quarta-feira, 26 de maio de 2010

Rio Vivo

A cabrinha branca é um dos elementos dum quadro do mestre Roberto Chichorro, que se transformou em ex-libris da Associação Rio Vivo.

A Associação Rio Vivo é o ponto de encontro dum grupo de gente ligada a S. Pedro do Rio Seco, em Almeida, que procura responder aos nós cegos do mundo presente com os conceitos e práticas de vida ditas de transição: dum modo de viver que está a chegar ao fim da linha, para outro modo de viver que o senso recomenda, mas não vem no manual.

É esta a sua Declaração de Princípios:

"Reunidos em S. Pedro do Rio Seco no dia 9 de Agosto de 2009, os signatários manifestam a intenção de constituir a Associação Rio Vivo. Através dela, e em pleno respeito pela Natureza e pelo uso racional dos seus recursos, procuram contribuir para preservar o património cultural, as formas de vida, as tradições, os usos e os costumes que herdaram dos seus ancestrais.

Os signatários estão conscientes dos graves problemas que afectam o equilíbrio do planeta, e ameaçam pôr em causa a vida tal como a conhecemos: a poluição ambiental, o aquecimento global, as alterações climáticas dele resultantes, o rápido esgotamento de recursos naturais como a energia de origem fóssil, a terra arável, a água e outros. Estão preocupados com a extinção acelerada de espécies animais e vegetais, e com as ameaças que pairam sobre a diversidade biológica.

Num mundo globalizado, e particularmente na sociedade portuguesa, assistiu-se em poucos anos a uma rápida destruição dos modos de vida e dos equilíbrios tradicionais, sem que outros mais sustentáveis tivessem surgido. A fuga das populações rurais em busca de melhores condições de vida, e a sua concentração acelerada em subúrbios urbanos marcados pela precaridade, o desenraizamento e a fragilização, despovoou o interior e esvaziou as pequenas comunidades rurais.

Ora os signatários crêem que as pequenas comunidades rurais poderão vir a desempenhar um papel importante no futuro. Crêem que é fundamental tomar consciência dos perigos que ameaçam a Humanidade, e das nefastas consequências do esgotado modelo do crescimento contínuo e do consumismo moderno. Crêem estar em vias de exaustão o privilégio histórico das energias fósseis baratas, que permitiu às gerações do último século um desenvolvimento e um conforto nunca experimentados. Acreditam que é seu dever deixar às gerações futuras um mundo habitável. E crêem ser fundamental reconstruir alguma da auto-sustentabilidade alimentar e energética das pequenas comunidades rurais.

Os signatários crêem ser necessário desenvolver activamente um novo modo de vida, um modelo de transição para uma era pós-carbono. Tal desiderato deve ser perseguido no respeito pelas pessoas, com as suas crenças religiosas, as suas opções políticas e os seus direitos próprios. Mas abrir caminhos novos implica contrariar as actuais tendências e mudar as mentalidades.

Como primeiro passo para atingir os objectivos propostos, os signatários assumem conjuntamente o compromisso de constituir, em S. Pedro do Rio Seco, uma Associação de pessoas que comunguem dos mesmos ideais, e alimentem os mesmos propósitos constantes desta Declaração."

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Noveleiro

Ali encostado à muralha, o noveleiro abre os braços e passa o tempo a fabricar novelos. Mas deslindar as pontas já não é com ele, que se esgotou na função.
É como certas elites, que em Portugal há séculos floresceram. Deram tamanhos nós na nossa vida, que nunca mais os soubemos desatar.
Ou como uns figurões que andam aí, e só dão flor de jardim. Quanto a fruto, estamos conversados.

sábado, 22 de maio de 2010

Do Pocinho a Barca de Alva



Sem saber se mais se dói o corpo, se é a alma.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Encore

[Este texto já passou em tempos por aqui. Hoje regressa.
Que os deuses nos dêem fúrias, se mais benigna dádiva não trazem. Ódios não.]

