sábado, 30 de setembro de 2017

Castrati, celibato e ignomínia

Para manter o timbre juvenil de contra-tenor, aristocratas e bispos nunca hesitaram: cortam-se os tomates ao menino e é um descanso.
Já no que respeita ao celibato, a coisa fia mais fino. Os cardeais de sapato vermelho não abdicam da tradição e da ignomínia. O celibato é para respeitar, porque é preciso dedicar tudo ao serviço divino.
É assim que os padres católicos engendram filhos às ninhadas, que são todos sobrinhos, afilhados e o caralho. Há dioceses na América que entram em falência.
Os pastores reformados têm família, mulher, humana natureza. Não sei o que disso pensa o papa Francisco, e também não sei como é que o conclave elegeu um bárbaro desses, dum sertão qualquer, a mando do santo espírito.
Toda esta ignomínia um dia custa caro ao Vaticano.

domingo, 24 de setembro de 2017

Ladrar à lua

Cada coisa tem seu tempo: uma máquina, uma obra, qualquer vida.
Todas as coisas têm um limite, além do qual se tornam sofrimento. Os mesmos deuses morrem quando chega o tempo, como as vozes das estrelas que há no firmamento. Lentamente fenecem, esgotadas.
É este o tempo de parar de ladrar e deixar a lua em paz.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Nobel

 

Tarde começou ele, mas acontece. E com tal força que daqui partiu meia dúzia de romances que puseram a Europa a ler-nos na década de oitenta. Desde os ecos de Camões que tal não acontecia, até chegar o Pessoa.
Mas já estava tudo aqui, na cabeça do autor e nas fábulas dos camponeses de Monte Lavre.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Jorge Luís Borges

 
Não há como ler quem sabe. Tudo o resto são conversas.
 
José Maria Eça de Queirós
 
O Mandarim
 
Nos finais do séc. XIX, Groussac pôde escrever com veracidade que ser famoso na América do Sul não era deixar de ser um desconhecido. Essa verdade, naqueles anos, era aplicável a Portugal. Famoso na sua pequena e ilustre pátria, José Maria Eça de Queirós (1845-1900) morreu quase ignorado pelas outras terras da Europa. A tardia crítica internacional consagra-o agora como um dos primeiros prosadores e romancistas da sua época.
Eça de Queirós foi esta coisa um tanto melancólica: um aristocrata pobre. Estudou Direito na Universidade de Coimbra e, uma vez terminado o curso, desempenhou um cargo medíocre numa província medíocre. Em 1869 acompanhou o seu amigo, o conde de Resende, à inauguração do canal de Suez. Passou do Egipto para a Palestina, e a evocação dessas andanças perdura em páginas que muitas gerações lêem e relêem. Três anos depois ingressou na carreira consular. Viveu em Havana, em Newcastle, em Bristol, na China e em Paris. O amor à literatura francesa nunca o abandonaria. Professou a estética do Parnaso e, nos seus muito diversos romances, a de Flaubert. Em O Primo Basílio (1878) notou-se a sombra tutelar de Madame Bovary, mas Emile Zola julgou que era superior ao seu indiscutível arquétipo e juntou à sua sentença estas palavras: fala-lhes um discípulo de Flaubert.
Cada oração que Eça de Queirós publicou fora limada e temperada, cada cena da vasta obra múltipla foi imaginada com probidade. O autor define-se como realista, mas esse realismo não exclui o quimérico, o sardónico, o amargo e o piedoso. Como o seu Portugal, que amava com carinho e com ironia, Eça de Queirós descobriu e revelou o Oriente. A história de O Mandarim (1880) é fantástica. Um das personagens é um demónio; a outra, a partir duma sórdida pensão de Lisboa, mata magicamente um mandarim que lança o seu papagaio de papel num terraço que fica no centro do Império Amarelo. A mente do leitor hospeda com alegria essa impossível fábula.
No ano final do séc. XIX, morreram em Paris dois homens de génio, Eça de Queirós e Oscar Wilde. Que eu saiba, nunca se conheceram, mas ter-se-iam entendido admiravelmente.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Desaba o mundo? E o que é que isso tem?!

Desde que um génio, já no ocaso, lhe prometeu o Nobel, o Gonçalo vive nas suas sete quintas. Deixa correr o marfim.
E constrói as suas fábulas a la Gregor Samsa, como o bom Kafka. Só lhe falta uma ruela em Praga e a paciência dos leitores.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

O Malhadinhas

"Provecto dos anos, uma tarde ergueu-se do borralho e saiu a porta para fora, amparado ao porretinho de marmeleiro. Andava há dias a chocar a morte e deixaram-no ir, que era relapso a prevenções e cuidados. Sentou-se no poial de pedra, que servia de amassadoiro do linho. Com mão incerta aconchegou as abas da capucha contra os joelhos regélidos. Nevara, codejara, e as árvores, com o sincelo, estalavam ao peso das candeias. António Malhadinhas fechou os olhos à semelhança do romeiro que torna de Santiago, farto de correr léguas, ver terras, passar pontes e vaus, enxotar cães que arremetem ameaçadores de currais e quintãs, e adormece a sonhar com o céu num recosto do caminho. Vergou brandamente a cabeça para o peito, ao tempo que os dedos lhe pendiam para o chão como vagens maduras. E - o Justo Juiz lhe perdoe as facadas, que as não deu em nenhum santo - nem se sentiu a atravessar as alpodras duma margem para a outra do negro rio."
Lisboa, 1922

