outros?
- Por mais dependentes que estejamos dos artefactos que inventámos, nós só temos existência em relação aos outros, no espelho dos outros. Não há nenhuma coisa mirífica que possamos inventar que suprima a única relação que nos importa a cada um de nós, que é a de uns com os outros.
(...)
- Mas isso implica aceitar que pertencemos a um outro mundo.
- Significa que não nos podemos suportar sem essa espécie de saída imaginária que a religião confere. Marx, numa fórmula famosa, disse que a religião é o ópio do povo. É uma frase profunda, que podemos interpretar de outra maneira: a condição humana é tão trágica na sua essência, que precisamos de uma qualquer morfina, que nos faça esquecer que somos seres para a morte. A religião é isso. (...)»
[in Revista LER nº 138]
- Eduardo Lourenço: O que unifica neste momento a humanidade é uma prática. Da ciência que conduz à acção. A ordem do mundo que estamos a construir é essa pulsão do conhecimento que sempre existiu, mas que, com as metamorfoses que a ciência moderna tem conhecido, atingiu a hegemonia absoluta. A ficção científica, imaginada por autores como Ray Bradbury, está a acontecer-nos. Deixou de ser ficção, para estar inclusa nas práticas mais básicas da Humanidade, como se fosse uma segunda natureza, quando na verdade é tudo artificial.
- Jornalista: E isso modifica realmente os seres humanos?
- A palavra de ordem da civilização ocidental foi dada pelo Discurso do Método. Ou seja, proceder de tal maneira, que sejamos capazes não só de compreender, mas de intervir e exercer poder sobre a natureza. Dominar o mundo que é nosso. Deixámos há muito de funcionar sob um paradigma religioso, em que o nosso destino era colectivo e possuidor de um sentido. A Humanidade inteira era conduzida pela Providência.
- Havia um Criador, que depois tomou conta de nós.
- Que nos criou em função de um bem a atingir. Mas depois passou a ser o Homem - e a Reforma está na origem disso - o criador do seu próprio futuro. O problema é saber se este sonho cartesiano levado ao extremo, em que deixamos de ser filhos da natureza para sermos seus donos, é um exercício impune.
- Parece que não, sob o ponto de vista do equilíbrio ecológico.
- Talvez a capacidade que temos de manipulação da natureza venha a virar-se contra nós, porque afinal também fazemos parte da natureza. (...) Não sabemos em que ponto estamos da História do Homem.
- Tudo isso vai alterar a forma como nos organizamos como sociedades? Seremos mais individualistas?
- Por um lado estamos a participar de qualquer coisa em comum. Nunca como hoje partilhámos formas de viver, comportamentos, ícones. Por outro lado estamos mais solitários.
- Porque, para sobreviver, já não precisamos uns dos outros?
- Por mais dependentes que estejamos dos artefactos que inventámos, nós só temos existência em relação aos outros, no espelho dos outros. Não há nenhuma coisa mirífica que possamos inventar que suprima a única relação que nos importa a cada um de nós, que é a de uns com os outros.
(...)
- Mas isso implica aceitar que pertencemos a um outro mundo.
- Significa que não nos podemos suportar sem essa espécie de saída imaginária que a religião confere. Marx, numa fórmula famosa, disse que a religião é o ópio do povo. É uma frase profunda, que podemos interpretar de outra maneira: a condição humana é tão trágica na sua essência, que precisamos de uma qualquer morfina, que nos faça esquecer que somos seres para a morte. A religião é isso. (...)»
[in Revista LER nº 138]
Qual política qual quê?!
O drama do povo grego põe a nu evidências variadas: a União Europeia é um logro, o Euro é o laço dum garrote, a austeridade é uma falácia na mão das oligarquias, e as elites europeias são outra vez o coveiro da luminosa Europa. Vejamos o que se passou em Portugal.
Em 2005, Sócrates recebeu do PPD, pela mão de Santana Lopes, um défice de 7%. Em 2007, a dívida pública era reduzida e o défice estava abaixo dos 3%.
Em 2008/09, no rescaldo da sarna financeira que a América exportou para o mundo inteiro, Sócrates seguiu as instruções da Europa como resposta à crise: abriu os cordões à bolsa e aumentou o investimento público em políticas contra-cíclicas. A dívida disparou, e o crescimento do défice não se fez esperar.