Nesta casa já se dançou a pavana, num tempo em que as damas da família sabiam dissimular o queixo delicado atrás de leques andaluzes, à sombra frondosa das nogueiras. Havia um piano vertical na sala das visitas. E entre a leitura dos folhetins que se recortavam d’O Século, e a bruma evanescente de paisagens campestres a amanhecer no cavalete das aguarelas, por certo alguém, à tarde, punha a rodar na vitrola de corda uma ária do Caruso, uns passos de zarzuela, enquanto duas donzelas ensaiavam coreografias de salão, entre javas e habaneras. Cheirava a terra a chuva de Setembro e os galos cantavam no ar de vidro de Janeiro, assim terá sido há muitos anos, antes de o mundo dar sinais de começar a morrer.
Quem primeiro morreu foi o patriarca que construiu a casa, ou a mandou fazer assim tão regular e adequada. Havia nela um tão exacto casamento entre funções e formas, que por trás se lhe adivinha grande paixão e muita sabedoria. Depois foram as damas que partiram, e consigo levaram o piano, o Caruso e os anelos adocicados, para terras menos agrestes e remotas do que estes fins do mundo.
Ficou a casa a cargo dos caseiros, que mais tarde a compraram, subindo e descendo vai a roda do mundo, tanto que alguma vez a história há-de mudar de qualidade, se não são antes os homens que, ao fazê-la, mudando vão. E assim nesta casa fomos nascendo todos nós.
Descíamos todos os dias as escadas de granito antigo, já polidas por muitas gerações de passantes que no gesto nos antecederam. Por certo, em esquecidas alvoradas, tinham forçada primazia os tamancos ferrados da criadagem, chamada a calar as exigências matutinas dos gados domésticos. E só mais tarde, havendo sol, chegava a hora das delicadas botinas das damas descerem ao jardim, a aspirar os primeiros pólenes da primavera, a distribuir bênçãos de mão aos junquilhos floridos, que atestavam a migração definitiva do inverno.
A casa era uma unidade agrícola perfeita, e nela tinham lugar todas as personagens desse passado antigo, com cómodos privados e requintes próprios de damas e senhores, com aconchegos para a criadagem e os serviçais da jorna, com aposentos para os bichos de todo o tipo que cabiam no quadro, e um vasto quinteiro rodeando a casa, onde se acomodavam os apetrechos rústicos, uma adega húmida que alegrava aquelas sedes todas, e fundas arcas de castanho que cheiravam a cereal. Por isso havia naquela escadaria a plebeia dignidade das coisas verdadeiras, criadas para servir os ditames da vida, sem favorecimentos nem discriminações.
Nós não tínhamos então, e não tivemos, por muitos anos, qualquer consciência disso. Éramos cinco ganapos de alturas variadas, chegávamos ao fundo da escadaria e sentávamo-nos ao redor da nossa mãe, que ultimava no caldeirão de folha o repasto dos cevados impacientes, já roendo as gáspeas da porta do chiqueiro entre grunhidos e encontrões. Não sabiam eles que de nada lhes valia a pressa, ali bem perto iriam acabar, deitados à força no banco dos condenados quando chegasse o Natal, enquanto gritavam ao mundo o seu protesto lívido, e a lâmina fatal lhes abria caminho para o coração, através da opulência roxa dos peitos.
O caramanchão da glicínia começava logo ali, era um manto rosa-velho a cobrir o terreiro onde corríamos, indiferentes ao zumbido macio da legião das abelhas, finalmente saídas da colmeia. O perfume das flores rosadas juntava-se à doçura de mel dos cachos da robínia, que rescendiam na aragem, e espalhava-se em cascata sobre a ladeira que descia para os tanques da água, entre paredes de pedra que a vinha virgem revestia de verde.
Depois do segundo lance de escadas, por baixo do pequeno mirante, havia o jardim das camélias, e era um luzimento de cores e matizes quando chegava a Páscoa e começavam as romarias às ermidas. Vinham mordomos das terras em volta, com cestos fundos de verga e largo fervor devoto. Sofriam as japoneiras os ramos destroçados, e os lírios, e os lilases, era aquilo outra matança de inocentes. Mas oragos e outros santos de pau das redondezas mereciam bem a festa de um dia, pela canseira do ano inteiro a cuidarem do mundo.
Ao lado das romãzeiras, de pequena flor rubra escarlate, duas palmeiras de tronco peludo abriam no ar os leques pontiagudos que grasnavam na brisa, e foram elas as vítimas primeiras do machado verdugo. Decepadas no chão apodreceram durante anos e nunca ninguém soube explicar porquê, acaso são iguais todos os altares de sacrifício, vãos caprichos de medonhas divindades ocas. Ao abrigo dum canto uma olaia suave protegia os cortiços das abelhas, enquanto não chegou, também para ela, o inexplicável dia fatal.
