quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

"A Europa ganhou um impulso tão louco e imprudente que perdeu o controlo e a razão, e encaminha-se a velocidade estonteante para o limite. (...) Há 200 anos, uma antiga colónia europeia decidiu colocar-se a par da Europa; teve tanto sucesso que os EUA se tornaram um monstro.***

Não é uma provocação do Ano Velho, embora bem pareça! É que tenho, no pensamento e na emoção, dois lugares de culto predilectos: a Europa Central (que foi a incubadora da civilização moderna no planeta) e a África sub-sahariana. Nenhum homem branco ocidental fica indiferente a tal coisa. Além disso muito suspeito de que sobrevivem em mim alguns indícios dum vago stress pós-traumático. Adiante!
Disposto a arquivar todas essas questões (vai sendo tempo!), fui rever o conjunto de nove documentários do Joaquim Furtado, um magnífico trabalho da RTP em 2007. Depois caiu-me nas mãos o filme de Goran Hugo Olsson, sobre o papel que teve Frantz Fanon (um psiquiatra negro da Martinica francesa, 1925-1961) na apologia da violência como única via para a libertação colonial dos africanos, especialmente os do anacrónico império português.
Está ali tudo bem explicadinho, desde os equívocos, aos erros, aos crimes e aos seus autores. E os portugueses têm a papinha toda feita, se estiverem interessados em perceber tudo o que de essencial aconteceu na sua história mais recente, mais traumática e mais determinante. 
Mas eles não parecem interessados em tais coisas, se dez por cento as conhecerem e lembrarem já é muito. O pior é que a História é como o solstício, volta sempre!
*** Frantz Fanon

A vida é o que fazemos dela.***

Bendito seja o mesmo sol de outras terras
Que faz meus irmãos todos os homens
Porque todos os homens, um momento do dia, o olham como eu,
E nesse puro momento
Todo limpo e sensível
Regressam lacrimosamente
E com um suspiro que mal sentem
Ao homem verdadeiro e primitivo
Que via o sol nascer e ainda o não adorava.
Porque isso é natural - mais natural
Que adorar o ouro e Deus
E a arte e a moral...
[Poemas de Alberto Caeiro, Ed. Ática, Lisboa]
***Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O disparate amarelo

Este é branco. Tem 45 anos e é um encanto olhar para ele. Todo o motor é cromado, e ao ralenti parece um tragalhadanças. Mas a cantar em regime de cruzeiro faz lembrar um bom barítono. Já lhe chamaram o disparate amarelo.
Em 1972 ultrapassou o Ford T, com vendas superiores a quinze milhões. Este alberga 1600 de cilindrada, alimentados por uns bons dez litros de 98 octanas. Quando lho pedem, facilmente chega aos doze. Dele, sim, se poderá dizer que vive acima das possibilidades.  

Prova de vida

Há caracteres assim, são conhecidos casos. Não são providenciais mas parecem um maná. José Sócrates é, há muitos anos, o seguro de vida do Correio da Manhã, através da calúnia e do comércio descarado do segredo de justiça. E uma fixação de jornalistas, não sabemos se por ódio, por amor, ou por qualquer complexo freudiano.
A Laranja/Laranjona dedica-lhe hoje uma página de nadas. Que dois jornalistas, assistentes no processo, requereram ao MP que Fernanda Câncio e Sofia Fava sejam constituídas arguidas, também por branqueamento; que foi constituída uma equipa especial para elaboração da acusação, composta por 7 magistrados e 16 inspectores tributários; que o famoso Amadeu Guerra prevê que a acusação talvez seja deduzida no segundo trimestre de 2016. Uma página que é uma prova de vida.

Dádiva

Dum ignoto deus pagão e pródigo. Edição da Lello & Irmão, Porto, 1959, em papel-bíblia.

Manhã

Na escuridão grasna um pato, há dois corvos que protestam, alguma coisa se agita nos canaviais.
Uma avezita chilreia, madrugadora, apressada. São promessas?! Comoções?!

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O papel de tanto sem-abrigo

É provocar cansaço, confusão e dispersão.

Há dúvidas?!

Há muito tempo que se diz aqui: o PPD é actor primeiro no palco da tragédia nacional, que não ocupa sozinho. Há muito tempo que isto é mais do que verdade.

O único farsante inteligente dessa tropa que aí andou não se resigna a ser oposição

E abandonou a barcaça, o que é muito bom sinal.

Balanço

«A maioria dos articulistas de direita com coluna posta nos jornais, como é o caso de João Miguel Tavares, articulista do PÚBLICO, não querem reconhecer que o PPD/PSD de Passos Coelho virou radicalmente à direita, e recusam-se a admitir que as políticas postas em prática pelo Governo Passos/Portas eram oriundas do mais puro e duro neoliberalismo. João Miguel Tavares fala mesmo em “neoliberalismo fantasmagórico”, com a arrogância que costuma caracterizar a ignorância atrevida.
Sucede que, tal como o estalinismo foi a forma mais perversa que o comunismo assumiu, também o neoliberalismo foi a forma mais perversa que o capitalismo assumiu. Ao neoliberalismo pouco importa o aumento contínuo das desigualdades, em resultado do seu projecto de redistribuição das riquezas baseado na acumulação, por espoliação e esbulho das classes populares e boa parte das classes médias, reencaminhando essas riquezas da base para o topo da hierarquia social.
Para o conseguir, impõe a “financeirização” da economia e a extensão da concorrência a praticamente todos os domínios da vida em sociedade, através da desregulação, das privatizações, do desmantelamento do Estado social, dos cortes brutais nos salários, pensões e prestações sociais de todo o tipo, e das políticas fiscais dos Estados que a plutocracia passou a controlar.
Ao invés do que muitos supõem, o neoliberalismo não pretende suprimir o Estado. Pretende, isso sim, reconfigurar e reorientar as suas acções, tornando-o um instrumento privilegiado de defesa e dominação do capital, intervindo continuamente para criar um ambiente institucional e um clima favoráveis ao lucro.
Aos neoliberais pouco interessa o enriquecimento da colectividade, interessa sobretudo o enriquecimento de alguns. O neoliberalismo não é uma doutrina do bem comum, mas da defesa dos interesses da classe que é hoje dominante, cujos privilégios foram restaurados a partir da contra-revolução iniciada na década de 1980. Como explica com clareza David Harvey, no seu livro A Brief History of Neoliberalism (Oxford University Press, 2005): “Menos do que uma filosofia política (o pensamento porventura utópico de Hayek e dos seus discípulos), a neoliberalização deve ser analisada como a realização pragmática de um projecto político que visa restaurar o poder das elites económicas. Elites essas que viveram os anos 1970 com angústia face à expansão dos movimentos sociais e, sobretudo, face ao decréscimo dos rendimentos do capital”.
Os políticos e tecnocratas defensores da via neoliberal ocupam hoje posições que lhes permitem exercer uma influência considerável, tanto nas universidades e grupos de reflexão, como nos órgãos de comunicação social, nos conselhos de administração das empresas e das instituições financeiras. E quer em órgãos de Estado cruciais — como os ministérios das Finanças e os bancos centrais — quer em instituições internacionais — como o FMI, o Banco Mundial ou a OMC — incumbidas de regular a finança e o comércio à escala mundial. E ainda, quer na Comissão Europeia, quer no Banco Central Europeu, aliados fidelíssimos do Fundo Monetário Internacional.
Perante este breve quadro explicativo da realidade actual, não será difícil perceber que Portugal foi, sobretudo durante os quatro anos de Governo PPD/PSD-CDS/PP, um exemplo flagrante de aplicação de políticas neoliberais que empobreceram o país e milhões de portugueses, e que apenas enriqueceram algumas centenas de plutocratas. Foi em consequência dessas políticas neoliberais impostas pela troika que se tornou extraordinariamente difícil a criação de emprego a curto e a médio prazo.
Aliás, todas as empresas, inclusive aquelas que funcionam melhor e se dedicam à exportação, têm diminuído, ano após ano, o número de postos de trabalho. Argumentam que a “competitividade”, horizonte ideológico do neoliberalismo, é essencial para garantir o crescimento da economia, e este baseia-se, essencialmente, numa taxa de desemprego de dois dígitos e numa significativa diminuição dos salários. Como escreveu Slavoj Zizec, “o capitalismo actual move-se segundo uma lógica de  apartheid em que alguns, poucos, se sentem com direito a tudo, e a grande maioria é constituída por excluídos”.
Ora, é preciso lutar contra esta lógica de apartheid, contra uma economia baseada no medo e na exploração, contra o poder despótico dos mercados financeiros que nos impuseram um estado de excepção permanente, contra o neoliberalismo de Estado e a ditadura financeira de fachada democrática praticada pela direita. 
Se o Estado sucumbir perante a economia de mercado e se alhear da necessidade de incentivar uma verdadeira economia social, em que a rentabilidade e o lucro deixem de ser os padrões dominantes, será impossível construir uma sociedade diferente com elevados índices de desenvolvimento humano. Como afirma Jeremy Rifkin, sem uma economia social forte, não pode haver um governo forte nem mercados fortes.»
[Alfredo Barroso, in PÚBLICO]

