É certo que qualquer texto saído das mãos dum autor apenas encontra o fecho do ciclo criativo depois de lido e apropriado por qualquer leitor. Antes disso está incompleto.
É certo também que qualquer leitura é diversa das outras. E é certo ainda que as leituras feitas pelo mesmo leitor, em momentos diferentes, são leituras diversas.
O QUE DIZ MOLERO, de Dinis Machado (autor de policiais), foi editado pela Bertrand em 1977. Eu li a 13ª edição, em 1984.
Lembro-me de o ter apreciado nessa altura. Agora voltei a ele, e estava longe de ficar maravilhado com a leitura.
O essencial da matéria diegética é uma revisitação do passado do autor num bairro de Lisboa. O resto do encanto narrativo faz-se dum discurso de luxo (com harmonia, ritmo e musicalidade surpreendentes), e do modo engenhoso como é construído. Mister de Luxe e Austin, heróis duma literatura juvenil passada, dialogam sobre um relatório a elaborar por Molero (um alter-ego), sobre o rapaz e o bairro, a meninice, a História e o passado. Aparecem referências aos actores e às fitas do cinema, e aos arquétipos da cultura dominante que sempre foi a da América.
De caminho são apresentados diversos tipos e temperamentos de companheiros da meninice: o Zuca, o Lucas Pireza, o Peida Gadocha, o Tozé Gaguinhas, o Pé de Cabra, o Bexigas Doidas, o Três Dedos... Em suma, 180 páginas de aprendizagem, emoção, encantamento e puro prazer!
Ó país de cristal, que longe eu estou,
dava um ano de ordenado por um momento
da minha inocência perdida.
(Molero, a páginas zero)