No inverno, quando os nevoeiros se colavam às paredes escuras da aldeia, gotejando dos beirais grossos fusos de cristal de gelo, melros negros apareciam no telhado e apontavam a seta urgente dos bicos à ramagem da oliveira, e às bagas rubras do evónimo do Natal. E quando um e a outra também desapareceram, ninguém soube avaliar se mais perderam os melros em poiso e alimento, se maior foi a nossa mágoa ao descobri-las ausentes da paisagem.
Pelos cantos do jardim florescia o barroquismo das peónias e das gipsofilas, entre chorões rasteiros e dálias e narcisos, cujos bolbos migravam por ali ao sabor do remover das terras. Festões debruçavam-se dos muros verdes de hera, e longas grinaldas de Maio acenavam ao sol peregrino que voltara. Ao longe, entre pinheirais, o vento amaciava a cabeleira das searas, enquanto no vale, separando várzeas, corria a ribeira onde as rãs gritavam sem descanso a aflição urgente da reprodução.
Lá para os fundos da casa o quinteiro alargava-se. Em redor havia lojas onde inquilinavam gados de trabalho, vacas que ruminavam babas eternas e viviam aos pares, na vida e na morte como bíblicos casais, e tinham estranhos nomes de frutos, e olhos melancólicos, e vastos lombos que arrastavam o mundo. O largo portão vermelho era uma fronteira, ali ao cimo da ladeira que dava para o quintal, e os batentes de granito, onde encaixavam as dobradiças presas a chumbo, tinham a mesma imponência dum forte de Elvas. Também lhes foi fatal o agigantado porte, um dia desapareceram, e hoje só o vazio das imagens antigas lhes preenche a ausência, à sombra da nogueira que uma qualquer moléstia fez desabar há muito.
À flor da terra corriam inquietas águas frígidas, abríamos os tanques de pedra entre algazarras sem fim e deixávamos os pés mergulhar na frescura da terra, o veio lá ia ao encontro dos pés de milho e das verduras da horta, das raízes sedentas da buganvília debruçada na parede, e dos troncos donde pendiam ginjas garrafais. Ao longo do quintal desenhava um ângulo recto a carreira dos buxos, a espaços cresciam nela árvores aos pares, e em chegando o S. João trepávamos às copas em busca do tépido milagre dos ninhos, onde os pintassilgos e as carriças se afadigavam a alimentar a gula rósea dos bicos de nácar dos filhos.
Às vezes chegava-nos da rua o sobressalto festivo do tambor das potricas. Um rapazola batia a caixa pelas ruas, a sobressaltar o povo, enquanto um homem de bigodes, de macaquito ao ombro, anunciava ao respeitável público os artísticos dotes da afamada contorcionista, uma magricela que tomávamos por sua filha e olhávamos com admiração, enquanto ela se torcia toda, enleando pernas e braços. A mãe estendia o rectângulo esgarçado do tapete sobre a calçada do adro, incitando uma cabra desesperada ao improvável equilíbrio das patas sobre o gargalo duma garrafa escura. A nossa emoção crescia à medida dos seus falhanços, e só esfriava quando a beldade, de chapéu na mão, dava início à ronda da assistência, convidando ao óbolo devido.
Não sei dizer que ventos de perdição se abateram sobre esse mundo antigo. Aprenderam-nos os olhos a ver abrindo-se a tantas cores, não nos afinaram os ouvidos por outras sinfonias que não fossem as da natureza, e outro alimento não nos bebeu a alma, para além desses tantos aromas e emoções. Assistíamos ao milagre hesitante dos botões das rosas de Alexandria que rebentavam em Abril, acaso foi exagerado privilégio nosso, num tempo e num lugar remotos onde a vida da gente era faminta, rudíssima e imunda, como vida de béstias que o mundo desprezava.
Aos poucos foram degolados os loendros, sumiu-se o escarlate impúdico dos hibiscos, das ginjas garrafais ficou apenas um sabor na memória, e na paisagem nenhuma sombra resta das copas escuras dos buxos altos. Grossas paredes de granito antigo, que albergavam a eternidade, cederam lugar a tijolos fúteis de cimento, só uma fada malvada podia obrar tanta malfeitoria. É verdade que também nas encostas, ao longe, nenhuma árvore resta depois dos muitos incêndios, a brisa corre em vão sobre plainos vazios, e o dorso benfazejo e protector dos montes ficou este espinhaço descarnado, de monstros fósseis de antes do dilúvio. Talvez o mundo esteja a morrer de vez, se não foram os deuses que o tiraram do cuidado, cansados de não saber o que fazer com ele. E no entanto a vida estava ali, cheirava a terra a chuva de Setembro, cantavam galos no ar de vidro de Janeiro.

