domingo, 19 de julho de 2015

"A História humana é um combate sem fim"

[in revista LER, 138]
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- Jornalista: Mas continuamos a nascer "embarcados", e as melhores narrativas que temos para nos "distrair" são as nações, que podem cumprir melhor ou pior o seu papel.
- Eduardo Lourenço: Sim, e a verdade é que nós, portugueses, com o fim do império, estamos no fim da nossa narrativa.
- Não há solução de continuidade?
- Tem de haver, porque a narrativa é tão profunda, que nós não temos outra "inscrição", como diria o meu amigo José Gil. Repare que depois do 25 de Abril, todas as grandes manifestações, todos os acontecimentos importantes para nós, funcionam com referência ao império perdido. É a Ponte Vasco da Gama, a Europália... O que levámos? A gesta dos Descobrimentos. Não temos mais prata da casa para levar. A narrativa está no fim, mas por enquanto o nosso lugar de fuga ideal ainda é esse momento. É passado, definitivo passado, mas o passado humano é diferente de todos os outros passados, porque nunca passa.
- Recicla-se, encontra sucedâneos?
- Sim, o nosso problema agora é que não temos álibi. Precisamos de concentrar a nossa atenção naquilo de que somos capazes. Mas a nossa capacidade de ilusão é infinita. (...) Somos um povo cuja existência na ordem política e histórica é um milagre. Um país pequeno que tem sempre necessidade de uma sobre-representação. Tanto pode ser o Mourinho como o Ronaldo, um ídolo qualquer, em que o sentimento colectivo se possa exprimir.Porque temos um complexo cultural que é moderno, que nasceu, cá e em Espanha, quando deixámos de acompanhar o movimento europeu de evolução científica. Foi aí que começámos a refugiar-nos em mitologias de tipo místico, em vez de na celebração das coisas. A  máquina a vapor, o comboio. Ainda hoje, os automóveis não somos nós que os fabricamos.
- É aí que entra em cena o sebastianismo?
- Depois de Alcácer-Quibir todas as versões que foram surgindo do sebastianismo eram do tipo ficção fantástica. As únicas que têm algum interesse para a nossa autognose são a do Pe. António Vieira e a do Pessoa, na Mensagem, que é completamente hiper-sebastianista. (...) Esse conceito do papel da cada um dos povos do mundo, no sentido de uma hierarquização de contributos para a civilização, é uma coisa que não tem sentido. (...) Do que precisamos é de seguir o exemplo de outros, como estímulo. Precisamos de imitar, copiar, emular, ultrapassar os outros. A História humana é um  combate sem fim. (...)
- O que podemos fazer para recuperar do atraso?
- Tudo depende da aposta que se fizer na Educação. É a coisa mais importante para Portugal, e o nosso futuro passa por isso. A escola é o que condiciona o futuro das civilizações modernas. Um país é o que for a sua escola. E nós temos, por causa de coisas do passado, um certo número de handicaps, que deveríamos corrigir em uma ou duas gerações.
- Que correcções seriam essas?
- (...) Devíamos recuperar um pouco a energia que outros povos puseram na descoberta e trabalho científicos, na organização. Porque vivemos num mundo de competição feroz. (...)»
NOTA: Eles a darem-lhe e a burra a fugir! Desde há 500 anos, quando os portugueses foram atirados para o mar, todas as elites dirigentes usaram até à paranóia a mitologia da gesta gloriosa imperial, para criarem e manterem poder e influência. Ainda hoje continuam a fazê-lo. Para essa corja poderosa de vigaristas e traidores, até a História Trágico-Marítima é um Livro de Viagens! 
Com essa cajadada mataram dois coelhos: transformaram o povo em puro gado de exportação (que nunca mais deixou de ser), e dispensaram-se do trabalhinho de alguma vez modernizarem, enriquecerem e organizarem o país. E isso é coisa que só as elites podem fazer (ou não fazer).
Enquanto esse império, que nunca chegou a sê-lo, não for digerido e excretado, não sairemos desta imensa azia!