domingo, 31 de janeiro de 2016

No meio disto tudo

Foi há uns anos. Quando perguntei ao psi o que podemos fazer no meio disto tudo, respondeu-me prontamente: fazer o que fazemos o melhor que sabemos. A pitonisa não diria melhor!
Hoje resolvi fazer um bolo de bolachas, pela primeira vez. Fartei-me de bater o creme caseiro, a batedeira foi quem me valeu, coisas de lata são simples mas mofinas. Quando acabei era noite e eu nem dei conta, mas doíam-me as espáduas de varão. O bolo agora precisa de marinar. Só pode sair dali mais-que-perfeito!

Fariseus puros

Não se dá importância a pormenores, lá se fodam, muito bem. Mas daí a comerem-nos por parvos alto lá!

sábado, 30 de janeiro de 2016

Pé à tábua

O dinossauro em que me desloco tem 40 anos. Há dias precisou duma peça que os alemães descobriram num cafundó de velharias, Salvou-se ele e salvei-me eu.
Mas vou à vila e a minha alma fica parva. Os Mercedes reluzentes são às dúzias, a tropeçar em Audis de 300 cavalos, em BMW's todo-o-terreno que se hão-de pagar ao banco. Os Toyotas, os Fiat e os Renault são coisas de patoléu.
Para não falarmos agora do Ferrari do médico. Promovida há uns tempos a cidade, a Mêda não passa duma aldeia grande, com uma avenida no meio, oitocentos metros de recta. Aí leva o pé à tábua, o Fangio. 
E dizem eles, uns burguesotes confusos, que o Sócrates nos deixou na bancarrota. Sem corarem de vergonha!

Até ao fim

Li não sei onde que o último romance de António Lobo Antunes, Da Natureza Dos Deuses,  é o melhor de todos eles. Não faço ideia nenhuma. Exceptuando as Crónicas, em que é insuperável, há muito que o não leio.
Houve um tempo em que o Lobo Antunes e o Saramago, cada um deles a seu modo, foram inovadores e salvíficos para a nossa literatura. Puseram a Europa a ler-nos. Depois disso, cada um deles a seu modo, tornaram-se irrelevantes. E ao fim duma dúzia de obras o Antunes assumiu a condição de génio. Passou a tratar em conformidade a literatura e os leitores e deixei de o ler.
O livro está ali no escaparate da livraria, uma tentação de 600 páginas. Na contra-capa cita o El País: "Um autor com uma facilidade prodigiosa para enlaçar obras-primas, que dentro de cinco mil anos, em argila ou em pó de estrelas, continuarão a ser lidas com paixão."  
E eu, que me perco por paixões e nessa altura já cá não estarei, decido arriscar-me pela última vez. Faço a promessa de não desistir na página cinquenta e vou lê-lo até ao fim.
Desistia, se pudesse, a meio da sessão das 19 horas, ali no São João: O Doce Pássaro da Juventude, de Tennessee Williams, encenação de Jorge Silva Melo. 
Os incómodos assentos de pau, onde as cadeiras não cabem e os cotovelos sobram, são coisas que já não existem. Se tivesse escolhido um lugar na plateia estava frito. Actores há que à má dicção somam a pressa, um tempo inadequado. Outros há que têm peito mas berram.
A toada geral é narrativa, não há tensão dramática nem pathos, conforme os modernos usam. As personagens estão ali a falar, a certa altura calam-se todos, acendem as luzes, a plateia bate palmas, sabemos que acabou.
Esqueci-me de ficar perto da coxia, para sair mal me agradasse. Lá fiquei até ao fim.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

"O intelectual de si mesmo"

« (...) Não se pode pensar que há uma razão intrínseca e uma necessidade interna que justifiquem o fervilhar de acontecimentos culturais que requerem a presença dos escritores — festivais, apresentações, sessões, leituras, mesas-redondas, debates, conversas, intervenções, conferências, colóquios, discussões, talk shows. 
Esta cultura das manifestações que não se sabe bem o que manifestam tem os mais variados pretextos (o mais comum é o da “promoção dos livros e da leitura”) e surgiu para servir os mecanismos e estratégias comerciais das editoras (nada que não seja legal e legítimo), que se alimentam de uma nova lógica da condição do trabalho do escritor, da sua difusão e legitimação. 
Não existiriam todas estas manifestações culturais se elas não fossem exigidas pela nova figura do escritor e do intelectual, o “intelectual de si mesmo”. E, portanto, participar nelas é sujeitar-se às condição desse trabalho intelectual, tal como o neoliberalismo as configurou. (...)» (António Guerreiro, in Ipsilon)

