Conheci há dias, num encontro com leitores, um poeta novo. Novato, vive no campo. Tem poemas publicados em múltiplos volumezinhos de autor, todos semi-clandestinos. Não frequenta, nem respeita capelinhas. Foi criando a sua teia, tem consciência do que o move e do que quer. E os seus poemas foram deixando ecos.
Um editor mais sisudo publicou este TOJO, colectânea de anteriores. E eu intuo que é deste lastro que brota a poesia duradoura. Essa voz do mistério e da verdade, que nos faz uma falta de morte.
NEM TANTA COISA DEPENDE
preferes o canto, o lugar oculto
a folhagem, a sombra, o quarto, este
saco de trigo: ouro de um texto
sobre a velha escrivaninha do real
lá fora o clarão do arvoredo
atalhos para a tingidura da paisagem
cá dentro menos caminho, outro
panorama: a presença tão-só
desabitada duma pessoa, mistério sem
atributo ou função
sempre a desfeita dum coração
o cultivo intensivo das figuras
e sobram tristeza e dias ao corpo que escreve
no calabouço duma manhã muito larga
reluzente de gotas de mel
enquanto os gatos lambem o sábado
e sentado, sapo de ouro, permites-te pôr no mundo
(mas porquê) outro poema
[MIguel-Manso, TOJO Poemas escolhidos, Ed. Relógio d'Água, Lisboa 2013]