O resto é tristemente conhecido: quando Sócrates quis corrigir a situação através do PEC 4, embora dispusesse do aval da Europa, foi derrubado no Parlamento pela oligarquia faminta, a quem se juntou a dita esquerda verdadeira. Desde então, a sociedade portuguesa regrediu uma geração. E é governada pela pior escumalha que a recém-democracia poderia ter gerado.
Mas os portugueses estão acima disso: emigram como cordeiros à procura duma vida, limpam a merda dos ricos europeus, ou discutem o J. Jesus, ou vão a Fátima a pé, ou condenam em surdina o preso 44, esse cabrão. Qual política, qual quê?!
Em 2005, Sócrates recebeu do PPD, pela mão de Santana Lopes, um défice de 7%. Em 2007, a dívida pública era reduzida e o défice estava abaixo dos 3%.
Em 2008/09, no rescaldo da sarna financeira que a América exportou para o mundo inteiro, Sócrates seguiu as instruções da Europa como resposta à crise: abriu os cordões à bolsa e aumentou o investimento público em políticas contra-cíclicas. A dívida disparou, e o crescimento do défice não se fez esperar.
O resto é tristemente conhecido: quando Sócrates quis corrigir a situação através do PEC 4, embora dispusesse do aval da Europa, foi derrubado no Parlamento pela oligarquia faminta, a quem se juntou a dita esquerda verdadeira. Desde então, a sociedade portuguesa regrediu uma geração. E é governada pela pior escumalha que a recém-democracia poderia ter gerado.
Mas os portugueses estão acima disso: emigram como cordeiros à procura duma vida, limpam a merda dos ricos europeus, ou discutem o J. Jesus, ou vão a Fátima a pé, ou condenam em surdina o preso 44, esse cabrão. Qual política, qual quê?!
sábado, 11 de julho de 2015
Velhaco ou bailarino?!
À resposta grega para evitar a bancarrota contrapõe o Schäuble: abandonem o euro durante cinco anos (!), ou vendam de imediato 50 mil milhões de património.
Refere-se ao património material, por certo e por enquanto: o mar Egeu, as ilhas, os portos, as empresas... Mas ainda guarda na manga o património imaterial, se assim podemos designar a civilização grega clássica.
Por este andar o homem chega lá, a esse Estalinegrado que será definitivo e terminante, e partirá finalmente a espinha a esses untermenschen.
Visivelmente o biltre não pode ser bailarino. Só lhe sobra ser velhaco.
Refere-se ao património material, por certo e por enquanto: o mar Egeu, as ilhas, os portos, as empresas... Mas ainda guarda na manga o património imaterial, se assim podemos designar a civilização grega clássica.
Por este andar o homem chega lá, a esse Estalinegrado que será definitivo e terminante, e partirá finalmente a espinha a esses untermenschen.
Visivelmente o biltre não pode ser bailarino. Só lhe sobra ser velhaco.
Varada
No princípio o enredo era mais simples. O Sócrates primeiro-ministro vigarizou um PROTAL para viabilizar o projecto do Vale de Lobo, e arrecadou as luvas respectivas. Só que era tudo mentira, quer dizer, era ficção duns investigadores e o barro não pegou.
Afinal foi o traste do Vara que facilitou, na Caixa, o empréstimo ao Batalha, para investir no Vale de Lobo. Por isso lhe cobrou uma comissão de doze milhões, que logo fez chegar à mão do Barroca (o tal do grupo Lena, e da Venezuela, e da Parque Escolar, e do TGV, e do novo aeroporto, e coisa e tal). O qual Barroca os despachou para a Suíça, os milhões, para uma conta em nome do Santos Silva, que era afinal desse traste do Sócrates, o culpado do pecado original.
De formas que o melhor, a bem da senhora Justiça, era agasalhar rapidamente o Vara (que já andara a receber umas caixas de robalos), e pôr-lhe uma pulseira ao tornozelo. Por que razões ninguém sabe muito bem, mas isso agora não interessa nada. É que se a coisa não colou ao Sócrates, naquele caso do sucateiro da operação Face Oculta, algum dia há-se pegar. Nem que seja na mais pura das ficções. E água mole em pedra dura, desde que a imprensa não falhe, tanto dá até que fura! De modos que vai tudo pelo melhor até às eleições, e depois disso haveremos de falar. Mas há aqui modos menos simplórios de observar a coisa.