Canalhices

Tomemos como exemplo estes dois manipansos.
Aqui há uns anos, Mário Nogueira, esse César de bigodes, comandou Avenida abaixo uma legião de duzentos mil professores, filhos, amigos, parentes e demais familiares contra a ministra sinistra do governo de Sócrates, porque ela pretendia estabelecer uma avaliação dos docentes da escola pública. A ministra lá foi na enxurrada, e os professores acabaram, coitados deles, pendurados num gancho do açougue do Crato. Desde então o Nogueira entrou em modo silencioso, limitado à apresentação de irrelevantes providências cautelares. Até que os ventos mudaram.
Hoje é Arménio Carlos, da CGTP, que decreta uma greve na função pública, porque as 35 horas semanais, já previstas pelo governo do Costa, são inadiáveis e urgentes. São mesmo um afogadilho, questão de vida ou de morte! Pouco importa que os burocratas parasitas da Europa, e as hienas do rating da finança, e os sipaios dum governo de bisnetos de negreiros que aí houve já se babem de gozo, perante as dificuldades do projecto de orçamento que o Centeno apresentou a Bruxelas.
O Nogueira e o Arménio têm um traço comum: são dois braços do comité central, que anda aí à procura dos portões do palácio de inverno, e entrou em catalepsia com os resultados (inesperados?!) das presidenciais. E há estranhezas nisto tudo: ou esbracejar frenético de náufragos, ou falta dum GPS, ou idolatrias de seita, ou tacticismos canalhas. Oxalá no fim não sobre, ao país e ao povo dele, um travo a papel de música na boca!

ADENDA: Se o PC se vai esfumar sossegadinho no seu canto ou se vai arrastar o PS na sua queda (como os “duros” querem) é o que resta apurar. Seja como for, a agonia do comunismo irá com certeza produzir uma guerra na esquerda, que pode levar o regime à ruína. VPV in PÚBLICO.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A França

A autora não me comove, nem como escriba nem como personalidade. Mas leio o seu relato (com filtros), para saber o que ela viu em Florença, em Veneza, em Londres, em Paris, em Berlim, em Sampetersburgo, que lugares visitou e que opiniões colheu. Não desperdicei o tempo!

«(...) Mas o que me impressionou não foi a árvore (robinia pseudoacacia), mas o que li noutra placa, onde se informava que naquele bairro haviam sido presas cerca duma centena de crianças judias, mais tarde deportadas para a Alemanha. " Presas pela polícia do governo de Vichy, mais de 11 mil crianças foram deportadas de França entre 1942 e 1944 e depois assassinadas em Auschwitz, por terem nascido judias." (...) 
Não é fácil determinar o grau de anti-semitismo existente na sociedade francesa, quer nos dias que correm, quer durante a 2ª Grande Guerra, quer aquando do caso Dreyfus, mas sabemos ser e ter sido elevado. Um ano antes de morrer, um dos meus invisíveis companheiros, Eça de Queiroz, fazia um balanço sobre o país, a França, onde desde há onze anos era cônsul. Antes de o citar, tenho de relembrar o episódio a que se refere.
Em 1894, um capitão de origem judia, Alfred Dreyfus foi acusado de ter entregado na embaixada alemã em Paris documentos secretos, após o que fora condenado a prisão perpétua e deportado para a ilha do Diabo, na Guiana francesa. Cinco anos depois surgiam provas de que o verdadeiro culpado era o major Esterhazy, que estranhamente seria ilibado. A 13 de Janeiro de 1898, após Zola ter publicado o artigo "J' Accuse" no jornal Aurore, começava o movimento pró-Dreyfus: a França dividia-se. Em 1899, Dreyfus era mandado regressar a Paris para se proceder a um novo julgamento. Para surpresa de muitos, voltaria a ser condenado.
Eça ficou indignado. Eis o que, a 26 de Setembro de 1899, dizia a um seu amigo brasileiro, Domício da Gama: "Também eu senti grande tristeza com a indecente recondenação de Dreyfus. Sobretudo talvez porque com ela morreram os últimos gestos, ainda teimosos, do meu velho amor latino pela França." Aproveitava para ajustar contas com o país que tanto amara. " A França nunca foi na realidade uma exaltada de Justiça, nem mesmo uma amiga dos oprimidos. Esses sentimentos de alto humanismo pertenceram sempre e unicamente a uma elite, que os tinha, parte por espírito jurídico, parte por um fundo inconsciente de idealismo evangélico". 
É verdade, reconhecia, que ali tinham ocorrido revoluções generosas, "mas logo, com o Império, a França se recuperou, regressou à sua natureza natural, e recomeçou a ser como sempre a Nação videira, formigueira, egoísta, seca, cúpida." Devia talvez acrescentar cruel, porque, de facto, todas as grandes crueldades da História Moderna, desde a guerra dos Albigenses até às matanças de Setembro (huguenotes) têm sido cometidas pela França.
"Em nenhuma outra nação se encontra uma tão larga massa de povo para unanimemente desejar a condenação de um inocente e voltar as costas, ou mesmo ladrar injúrias, à sua longa agonia." (...)»
Cont.http://ladraralua.blogspot.pt/2016/02/curiosidades.html