terça-feira, 18 de maio de 2010

A população e os recursos naturais

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal

Durante o último século a população mundial quadruplicou, passando de 1,7 para os actuais 6,7 mil milhões de pessoas. Por outras palavras, pode afirmar-se que, nos últimos 100 anos, a população mundial aumentou exponencialmente com uma taxa de crescimento de 1,8 %, e que duplicou nos últimos 40 anos.
Contudo, se observarmos o crescimento da população em diferentes áreas do planeta, verifica-se que o mesmo não foi uniforme. Em muitas dessas áreas o crescimento foi muito forte, e noutras foi muito fraco, nulo, ou até mesmo negativo. No primeiro caso, estão países da África subsariana, da América Latina e da Ásia; no segundo estão alguns dos países mais desenvolvidas da Europa e da América do Norte.
As previsões da Organização das Nações Unidas apontam para que a população mundial atinja os cerca de 9 mil milhões em 2050. São previsões preocupantes, tendo em conta que mais população significa necessidade de mais alimento, mais energia e mais recursos. Num planeta finito e com recursos limitados, coloca-se uma vez mais a eterna pergunta: até onde poderá crescer a população mundial, e quais são os limites a esse crescimento?
Desde Thomas Malthus que se discute a relação entre o crescimento populacional e a disponibilidade dos recursos necessários para o manter. É certo que a previsão de Malthus (que dizia que a população não poderia crescer em progressão geométrica, quando os recursos cresciam em progressão aritmética), não se concretizou. Depois, este foi também o tema central do relatório "Os Limites do Crescimento" do Clube de Roma, em 1972. E hoje, quando o mundo enfrenta a primeira grande crise da era da globalização, o assunto volta a estar na ordem do dia.
E no entanto, se pensarmos um pouco, poderemos concluir que tanto Malthus como a equipa de Denis Meadows (Os Limites do Crescimento) poderiam estar certos nas suas previsões. E que o tempo vai acabar por lhes dar razão. Com efeito, na época de Malthus não se conheciam as grandes reservas energéticas (combustíveis fósseis); e as previsões do Clube de Roma ainda hoje não podem ser desmentidas, por não ter decorrido o tempo suficiente.
O que provocou o grande aumento populacional dos últimos 100 anos foi o grande crescimento económico, a revolução verde e o desenvolvimento tecnológico. Mas a perfeita correlação entre aumento populacional e consumo energético deixa claro que foi a disponibilidade de uma energia abundante e barata (sobretudo o petróleo), a verdadeira causa deste extraordinário crescimento.
Porém, que acontecerá se um dia faltarem os recursos para sustentar um tal crescimento populacional? Como é que poderá ser contido esse crescimento? Naturalmente, baixando a natalidade, ou aumentando a taxa de mortalidade ou as duas coisas ao mesmo tempo. Seja qual for a opção, as consequências são imprevisíveis. Porém, uma coisa parece certa: se os limites forem ultrapassados, e nós não formos capazes de fazer a regulação, o planeta vai encarregar-se de a fazer.
Em Portugal, a população mantém-se mais ou menos estável desde 1960 (cerca de 10,5 milhões) . Mas a estrutura da nossa pirâmide etária modificou-se muito, devido a vários movimentos: emigração nos anos 60, guerra colonial, retorno dos portugueses de África nos anos 70, fluxos imigratórios a partir dos anos 90. Ao mesmo tempo a taxa de natalidade baixou assustadoramente, e como consequência a população portuguesa envelheceu muito, e vai continuar a envelhecer nos próximos anos.
Como é que Portugal vai lidar com as consequências deste envelhecimento populacional ? Quais os custos para o Estado social? Como iremos conter as pressões migratórias dos países pobres e sobrepovoados , sobretudo dos países do norte de África, da Ásia e da América Latina?
Não podemos meter a cabeça na areia e ignorar esta realidade. É hoje evidente que os recursos disponíveis (energéticos, hídricos e minerais) não poderão acompanhar as previsões do crescimento populacional global. O progresso tecnológico, também ele, tem limites. Teremos de passar a consumir menos, e de reaprender a andar a pé, e a cultivar a terra.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Almendra