Afinal foi o traste do Vara que facilitou, na Caixa, o empréstimo ao Batalha, para investir no Vale de Lobo. Por isso lhe cobrou uma comissão de doze milhões, que logo fez chegar à mão do Barroca (o tal do grupo Lena, e da Venezuela, e da Parque Escolar, e do TGV, e do novo aeroporto, e coisa e tal). O qual Barroca os despachou para a Suíça, os milhões, para uma conta em nome do Santos Silva, que era afinal desse traste do Sócrates, o culpado do pecado original.
De formas que o melhor, a bem da senhora Justiça, era agasalhar rapidamente o Vara (que já andara a receber umas caixas de robalos), e pôr-lhe uma pulseira ao tornozelo. Por que razões ninguém sabe muito bem, mas isso agora não interessa nada. É que se a coisa não colou ao Sócrates, naquele caso do sucateiro da operação Face Oculta, algum dia há-se pegar. Nem que seja na mais pura das ficções. E água mole em pedra dura, desde que a imprensa não falhe, tanto dá até que fura! De modos que vai tudo pelo melhor até às eleições, e depois disso haveremos de falar. Mas há aqui modos menos simplórios de observar a coisa.
Miradouro
Há nesta manhã da serra um silêncio fecundo, que é ausência de ruídos. Mas já vêm além três viajantes do todo-o-terreno, que têm capacetes integrais, joelheiras, e botas de guerra afiveladas. Eu tenho dois bastões fiéis, que me dividem por quatro a sobrecarga de dois.
Eles descem e eu lá vou subindo. Venho depois a saber que um deles mandou chamar os bombeiros, foi parar ao hospital. Houve um calhau que saltou no meio da vereda, foi o cabo dos trabalhos.
Na descida escolho outro caminho e venho ter ao alto das Fragas. Daqui abranjo a aldeia inteira e não detecto nela um movimento, um gesto, um sobressalto, nem o bocejo dum santo no altar nem o ladrar dum cão. Era neste miradouro que os fogueteiros antigos largavam os foguetes da alvorada, chegando-lhes a brasa do cigarro à mecha do canudo. E mais que uma vez as canas alvoroçaram incêndios. E era daqui que subiam na aragem os papagaios de papel, umas folhas de jornal coladas num losango de caniços com uma papa de farinha e um compridíssimo rabo, a serpentear no céu. Há anos que aqui não vinha!
Eles descem e eu lá vou subindo. Venho depois a saber que um deles mandou chamar os bombeiros, foi parar ao hospital. Houve um calhau que saltou no meio da vereda, foi o cabo dos trabalhos.
Na descida escolho outro caminho e venho ter ao alto das Fragas. Daqui abranjo a aldeia inteira e não detecto nela um movimento, um gesto, um sobressalto, nem o bocejo dum santo no altar nem o ladrar dum cão. Era neste miradouro que os fogueteiros antigos largavam os foguetes da alvorada, chegando-lhes a brasa do cigarro à mecha do canudo. E mais que uma vez as canas alvoroçaram incêndios. E era daqui que subiam na aragem os papagaios de papel, umas folhas de jornal coladas num losango de caniços com uma papa de farinha e um compridíssimo rabo, a serpentear no céu. Há anos que aqui não vinha!
sexta-feira, 10 de julho de 2015
Guerra ou paz
Insistir na jaculatória pia de que compete 'à Justiça o que é da Justiça', é o mesmo que usar palas de mula, é bater em ferro frio, para não dizer bater em retirada. É usurpar o papel do triste corno, que é o último a saber.
Porque não é de paz que aqui se trata, ó Costa! E sim de guerra.
Porque não é de paz que aqui se trata, ó Costa! E sim de guerra.
Tal e qual um país
A trindade santíssima da terra, da água e do sol são a vida duma horta. É isso que pensam os crentes do Rousseau, que em vez do Seringador lêem manuais da Física, e acreditam que a Natureza é mãe de bons selvagens.