NOTAS
1- O autor passa por cima do facto (que provavelmente considera teoria da conspiração) de que a implosão programada das Torres Gémeas (9/11) foi uma peça fundamental desta estratégia.
2. Antes de ser arvorado em jornalista, articulista e comentador de tudo quanto é voz, JMT foi sempre um zero intelectual à esquerda da vírgula. Só foi retirado de um anonimato sadio por efeitos dum processo de calúnia em tempos interposto por Sócrates, o qual correu de feição ao acusado.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Estilhaços 12

Vai aqui, e depois ali, se queres saber o que se passa no SNS!

domingo, 27 de dezembro de 2015

Da capo

Perdida entre as páginas da Viagem A Portugal (anos oitenta?), fui encontrar esta nota:

Desde Aristóteles, que se saiba, se teoriza sobre a obra poética. E o facto de que, até hoje, ainda se não ouviu a última, a definitiva, a irrecusável palavra, mostra apenas que há indizíveis num texto, que qualquer definição é restritiva. E esta, que é a característica mais fecunda, quase misteriosa, do texto poético, é também a fenda por onde passa tantas vezes o sub-produto, a pomada de feira, o enlatado lírico.
Porém, as múltiplas e conflituosas contribuições que os séculos produziram, fornecem-nos a base conceptual e técnica suficiente para a sua descrição, para o seu reconhecimento, para o individual ensaio de leitura.
Dizer que um elefante não é um embondeiro é talvez a mais primária definição do que ambos sejam. A mais elementar, a mais desconcertante, talvez a mais estúpida, mas também a mais útil. A que nos livra de enganos...

sábado, 26 de dezembro de 2015

Letras sem Tretas

«Este livro não é um trabalho académico. Ao correr da pena, reúne e dá sequência a observações empíricas surgidas da experiência escrita, da memória do autor e duma ou outra consulta em segunda mão. Trata-se dum guia prático, a modos de expositor ou manual de escrita, e não de uma obra de indagação ou divulgação científica. (...)
Pretende tão só, num itinerário vagamundo, desvendar uns poucos caminhos, anotar-lhes as curvas e contracurvas, prevenir dos salteadores e trapaceiros, e indicar algumas razoáveis estalagens. (...)»

Mário de Carvalho é um exímio cultor da língua portuguesa e um artista da nossa literatura. A sua extensa obra de ficção vem-no atestando, desde os estranhos Casos do Beco das Sardinheiras (1982), A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho (1983), e várias edições de contos; e mais tarde com novelas, com os romances A Paixão do Conde de Fróis (1986), Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde (1994), Fantasia para Dois Coronéis e Uma Piscina (2003), entre outros.
Desta feita aventurou-se pelo ensaio didáctico, com este Guia Prático de Escrita de Ficção.
Não se conclua daqui que tais coisas se ensinam, ou se aprendem. Como "ser escritor, a valsa dança-se aos pares: escrita e leitura, autor e leitor, personagem e acção, causalidade e verosimilhança, contar e mostrar... O bico de obra do primeiro livro. Por onde começar? Com que começar? Com quem começar?". 
São reflexões de grande erudição, enorme conhecimento e muito proveitosa leitura. Não farão nenhum milagre, que esses são domínio dos santinhos do papa Francisco! Mas lê-las e acompanhá-las é um encantamento, um raro privilégio dos leitores. São bem uma abordagem das questões da exótica escrita criativa, dum modo muito diverso das xaropadas habituais.

« (...) Mas então o que é a linguagem literária, a literariedade? Estamos de novo à beira do abismo. Esta discussão já vem dos antigos gregos, atravessa a Idade Média, o Renascimento, e continua a rugir nos dias de hoje, em vários campos e com a convocação de novos instrumentos teóricos. Numa certa vulgata do séc. XX passou pela distinção (aliás ociosa) entre forma e conteúdo. Com a redescoberta do formalismo russo, nos anos sessenta, e os ecos do New Criticism, a contenda tomou grande embalo, ampliado pelo aparecimento de novas (e fugazes) formas literárias como o Novo Romance, com todas as suas nuances, e pela intervenção em força dos linguistas. Mas isto são questões de teoria. (...) No âmbito deste trabalho, que é essencialmente prático e não se abalança à teoria, talvez pudéssemos responder a Valéry com umas palavras da Arte Poética de Horácio: "No arranjo das palavras deverás também ser subtil e cauteloso e magnificamente dirás se, por engenhosa combinação, transformares em novidades as palavras mais correntes." (...) O que importa é que as palavras, em contexto ficcional, nunca são neutras. São ultra-vibráteis. Ao menor movimento, ressoam. São caprichosas, sensíveis a cada minuto que passa, a cada relance de luz. (...) Vêm de contrabando, estabelecem-se, envelhecem, desaparecem. Às vezes morrem, muitas vezes ficam adormecidas e são despertadas pelo beijo mágico de algum príncipe das letras, que pode ser um humilde jornalista. Pulsam, ecoam, modulam a sua própria ressonância. (...) A palavra depende sobretudo das companhias. (...)»
[Quem disser o contrário é porque tem razão, Mário de Carvalho, Porto Editora, 2014]

