A noite estava escura como breu. Até que a manhã rompeu
finalmente, não com amarelos e vermelhos, mas com uma luz turva e cinzenta. Por
baixo deles a terra era húmida e lamacenta, atravessada por rios largos, como a
tundra na Primavera. Tão longe quanto podiam ver, na luz cinzenta da manhã,
estendia-se em todas as direcções o extenso vale do Orinoco. E continuava a
chover.
O bando
tinha voado quase sessenta horas seguidas, sem descanso nem alimento. Das
terras da neve e da luz árctica, chegavam agora a um lugar que ressumava da
exuberante vegetação dos trópicos. Diante deles havia centenas de quilómetros
de terras pantanosas e de planícies cobertas de capim. Era um formigueiro de
insectos, alimento mais que suficiente, que só os meses de chuvas contínuas dos
trópicos podiam produzir.
O dia
ficara um pouco mais claro. E o maçarico abriu as asas rígidas e mergulhou em
picada. Deixara para trás a vastidão dum continente, desde a última vez que elas
tinham estado inactivas. As tarambolas seguiram-no e o bando poisou.
Nenhuma
ave descansou, porque antes de mais era preciso comer. Durante cinquenta e
cinco horas tiveram os estômagos vazios, tinham voado quase cinco mil
quilómetros e consumiram toda a gordura acumulada no Lavrador. Dela não restava
agora um único grama. Em menos de três dias, as aves tinham perdido entre 10 a
15 por cento do seu peso. Só o facto de elas serem os mais económicos
consumidores de energia de todo o reino animal lhes possibilitava tal voo. Para
atravessar o oceano, cada ave tinha queimado sessenta gramas de gordura. Com
tal consumo de energia, um avião de meia tonelada voaria 250 quilómetros com
cinco litros de combustível, em lugar dos habituais trinta e cinco.
Só
descansaram depois de terem comido. Mas nas vastas savanas do Orinoco havia
grande abundância de alimento. Assim, antes de cair a noite tropical, as aves
comeram ainda uma segunda vez, durante várias horas.
O CORREDOR DA MORTE
Este
é o oitavo boletim do Museu Nacional dos Estados Unidos, sobre a vida das aves
norte-americanas, por Arthur Cleveland Bent.
Ordem:
Limicolae. Família: Scolopacidae... Numenius borealis, maçarico-esquimó... Não
há dúvida de que foram sobretudo os abates excessivos, durante as viagens
migratórias, e durante o Inverno na América do Sul, os responsáveis pela sua
extinção. Não acredito que esta espécie tenha sido apanhada no alto mar por uma
enorme catástrofe que a tenha dizimado. O maçarico possuía asas poderosas, e
podia escapar a grandes tempestades, ou conseguia evitá-las. Além disso a sua
época de migração era tão prolongada que uma só tempestade não podia exterminar
toda a espécie. Nada aponta para doenças, ou para a redução do seu alimento
habitual. Sobra uma única razão. Ele foi aniquilado pelos homens: no Verão e no
Outono, no Lavrador e na Nova Inglaterra; no Inverno, na América do Sul; e
ainda pior que tudo, na Primavera, desde o Texas até ao Canadá. Os maçaricos
eram tão mansos e confiantes, tão apegados aos seus companheiros de viagem, que
foram abatidos em massa, vítimas fáceis da carnificina. Estas delicadas aves
deixavam atrás de si, por todo o lado, um verdadeiro corredor da morte. E
ninguém mexeu um só dedo para as defender, até ser demasiado tarde...
(Cont.)