Pois andam muito enganados, já que a citada trindade só garante uma vida medrada às ervagens ruins. Uma horta nunca tem cara lavada sem a mão do dono no cabo duma enxada. É tal e qual um país.
Pois andam muito enganados, já que a citada trindade só garante uma vida medrada às ervagens ruins. Uma horta nunca tem cara lavada sem a mão do dono no cabo duma enxada. É tal e qual um país.
Do cerejo ao castanho
As cerejas acabaram, os figos ainda tardam por aqui, que a terra é fria, as pêras não vão além da infância primeira. Quem anda numa fona são os estorninhos, esses parasitas do estado social, a vociferar em bando na sombra dos grandes plátanos.
A propósito dum encontro com escritores, numas Viagens de marketing literário
As Aves Levantam Contra o Vento são o meu opus magnum. E da centena de leitores que teve, e eu conheço, nenhum adormece com ele no regaço, ainda hoje.
Nunca mais escreverei um texto assim, nem quero. Pois em arte não há repetições, nem produtos que servem o mercado, nem pepinos expostos numa banca.
O que vier será novo. Radicalmente novo.
quinta-feira, 9 de julho de 2015
Sobreviventes
Não pensei ver por aqui as libelinhas azuis, a resistir aos tóxicos. Mas encontrei manhãzinha um casal delas, num esforçado pas-de-deux à beira do ribeiro. Cheguei a esperar pelo intervalo, para lhes roubar uma imagem. Mas o relógio não pára, e deixei-as nos ensaios.
Os indígenas merecem o que têm, e mais que isso o que vão ter, que se repete há séculos
«É positiva a apreciação que os inquiridos da sondagem da Intercampus fazem sobre o desempenho da Justiça portuguesa no caso da Operação Marquês, que está na base da prisão preventiva do ex-primeiro-ministro José Sócrates. Numa escala de 0 a 10, a média das respostas situa-se nos 5,5.
Já a apreciação sobre “a acção do próprio José Sócrates neste caso” é negativa. As respostas dadas ficam numa média de 3,9.» [in PÚBLICO]
Já a apreciação sobre “a acção do próprio José Sócrates neste caso” é negativa. As respostas dadas ficam numa média de 3,9.» [in PÚBLICO]
A questão tem pouco que saber
Schäuble: How much money do you want to leave the euro?
Dijssolbloem: You either sign the memorandum that the others have signed too, or your economy is going to colapse. We are going to collapse your banks.
Tsipras e o seu governo, e a Grécia inteira, podem depressa e bem aplacar os chacais da finança, e os feldmarschall da desgraçada política europeia, e os serviçais dos media que os sustentam.
Basta para tal que se disponham a assinar o memorandum que outros assinaram, o tal que insiste nas receitas dos últimos cinco anos, em que a sociedade grega foi submetida a ensaios que a levaram à implosão, em que 25% do PIB se desvaneceu às ordens duma troika que tem que lavar a face, em que três milhões de gregos foram lançados no desespero e na miséria, em que 60% dos jovens não têm trabalho nem futuro.
Basta que o Syriza aceite mais cortes em salários, pensões, trabalho, saúde, educação, direitos e dignidade do povo. Basta que aceite vender ao desbarato o que restar da Grécia, e as ancas da Vénus de Milo, e as pedras do Parténon, e as ilhas do mar Egeu.
Basta que o Syriza deixe de pretender reformar o país e a sociedade e a economia gregas, e combater a evasão fiscal dos poderosos, e a fuga de capitais das oligarquias, e o regabofe da economia negra. Basta que o Syriza aceite um haraquiri que servirá de exemplo urbi et orbi, e aceite a captura da soberania popular, e aceite a minagem dos princípios da democracia.
É isso que os chacais querem e os seus lacaios aplaudem.
Dijssolbloem: You either sign the memorandum that the others have signed too, or your economy is going to colapse. We are going to collapse your banks.
Tsipras e o seu governo, e a Grécia inteira, podem depressa e bem aplacar os chacais da finança, e os feldmarschall da desgraçada política europeia, e os serviçais dos media que os sustentam.