Tarde nas alturas

«(...) As mulheres abrem devagar uma caixa, tiram de dentro qualquer coisa envolvida numa toalha branca, e todas juntas, cada qual fazendo seu movimento, como se estivessem executando um ritual, desdobram, e é como se não acabassem de desdobrar, a grande peça de veludo carmesim bordada a ouro, a prata e a seda, com o largo motivo central, opulenta cercadura que rodeia a custódia erguida por dois anjos, e ao redor flores, fios entrelaçados, esferazinhas de estanho, um esplendor que nenhumas palavras podem descrever. O viajante fica assombrado. Quer ver melhor, põe as mãos na macieza incomparável do veludo, e numa cartela bordada lê uma palavra e uma data: "Cidadelhe, 1707". Este é, em verdade, o tesouro que as mulheres de preto ciosamente guardam e defendem, quando já lhes custa guardar e defender a vida. (...)»***

Ao chegar ao cimo da escarpa que sobe do Côa fiquei-me a respirar fundo, os punhos ainda cerrados. Chegara a Cidadelhe num trapézio de vertigens, por ladeiras que subiam para o céu, como nos tempos antigos de guerras já perdidas, com pragas desesperadas a explodir entre ferros, entre nuvens. Logo veio a consolar-me uma lua bolachuda, redonda, tentadora, erguendo-se a deslado da Marofa. Foi só então que o peito serenou, e eu lembrei-me do mestre Saramago, da Viagem a Portugal, e desta peripécia que aí fica.
A tarde estava amena, soalheira e natalícia, e assim fui a Riba-Côa. Gastei-a em descampados visigodos, entre casas de pedra e muros leoneses despovoados de gente. Que anda outra vez por longe, na cidade ou na Suíça, nalgum lugar onde ainda houver trabalho.
Vi aldeias em que nunca tinha estado, e escassas figuras citadinas que vieram da cidade à Consoada, com agasalhos quentes no frio do lusco-fusco. E madeiros de Natal a arder pelos adros. 
Lá foi a tarde serena, entre histórias e lembranças, e plácidas oratórias, num mundo em guerras abertas.
*** Viagem A Portugal, José Saramago, Ed.Caminho/Círculo de Leitores, 1981

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Decadência

É suposto ser a revista LER um objecto útil aos leitores. Facto que, como tudo o que é suposto, é falso. Porque a revista LER, para além de ser caríssima, não serve para nada. Cá por mim, a última que comprei (Nº 140) foi mesmo a última!
Salvo a notícia minúscula duma ou outra edição, e exceptuando as três páginas de Inês Pedrosa, não há em toda ela senão vulgaridades, ou inutilidades, aleivosias de mercado e semelhantes. Quer dizer, por seis euros... é só fazer as contas ao preço de cada página!
Doze páginas são de chirichia sobre uma grande guerra que houve no século passado, entre o Pacheco e o Cesariny; outras doze são duma entrevista com Francisco Bethencourt, professor de História no King's College, sobre Racismos: das Cruzadas ao Século XX,*** um assunto sério mas de nicho; oito páginas são de uma entrevista duma Anabela armada ao pingarelho, a um Gonçalo M.Tavares particularmente enigmático e exótico, conforme é apanágio dos génios precoces. 
Sendo sabido que a crítica digna desse nome deixou praticamente de existir, tudo o resto é palha enfardada. Não era preciso tanto, como demonstração da nossa decadência.

*** "O colonialismo português é um colonialismo low-cost, é um colonialismo com pouca capacidade de manpower. Até ao séc.XIX o povo português foi o povo europeu que emigrou mais, mas emigrou sobretudo para as Américas, porque a Ásia era mais complicado por causa da taxa de mortalidade. A viagem para o Brasil era de dois meses e para a Índia era de seis. E as pessoas nunca são burras. Aquela ideia de que as pessoas, por não serem letradas são burras, é falsa. As pessoas fazem escolhas muito racionais. Como os portugueses mandavam poucas pessoas para a Ásia, promoveram as relações raciais e promoveram elites locais mistas, porque não tinham outras possibilidades e isso distingue-os dos holandeses. Porquê?! Porque estes misturam-se mas não dão estatuto político a essa população. Os holandeses tinham uma capacidade de recrutamento enorme nas regiões do que é hoje a Alemanha e da Escandinávia. Eles mandaram para a Ásia um milhão de contratados, e só começaram no início do séc XVII. Os portugueses não tinham isto e promoveram os casamentos mistos. No Brasil é uma situação oposta porque a maioria da mão de obra era composta por escravos africanos. Portanto os portugueses misturavam-se com escravos africanos num modelo de domínio económico e social, porque precisavam de um nível intermédio de raça mista, de maneira a dominar uma população cuja vasta maioria era escrava e africana. Há ali um tradição de mistura juntamente com racismo. O colonialismo português é tão racista como os outros, mas tem uma prática de mistura racial devido a estes elementos. Nos Estados Unidos, ou nas colónias inglesas da América do Norte havia muito mais emigração de mulheres e casais e não se punha tanto o problema. Essas coisas são muito importantes. E depois criou-se na América do Norte, quer entre os ingleses quer entre os holandeses, uma maior repulsa em relação a misturas. (...)»

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Pai Natal

No princípio, e durante tanto tempo que a memória se perdia nele, eram as alegrias do solstício. Era o sol que regressava, era a luz, era o calor, era o mistério do triunfo sobre a morte. Até que um dia vieram uns pastores que desciam a vereda e regressavam a casa, e acharam tudo normal: um curral onde dormiam gados, e uma família que se abrigou nele, porque a noite estava fria quando as dores chegaram à precária mãe. E tudo era normal, porque os judeus ainda não tinham começado a construir colonatos no deserto onde as pessoas se abrigavam.
Quando a aragem vadia abriu uma aberta naquela escuridão, logo uma estrela se mostrou no céu. Uma estrela brilhante e majestosa, Vénus seria, quem sabe, oportuna mensageira. E por ela se guiaram os três reis que já vinham de longada, montados em camelos, e traziam da Índia, nos alforges, pimentas e canelas.
Foi assim que encontraram um menino deitado numas palhas, e ofereceram-lhe as veniagas que tinham. Mas acharam tudo aquilo normal, porque nesse tempo não havia fraldas descartáveis, e a globalização mal estava a começar.
Foi depois disso que apareceu o Pai Natal, e as prendas no sapatinho à beira da chaminé, e umas renas que vêm da Lapónia aos varais dum trenó a abarrotar de embrulhos. Uma febre! Ainda hoje não queremos outra coisa.

Piazzolla

Invierno.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O canalha do magistrado Amadeu Guerra e muitos outros fariseus parecidos

Deviam ler isto com atenção. Para tentarem merecer o nosso respeito e o salário que recebem.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Estilhaços 11

Um governo de sipaios ignorantes, incultos, irresponsáveis e cobardes, golpistas e traiçoeiros, serviçais sem princípios, só pode deixar heranças armadilhadas.
A solução do BES foi adiada até ao absurdo, envolveu um aumento de capital e Isso engendrou vítimas novas. O Carlos Costa serviu-lhes de biombo, de sta-fermo.
As decisões sobre o BANIF foram adiadas até ao crime, até à realização das últimas eleições. E mais uma vez o governo foi cobarde. Encarregou o supervisor Carlos Costa de responsabilidades que não deviam ser dele. Por isso o Passos e a loira dos SWAP's reconduziram o governador do BdP. De novo ele se prestou a ser usado como biombo, como sta-fermo cúmplice.
Porém vai acabar mal, atado ao pelourinho e não sozinho. Porque a verdade é como o solstício, um dia volta sempre.