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Ó pateta Alegre!

Faz um favor ao país, a ti próprio e a nós todos! Vai-te foder e leva o teu umbigo!

Remissões

(...) E, arremessando a bíblia, o velho abade 
Murmurou: 
«Há mais fé e há mais verdade, 
Há mais Deus com certeza 
Nos cardos secos dum rochedo nu 
Que nessa bíblia antiga... Ó Natureza, 
A única bíblia verdadeira és tu!...»

[Excerto do poema O Melro, A Velhice do Padre Eterno, de Guerra Junqueiro.]

Alfredo Cunha

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Floreados

O palestrante vem da universidade da Covilhã para falar de "Vergílio Ferreira no século XXI" e é um privilégio ouvi-lo: discurso oral fluente sem improvisações, boa dicção, muito saber e um pensamento ordenado. Muito se aprende com ele, mesmo quando se discorda. E aquilo que mais nos falta é uma boa polémica, embora não pareça.
O palestrante não disfarça a sobrevalorização do pensamento precursor, quiçá visionário, de VF, enquanto autor. Está a falar de literatura, mas omite que oitenta por cento dela é a  linguagem e as formas, e as suas malas-artes narrativas. Antes do pensamento e da reflexão (domínios do ensaio), é da linguagem que a literatura é feita.
Na opinião do palestrante, "obras como Manhã Submersa (1954) ou Aparição (1959) assumem já uma perspectiva existencialista, bebida em Dostoievsky, Sartre ou Malraux - o próprio VF  dizia que Eça de Queirós o ensinou a escrever e o autor de A Condição Humana o ensinou a pensar. (...) Se os seus romances de ideias - com personagens que discutem a missão da arte, a função do intelectual ou as grandes questões com que se debate uma condição humana desapossada de Deus - o tornam um caso à parte na ficção portuguesa, é ainda mais invulgar o modo como essa dimensão reflexiva, pensante, se cruza com uma escrita de forte dimensão poética."
Não admira que VF seguisse por então os modelos franceses, que eram há muitas décadas o alimento indígena. Só que esse gesto era um anacronismo. Os criativos do nouveau roman, os surrealistas, os existencialistas e outros teóricos formalistas da morte de Deus, do homem e do autor, frutificavam numa cultura que levava cem anos de avanço sobre a portuguesa. Em 1960 a sociedade portuguesa vivia ainda na medievalidade do ancien régime. As consignas estéticas e sociais duma literatura digna desse nome constavam da escola neo-realista, de que VF se afastou.
Daí a polémica com Alexandre Pinheiro Torres, que considerou obnóxio um romance como Estrela Polar (1962), passado em Penalva (a Guarda), onde todas as personagens se entregam às mais sofisticadas reflexões. "Toda a gente filosofa em Penalva, transformada em cave existencialista da Serra da Estrela". Nem surpreende que um Baptista Bastos menos paciente tenha ameaçado ir às fuças a VF. 
Na arte em geral, e na literatura em particular, é como na vida: cada coisa a seu modo e a seu tempo. Fora disso há floreados.
(Continua)

Educação, ciência, inovação e tecnologia?!