Basta para tal que se disponham a assinar o memorandum que outros assinaram, o tal que insiste nas receitas dos últimos cinco anos, em que a sociedade grega foi submetida a ensaios que a levaram à implosão, em que 25% do PIB se desvaneceu às ordens duma troika que tem que lavar a face, em que três milhões de gregos foram lançados no desespero e na miséria, em que 60% dos jovens não têm trabalho nem futuro.
Basta que o Syriza aceite mais cortes em salários, pensões, trabalho, saúde, educação, direitos e dignidade do povo. Basta que aceite vender ao desbarato o que restar da Grécia, e as ancas da Vénus de Milo, e as pedras do Parténon, e as ilhas do mar Egeu.
Basta que o Syriza deixe de pretender reformar o país e a sociedade e a economia gregas, e combater a evasão fiscal dos poderosos, e a fuga de capitais das oligarquias, e o regabofe da economia negra. Basta que o Syriza aceite um haraquiri que servirá de exemplo urbi et orbi, e aceite a captura da soberania popular, e aceite a minagem dos princípios da democracia.
É isso que os chacais querem e os seus lacaios aplaudem.
quarta-feira, 8 de julho de 2015
Talhas
Era uma catedral gótica, é o que hoje me faz lembrar. Mas nas férias do Natal a professora sucumbiu a um resfriado, de que não recuperou em tempo útil. De forma que, para não perder o ano, passei eu a ir à escola da freguesia vizinha, a uns três quilómetros de caminho.
Do farnel fazia parte uma cabaça minúscula, onde levava um refresco de café de chicória que a minha mãe fazia como só ela sabia. Mas os colegas viam-na cheia de vinho, e olhavam-me com muito respeitinho.
Um dia um deles aproveitou um descuido, foi-me ao vinho e desvendou o segredo. Era água! E lá se foi, água abaixo, a minha reputação. Assim fiquei a saber que as boas famas custarão gerações, mas levam um minutito a desfazer.
Mas adiante, que já veio a Primavera, o céu ficou azul e quentinho, e os campos estão floridos. Houve mesmo uma perdiz que foi fazer o ninho além na ribanceira, debaixo dum silvado. Todos os dias eu ia visitá-lo, todos os dias lhe contava os ovos, todos os dias via a ninhada crescer.
Um dia encontrei um laço armado logo à entrada. Era um nó redondo e corredio, feito do pêlo do rabo dum cavalo, onde a perdiz meteria o pescoço. Só que ela não caiu nessa. Mal se deu conta, abandonou o ninho. E foi assim que um lagarto teve um dia o rancho melhorado.
Passou-se isto há muitos anos, numa terra em que hoje sobram as talhas de castanho dum altar-mor na igreja, e as galas perdidas do solar dos Brasis, que uns mestres entalhadores esculpiram. Num mausoléu onde Portugal ficou embalsamado no meio dum sertão, atafulhado em ouros do Brasil.
terça-feira, 7 de julho de 2015
O mantra falacioso dos aldrabões, dos mentirosos compulsivos, dos sofistas
Se houve alguém em Portugal que lutou contra a vinda da troika em 2011 foi o 1º ministro José Sócrates. Está registado na história. E só o vergonhoso abraço duma certa dita esquerda à canalha oligárquica de direita derrubou o governo no parlamento, com o chumbo do PEC 4.
Mas não há dia em que um ou vários canalhas não insistam no mantra falacioso, desta vez pela voz do Montenegro: «O anterior 1º ministro demitiu-se, manifestou-se incapaz de continuar a governar, ele e o seu partido. Eu diria mais: ele e todos aqueles que lá estão hoje, menos ele, que não pode estar.»
Os media fazem o resto. E a canalha sem memória vai ruminando o feno que lhe põem na manjedoura.
Mas não há dia em que um ou vários canalhas não insistam no mantra falacioso, desta vez pela voz do Montenegro: «O anterior 1º ministro demitiu-se, manifestou-se incapaz de continuar a governar, ele e o seu partido. Eu diria mais: ele e todos aqueles que lá estão hoje, menos ele, que não pode estar.»
Os media fazem o resto. E a canalha sem memória vai ruminando o feno que lhe põem na manjedoura.
Trabalhos de Hércules
Os papagaios de turno debitam incansavelmente que "os gregos não querem austeridade". É uma mentira redonda! Os gregos não querem a austeridade que as 'instituições' impõem: a que corta ainda mais salários, pensões, trabalho, saúde, educação, direitos e dignidade; a austeridade que há muito tempo esmaga o povo grego.