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Agosto

Toda a vida assim foi. Quando a trampa em Portugal é muita, ou nele falta, monta-se um intercâmbio com o Brasil.
Fáxavor vão-se foder. Uns e outros!

domingo, 17 de setembro de 2017

Jorge de Sena, Camões e outros exilados 3

 
"(...) E isto para não falarmos de crimes literários e socio-morais de mais largo alcance, de que Camões era vítima nas escolas, parecendo até que nós éramos as vítimas dele. Porque, para além de encher-se a boca com a Fé e o Império, o poeta não servia para mais nada senão para exercícios de gramática estúpida; o que, tudo junto, chega para gerações lhe terem ganho alguma raiva e perdido o gosto de o ler.
E há mais e pior: quando no liceu líamos Os Lusíadas, éramos proibidos de ler as passagens consideradas mais chocantes pela pudicícia hipócrita desta nossa sociedade de sujeitos felizmente desavergonhados, que vivem a perseguir ou reprimir os pecados alheios. (...)
Já se disse que as personagens mais vivas e activas de Os Lusíadas são os deuses pagãos e não as criaturas históricas, mais pálidas e incaracterísticas do que elas. (...) Estes deuses, na dialética camoniana, sem a qual Camões se não entende, são ao mesmo tempo as emanações do princípio divino que desce à terra , e são a nossa humanidade ascendida e divinizada. (...)
Porque para o amor Camões arranja sempre uma desculpa, um louvor, ou a suprema divindade, porque esse amor é para ele a realidade última, e a realidade sempre presente. Sem amor não há heróis, nem há homens dignos desse nome. (...)
Ao escolher para assunto central da sua epopeia a viagem de Vasco da Gama, ele sabia perfeitamente que escolhia um momento decisivo da história universal; o encontro, para todo o sempre, para o bem e para o mal, da Europa com a Ásia, passando-se pela África.(...)
Tudo existe na sua obra: o orgulho e a indignação, a tristeza e a alegria prodigiosa, a amargura e o gosto de brincar, o desejo de ser-se um puro espírito de tudo isento, e a sensualidade mais desbragada. Leiam-no e amem-no."
(1977)

sábado, 16 de setembro de 2017

Raposeta pintalegreta, senhora de muita treta!

 
"No dia seguinte começou o curso. Foram objecto da primeira lição os inimigos da raposa, que são três. O inverno rigoroso, o bicho-homem e os cães. E a dona professora explicou: (...)
 
II
 
O homem é aquele bicho de duas pernas que parece que não tem medo de nada e tem medo de tudo, que quer saber tudo e não sabe nada, e por isso é mau, cruel e caprichoso. Inferior a nós na corrida, no faro e no ardil, inventou para nos combater as armas de fogo, as ratoeiras de ferro e os cães ensinados."
 
Vasta obra do Aquilino será hoje dispensável. Mas o Romance da Raposa e o Malhadinhas serão sempre irrecusáveis!

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Livros das férias, do pe. Anselmo Borges

" (...) Durante o primeiro milénio houve inclusivamente papas casados. Foi o papa Gregório VII, no séc. XI, que impôs ao mesmo tempo essa obrigatoriedade e o centralismo papal. Mesmo assim, foi só no concílio de Trento, no séc. XVI, que foi ratificado com carácter universal, obrigatório para todos os padres no ocidente.
Paulo VI empenhou-se a favor do celibato opcional, sem o conseguir. João Paulo II (o polaco) previu a abolição com estas palavras: Sinto que acontecerá, mas que não seja eu a vê-la.
Os escândalos sucederam-se. Diz-se que no concílio de Constança (1914-1918) compareceram 700 prostitutas. Houve papas filhos de papas. Depois da lei do celibato obrigatório, nos sécs. XV e XVI, foram vários os papas que geraram filhos, quer já papas, quer na sua condição anterior de bispos.(...)
Há hoje mais de cem mil padres casados, que formaram família e tiveram de abandonar o sacerdócio. E eu pergunto porque é que a igreja não aproveita tantos deles, que queriam e têm qualidades para o exercício do ministério."
[in DN]

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

O surpreendente caso da múmia paralítica da quinta da Coelha, e da vivenda Mariani, e da travessa do Possolo

A manhosa abencerragem que os indígenas portugas mais tempo suportaram no governo lá foi fazer uma perninha na universidade de verão do PPD.
A todos mais nos valera ter ela passado a vida a medir gasóleo numas bombas de Boliqueime. Mas os deuses são assim, caprichosos, imprevisíveis, impiedosos.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Passerelle

Mais que tudo, este belíssimo filme é uma passerelle onde a África oriental desfila, em todo o esplendor de faunas e paisagens. Só quem a conheceu.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Zangam-se as comadres...