Mas isto era o programa dum primeiro-ministro que aí houve há anos! Um tipo que acabou numa cela em Évora, às mãos duma corporação poderosíssima, cujos interesses ousou beliscar. 
Ainda hoje não tem acusação formada, e muito menos sentença condenatória transitada em julgado. Nem vai tê-las tão depressa, embora esteja há muito condenado por uma opinião pública de alarves, induzida pela comunicação social mercenária, pelas fugas selectivas ao segredo de justiça por parte de magistrados, e por semelhantes agressões ao estado de direito. 
É caso já repetido, na desgraçada história a que fechamos os olhos!

Rescaldo

« (...) Os ricos têm sempre razão, já que, quando a não têm, vem a fraqueza dos pobres oferecer-lha. (...)»
[As Aves Levantam Contra o Vento, ed. Quasi, 2007]

domingo, 24 de janeiro de 2016

Um lindo enterro

O autocarro vai cheio. Sobretudo de jovens das universidades, essa nata do pensamento e do saber da nação. Os mais deles vão ligados, confinados a ecrãs deslizantes, ou picotando teclados luminosos. Alguns deles mais que um.
As urnas há muito que fecharam, a esta hora haverá projecções, tendências, previsões de resultados. Não se detecta em ninguém o mais ínfimo sinal de curiosidade. Pareço-me cercado de zombies doentes, que ninguém diagnosticou.
Pelo telefone venho a saber que o gaulês do peixe podre é muito bem capaz de ganhar à primeira. Baste para concluir que havemos todos de ter um lindo enterro. E merecemos o que temos!

sábado, 23 de janeiro de 2016

Reflexões

[Alfredo Cunha]
Céu sereno. Lua cheia. Reflexões repousantes. Haverá segunda volta, entre o Nóvoa e o peixeiro gaulês. 
Aí os fogueteiros figurantes libertam o palco, fugaz e transitório. Dez por cento dos eleitores deles passam-se para o peixe podre; cinco por cento abstêm-se; os restantes farão o que deve ser feito.
Vou dormir muito tranquilo.

Serra

[Alfredo Cunha]

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Olha só!

Isto a compor-se!

Post scriptum

Embora sejam originais, estes desenhos foram retocados por um familiar, muito depois do regresso do combatente. A caderneta apresenta, no final do relato, uma interessantíssima cantiga de mote (1)), que parcialmente também foi retocada. Certamente um exercício de memória, foi escrita originalmente pelo soldado. E embora dela constem dados biográficos, nada indica que seja criação integral dele. 
E uma segunda composição poética (2)).  

1)
Fui tocador de rabeca
estive três anos em Angola
sem ser padre disse missa
já sei cantar a espanhola

Sem cantar fui um poeta
sem arma fui caçador
sem ir à igreja fui prior
sem ser galo tive crista
sem trajar fui um fadista
calado fui um poeta
sem cabeça fui careca
sem pensar deitei (?) planos
antes de nascer 9 anos
fui tocador de rabeca

Quieto fiz espalhafatos
gente ao pé sem me escutar
sem lume pus-me a fumar
sem nariz cheirei tabaco
sem ter corpo rompi fato
sem calçado rompi sola
sem dedos toco viola
nasci ao mundo sem mãe
sem passar o mar além
estive 3 anos em Angola

Fui sábio sem descrição
fui doutor sem livraria
antes de eu nascer um dia
fui jogador de pião
sem baptismo fui cristão
sem gosto tomei cobiça
era esperto na preguiça
a mentir falo verdade
com esta minha habilidade
sem ser padre disse missa

Deitado armava bulhas
calado cantava aos fados
com os olhos habituados
de noite enfiava agulhas
sem lume via fagulhas
sem estudo jogava à bola
sem cordas toco viola
tenho um realejo inglês
na Itália fui francês
já sei cantar a espanhola.