Mas querem outra: a que permita reformar o país, combater a evasão fiscal, o regabofe das oligarquias e a economia negra; e pagar aos credores o que puder ser pago, uma tarefa de Hércules.
Mas querem outra: a que permita reformar o país, combater a evasão fiscal, o regabofe das oligarquias e a economia negra; e pagar aos credores o que puder ser pago, uma tarefa de Hércules.
Maria Barroso
Estranha gulodice a da raposa bíblica, que escolhe sempre uma galinha gorda! Homenagens daqui.
segunda-feira, 6 de julho de 2015
Os ricos têm sempre razão. Já que, uma vez não a tendo, vem a fraqueza dos pobres oferecer-lha.
É ver a quantidade desgraçada de tantos equívocos juntos!
"Tal como os homens, também as nações têm uma infinita capacidade de ilusão".
«(...)
- Jornalista: Como teve a coragem de publicar agora ensaios sobre o colonialismo português, escritos antes do início da guerra colonial?
- Eduardo Lourenço: Eu vivia em França, que naquela altura tinha problemas que seriam uma antecipação do que nós viríamos a ter.
- A guerra da Argélia.
- Sim, eu segui com grande paixão o que se passava na Argélia, porque mesmo um país democrático como era a França teve grande dificuldade em lidar com um desafio como o da perda da Argélia. A França, cuja Revolução produzira a ideia universal de alinhar os homens pela sua condição humana, separando-os da referência meramente étnica ou nacional, no sentido que o séc. XIX lhe vai dar. Mesmo em França, onde a problematização era possível, porque a situação colonial era incompatível com os princípios da Revolução, não foi fácil superar o trauma da Argélia.
- Em Portugal, era possível.
- Não havia problematização. Os colonos estavam em África como se estivessem em casa. Nessa altura comecei a escrever estes textos que são uma reflexão acerca de nós, de Portugal como nação colonizadora, ou colonialista, como se disse depois a título póstumo. Mas enquanto o vivemos, até à rebelião africana, era um colonialismo inocente.É uma das dimensões do país que historicamente fomos. Éramos uma nação que se espalhou pelo mundo, e que teve a sorte de encontrar para esse momento um poeta de génio, que se consubstancia com o discurso simbólico que temos, enquanto portugueses, para nós próprios. Os Lusíadas davam-nos uma tal boa consciência, que não nos permitia compreender o labirinto em que estávamos encerrados. Sempre houve resistência, mas tudo se passava como se fosse uma lei natural da História. Durante muito tempo, o colonialismo não teve nada da escandaloso aos olhos dos europeus, quaisquer que eles fossem. E entre nós ainda menos, porque a nossa sempre foi uma colonização frágil, de pobres. Havia uma cegueira, que não era percebida como cegueira, mas como uma coisa natural. Por isso dei o título a este livrinho de Do Colonialismo como o Nosso Impensado. É um livro que me dói.
- Mas não renega esses textos.
- Nâo, porque os escrevi com paixão e com a ideia de que se podia ainda acordar, quando já estávamos à beira do precipício. (...) Quando a Inglaterra larga a Índia, a França a Argélia, como é que nós podíamos escapar a uma onda que era universal? Cinco séculos da nossa história são de um país navegador; mas isso trouxe a colonização, que por sua vez implicou uma regressão na ordem colectiva do Ocidente. Voltámos, com uma espécie de naturalidade absurda, à escravatura. O que foi, provavelmente, o maior pecado da nossa História.
- Toda a Europa participou nisso.
- Sim, quase toda a gente participou na exploração de outro continente, de uma forma que ia para além da normal luta de classes. Os povos colonizados suportaram essa presença do Outro, porque não tinham chegado a fases históricas de auto-organização que lhes permitissem defender-se. Mas surgiu um momento, no séc. XX, em que a Europa percebeu que era tempo de regressar a casa. Fê-lo pouco a pouco e nós fomos os últimos. Fomos os primeiros e os últimos.
- A descolonização foi o movimento que marcou o séc.XX?
