quarta-feira, 10 de julho de 2019

O último maçarico-esquimó 18


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            As tarambolas-douradas e o maçarico-esquimó ficaram duas semanas no Orinoco e depressa voltaram a engordar. Milhares de outras narcejas povoavam as pradarias, tarambolas que também tinham feito a longa viagem sobre o oceano, e ainda uma dúzia de outras espécies que tinham voado sobre terra, através das planícies da América do Norte e do istmo do Panamá. Aqui encontravam-se de novo, nos Llanos da Venezuela. Também havia esplêndidas aves dos trópicos, que nidificavam nesta altura e alimentavam zelosamente os filhos. Os ninhos das garças-brancas cobriam largas superfícies dos pântanos, junto ao rio, e as garças eram tantas que se empurravam umas às outras. A íbis vermelha, jóia das aves tropicais, voava em bandos ao longo das margens, procurando alimento. De início, quando as íbis se aproximavam, pareciam sombras cinzentas; ao passarem perto, inflamava-se-lhes a plumagem vermelha; quando se afastavam, a cor desvanecia-se novamente.
            Havia comida em abundância e muitas das narcejas árcticas deixavam-se ficar por aqui. Mas o maçarico e as tarambolas, após duas semanas em que comeram e acumularam gordura, voltaram a sentir o velho impulso que as empurrava para Sul. As outras tarambolas já tinham partido. Tal como no Lavrador, o bando do maçarico foi o último a largar.
            No princípio de Outubro, numa noite clara de luar, levantaram voo e seguiram um vale afluente do Orinoco, até ele se perder nas montanhas que separam as bacias hidrográficas do Orinoco e do Amazonas. Então desceram um pouco e sobrevoaram o vale de um afluente do Amazonas. Seguiram a estreita fita de água para Sul, e tinham atingido o poderoso rio quando a manhã chegou. Deste lado do equador, os ventos alísios sopram de Noroeste para Sueste. Para ter vento de lado, o bando seguiu, durante a noite, a direcção de Sudoeste, em vez de se dirigir directamente para Sul. Voaram 800 quilómetros, e ao romper do dia tinham à vista os Andes peruanos, com os seus cumes cobertos de neve. Na orla sul da zona dos alísios o vento soprava de Leste, e nas três noites seguintes dirigiram-se para Sueste. À quinta manhã as aves estavam de novo magras e cansadas. Poisaram nas Pampas argentinas, quatro mil quilómetros a sul dos Llanos da Venezuela.
            A Primavera tornara verdes o capim e os cardos gigantes, e havia gafanhotos aos enxames. As aves comeram durante todo o dia, alimentando-se dos insectos nas ervas rasteiras. Por vezes procuravam zonas mais fundas, onde o chão era pantanoso e o capim crescia mais forte. Aqui viviam insectos aquáticos, que enriqueciam a alimentação, tornando-a variada. E elas prosseguiam caminho frequentemente, sem nunca fazerem longas etapas. Tinham perdido as rémiges maltratadas, as quais deram lugar a outras novas. E em breve as asas ganharam de novo a sua antiga força.
            Estavam agora a treze mil quilómetros de distância dos locais de nidificação no Árctico. Para além delas, só os pernas-amarelas, pilritos-dos-prados e muito poucas aves tinham empreendido tão longa viagem. No entanto o impulso migratório continuava a empurrar o maçarico e as tarambolas para Sul. Nas noites claras, quando fortes ventos de Oeste varriam as Pampas, criando boas condições de voo com vento lateral, o bando atacava de novo os ares. Horas depois estavam duzentos ou trezentos quilómetros mais a Sul, e por um momento acalmava a sua inquietação. O maçarico conduziu o bando até ao cimo de uma colina enluarada. As tarambolas seguiram-no e esperaram aqui pela manhã.
            Assim foram avançando para Sul. Quando o sol quente de Dezembro secou os cardos, e a erva das Pampas ficou da cor da prata devido à quantidade de flores que baloiçavam, ligeiras, ao vento, eles encontravam-se já nas planuras ondulantes da Patagónia, a uma noite de voo dos mares da Antárctida. Com uma força hercúlea, o instinto migratório tinha-os empurrado desde o longínquo Norte até ao lugar mais a Sul do continente americano. E também aqui havia grandes bandos de narcejas. De todos os animais da terra, só a andorinha-do-mar-árctica, voando distâncias semelhantes, pode contemplar tanta luz e tanto sol como as narcejas. Ano após ano, elas correm acima e abaixo, entre as terras do sol da meia-noite, quase de polo a polo.
(Cont.)