segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Zink

Vi-o há dias, num encontro que teve com leitores. E justifico a sua actividade literária, mais do que a aprecio. O meu registo é outro.
Conheço bem os seus narradores, muitos deles facetos, irrequietos, sarcásticos. Mas não o via, como autor, desde há trinta e tal anos. E enquanto seu leitor, ensinou-me agora muitas coisas. Coisa que raro acontece.
Entendo a importância que ele dá ao marketing dos objectos da literatura, mas não a levo a sério. Porque há uma contradição sem solução entre o mercado dos livros e a arte literária que ande neles. O editor de sucesso é hoje um que agencie lucros, vendas, dividendos. Sob pena de levar, do patrão, com a tábua no cu! Importa-lhe o ar-do- tempo, as modas dele, mais do que vagas literariedades. Muito longe vão os tempos em que o editor era uma marca de água. Procurava a qualidade e orientava o leitor. 
O Zink é um autor humilde, qualidade importante em quem escreve. Gostei de o ouvir dizer que tem dívidas, para com figuras e autores que ocuparam lugar na sua formação ao longo dos anos. Já discordo muito dele quando fala do Nobel, e do prémio do Saramago em 98.
Ora o Saramago começou aos sessenta anos a produzir a obra que lhe valeu o Nobel. Não seguiu modas, saiu da sua cabeça, que o autor construiu com leituras da biblioteca do palácio Galveias, que era onde tinha livros.
Foi essa arte de narrar surpreendente, que Saramago trouxe com o Levantado do Chão, o Memorial, o Ricardo Reis, o Evangelho, a Viagem a Portugal, a Cegueira (e poucos mais), que lhe mereceu o Nobel. Apoiada na outra novidade, que foram meia dúzia de romances de Lobo Antunes, puseram a Europa a ler-nos. A Europa desconhecia-nos como criadores das artes literárias. A partir de então passou a reconhecer-nos. Nos feiras literárias internacionais, os editores portugueses deixaram de ir como exclusivos compradores de direitos. Passaram a fazê-lo como vendedores deles.
Isso deu-nos substância cultural, significado, valor. 
Zink surpreendeu-me com a quantidade de escritores que temos, merecedores do Nobel! Falou do Cardoso Pires, da Hatherly, do Cláudio, da Agustina, e de outros, além do Antunes. Todos serão escritores que nos adornam a cultura, mas não são tão coloridos como o Zink os pinta.
Na literatura portuguesa houve um Camões, que não recebeu o Nobel porque no seu tempo ainda nem suecos havia. Houve um Eça, quando já havia suecos mas não havia Nobel. Houve um Pessoa que não ganhou o prémio porque fedia a aguardente e não ligava puto a ninguém. Viveu para as artes poéticas e para a Ofelinha, uma figurita que retirou duma ode, pô-la numa mesa e deu-lhe corda. Entretinha-se a vê-la dar aos bracitos. Depois veio o Saramago, claro! Que os suecos serão loiros, mas parvos é que não são. O Zink é um espírito generoso, se não for relativista e marqueteiro.
(Continua)