[clicar]
Onde poisa o arco-íris está uma arca de navalhas. Isso é o que o povo diz, porém nem sempre é verdade.
No cimo deste monte, o que em tempos existiu foi a cidade romano-goda de Calábria, que não resistiu aos mouros. E por trás dele, a lavar os pés no Douro, é hoje a estação de Almendra. Abandonada em ruínas, para grande vergonha nossa.
À direita, a meia encosta, aberta ao sol e cercada de vinhedos, está a quinta da Leda. Consta que o cisne morreu com saudades dela, quando voltou ao Olimpo.

Alpajares

[clicar!]
Se nunca viste, poupaste um pouco as pernas.
Mas perdeste, do mundo, a oitava maravilha.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Adiante, escrivão!

- Senhores - disse D. Quixote - vamos pouco a pouco, pois já nos ninhos de antanho não há pássaros este ano. Eu fui louco e agora tenho juízo: fui D. Quixote de la Mancha e sou agora, como disse, Alonso Quixano o Bom. Possa com vossas mercês o meu arrependimento e a minha verdade fazer-me voltar à estima que de mim se tinha, e continue para diante o senhor escrivão.

O mal não está no erro, que há muito tempo é humano. Antes consiste em nada aprender com ele. Um qualquer Cavaleiro da Triste Figura sabe disso.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Papa III

Com a vida do mundo inteiro capturada por uma cleptocracia que não tem rosto nem freio, o Papa defende o rebanho de Deus atirando pedradas ao aborto e ao casamento homossexual.
Em lugar do bom pastor, é um gesto de açougueiro. Que conduz os cordeiros à degola com as patas atadas num barbante.

Papa II

No jogo de faz-de-conta que se desenrola em Fátima, o Papa ofereceu à Senhora uma rosa de ouro, que lhe trouxe de Roma. Porém não é conhecido o câmbio da transação.
Já se viu Roma trocar indulgências por dinheiro, negociar venturas metafísicas por metal sonante, oferecer um chouriço a quem lhe der um porco.
Não ia agora a mesma Roma deixar-se levar por um simplório vulto de terracota pintada. É mais que certo que não perde com o negócio.

Papa I

É verdade que o Papa não usa calças. Mas isso justifica o despudor com que a República aceita baixar as suas, perante ele?!