Advertência masoquista

Tomado AQUI, aqui ficará, durante longa pausa.

Puro prazer

É certo que qualquer texto saído das mãos dum autor apenas encontra o fecho do ciclo criativo depois de lido e apropriado por qualquer leitor. Antes disso está incompleto.
É certo também que qualquer leitura é diversa das outras. E é certo ainda que as leituras feitas pelo mesmo leitor, em momentos diferentes, são leituras diversas.
O QUE DIZ MOLERO, de Dinis Machado (autor de policiais), foi editado pela Bertrand em 1977. Eu li a 13ª edição, em 1984.
Lembro-me de o ter apreciado nessa altura. Agora voltei a ele, e estava longe de ficar maravilhado com a leitura.
O essencial da matéria diegética é uma revisitação do passado do autor num bairro de Lisboa. O resto do encanto narrativo faz-se dum discurso de luxo (com harmonia, ritmo e musicalidade surpreendentes), e do modo engenhoso como é construído. Mister de Luxe e Austin, heróis duma literatura juvenil passada, dialogam sobre um relatório a elaborar por Molero (um alter-ego), sobre o rapaz e o bairro, a meninice, a História e o passado. Aparecem referências aos actores e às fitas do cinema, e aos arquétipos da cultura dominante que sempre foi a da América. 
De caminho são apresentados diversos tipos e temperamentos de companheiros da meninice: o Zuca, o Lucas Pireza, o Peida Gadocha, o Tozé Gaguinhas, o Pé de Cabra, o Bexigas Doidas, o Três Dedos... Em suma, 180 páginas de aprendizagem, emoção, encantamento e puro prazer!

Ó país de cristal, que longe eu estou,
dava um ano de ordenado por um momento 
da minha inocência perdida.
(Molero, a páginas zero)

Fado

Novo, limpo, cosmopolita, culto. Saudável.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

As brancas e as pretas

Ou isto são as alterações climáticas, ou o crepúsculo civilizacional a que a Europa chegou, ou o contágio dos banqueiros criminosos que não conhecem limites, ou o efeito perverso dum governo de sipaios aldrabões que aí andou. Certo é que a inteligência, o discernimento e a clareza de espírito indígenas andam a cair da boca aos cães. É vermos o que se passa no bando dos sem-abrigo, que se candidatam às eleições de Belém, qual deles o mais dotado e realista. Do triste Paulo Morais (que só descansa quando acabar com a corrupção), ao ovni Henrique Neto (que jurou salvar a pátria), ao pastelinho de Belém (que ninguém sabe para que serve), ao padre que vem das ilhas, à amazona da Matias, todos crêem de verdade que tiraram passaporte para ir à segunda volta. Não dão conta, os desgraçados, que facilitam a vida ao feiticeiro Marcelo, um serviçal das direitas.
Os políticos são todos uma choldra, e o Sócrates é a cabeça da hidra. Nenhum se lembra da perseguição que foi inaugurada pelo Santana Lopes, na campanha eleitoral de 2005. O Sócrates era um mariconço, tinha arranjinhos de cama com um galã, conforme se dizia no Brasil. Depois foi o caso do Freeport, nascido da denúncia anónima dum polícia do CDS, e meteu envelopes recheados por baixo da mesa. Depois foram as escutas a Belém, fabricadas pelo Fernando Lima do Cavaco. Depois foram os fatos Armani, a mania das grandezas e o carácter despótico, e a casa do Santos Silva num boulevard de Paris. Depois foi a prisão de Évora e a Operação Marquês (o de Pombal, pois claro!).
Desta vez é um brasuca, da operação Lava-Jato, a servir de pretexto aos mixordeiros do CM para misturar Sócrates com o lixo habitual. Diz o índio do sertão que a Odebrecht pagou viagens ao Lula, entre elas a de Lisboa, onde assistiu à apresentação do ensaio sobre a tortura. Cheira-lhe isto a moscambilha.
Com tanto, que não é nada, preencheu a Laranja/Laranjona duas páginas do CM, com fotos do criminoso. E arrasta assim o inquisidor Tacheira, notável ficcionista, para novas aventuras na investigação. É uma vergonha, se não for fadário nosso, não sabermos distinguir as peças brancas das pretas, em cima do tabuleiro.

Peregrinação

«(...) Os dois solares vieram a ser cenário de dramas dum romantismo tardio, se for verdade que o bom do romantismo escolhe idades. Estes dramas ficaram na memória, e eram matéria da pena do Camilo original. Na falta dele, contentou-se o viajante com o relato aligeirado do Camilo anfitrião.
A fidalga era uma das filhas da casa dos visscondes e nasceu em Salamanca. Corriam por então os tempos da República e os ares andavam torvos, dos brados de carbonários e pedreiros-lives. A quem trouxesse a consciência mais pesada, com motivos ou sem eles, só restava uma saída: passar de noite a fronteira e resguardar-se. Foi o que o visconde fez, enquanto se esfumava a poeirada. E assim nasceu em Castela uma fidalga, que se já vinha dotada de condição e prebendas, mais medrou com as bênçãos da natureza.
Junto dos condes de Almendra encontrara entretanto acolhimento um mocetão de Foz-Côa filho natural dum Távora remoto. A seu tempo se fez médico, a encargos do patrono. E foi o primeiro passo para vir a ser nomeado delegado de saúde, e administrador do concelho, e mais tarde o homem forte da União Nacional, um feudo de patriotas.
Quando lhes chegou a altura, o médico de Foz-Côa e a fidalga dos viscondes deram o nó sacramental. Ela juntava aos predicados naturais o património. E ele acrescentava o ceptro da autoridade, a figura impositiva e o poder. É com tais coligações que se edificam reinados.
Se o homem tinha má fama, o proveito era melhor. E famas leva-as o vento. O terror que infundia às criancinhas, quando acorriam de garganta aberta a mostrar-lhe o garrotilho, só achava paralelo no rancor dos camponeses , que no lagar lhe sofriam o esbulho da funda a cinco. Por cem quilos de azeitona recebiam cinco litros, era pegar ou largar. Pior só assaltantes de estrada.
Os encontros da família, no repasto do jantar, eram momentos de aspérrima doutrina. Ninguém ousava uma fala, qualquer simples transacção só através do mordomo. Às fêmeas e aos mais pequenos fê-los Deus para obedecer, lá dizia o mandamento. Quanto ao resto o doutor tinha no Porto, para reserva das hormonas, uma amiga de casa e pucarinho.
A fidalga era dez anos mais nova. E tinha uma figura de menina que fazia rir as rosas, quando descia a sentar-se no caramanchão. Os filhos foram chegando, como frutos naturais, conforme Deus os mandava. Só às vezes um reflexo no espelho do toucador, ou uma lágrima furtiva no recesso da alcova, traíam inconfidências que o peito ainda recusava  e o tempo foi agravando.
Não era ela senhora de ir à rua, nem de seu tinha um tostão. E só a cumplicidade duma ama compassiva lhe permitia vender às escondidas uma medida de azeite, duas fanegas de trigo, para dispor dumas moedas. Fosse ele por ciúme ou por doideira, o doutor era um algoz. Humilhava a fidalguita diante das visitas, mais que uma vez lhe pôs as mãos na cara.
Quando à ama lhe cheirou a história do Mal-Casado, deu-lhe o coração um baque. A fidalga abria o corpo ao serviçal, estendida na tarimba das cavalariças. E sorvia dele, em ânsias, o fio de humanidade que de outro lado não vinha. - Muito mal vai à colmeia, se a rainha se tresmalha! - gemia a pobre da ama. Mas nem ela imaginava o que estava para chegar.
Um certo dia a fidalga preparou a diligência, desceu à estaação de Almendra e foi visitar os filhos que estudavam em Coimbra. E lá se tomou de amores por uma visita da casa, um estudante de leis que não chegaria a bacharel, dadas as prioridades. E quando ela, à procura dotra vida, deixou para trás a Família, o doutor encomendou a Pátria a Deus e acabou a resignar-se.
Não se sabe ao certo por que enredos, o casal foi parar a uma pensão do Porto, ali à rampa da Escola Normal. E um dia embarcou para a África, que sempre foi bom refúgio dos desesperados. A seu tempo, e abreviando razões, uma vez que se finara o patriarca, voltaram ambos a Almendra e ao solar dos bonifrates.
Mas um dia há sempre um dia. E o bacharel, que nunca chegara a sê-lo, veio a saber dos sucessos com o Mal-Casado, e dos antigos enredos de tarimba, por denúncia dum criado. O bacharel quebrou e foi-se embora, ela ficou e morreu. E ainda vive em Almendra quem se lembre da fidalga na feira de Trancoso, a comprar ovos de pata, se não antes a vendê-los, quem o saberá dizer. (...)»
[PORTUGALMENTE - Peregrinação da Lapa a Riba-Côa, Ed. Âncora, Lisboa, 2012]