- Penso que sim. É o fenómeno mais importante da nossa história europeia. Porque trouxe à tona de água outra gente. Até aí a História era nossa porque a escrevíamos. (...) Mas os outros povos não eram sujeitos autónomos do seu próprio futuro. Durante milénios, o futuro foi escrito numa perspectiva ocidental, primeiro grega, depois romana. Os outros encontravam-se em estádios de evolução rudimentar no que respeita à capacidade de controlar a natureza (...). As outras culturas não têm um Fausto, um Prometeu... (...)».
[in Revista LER nº 138]
- Jornalista: Como teve a coragem de publicar agora ensaios sobre o colonialismo português, escritos antes do início da guerra colonial?
- Eduardo Lourenço: Eu vivia em França, que naquela altura tinha problemas que seriam uma antecipação do que nós viríamos a ter.
- A guerra da Argélia.
- Sim, eu segui com grande paixão o que se passava na Argélia, porque mesmo um país democrático como era a França teve grande dificuldade em lidar com um desafio como o da perda da Argélia. A França, cuja Revolução produzira a ideia universal de alinhar os homens pela sua condição humana, separando-os da referência meramente étnica ou nacional, no sentido que o séc. XIX lhe vai dar. Mesmo em França, onde a problematização era possível, porque a situação colonial era incompatível com os princípios da Revolução, não foi fácil superar o trauma da Argélia.
- Em Portugal, era possível.
- Não havia problematização. Os colonos estavam em África como se estivessem em casa. Nessa altura comecei a escrever estes textos que são uma reflexão acerca de nós, de Portugal como nação colonizadora, ou colonialista, como se disse depois a título póstumo. Mas enquanto o vivemos, até à rebelião africana, era um colonialismo inocente.É uma das dimensões do país que historicamente fomos. Éramos uma nação que se espalhou pelo mundo, e que teve a sorte de encontrar para esse momento um poeta de génio, que se consubstancia com o discurso simbólico que temos, enquanto portugueses, para nós próprios. Os Lusíadas davam-nos uma tal boa consciência, que não nos permitia compreender o labirinto em que estávamos encerrados. Sempre houve resistência, mas tudo se passava como se fosse uma lei natural da História. Durante muito tempo, o colonialismo não teve nada da escandaloso aos olhos dos europeus, quaisquer que eles fossem. E entre nós ainda menos, porque a nossa sempre foi uma colonização frágil, de pobres. Havia uma cegueira, que não era percebida como cegueira, mas como uma coisa natural. Por isso dei o título a este livrinho de Do Colonialismo como o Nosso Impensado. É um livro que me dói.
- Mas não renega esses textos.
- Nâo, porque os escrevi com paixão e com a ideia de que se podia ainda acordar, quando já estávamos à beira do precipício. (...) Quando a Inglaterra larga a Índia, a França a Argélia, como é que nós podíamos escapar a uma onda que era universal? Cinco séculos da nossa história são de um país navegador; mas isso trouxe a colonização, que por sua vez implicou uma regressão na ordem colectiva do Ocidente. Voltámos, com uma espécie de naturalidade absurda, à escravatura. O que foi, provavelmente, o maior pecado da nossa História.
- Toda a Europa participou nisso.
- Sim, quase toda a gente participou na exploração de outro continente, de uma forma que ia para além da normal luta de classes. Os povos colonizados suportaram essa presença do Outro, porque não tinham chegado a fases históricas de auto-organização que lhes permitissem defender-se. Mas surgiu um momento, no séc. XX, em que a Europa percebeu que era tempo de regressar a casa. Fê-lo pouco a pouco e nós fomos os últimos. Fomos os primeiros e os últimos.
- A descolonização foi o movimento que marcou o séc.XX?
- Penso que sim. É o fenómeno mais importante da nossa história europeia. Porque trouxe à tona de água outra gente. Até aí a História era nossa porque a escrevíamos. (...) Mas os outros povos não eram sujeitos autónomos do seu próprio futuro. Durante milénios, o futuro foi escrito numa perspectiva ocidental, primeiro grega, depois romana. Os outros encontravam-se em estádios de evolução rudimentar no que respeita à capacidade de controlar a natureza (...). As outras culturas não têm um Fausto, um Prometeu... (...)».
[in Revista LER nº 138]
PQP!
