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A
chegada da fêmea foi um ponto culminante estranhamente desdramatizado, depois
de uma vida de eterna espera. O maçarico estava no meio de algumas tarambolas,
junto à água, e procurava alimento. De repente a fêmea estava ali! Tinha
poisado a menos de um metro de distância, e ele podia observar-lhe cada pena da
plumagem. Chegara com mais nove tarambolas. Silenciosamente tinham-se deixado
planar sem que ninguém as notasse, salvo uma tarambola que se mantinha alerta
às aves de rapina, enquanto as outras comiam. A fêmea fechou vagarosamente as
asas, num movimento mais gracioso que o das companheiras. E voltou para ele o longo
bico recurvado.
Ela
pulou então sobre as altas pernas esverdeadas, e saiu-lhe da garganta um gorjeio
suave. Ele pôs-se também aos pulos e respondeu baixinho.
Reconheceram-se
sem reflectir, num súbito processo intuitivo. O macho sabia que se tinha enganado
muitas vezes, sabia que os maçaricos-norte-americanos, confusamente parecidos,
passavam o Inverno muito mais a Norte, no mar das Caraíbas. Aqui, no Sul
profundo, ele só encontraria maçaricos da sua espécie. Este era mais pequeno do
que os outros, e de um castanho mais claro, tal como ele próprio. Na verdade,
os seus pensamentos eram fugidios e informes. Mas a voz, a atitude, os
movimentos da outra ave, mais do que o seu aspecto, disseram-lhe imediatamente
que a sua fêmea chegara.
Nunca
tinha visto um companheiro da espécie, e a fêmea provavelmente também não.
Ambos tinham procurado, na América do Norte e do Sul, sem saberem exactamente o
quê. Mas, logo que o acaso os juntou, o instinto velho de gerações permitiu-lhes
reconhecerem-se sem qualquer hesitação, uma vez que o maçarico tinha sido uma
das aves mais difundidas em toda a América.
Durante
um minuto ficaram ali imóveis, espreitando-se e saltitando. O macho estava
excitado de contentamento. Finalmente podia calar o seu desejo da fêmea, que
durante a vida inteira fora surgindo e desaparecendo, sem nunca ter sido
satisfeito. Um pequeno caracol rastejava à sua frente, na água baixa. O
maçarico partiu-lhe a casca com uma bicada, mas não o comeu. Com o pescoço
esticado e a plumagem tufada pavoneava-se em frente da fêmea. Constrangido e
algo desajeitado, chegou-se junto dela e ofereceu-lho. A fêmea, com as asas um
pouco abertas e todo o corpo a tremer, aproximou-se dele. Picou o caracol e
engoliu-o de imediato.
O macho
alimentou a fêmea, apresentou-se como companheiro e a fêmea aceitou-o. E assim
começou o jogo nupcial. Nenhum deles mostrara qualquer excitação exterior,
qualquer alegria exibicionista. O macho deu o caracol à fêmea, esta recebeu-o,
o casamento estava selado.
Agora
cada um procurava alimento para si próprio, sem prestarem atenção um ao outro,
embora se mantivessem próximos. E, mais que nunca dantes, o macho sentia-se
atraído pelo montão de pedras, junto à curva do rio, na tundra distante.
Levantou
voo quando chegou o crepúsculo, circulou sobre a fêmea e chamou-a. Ela
lançou-se para o ar e voaram juntos para o interior, sobre as elevações que
bordejavam a costa. Depois do escurecer poisaram numa encosta atapetada de
ervas e dormiram um junto do outro, os pescoços quase se tocando. O macho
sentia-se renascer, uma outra vida tinha começado.
Ao
romper do dia regressaram à praia. Depois foram voando rapidamente para Norte,
cerca de quinze quilómetros em cada etapa. De vez em quando faziam pausas para
comer, mas a tundra chamava, cada vez mais urgente. Cada dia que passava voavam
mais longe e comiam menos do que na véspera. No princípio de Fevereiro estavam
já a 1600 quilómetros do ponto de partida. E como sempre, na viagem para Norte,
paravam nos charcos à beira-mar. Era primavera, e as gónadas produziam cada vez
mais hormonas sexuais, que lentamente faziam crescer a sua excitação. Muitas
vezes o macho interrompia bruscamente a busca de alimento, e pavoneava-se em
frente da fêmea como um galo de combate, com a plumagem do pescoço tufada e as
penas da cauda emplumadas em leque sobre o dorso. Então a fêmea inclinava-se, de
asas frementes, e pedia comida como se fosse um pintainho. O macho oferecia-lhe
um petisco, os seus bicos tocavam-se, e com isso terminava o jogo nupcial.
Uma
noite, quando um forte vento de Oeste soprava sobre os montes junto à costa,
voaram terra adentro, como habitualmente. Mas desta vez o macho subiu mais alto
do que era costume. Seguiu Pampas adiante, e, quando a escuridão caiu, continuaram
a voar. As etapas diárias que tinham percorrido eram curtas, e já não
satisfaziam o impulso migratório cada vez mais urgente. Deixaram a costa para
trás e voaram para Noroeste, na direcção dos Andes. O macho sentiu diminuir a
tensão, ao reconhecer, com a primeira noite, que a migração tinha de facto
começado.
(Cont.)