Noite milenar

Três aldeias a luzir na cumeada em frente, na escuridão da noite milenar, carregada de mistérios. Uma corte de silêncios, sobre a toada duma cascata algures. Não há mundo. 
Debaixo do céu estrelado vela Vénus, que vai alta e serena e majestosa. Não tarda nada e um galo a cantará. Sem Vulcano pela trela, atarefado na forja a temperar o escudo dos guerreiros da nossa madrugada. Por causa duns estilhaços.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Adeste Fideles

Em toada portuguesa, embora contestada..

Weihnachtsoratorium

Um dia, na Primavera, hei-de voltar a Dresden.
Da primeira vez que a vi, viviam lá os heróis dela.
Da segunda encontrei lá os ocupantes.
Desta vez quero ir ver a Frauenkirche, a única coisa que não vi reconstruída.

Jornalismo

«Há dias, não resisti à curiosidade de ouvir a gravação de um plenário da redacção do jornal i, onde um administrador, em vias de se tornar director, apresentou um programa “salvífico” que implica o sacrifício, a retirada e a renúncia voluntária de uma parte considerável dos jornalistas. É um documento extraordinário do nosso tempo: tem uma dose de loucura e outra de crueldade a roçar a perversão. 
Mas o mais inquietante é que a gravação foi difundida on-line por decisão do próprio administrador, o que significa que, por aqueles lados, a loucura foi naturalizada e a perversão é exibida sem pudor. Mas o documento lança uma suspeita: será que não teríamos muitos outros documentos como aquele se as reuniões “terminais”, digamos assim, com os empregados, destinadas a transmitir-lhes o destino das respectivas empresas (não apenas as de comunicação social) fossem gravadas e tornadas públicas? Um ambiente de medo, de chantagem e de aniquilação pura e simples é a regra em muitos locais de trabalho. 
Mas em relação a um jornal tendemos a pensar que nunca se chega a um tal nível. No entanto, algo se transformou nas últimas décadas e os jornais tornaram-se completamente permeáveis às lógicas mais duras das relações de trabalho. Os jornalistas são hoje uma classe proletarizada a quem não é reconhecida a pertença ao universo profissional dos que gozam de autonomia intelectual. Esse privilégio, associado à caução de uma assinatura pessoal, é uma coisa do passado. A partir do momento em que as notícias, de um modo geral, deixaram de ser a matéria-prima dos jornais, o poder oligárquico transferiu-se em grande parte para a chamada “opinião”, que se dilatou de maneira insensata e se tornou um derivado do entretenimento. 
E como a opinião pode ser fornecida por pessoas exteriores, no limite um jornal é apenas um novo género editorial, isto é, o produto de escolhas e decisões que não exigem a concepção de um jornal como uma totalidade. O jornalismo torna-se assim mais um ramo da “indústria de conteúdos”, que é uma coisa que se dispensou de pensar a sua forma. Nada disto acontece por acaso, e sem dúvida que muita gente implicada, embora olhando criticamente o processo, sente-se arrastada por uma poderosa força coerciva. Como na lógica da economia política do nosso tempo, também aqui há uma voz que se ouve por todo a lado a dizer: não há alternativa. Mas quando olhamos as coisas mais de perto, a alternativa existe sempre. 
Foi por castigo divino e por inelutável lei trágica que os trabalhadores do i ficaram submetidos a um tal administrador? 
Seja-me permitido introduzir uma nota da experiência pessoal. Durante cerca de 20 anos, o director do Sol, José António Saraiva (cuja sorte é a prova de que não há justiça imanente), foi director do jornal onde eu trabalhava, o Expresso. Recordo-o como um senhor educado, que exercia o seu poder de maneira discreta e sem impulsos de chefe tirânico. Fui sempre tratado por ele com a maior decência e gozei da máxima liberdade. Mas lembro-me, também, que os seus textos não eram exactamente o que de mais apreciável ele tinha para nos dar e muitos eram os que na redacção do jornal perguntavam: mas não há alternativa? Nos últimos anos, raramente li os seus artigos no Sol, mas todos os que li eram cómicos a valer. Involuntariamente cómicos. 
Espantei-me muitas vezes que os seus artigos não fossem um impedimento para o exercício das suas funções. A sua sobrevivência, como a de muitos outros, é a prova de que a lei darwiniana não se aplica às espécies intelectuais.» (António Guerreiro, Ipsilon)

sábado, 19 de dezembro de 2015

Zink 2

A edição da Teodolito é esteticamente uma beleza. Hoje em dia, num mundo abastardado pelo mercado, só faz isto quem pratica o culto do objecto de leitura. Contraste branco/preto, sóbria capa dura, papel encorpado, bom contraste entre os caracteres impressos e o fundo, tamanho adequado da fonte, edição rigorosa da mancha, ilustrações originais ...
Um bombista/terrorista e o seu carcereiro dialogam e vagueiam ao longo dos 8 capítulos. Começam pela Forma, passam pela Amizade... a ... sofrem evoluções até chegarem ao Mundo. E terminam ao fim de 130 páginas, com moral da história.
Podiam ser as Mil e Uma Noites, fazem lembrar a Sherazade a iludir a impaciência do sultão. Desvendam contradições do mundo de hoje, entre carcereiros e criminosos, sem definir muito bem onde estão inocentes e culpados, nem o que separa vítimas e algozes. 
Todo o texto é em forma de diálogo, de leitura grata, proveitosa, irónica e bem-humorada. Perdê-lo não se recomenda.

Moral da história
Um terrorista entra num bar com uma bomba na mão. O dono do bar avisa que tem de deixar a bomba lá fora. O terrorista diz-lhe: estava a brincar, eu não sou terrorista, olhe só, isto não é uma bomba, é um isqueiro. E, para mostrar que é verdade, acende o isqueiro. O dono do bar replica, com ar triste: eu também estava a brincar, isto não é um bar, é um posto de gasolina.