2)
Jacinta caso com ela
não sei que sinto no peito
quando te não vejo querida
só tu és a minha vida
só por ti ando sujeito

quando na cama me deito
sinto então terrível dor
logo se me alegra o peito
debaixo do cobertor

Às vezes fico cismando
nas perfeições que te vi
meu rosto alegre se ri
esperando ter melhor sorte
eu quero antes da morte
entregar-me todo a ti

Teu (?) corpo gentil airoso
é o símbolo da bondade
por isso cara beldade
cativou-me o teu semblante.







CEP 10

Nos abrigos das trincheiras / vejo-me em guerra metido / sujeito meu coração / às balas do inimigo.
Com a minha arma na mão / estou cumprindo o meu dever / pronto a matar ou morrer / dum golpe dum alemão.
Oiço troar os canhões / oiço metralhadoras ligeiras / com pólvora nas cartucheiras / aqui espero a minha sorte / muito sujeito à morte / nos abrigos das trincheiras.
Nesta morada onde me vejo metido / já oiço cantar as balas / matando alguns camaradas / vejo caveiras mirradas / vejo os feridos a gemer / vejo além um jazigo / onde moram amigos meus / para lá irão meus ossos / estou em guerra metido / aqui vejo o triste fim / de meus amigos e companheiros / morrer com grandes morteiros / o mesmo me acontecerá a mim / em triste hora eu nasci / digo de meu coração / deixo esta recordação / ainda antes de morrer / para a pátria defender / sujeito meu coração.
Ao ver isto é triste / em tudo devemos pensar / não a vida desgraçada / do que é a dum militar.
Anda um pai a criar / um filho com tanto mimo / na flor da sua idade / morre como um passarinho.
Ouvir o falar dum pai / até corta o coração / vai querido filho vai / cumprir a tua obrigação.
Também diz a triste mãe / com o seu coração magoado / é medonho ver partir / um filho para soldado.
É bem triste a despedida / dum filho que vai para a guerra / vai com a esperança perdida / de voltar à sua terra.
Uma mãe fica pensando / chorando e dando ais / diz adeus aos seus filhos / talvez para nunca mais.
Oh que grande alegria / voltar-se à nossa terra / todos lhe vão procurar / pelos efeitos da guerra.
Nós sofremos nas trincheiras / grandes golpes e facadas / passando as tristes noites / debaixo das orvalhadas.
E a noite ( ? ) de alerta / em seguida a madrugada / o frio nos faz gemer / é triste a noite gelada.
O sol mal se desloca / a partir do horizonte / aquecendo com seus raios / através do longo monte.
Vem iluminar os vales / que se encontram desbaratados / pelo terrível tiroteio / é que andamos arriscados.
Quando se trava um combate / ou que estamos arriscados / nós sofremos grandes golpes / por causa daqueles malvados.
Temem-se as nossas famílias / nas nossas povoações / choram lágrimas de sangue / e fazendo orações.
Ao ouvir os ais duma mãe / e pensando nas suas falas / adeus filho da minha alma / que vais sujeito às balas.
Pensa bem meu querido filho / nos perigos em que te vais meter / só deus do céu é que pode / à tua sorte valer.
Não sei que coragem é a tua / que ainda te vais a rir / vais defender a liberdade / de que nos querem proibir.
Adeus mulher linda e bela / que para mim foste criada / eu cá vou para a triste guerra / vou seguir minha jornada.
Chega a hora da despedida / dos seus filhos a chorar / não a coisa que mais custa / que é ir para a guerra abalar.
Deus nos cubra de bênção / adeus meus queridos filhinhos / diz o pai para os filhos / cobrindo-os de beijinhos.                     
FIM

Madrugada

Duas frustrações hei-de levar um dia, é já fatal: nunca ter sabido fazer a travessia de moto da Lapa a Vladivostoque, Sibéria fora; e partir sem ter na mão um instrumento que saiba dedilhar, qualquer deles me servia. Dói mas dizem que há sorte pior. Não acredito.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A única coisa

Aquilo que derrubou o segundo governo de Sócrates, há uns anos, foi só a maior crise financeira dos últimos oitenta anos, com que a América brindou a desgraçada Europa.
Não bastava o ódio classista das elites parasitas, nem a gula revanchista dessa tropa de sipaios e bisnetos de negreiros que aí andaram a achincalhar a pátria, com a cumplicidade irresponsável duma esquerdalhada confusa.
Ao Costa, o novo primeiro-ministro, aquilo que o pode derrubar há-de ser a miopia das elites europeias, e a arma da austeridade que apontaram aos povos. E a cumplicidade irresponsável da esquerdalhada alegre. Para derrubar o Costa não basta a fúria impotente desta nossa elite fadista, que aí anda a rosnar pelas esquinas, apoiada numa tropa de mercenários do jornalismo.