segunda-feira, 10 de maio de 2010

À atenção do BE e do PCP

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal

Dizem os jornais que ambos os vossos partidos se preparam para rejeitar, na AR, a suspensão do decreto que autoriza o investimento programado para o chamado projecto de alta velocidade ferroviária, o “TGV Lisboa-Madrid”. A ser verdade o que os jornais dizem, é uma notícia triste, porque revela a estranha miopia de quem devia andar de olhos abertos.
O verdadeiro debate do TGV para Madrid não se pode reduzir à questão de saber se um tal investimento deverá ser feito ou não. Nem se é oportuno fazê-lo agora (quando Portugal está fragilizado perante os especuladores internacionais), ou se deve deixar-se para mais tarde.
O real nó górdio da questão consiste em que Portugal ficou “preso” à presente “solução” do TGV, quando aceitou a visão espanhola de uma estrutura ferroviária ibérica radial, a partir de Madrid. Não interessa agora discutir quem foram os culpados dessa submissa aceitação. A verdadeira questão associada ao "TGV" é a de saber se Lisboa deve ser um “nó” de primeira categoria na rede europeia de alta velocidade, ou se limita a ser um "nó” secundário, "pendurado" na ligação a Madrid.
Apresentada como sendo o “TGV Lisboa-Madrid” esta ligação é na realidade o “AVE Madrid-Badajoz”, acrescentada de uma “perninha” até Lisboa. Trata-se de facto dum projecto espanhol, em que o material circulante será espanhol, a gestão da exploração será espanhola, as ementas do bar hão-de ser castelhanas, os funcionários e tudo o mais castelhanos serão.
Adiada sine die a ligação ao Porto, Portugal perde qualquer iniciativa no domínio da alta velocidade. E Lisboa, assim ligada a Madrid, de algum modo perde o seu estatuto de "cidade capital da Europa". Passará a ser vista como uma cidade de segunda categoria na Ibéria, possivelmente a quarta, depois de Barcelona e Sevilha.
O papel português neste projecto será apenas o de rasgar o Alentejo para construir a linha. Vai usar-se mão-de-obra muito pouco qualificada, possivelmente importada. Ao fim de 3 ou 4 anos, agravaremos fortemente a nossa legião de desempregados, aos quais haverá que somar as famílias, entretanto trazidas para Portugal.
Convém não esquecer que, no século XIX, Portugal optou por uma solução de outro tipo: foi eleita a ligação directa a Paris pela via de Salamanca, Valladolid, Burgos e Irún. É por aí que passa a nossa ligação natural à Europa, foi por aí que o Jacinto queirosiano regressou de Paris às serras de Tormes, e será ainda por aí que a verdadeira ligação continua a passar. É por Vilar Formoso que entram e saem, diariamente, centenas de camiões TIR. E é exactamente esta visão que agora aparece sacrificada, na aceitação da “visão” espanhola. A qual, significativamente ou não, nem sequer prevê alta velocidade no troço de Salamanca a Valladolid.
Os portugueses, no futuro, não perdoarão aos seus dirigentes que se aceite a ligação para Madrid sem, ao mesmo tempo, negociar com Espanha a nossa "verdadeira e natural" ligação á Europa. Esta é, a meu ver, a primeira condição a exigir, para aprovação definitiva do famigerado TGV.
Apenas mais dois reparos: o projecto Lisboa-Madrid não será rentável, pois é esta a inequívoca conclusão dos estudos da Rave, os quais prevêem cerca de 1000 passageiros por dia em 2030. Isso dá para encher um comboio diário, em cada sentido! Além disso, tal como está projectada, a linha não servirá para escoar as nossas mercadorias.
Vai tudo isto “com conhecimento” ao Partido Socialista, sem grande esperança de acolhimento. Pois me parece que os seus activistas estão dopados sobre o assunto, desde que alguém escolheu reduzir a questão a um diferendo, se não a um “braço de ferro”, entre José Sócrates e Cavaco Silva.

sábado, 8 de maio de 2010

Colapso ou transição?