Despertar

- Que te diz o vento que passa?
- Que é vento, e que passa, 
 E que já passou antes,
E que passará depois. 
E a ti o que te diz? 
- Muita coisa mais do que isso.
[Versos de Alberto Caeiro]

Estilhaços 10

O governo vai avaliar a reorganização territorial das freguesias, e rever as circunstâncias "desadequadas" aos anseios das populações. É o que diz o JN, oxalá seja verdade.
 No final de 2010, quando viu recusado o PEC IV, Sócrates apresentou a demissão do governo. A avalanche da maior crise financeira capitalista, vinda da finança americana, chegava em força da América e fazia faíscas no rating. E a nossa priminha troika foi recebida em ombros em Lisboa por um grupo de sipaios revanchistas, e sorrisos cúmplices e comprometidos do comité central do PCP e do BE. O pormenor não consta da História de inúmeros mixordeiros, mas está lá! 
A troika veio. E sabia que um dos mais sérios problemas das finanças do país era o regabofe do poder local, do excessivo número de câmaras municipais, e duma reforma administrativa do território, que já datava dos tempos do Mouzinho da Silveira. Um anacronismo! 
[Três exemplos actuais e exemplares: A câmara de Gaia, hoje na mão do PS, é forçada a pedir 40 milhões para pagar dívidas do consulado de Luís Filipe Meneses e Marco António Costa, esse coveiro que já tinha sido dos orçamentos da câmara de Valongo; ambos deixaram em Gaia "valores maquilhados" de 2013, que reduziam para 217 milhões a dívida real de 250 milhões.
A câmara de Trancoso (actualmente do PS), afogada em PPP's ruinosas, pediu recentemente uma auditoria externa, para avaliar a real dimensão dos estragos.
O município de Fornos da Algodres é aquele em que cada cidadão traz às costas o maior valor da dívida municipal.]
É daí que resultava a azia da prima troika. E logo da tarefa da reforma administrativa foi encarregado o Relvas de má memória, que ainda pôs a boca no trombone. Só que o PPD sempre teve no poder local (ANMP) a base principal do seu poder e influência eleitoral. E quando o Relvas chegou à fala com o presidente da ANMP, (um tal Ruas de Viseu, esse troglodita que recomendava aos munícipes o apedrejamento dos fiscais do Ambiente, esses empatas do pugresso!), logo ele o avisou: - Vê lá bem em que te metes, ó menino! *** Entre interesses, caciquismos, compadrios beliscados... o Relvas meteu o rabo entre as pernas e limitou-se a misturar azeite e água, extinguindo mil e tal freguesias. Exactamente  onde a corrupção era residual, e o abandono dos povos um crime de irresponsáveis. Foi assim que aqui chegámos.
*** O Ruas acabou agraciado com um mandato em Bruxelas. E continuou a sê-lo, ao fazer parte da lista do PPD para conselheiro de estado.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Al Andalus

Silhouette.
[Belíssimo em ecrã inteiro; pirateado AQUI]

Miguel-Manso

POEMA

à memória de Jean Nicot que trouxe
tabaco para França no século dezasseis

só para eu amenizar a espera
no Le Carillon à esquina da Rue Bichat
com a Alibert

onde Véronique não entrará este século

[TOJO Poemas Escolhidos, Ed. Relógio d'Água, Lx 2013]

Ó Lobo d'Ávila, rai de nome o teu!

Sei que tens que respeitar a fraseologia do teu irrevogável tratador, essa única alimária com laivos de inteligência no redil a que pertences!
Mas toma lá boa nota! Quando referes o governo como geringonça, tás a confundir coisas sérias com a passarinha transviada da tua tia Alice!

Poeta novo

Conheci há dias, num encontro com leitores, um poeta novo. Novato, vive no campo. Tem poemas publicados em múltiplos volumezinhos de autor, todos semi-clandestinos. Não frequenta, nem respeita capelinhas. Foi criando a sua teia, tem consciência do que o move e do que quer. E os seus poemas foram deixando ecos.
Um editor mais sisudo publicou este TOJO, colectânea de anteriores. E eu intuo que é deste lastro que brota a poesia duradoura. Essa voz do mistério e da verdade, que nos faz uma falta de morte.

NEM TANTA COISA DEPENDE

preferes o canto, o lugar oculto
a folhagem, a sombra, o quarto, este
saco de trigo: ouro de um texto
sobre a velha escrivaninha do real

lá fora o clarão do arvoredo
atalhos para a tingidura da paisagem
cá dentro menos caminho, outro

panorama: a presença tão-só
desabitada duma pessoa, mistério sem
atributo ou função

sempre a desfeita dum coração
o cultivo intensivo das figuras
e sobram tristeza e dias ao corpo que escreve
no calabouço duma manhã muito larga

reluzente de gotas de mel
enquanto os gatos lambem o sábado
e sentado, sapo de ouro, permites-te pôr no mundo
(mas porquê) outro poema

[MIguel-Manso, TOJO Poemas escolhidos, Ed. Relógio d'Água, Lisboa 2013]

De mudar de assunto gostavas tu, ó bêbado! Mas não tens sorte nenhuma!

Não resisto ao exercício, inútil e contrariado mas oportuno, de transcrever integralmente a prosa de VPV no PÚBLICO. Este colunista, que juntamente com outros vai esboroando alguns créditos que o jornal ainda detinha, publica hoje este escarro, em claro estado de ressaca. E disto se vai fazendo a nossa informação, que nos convirá tomar como vacina anti-gripe!
  
«Não escrevi uma palavra sobre José Sócrates desde que o prenderam. Mas como ele resolveu agora ir à televisão explicar a sua história, um pequeno comentário não é abusivo. Segundo o eng. Sócrates, por razões que permanecem obscuras, o Ministério Público, um procurador desnorteado, um juiz de instrução particularmente acintoso, 40 e tal juízes de instâncias superiores, o jornal Correio da Manhã e a revista Sábado armaram uma conjura para o “cobrir de lama”. Por detrás destes malvados, de que toda a gente conhece a cara, está, como devia estar, a “direita”, um “poder oculto” que governa Portugal, com a insinuação e a mentira. Foi a “direita” que inventou a bancarrota de 2010, foi ela que inventou a “vida faustosa” com que Sócrates se consolava em Lisboa e Paris, foi ela que babou o inexplicável boato de que existiria uma certa discrepância entre os rendimentos e as despesas do martirizado Sócrates. E a coisa não fica por aqui. Com a coragem que toda a gente lhe conhece, Sócrates também disse que a “questão Freeport” e uma semi-questão, ainda misteriosa, de “escutas” tinham sido incitadas por Santana Lopes, na altura primeiro-ministro, e pelo próprio Presidente da República. Porquê? Porque queriam que o PS perdesse as legislativas de 4 de Outubro e não queriam que Sócrates se candidatasse a Belém. Quando se chegou a Novembro de 2014, o desespero dos “conspiradores” já roçava a histeria e, sem a menor hesitação, mandaram meter Sócrates nos calabouços de Évora e, sem qualquer justificação legal, lá o conservaram aferrolhado durante um ano, enquanto o Correio da Manhã, por ordem da direita “oculta”, acumulava calúnias sobre a sua cabeça. A longa narração de Sócrates deixou um certo público comovido. É muito possível que ninguém ainda tenha avisado Sócrates que ele estava politicamente morto e que jamais tornaria a ser eleito para contínuo da mais remota freguesia de Portugal. Ele, coitado, continua a achar que é uma força: opina sobre o PS, critica a estratégia eleitoral de Costa e não esconde o seu desprezo pela direita. Mas, de quando em quando, num intervalo lúcido, manifesta a suspeita de que a sua “narrativa” (como ele diz) não parece muito convincente. E, nesses momentos, atribui a sua desgraça ao “ódio pessoal” de alguns serventes do Diabo ou a uma força que ele confessa não compreender. Nós compreendemos; e mais do que isso gostávamos muito de mudar de assunto.» (in PÚBLICO)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Intermezzo