Se houvesse ali uma aragem de dignidade e bom-senso, o sipaio que ainda manda neste quimbo metia a língua na caixa e ficava caladinho.
Mas falou, a pretexto da cabazada do referendo grego. "A dívida não deve ser esquecida, pois há países europeus que emprestaram muito dinheiro à Grécia." Será isso ou dor de corno?!
Mas falou, a pretexto da cabazada do referendo grego. "A dívida não deve ser esquecida, pois há países europeus que emprestaram muito dinheiro à Grécia." Será isso ou dor de corno?!
Nunca me enganaste, pá!
Em resposta à má qualidade das refeições servidas no Estabelecimento Prisional de Évora, os detidos organizaram a recusa duma refeição. Uma espécie de levantamento de rancho a que José Sócrates se associou, em solidariedade com eles.
Entre a escumalha que o persegue e o denigre, nenhum pulha tem alma para atitudes destas. Porque as criaturas não são todas iguais!
Entre a escumalha que o persegue e o denigre, nenhum pulha tem alma para atitudes destas. Porque as criaturas não são todas iguais!
61%?!
A guerra é um grande somatório de batalhas, e só acaba no fim. Mas desta vez levaram os pulhas fariseus muito que contar aos netos.
domingo, 5 de julho de 2015
sábado, 4 de julho de 2015
Vaga-lumes
Mostraram-se hoje à noitinha, os pirilampos, que também se chamam arancus. Meia dúzia de resistentes aos pesticidas tóxicos que aí andam.
sexta-feira, 3 de julho de 2015
quinta-feira, 2 de julho de 2015
Lido aí, numa caixa de comentários
"Não se iludam com as aparências. O Básico [comentador] não faz leituras básicas. O que ele faz é catequese pura e dura, e com inegável sucesso. O mundo está repleto de néscios que emprenham pelos ouvidos. O Básico, entre muitos, é apenas mais um mercenário a soldo dos que sabem que os néscios são incapazes de digerir mais que um pensamento simplista de cada vez. E por isso investem em produzi-los. Alimentando os néscios de simplismos redutores, garantem os votos que necessitam para manter o poder de os explorar."
quarta-feira, 1 de julho de 2015
Maioria absolutíssima
Mais um que foi à vida, nas televisões! Só falta calar a Cunha e Sá, para atingir a unanimidade da maioria absoluta.
Augúrios
Deixo o Porto em bons augúrios. A Grécia anda nos écrãs, a entrevista de Sócrates está no DN, e o amola-tesouras vai andando pela rua a trautear a flautita de Pã.
É de afiar as facas que se trata, e já não era sem tempo!
É de afiar as facas que se trata, e já não era sem tempo!
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Temos portanto um país que foi o mais afectado pela austeridade; aquele que mais sofreu na pele o ziguezaguear das lideranças europeias; que tem um governo que é eleito com um mandato claro para parar a austeridade e que, para procurar uma solução negociada, entre os parceiros europeus, admite uma coisa que jurou não iria fazer, impondo uma austeridade de 8 mil milhões de euros e pedindo uma coisa em troca: (…) nós admitimos continuar o esforço desde que isso signifique assegurar o mínimo de estabilidade financeira para a Grécia, que não coloque este país sob um sufoco financeiro permanente, sob a chantagem do Banco Central Europeu, como tem vindo a acontecer até agora.
(…) Objectivamente a minha questão é que o governo grego partiu de um pressuposto que me parece legítimo e razoável, tanto na Grécia como em Portugal e que é: nós não podemos continuar na senda da destruição social e económica. E temos que encontrar uma solução para isto (…). O governo grego disse: nós vimos aqui para pôr em causa os interesses instalados na Grécia. E disse às instituições europeias uma coisa fabulosa: nós somos o único partido na Grécia com quem vocês podem contar para que alguma vez haja reformas a sério no Estado grego. Porque nós chegámos ao poder sem ter interesses instalados a apoiar-nos. (…) E o que recebeu de volta foi basicamente uma atitude de prepotência que torna os sistemas da democracia europeia extremamente frágeis. Porque nós neste momento percebemos uma coisa: votemos no partido A ou votemos no partido B, independentemente de quais sejam as suas propostas eleitorais, no final quem manda é o BCE.»