Há um século e meio

« (...) Nunca discuti, nem jamais discutirei com quem quer que seja, o valor literário duma obra minha. Um livro atirado ao público equivale a um filho atirado à roda. Entrego-o ao destino, abandono-o à sorte. Que seja feliz é o que eu lhe desejo; mas, se o não for, também não verterei uma lágrima. Não faço versos por vaidade literária. Faço-os pela mesma razão por que o pinheiro faz resina, a pereira pêras, e a macieira maçãs: é uma simples fatalidade orgânica. Os meus Livros imprimo-os para o público, mas escrevo-os para mim. (...) 
A nossa obra é o nosso monumento. Não o cerquemos de grades de ferro, com sentinelas armadas para o proteger, nem desperdicemos a existência a doirá-lo constantemente de novo a oiro fino, a brunir-lhe as asperezas com o esmeril dulcíssimo do amor-próprio e a sacudir-lhe as teias de aranha irreverentes com um espanador (!) feito de grandes caudas de pavão. (...) 
Sim, o crítico dos críticos é só ele - o tempo. Infalível e insubordinável. As grandes obras são como as grandes montanhas. De longe, vêem-se melhor. E as obras secundárias, essas, quanto maior for sendo a distância, mais imperceptíveis se irão tornando. Não falo de mim, porque não sou vaidoso nem orgulhoso. A vaidade é o orgulho dos imbecis e o orgulho é a vaidade dos génios. Ora eu francamente não pertenço a nenhuma dessas categorias. O triunfo, o aplauso público, a rajada de incenso não tem o dom de me embriagar Não me estonteia o cérebro a vulgar monomania das grandezas literárias. (...)»
[Guerra Junqueiro, 1887. Prefácio à 2 edição de A Velhice do Padre Eterno]

A estupidez não é condenação

Névoa espessa, visibilidade escassa, os voos estão cancelados. Até a caminhada matinal. São assim os tempo de Saturno, esse velho pagão que adormeceu até ao solstício.
Ele virá, e a urna do presidente é uma ajuda. No meio da algaravia dum par de regateiras, da gargalhada alegre duns palhaços pintados, e dos cozinhados de fusão duns traidores revanchistas, parece confusa a escolha pela cruzinha no Nóvoa. Mas não é, nem há-de ser. Que a estupidez não é uma condenação.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