Em Longroiva há um castelo dos templários. Há esta manhã airosa e limpa. Há uma chaminé a fumegar. Há um velho a atravessar a rua, arrimado a uma bengala. Há tractores que transportam azeitona para um lagar. Há umas termas sulfurosas, recém-reconstruídas. Há um solar muito baixinho, com um brasão da gesta gloriosa, adaptado a turismo de habitação; um dia quis lá dormir mas fugi dele, com receio duma harpia, e das teias de aranha que lá havia. Há os penhascos de xisto da Verdadinha, a desenhar as margens dum ribeiro. E além em frente, no cimo da cumeada, dá consultas a bruxa da Relva, que tem as bênçãos do doutor Sousa Martins; só a mim não valeu ela de nada.

Parábola dos camelos

Ou iluminações enigmáticas a pretexto duma engravatada celebração de protocolos, numa performance do Cântico Negro.

Os camelos que atravessam os desertos dessentam-se nos oásis.
Os oásis só existem onde aparecem palmeiras.
As palmeiras só florescem onde houver um poço de água.
O poço, aqui, compete-nos a nós saber qual é.

Comentário

  1. LIDO  AQUI (que ao J.Vasco conviria ler, se não fosse um exercício inútil!)
  2. «Os encarregados do processo Marquês vão-se entretendo a coleccionar tomos até aquilo ficar impossivel de ler, acusar e julgar. Vai tudo para arquivo, pois claro, daqui a um bom par de anos. Como bem disse Sócrates, o mal que havia para fazer já foi conseguido: o PS perdeu as eleições. Alguém pode imaginar o tamanho da “beiça” com que ficaram os promotores do Marquês, quando um PS-Costa derrotado consegue uma aliança improbabilissima à esquerda e chegar ao governo? Ficaram a gaguejar dois meses até terem de engolir o sapão. Meio-Sócrates está vingado. Teoria da conspiração? Para quem não quer ver, Sócrates fez o desenho: no gabinete de Santana-PM inventou-se o Freeport para impedir a vitória do PS com Sócrates. Na Casa Civil do Presidente da República inventaram-se as escutas para impedir a vitória PS de novo com Sócrates. E agora veio o Marquês. Falta saber em que gabinete foi congeminada a golpada. Há-de saber-se, um dia. De acordo com este desenho, o objectivo foi sempre afastar o PS da governação. Se em vez de Sócrates fosse o Ferro Rodrigues, por exemplo…Pois, com este foram mais radicais: embrulharam-no, e ao seu braço direito, na pedofilia. Ferro Rodrigues nem imagina o que lhe teria acontecido se não tivesse aparecido Sócrates para bombo da festa da direita. Teoria da conspiração? Os conspiradores adoram ouvir isso! E agora os conspiradores estão desolados e inconsoláveis. Tanto esforço para, no final, terem de ceder o poder às esquerdas unidas. Agora resta saber se vão esquecer aquele que serviu de bombo da festa ou, de raiva, vão enterrá-lo anos e anos numa prisão? E provas? Mas eles precisam de provas para alguma coisa? Como dizia anteontem Magalhães e Silva na TVI 24, Paulo Pedroso foi aniquilado sem a mínima hipótese de se defender. E, digo eu, foi aniquilado com uma facilidade impressionante. Onde estavam os indícios fortes, os factos e as provas?»
  3. Adenda: Isto é a análise duma ordem de operações. Neste mesmo sentido, deverá ser escutado atentamente o coro cúmplice do fraco jornalismo que vimos tendo, cada vez mais fragilizado, mais condicionado, mais precarizado e mais dizimado, pela crise na imprensa escrita, na falada e na televisionada. Vide jornal I, CM, Sol, Expresso, Sábado, Económico, e até o PÚBLICO. Em 2009, vozes estalinistas sugeriam que o dito ódio a Sócrates era insignificante barganha política.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Sempre ele!

Não apresentando um candidato único, "o PS está a favorecer a candidatura de Marcelo."

Vamos então ver por partes!

Qual o momento, e em que circunstâncias, se formaram a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP)? Foi exactamente há 40 anos, nos finais de 1974.
E caso não tenha sido para representar direitos ultrajados dos actores judiciais nos tribunais plenários, registemos o momento e passemos adiante. Não sem deixar ressaltado que a poderosíssima e perigosa corporação dos agentes da Justiça (vista colectivamente, claro!) é um dos pilares do poder democrático.
É verdade que ainda hoje os meretíssimos magistrados na situação de reforma usufruem de pensões "jubiladas". Isto quer dizer que não são inferiores aos salários no activo, e matêm-se indexadas aos aumentos que neles têm lugar. Ter um sindicato afinal valeu a pena! É que só os professores catedráticos e o corpo diplomático auferem de tais benesses, vá-se lá saber porquê.
Isto vem muito a propósito da proclamação de Ventinhas, esse fenómeno sindical que adorna a nossa Justiça. O que ele diz aqui é inenarrável, e devia dar-nos que pensar.
Imaginemos de caminho o que seria ter um sindicato dos legislativos do Bloco de Esquerda, mais que lícito, dentro da mesma lógica! Um outro do PCP/CDU! Outro ainda dos traidores austeritários do governo de sipaios que aí andaram! E já agora mais um outro dos ex-presidentes da república, um panteão de reservas da Nação, aposentadas!
Isto é um quadro inenarrável, medieval e iníquo. E deveria dar-nos que pensar. Porém não dá, que somos mansos e cobardes. e já formámos calo no cachaço. E eles sabem-no, melhor do que ninguém!

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Síntese do caso Sócrates

Dirigido por elites de traidores, Portugal é um país de cobardes alegres, assistindo alienados ao linchamento alarve dum líder responsável.
A espaços, há excepções na paisagem, da História mansa e triste que é a nossa. Sempre as houve, e sempre impunemente trucidadas, tal como desta vez.
Isto é o que o país merece, e o povo dele! Será pouco, mas é tudo.