Tudo começou por obra e graça deste esquerdalho, mal repeso dos velhos tempos de brasa, que criou corpo no grupo do grande feiticeiro da rua da Palma. Era uma salgalhada onde entrava a AOC, talvez fosse a UDP, seria a LCI? Era um tal que muito mais tarde haveria de prever este axioma: recusar o PEC 4 será já começar a sair da crise. Viu-se.
Hoje o esquerdalho confunde alegremente o ensaio com a literatura, amalgama na molhada o Zé Gil com o Eduardo Lourenço. Não foi autor por acaso, deus nos livre. E nunca editaria o José Rodrigues dos Santos, (esse pivot televisivo que pisca o olho!) e é de longe o escritor mais prolífico e lido em Portugal. 
Num português macarrónico, acha ele que a Balada da Praia dos Cães está ao nível do Memorial do Convento. E que o G. M. Tavares pode ajudar a chamar a atenção para a importância da obra de Agustina, tão esquecida ela anda. A imbecilidade distraída dos leitores possibilita tudo o resto.
Perante isto, Guilherme Valente, editor da Gradiva, tomou-se de brios e espingardeou. Confessa ele que "alguns (editores) trabalham hoje para os chamados grandes grupos, ou patrões, que procuram apenas o retorno financeiro dos investimentos". Diz que há devoluções dramáticas, e armazéns de livros que nem a preço de custo se venderiam. E assim vai diminuindo a diversidade na edição e na exposição, e desaparecendo os leitores. "Tudo em relação de causalidade implicante com a redução dos níveis de leitura - na universidade quase não se lê. Devido em parte, mas sobretudo à devastação educativa dos últimos 40 anos, em que não foi construída a escola que nunca tivemos, para enfrentar o que neste mundo novo foi afastando os jovens - e os adultos agora, até, digamos, 50 anos - do interesse pelo conhecimento e, logo, pela leitura" .
Olhando em frente (ou atrás), no panorama literário português recorda ele Redol, Abelaira, Rodrigues Miguéis e Camilo. Apostaria mesmo Eça.
Não te ponhas tu a pau, leitor, e depois queixa-te!

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Dá-me música!


Jorge de Sena, Camões e outros exilados

 
(Cont.)
 "Isto não sucedeu só agora, e não é senão repetição de outros momentos da nossa história sempre repetida entre o anseio de uma liberdade que ultrapassa os limites da liberdade possível e o desejo de ter-se um pai transcendente que nos livre de tomar decisões ou de assumir responsabilidades, seja ele um homem, um partido ou D. Sebastião. (...)
Sejamos francos e brutais. Há neste momento milhões de portugueses dispersos pelo mundo em mais de um continente, e não só na Europa de que são mão-de-obra. O país pensa neles e deseja recordar-se deles. Mas o país, na situação económica em que se encontra e toda a gente sabe desastrosa, não pode prescindir do dinheiro deles, ou do dinheiro que eles costumam enviar para a santa terrinha (...). Há quem diga e quem pense que celebrações como esta são uma compensação para a perda ou derrocada do império oferecida ao sentimento popular, e que isso das Comunidades é mesmo ainda pior: uma ideia do fascismo. (...) O celebrar-se no presente e no passado em sua gente, o homenagear essa gente e recordá-la aonde quer que viva ou tenha vivido, é um imperativo imarcessível da dignidade humana, num dos aspectos que a representa: o pertencer-se directa ou indirectamente a um povo, uma história, uma cultura que foi, é e será capaz de diversificar-se em outras. (...)
Pensarão alguns, acreditando no que se fez do pobre Camões durante séculos que celebrá-lo, ou meditá-lo e lê-lo é prestar homenagem a um reacionário horrível, um cantor de imperialismos nefandos, a um espírito preso à estreiteza mais tradicionalista da religião católica. Camões não tem culpa de ter vivido quando a Inquisição e a censura se instituíam todas poderosas (...) Camões não tem também culpa de ter sido transformado em símbolo dos orgulhos nacionais em diversos momentos da nossa história em que esse orgulho se viu deprimido e abatido. Claro que esse aproveitamento não teria sido possível se ele não  tivesse escrito Os Lusíadas. (...) E o ter sido usado, manipulado e treslido como Camões o foi é um dos preços que a grandeza paga neste mundo. " (Pág. 280).


domingo, 10 de setembro de 2017

Hermenêuticas

"Tanto do meu estado me acho incerto
Que em vivo ardor tremendo estou de frio."
[Lírica de Camões]
Leitura de qualquer cafre: o poeta está com uma aguda crise de paludismo! Quem o contraditará?

sábado, 9 de setembro de 2017

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

La Folia