CEP 9

No dia 5 de Julho / um facto aconteceu / vinha uma patrulha alemã / quanta vinha quanta morreu.
Era meia noite em ponto / quando vinha o inimigo / a sentinela deu conta / logo lhe deu fogo vivo.
Estavam 6 camaradas / todos naquele posto / foram os que os mataram / que aquilo foi um gosto.
No fim foram-nos buscar / para serem enterrados / só um é que estava ferido / e os outros estavam estrumados.
E aquele que estava ferido / não fazia se não gemer / um deles logo o acabou / para não estar a padecer.
Um rapaz da minha terra / também os ajudou a matar / e depois de todos mortos / ainda os ajudou a acarretar.
Acarretava-os todos às costas / mas aquilo de repente / para o peso que lhe faziam / disse que nem lhe parecia gente.
Outros levava-os de rastos / como o cilindro na estrada / ainda depois de mortos / lhes dava pandeirada.
Nós fazemos este serviço / mas não é de coração / é porque somos obrigados / a andar com arma na mão.
É uma vida muito triste / já muito o tenho pensado / foi sorte que deus nos deu / já o tínhamos determinado.
Andamos cá três rapazes / todos 3 da mesma terra / em má hora nós nascemos / para virmos para esta guerra.
Nós somos 3 infelizes / e sorte que na gente cai / 2 já não têm mãe / outro não tem mãe nem pai.
É uma coisa que causa pena / já nenhum (de nós) termos mãe / quando ela é a maior alegria / que a gente no mundo tem.
Quando marchei para a França / de tudo me despedi / de toda a minha família / mas minha mãe não a vi.
Despedi-me de meu pai / que tanto bem me queria / que o não tornarei a ver / adeus meu pai até um dia.
Meu pai estava a chorar / porque me não tornaria a ver / que vinha para esta guerra / vinha sujeito a morrer.
Eu respondi a meu pai / não chore nem tenha paixão / que eu se morrer na batalha / é a defender a nação.
Ainda estou bem verto / quando meu pai me deu a mão / quando andasse a combater / que me lembrasse de S tião.
Dei um adeus a meu pai / com um bocadinho de riso / adeus meu pai até um dia / será dia de juízo.
Esta minha despedida / a meu pai causou paixão / em vir morrer desta idade / por causa do alemão.
Deu-me o último abraço / e não me queria deixar / adeus meu filho adeus / que não tornas cá a voltar.
Os meus irmãos coitadinhos / custiu-lhes ver-me abalar / adeus meu irmão adeus / vais passar águas do mar.
Um meu irmão mais velho / custou-lhe mais do que a morte / de 3 irmãos que nós somos / só a ti te calhou a sorte.
O que custava a meu pai / não saber para onde eu ia / adeus meu filho adeus / deus vá em tua companhia.
Eu não sei para onde vais / já te não torno a ver / palpita-me o coração / que vais para a França morrer.
Vai-te embora adeus meu filho / eu fico aqui sozinho / vais para a frança a combater / adeus adeus meu filhinho.
Se não morreres torna a vir / tu bem sabes onde estou / vais cumprir o teu dever / porque a sorte te calhou.
Enquanto não tornares a vir / nunca mais tenho alegria / quando andares a combater / a ver se tens valentia.
Já sei que vais para a guerra / sujeito a todo o perigo / palpita-me que vais morrer / com balas do inimigo.
Só em ti calhou a sorte / meu filho que és soldado / esta tua despedida / imita um degredado.
Umas penas como estas / nunca pensei que sofria / em abalares para a França / a quem tanto bem eu queria.
Esta guerra é terrível / como nunca vi nenhuma / tanto homem por lá fica / sem terem culpa nenhuma.
Isto não havia de ser assim / os soldados a combater / haviam de ser os ministros / que querem enriquecer.
Obrigam-te a ti a vir / e muitos mais soldados / e (des!) sujeitos à morte / e eles estão descansados.
Logo que a sorte te calhou / meu filho vais abalar / a senhora do livramento / é quem te pode salvar.
Eu fico aqui já velhinho / não sei para onde hei-de ir / todos os dias lhe rezo / e por ti lhe hei-de pedir.
Fui eu que te criei / para teres esta desgraça / não imaginas meu filho / a paixão que por mim passa.
Eu choro e tenho pena / porque vais muito arriscado / vais sujeito a ficar lá / por das balas seres varado.
Despede-te de toda a gente / desta nossa povoação / que não tornarás cá a vir / a todos pede perdão.
Tu tem um bom coração / não te importe de malícias / enquanto por lá fores vivo / manda sempre as tuas notícias.
Não demores as tuas cartas / para este teu pai querido / vai ao menos escrevendo / enquanto fores vivo.
(Cont.)

Ora toma lá!

Tu aí, ó da gesta gloriosa, ou da diáspora, ou do rástaparta!

Auto-frugalismo

Quando quero descansar os olhos, saio ao alpendre e lavo-os na encosta, até ao horizonte.
Quando me vêm as ganas de arvoredos verdes, vou ao parque municipal. É uma catedral pagã, dum gótico fascinante, mesmo se não tem vitrais. Mas tem lá dentro cedros do Himalaia, e bordos da Noruega, e castanheiros da Índia, e ciprestes do Arizona, e tuias americanas, e teixos, e mostajeiros, e sequóias-sempre-verdes, e abetos do Cáucaso, e pinheiros da Ponderosa, e freixos e azinheiras e plátanos e robínias e ulmeiros e castanheiros e sobreiros e carvalhos de trinta metros de altura.
Quando me falta um país, apago a luz das memórias e sonho com o centro da Europa.
Para ouvir cantar o cuco e rever as andorinhas, espero pelo solstício. Com este frugalismo que aí anda, não podemos ter tudo ao mesmo tempo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Alfredo Cunha

Em Ponte de Lima?