Setas



Estilhaços 9

«E assim mataram o Instituto de Odivelas. Quiseram matar o Instituto de Odivelas. E mataram. Queriam "matar o Colégio Militar", mas afinal só, e por enquanto, mataram o Instituto de Odivelas. 
A escola mais forte no que concerne aos resultados - ainda neste momento continua nos lugares cimeiros das escolas públicas nos rankings de 2014/2015. Depois de morta. 
A escola que consideraram um alvo mais fácil a atingir porque do "sexo mais fraco", frequentada por alunas que podiam usar saia e desenvolver a sua identidade feminina, usufruir de um ensino de excelência com rigor, qualidade e exigência. 
A escola pública discriminada por ter diferenciação de género, enquanto escolas privadas nas mesmas condições são financiadas pelo Estado Português. 
A escola mais atacada pelo poder central da coligação PSD/CDSPP, não por preconceito mas por teimosia, eivada de ganância, interesses, conivências... 
A escola esquecida pelo atual Governo de Portugal do PS que, na oposição tanto a defendeu, incluíndo o antigo fundador do PS e antigo Presidente da República Dr. Mário Soares. 
A "escola", vulgo edifício, mais desejada pelo poder municipal de Odivelas, embora, paradoxalmente ou não, defendida pelo PS e pelo PSD locais. 
A escola de excelência e com 115 anos de existência que foi abandonada pelo mais alto Representante da Nação, o Presidente Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva. 
A escola que acolheu a aluna órfã e mãe do candidato à Presidência da República Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa. 
A escola que foi citada por todos os partidos políticos que gostam de ser politicamente corretos e angariar votos em tempo útil, à boca das urnas. O Instituto de Odivelas foi extinto, encerrado e enterrado. Estes são os verbos adequados. O resto são eufemismos. 
A escola foi defendida por um conjunto de cidadãos de coluna direita e de consciência digna que se dirigiram a todos os Órgãos de Soberania e aos Órgãos de Comunicação Social porque acreditavam que a Democracia e a defesa dos Valores funcionavam em Portugal. A AOFA defendeu sempre o IO. Infelizmente, nem todos os Oficiais o fizeram: em 1903 um Vosso camarada de armas referia. "O Instituto é um estabelecimento de largo futuro e bem merece a proteção de todos os militares e poderes públicos" 
Resta, talvez, defender o Instituto de Odivelas junto de tribunais internacionais, da UNESCO... por haver na Europa um atentado ao património educativo e histórico de Portugal. Porque neste país existem dois pesos e duas medidas para a Educação e para a História. "Desditosa" Pátria que tais filhos tem!»
(Autora identificada perante a AOFA, mas que prefere aqui o anonimato!)

Tás bem fodido, ó Tacheira!

Saiu-te no bolo uma fava do caralho! Essa costela que tens, de ficcionista falhado, vai ficar-te muito cara! É que nem no nome da "Operação Marquês" foste original e criativo, ó meu cabrão! O teu Marquês é um Pombal redivivo!

Vem sempre!

A verdade é como o solstício. Começa por ver-se ao longe, numa promessa mal adivinhada. Apenas um rubor entre farrapos de nuvens, 
Vem lenta, penosamente, muitas vezes dolorosamente. Em breve é um incêndio que chegou.

[Vozes: «José Sócrates é o político mais corajoso e patriota da sua geração. A entrevista de hoje é um monumento cívico invulgar. Depois da campanha abjecta dos JMTs deste país, muito poucos teriam a bravura e moral para se bater pelo Estado de direito democrático de um país livre como ele está a fazer». (Comentário ali.]

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Opiniões

Paul Krugman é prémio Nobel da Economia. Isso não lhe garante entrada no meu céu, mas por alguma razão será. Esteve em Lisboa, que já conhecera em 76. Nessa altura (deixou dito) dificilmente alguém acreditaria que Portugal era um país da Europa. A quem assentar a carapuça, limpe as beiçolas a tal guardanapo!
Lamenta a sorte dos povos da Europa, dirigidos por elites que não poupa. As quais introduziram erradamente uma moeda única, sem condições para a aplicar. Porém agora... é tarde!
Os portugueses, muito em particular, de economia frágil e friável, têm sido massacrados por servidores conhecidos da norma da austeridade. É um erro estarem no Euro. Mas sair agora dele seria uma catástrofe.
É aqui que entra o PCP e o seu comité central, advogados do abandono do Euro a todo o custo. A considerarem "sagradas" as pretensões de abolirem de imediato as portagens das SCUT, a subida do salário mínimo para 600€, e os absurdos do tratado orçamental, pondo em risco o equilíbrio das contas. Tão depressa acenam ao governo com a cenoura dum apoio, como o fustigam com um tacticismo descarado, que não fazem parte dele. 
As reais catástrofes do povo pouco lhes importam, a história já o mostrou. Determinantes são os despachos duma múmia, e os dogmas de missal que ela deixou. Nisto andamos, e a burra sempre a deitar-se!

Zink

Vi-o há dias, num encontro que teve com leitores. E justifico a sua actividade literária, mais do que a aprecio. O meu registo é outro.
Conheço bem os seus narradores, muitos deles facetos, irrequietos, sarcásticos. Mas não o via, como autor, desde há trinta e tal anos. E enquanto seu leitor, ensinou-me agora muitas coisas. Coisa que raro acontece.
Entendo a importância que ele dá ao marketing dos objectos da literatura, mas não a levo a sério. Porque há uma contradição sem solução entre o mercado dos livros e a arte literária que ande neles. O editor de sucesso é hoje um que agencie lucros, vendas, dividendos. Sob pena de levar, do patrão, com a tábua no cu! Importa-lhe o ar-do- tempo, as modas dele, mais do que vagas literariedades. Muito longe vão os tempos em que o editor era uma marca de água. Procurava a qualidade e orientava o leitor. 
O Zink é um autor humilde, qualidade importante em quem escreve. Gostei de o ouvir dizer que tem dívidas, para com figuras e autores que ocuparam lugar na sua formação ao longo dos anos. Já discordo muito dele quando fala do Nobel, e do prémio do Saramago em 98.
Ora o Saramago começou aos sessenta anos a produzir a obra que lhe valeu o Nobel. Não seguiu modas, saiu da sua cabeça, que o autor construiu com leituras da biblioteca do palácio Galveias, que era onde tinha livros.
Foi essa arte de narrar surpreendente, que Saramago trouxe com o Levantado do Chão, o Memorial, o Ricardo Reis, o Evangelho, a Viagem a Portugal, a Cegueira (e poucos mais), que lhe mereceu o Nobel. Apoiada na outra novidade, que foram meia dúzia de romances de Lobo Antunes, puseram a Europa a ler-nos. A Europa desconhecia-nos como criadores das artes literárias. A partir de então passou a reconhecer-nos. Nos feiras literárias internacionais, os editores portugueses deixaram de ir como exclusivos compradores de direitos. Passaram a fazê-lo como vendedores deles.
Isso deu-nos substância cultural, significado, valor. 
Zink surpreendeu-me com a quantidade de escritores que temos, merecedores do Nobel! Falou do Cardoso Pires, da Hatherly, do Cláudio, da Agustina, e de outros, além do Antunes. Todos serão escritores que nos adornam a cultura, mas não são tão coloridos como o Zink os pinta.
Na literatura portuguesa houve um Camões, que não recebeu o Nobel porque no seu tempo ainda nem suecos havia. Houve um Eça, quando já havia suecos mas não havia Nobel. Houve um Pessoa que não ganhou o prémio porque fedia a aguardente e não ligava puto a ninguém. Viveu para as artes poéticas e para a Ofelinha, uma figurita que retirou duma ode, pô-la numa mesa e deu-lhe corda. Entretinha-se a vê-la dar aos bracitos. Depois veio o Saramago, claro! Que os suecos serão loiros, mas parvos é que não são. O Zink é um espírito generoso, se não for relativista e marqueteiro.
(Continua)