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal

Aos que já perceberam a insustentabilidade do actual modelo económico, baseado na exigência do crescimento contínuo do PIB mundial, coloca-se uma questão angustiante: poderemos nós evoluir (ou transitar) para uma nova ordem económica (ou um novo modelo de sociedade) de forma gradual , ou está o actual sistema condenado a colapsar de forma brusca e inesperada?
Robert L. Hirsh, no seu famoso relatório de 2005 para o US Department of Energy, diz que a transição para uma economia pós-carbono necessita de 10 a 20 anos de preparação . Porém hoje muitos acreditam que as coisas se irão precipitar, e que já não dispomos dum tão largo prazo, para fazer essa preparação. Responsáveis e influentes personalidades falam num horizonte de 5 anos, ou menos, para se alcançar uma situação de ruptura.
Ainda recentemente (em meados de Abril passado) um jornal inglês, O Guardian, citava fontes do Departamento da Defesa Norte Americano, que alertavam para que, em 2015, poderá haver graves falhas de abastecimento de petróleo, e que o “déficit” entre a procura e a oferta poderá chegar aos 10 milhões de barris por dia. Acrescentava a mesma fonte que o preço do crude superará os 100 dólares por barril. Ora, isto equivale a anunciar um cenário de colapso iminente.
Por estas razões ganham força as teses do colapso, atraindo um crescente número de adeptos. Entre eles está o antropologista americano, Joseph Tainter, autor do livro “Colapso das sociedades complexas” e autoridade reconhecida nessa matéria. Foi ele que disse que o colapso ocorre quando os custos da complexidade começam a superar os benefícios. E, mais recentemente, destacam-se os escritos de Dimitry Orlov, um engenheiro e escritor nascido na Rússia, que vive nos Estados Unidos mas acompanhou de perto a crise dos anos 90, quando colapsou o regime da antiga União Soviética.
Orlov tem alertado para a trajectória da economia americana, que ele considera estar na rota de um colapso semelhante ao que aconteceu na antiga União Soviética. E fundamenta esta convicção nos elevados gastos militares, no déficit crescente, no pico do petróleo e na incapacidade dos dirigentes políticos norte americanos encontrarem uma resposta para a crise.
Acrescenta ele que, em certas circunstâncias, o colapso pode ser a resposta mais adequada para corrigir uma distorção. Pois o colapso não implica, forçosamente, uma destruição geral, ou um “crash” populacional, ou mesmo uma total desorganização social. Nem, necessariamente, o fim da civilização. O colapso é a ruptura da barragem, quando os “remendos” já não seguram a força da enchente. Quando apenas uma intervenção de fundo, (por exemplo uma reconstrução com um projecto novo) pode resolver o problema.
Mas o colapso será sempre traumático, algo que se compara a uma tragédia pessoal (doença grave, divórcio ...) perante a qual o ser humano reage por sucessivos estados, os quais são, no modelo da psiquiatra suíça Elizabeth Kübler-Ross, os seguintes: 1) a negação 2) a angústia 3) a mitigação 4) a depressão, e finalmente 5) a aceitação.
Do mesmo modo, Orlov identifica 5 fases ou estágios na ocorrência do colapso económico derivado da escassez de petróleo.
1. Colapso financeiro. Perde-se a fé no sistema financeiro. Começamos a ter a sensação de que os nossos activos financeiros não estão assegurados. As instituições do sector começam a degradar-se e torna-se cada vez mais difícil o acesso ao crédito.
2. Colapso económico. Começa-se a perder a fé nos mecanismos do mercado. O dinheiro desvaloriza-se ou torna-se escasso, as empresas comerciais entram em dificuldades, e começam a sentir-se na pele as dificuldades do dia a dia. Aumenta o desemprego
3. Colapso político: o Estado deixa de ser visto como a garantia da ordem social. Os governantes deixam de ter legitimidade. A democracia associa-se à incapacidade governativa, e fica em risco.
4. Colapso social. O estado social deixa de garantir subsídios e protecção social. O serviço nacional de saúde desagrega-se. As reformas baixam ou perdem valor. Começa a aparecer a ideia do “salve-se quem puder”…
5. Colapso cultural. Perdemos a fé na solidariedade dos seres humanos. Vêm ao de cima as piores características dos indivíduos. Escasseiam a bondade, a generosidade, a consideração, os afectos, a honestidade, a hospitalidade e a compaixão.
O mundo actual assemelha-se a um porco anafado. Se continuar a comer, corre o risco de ficar paralisado e sucumbir. Para sobreviver, terá forçosamente de passar a comer menos. Mas se lhe derem comida, ele nunca deixará de comer.