10
Março
chegara. No Canadá, os piscos-de-peito-ruivo, as felosas-assobiadeiras e os
borrelhos-de-duas-coleiras faziam já os ninhos. E na costa do Yucatán reinava a
impaciência e a excitação migratória. Quando no Inverno acontecia o mesmo, isso
não perturbava as aves de arribação. Porém, mal se anunciava fisiologicamente,
o novo ciclo de reprodução apressava-as. Procuravam espaço, pois cada casal
queria preservar-se. As andorinhas e os andorinhões-das-chaminés, que se
alimentam em voo, viajavam de dia e seguiam calmamente a costa mexicana para Norte.
Mas a maior parte das aves juntava-se na península do Yucatán, e ali se
acumulavam, como um rio que tropeça num obstáculo. Esperavam e juntavam forças,
até que, numa noite de vento favorável, levantavam na escuridão do crepúsculo e
avançavam para o vasto golfo do México.
Após
dois ou três dias de calmaria, uma tarde o vento levantou-se e a impaciência
apoderou-se das aves. Os tordos e os estorninhos iniciavam pequenos voos ao rés
da água, experimentavam o vento e as asas e voltavam para trás. Para os maçaricos,
a etapa de oitocentos quilómetros sobre o golfo era para fazer numa noite. Mas
para as pequenas aves canoras, que voavam duas vezes mais devagar, esta era a
etapa mais difícil de toda a viagem. Por isso tinham que escolher o momento da
partida com especial cuidado. Durante a tarde, muitas já não regressavam dos
seus voos de ensaio. Elevavam-se no ar, pairavam sobre a rebentação e avançavam
para o mar alto, até serem apenas pequenos pontos negros, que desapareciam
finalmente no azul do céu. Ao pôr-do-sol reinava um estranho sossego na praia.
Só os maçaricos e um par de narcejas tinham ficado para trás.
Quando
por fim partiram estava escuro e nascia a lua nova. Nas outras travessias do
oceano, os maçaricos e as tarambolas-douradas tinham voado sozinhos. Mas agora
tinham companhia, uma vez que outras aves percorriam o mesmo caminho. Duas
horas depois, os maçaricos começaram a ultrapassar as aves mais pequenas, que
partiram mais cedo. A atmosfera vibrava com chamamentos e gorjeios, por todo o
lado faiscavam asas prateadas ao luar. Havia rotas mais fáceis, sobre o mar das
Caraíbas e o golfo do México. As aves podiam saltar de ilha em ilha, e ter
quase sempre terra firme à vista. Mas as ilhas eram minúsculas e ofereciam
pouco alimento. Por essa razão, a maior parte delas voava sobre a terra firme
centro-americana até ao Yucatán, e dali directamente sobre o golfo, sem
qualquer escala. Os maçaricos ultrapassaram os cucos, que nidificam na Nova
Inglaterra, depois os chascos e as pequenas felosas cujas reservas se encontram
nos escuros bosques de abetos do Norte, em seguida os tordos-americanos que se
dirigem ao Alaska, os estorninhos e as escrevedeiras que se espalham pelas
pradarias do centro do continente, e finalmente os tangarás-d’asa-negra, para
quem a viagem termina já nas costas da Louisiana. De entre as aves que naquela
tarde tinham deixado as praias do Yucatán, só havia uma espécie que os maçaricos
não ultrapassavam. Muitos colibris tinham partido também, esses pequenos anões tenazes
que não pesam mais que alguns gramas. Iam muito à frente, deixando todos os
outros atrás de si. As suas asas minúsculas faziam setenta batidas por segundo.
A maior parte das aves precisavam de vinte horas para chegar a terra firme
norte-americana. Os maçaricos precisavam de dez, e os colibris apenas de oito.
Quatro
ou cinco horas depois, os maçaricos tinham ultrapassado as aves mais pequenas e
voavam sozinhos. De repente o ar tornou-se mais frio e pesado. As asas obtinham
mais impulso, e o alísio de Leste rodou para Sul. Pequenos farrapos baixos
escureceram a lua, nuvens pesadas e negras começaram a acastelar-se, a noite
ficou escura e as águas do golfo despareceram na treva. O vento rodou para Leste,
mas logo virou de novo, soprando agora de Norte com fortes rajadas. Os maçaricos
rumaram para Oeste, para o manterem de lado. Então começou a chover
copiosamente, como uma parede de água erguida diante deles.
Passada a
primeira bátega, o vento e a chuva amainaram um pouco, mas o mau tempo
manteve-se durante cinco horas. Só ao nascer do sol é que atingiram céu calmo e
transparente. Normalmente continuariam a voar em frente, sobre os charcos e os
pântanos salgados da costa do Texas, para depois poisarem, um pouco mais além,
nas aluviões das pradarias. Mas o temporal tinha-os esgotado. As rémiges
encharcadas colavam-se umas às outras, e já não reagiam adequadamente aos
movimentos dos músculos. Mal alcançaram a costa, desceram em voo planado sobre
a praia.
Paralela
à costa, corria por baixo deles uma estreita ilha, com dunas de areia e manchas
de capim, ao longo de quilómetros. Durante um ou dois minutos os seus olhos
procuraram um lugar onde houvesse alimento. Na areia havia numerosos charcos de
água, provocados pela chuva da noite. Bandos de narcejas, obrigadas a poisar
pelo temporal, rodeavam estas poças, procurando comida ou alisando a plumagem.
Os maçaricos sobrevoaram vários bandos de tarambolas e galinholas sobre a duna.
Na sua frente havia charcos lamacentos, onde já se encontravam centenas de
maçaricos-norte-americanos, que gritaram na sua direcção. Os dois maçaricos
abriram as asas e poisaram no meio deles.
Mas só
ali ficaram durante o dia. Ao cair da noite partiram sozinhos, e duas horas
depois poisaram na pradaria enluarada, cento e cinquenta quilómetros para o
interior.
A sua
intranquilidade diminuiu, agora contentavam-se com a espera. O instinto
dizia-lhes que tinham ultrapassado todos os obstáculos. Os últimos cinco mil quilómetros
até ao Árctico passavam pelas grandes planícies dos Estados Unidos e do Canadá,
onde nem montes nem cordilheiras lhes dificultavam a rota, e onde havia
alimento até ao exagero. Em caso de necessidade, poderiam fazer esse trajecto
numa só semana, e por algum tempo sossegou-lhes o impulso migratório. Na melhor
das hipóteses, a tundra só estaria pronta para a nidificação dentro de dois
meses. Mas isso não o sabiam os maçaricos. Sabiam apenas que, neste começo da Primavera,
havia muitos insectos nas pradarias do Texas. E sentiam o desejo de ficar.
Esperaram
três semanas, durante as quais não avançaram mais de cento e cinquenta
quilómetros para o interior. Quase todas as noites ouviam passar lá por cima os
bandos das aves mais pequenas. Estas não nidificam no Árctico, mas em reservas
muito mais a Sul, onde era já Primavera. Quando chegasse o momento, os maçaricos
fariam numa noite o que a estas aves demorava três.
(Cont.)