segunda-feira, 14 de setembro de 2009

As Lições da Ilha da Páscoa

Com vénia ao dr. Luís Queirós
Presidente da Marktest e membro da ASPO Portugal


Perdida na imensidão do Oceano Pacífico, a cerca de 4.000 Km da costa chilena e a 2.000 da ilha mais próxima, a remota Ilha da Páscoa é o exemplo quase perfeito de um sistema económico e civilizacional isolado. Nela aconteceram coisas extraordinárias, que ainda hoje deixam intrigados os investigadores, etnólogos, arqueólogos e sociólogos.
A ilha foi descoberta para o mundo por um holandês, em 1722, no dia de Páscoa. E logo impressionou os seus descobridores: estava pejada de estátuas gigantes - os moais - com mais de 10 metros de altura, talhadas em pedra. Umas alinhadas em frente das praias, outras espalhadas pela ilha, outras que pareciam ter sido abandonadas a meio do transporte. Finalmente havia algumas ainda a ser talhadas no seio da rocha mãe, deixadas a meio do corte pelo estatuário.
Este cenário parecia traduzir um abandono repentino do local, como um grande plano que foi deixado a meio. Sucederam-se as interrogações: quem talhou as estátuas, por que razões foram esculpidas, como eram transportadas com o seu peso enorme (a maior tinha 270 toneladas!)? Não havia árvores à vista, a sugerir a utilização de alavancas ou engenhos, nem fibras vegetais que denunciassem a produção de cordame. Homens fortes e numerosos teriam sido necessários para tais tarefas! Mas essa imagem entrava em contradição com os nativos encontrados pelos descobridores: eram em número escasso, e fracos, e mal alimentados, e pouco activos.
Logo se aventaram hipóteses, chegando mesmo a falar-se da intervenção de extraterrestres. Mas foi Jared Diamond, no seu famoso best-seller “Colapso”, que trouxe uma interpretação para o que terá sucedido. A Ilha da Páscoa foi colonizada por povos oriundos da Polinésia que ali chegaram, nos seus pequenos barcos, ao sabor das correntes e dos ventos. Encontraram uma ilha densamente arborizada e nela prosperaram, tendo chegado a ser uns 30.000. A floresta dava-lhes lenha para se aquecerem, e abrigava aves e animais que serviam de alimento. Além disso fornecia-lhes madeira para construírem barcos de pesca, e fabricarem as alavancas e os rolos com que transportavam as estátuas.
Mas a exploração intensiva da floresta levou ao seu esgotamento. Os habitantes não fizeram a necessária reposição, o isolamento fez o resto, e a civilização colapsou. Apenas os moais nos permitem hoje reconstituir a tragédia ocorrida e extrair algumas lições:
1) O crescimento exponencial da utilização dos recursos pode levar ao seu rápido esgotamento.
2) Uma civilização pode extinguir-se, quando se extingue o seu principal recurso.
3) As coisas podem passar-se de repente e sem aviso.
Certamente que o abandono do último moai não terá coincidido com o corte da última árvore. Terá acontecido muito antes, quando a floresta escasseou, o alimento se tornou exíguo, e os clãs começaram a disputar a posse dos recursos que desapareciam. Este terá sido o tempo de uma crise profunda e angustiante, em que a população da Ilha se reduziu pela Guerra, pela Fome, pela Peste e pela Morte.
No mundo globalizado e voraz em que vivemos, isolado na imensidão do Cosmos, o nosso planeta é uma espécie de Ilha da Páscoa. A floresta que a natureza ofereceu aos pascoais representa os recursos da nossa energia fóssil, o petróleo em particular. E o mundo, indiferente aos avisos da história, continua a construir, um pouco por toda a parte, os seus moais. Atente-se ao que se passa no Dubai. E, com alguma perspicácia, talvez os identifiquemos à nossa porta.
O que aconteceu na Ilha da Páscoa foi uma tragédia para os habitantes. Mas esta história tem apenas o valor de uma metáfora, porventura não mais impressionante de que a história do “Lobo e dos três porquinhos”.
E como em tempos de crise não é agradável falar de tragédias, o melhor é promover a comédia. Voltemos, confiados, ao trabalho, que o combate pela retoma não pode esperar. Se deixarmos de talhar os nossos moais, que mais nos restará para fazer?!