CEP 8

Agora conto das máscaras / que me acompanham todo o dia / elas não podem dar fogo / mas têm muita sabedoria.
Os alemães botam os gases / com quanta força tiver / eu logo a ponho na cara / isso é o que ela quer.
Os gases andam por ali / e ela não lhe dá cuidado/ às vezes vai-me sizendo / rapaz está sossegado.
Quero-a muito estimada / não lhe quero dar castigo / quando me vou à cama / ela vai dormir comiggo.
Quando me deito na cama / é só para dormir / mas ela nunca dorme / porque os gases podem vir.
Os soldados cá na guerra / durante a noite não dormem/ a máscara quer-se estimada / porque é a vida dum homem.
A máscara é muito boa / e digo que é esperta / oiço tocar o chocalho / ponho logo gases alerta.
Eu não sei de quem é filha / que tem tanta esperteza / ouve tocar os chocalhos / já há gases com certeza.
Os alemães são falseiros / como o Kaiser alemão / têm gases asfixiantes / para matarem à traição.
Eles são tão traiçoeiros / fazem minas pela terra / já não têm munição / para defender a guerra.
Não têm artilharia / porque lhes custa dinheiro / só o que empregam na trincheira / é só raio do morteiro.
É uma arma infernal / dá cabo do parapeito / nós vêmo-los vir no ar / todos lhe guardam respeito.
Nós não nos podemos vingar / porque somos de Infantaria / mas pedimos o SOS / da nossa artilharia.
A artilharia dá-lhes fogo / eles já não querem saber / botam todos a fugir / que têm medo de morrer.
Temos matado muito alemão / e é uma morte bem boa / só o que ainda não matámos / foi uma mulher alemôa.
Essas também são falseiras / que são da mesma nação / ficam lá para a retaguarda / a (sanjarem ?) criÇõ.
O que podem pedir a deus / é não irmos avançar / que quantas apanhássemos / todas havíamos de capar.
Sou muito bom capador / nunca me morreu nenhuma / tenho muito boa ferramenta / que até é uma verruma.
Mas para as mulheres alemãs / usava doutra maneira / era com o meu canivete / que trago na minha algibeira.
Eu quando estou a capar / logo ponho as minhas luvas / para ficarem bem capadas / para lhe chegar às (verrugas?).
Na Alemanha há capadores / mas só capam uma  vez / por bem que eles estudem / não chegam ao português.
Portugal é (mais) pequenino / do que as outras nações / declararam-lhe guerra / mas não o levam com duas razões.
Os alemães diziam / que não tinham medo a Portugal / agora já dizem eles / que gente tão infernal.
Bem sei por que dizem isto / porque lhes vamos ao pêlo / cá para nós um alemão / mata-se como um coelho.
Bem sei que é mal feito / matamo-los de baioneta armada / nós também temos dó deles / mas a gente é obrigada.
Morrem ali na trincheira / estreitinha como um quelho / mas morrer por morrer / morra meu pai que é mais velho.
(Cont.)

Cordas

De rua.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Despautério

O fulano que veio de Boliqueime, e de cujo crânio Boliqueime não saiu, destratou tanto a função que só podia dar nisto: um bando de sem-abrigo achou chegado o momento de despachar no palácio de Belém.
E deu neste despautério. Todos confundem as dimensões do cargo com a largura da rua onde nasceram e o bairro onde são desconhecidos. Uns pregam sermões salvíficos que hão-de resgatar o mundo. Outros delineiam estratégias, soluções governativas, piedosas intenções. 
São respeitáveis anónimos e assim deviam ficar, não fora esta cega paranóia em que estamos atolados. Todos juram, os alarves, que hão-de ir à segunda volta. E o que fazem são serviços aos traidores revanchistas, que ainda não desistiram de restringir os danos e recuperar poder. O palácio cor-de-rosa é a fissura que lhes resta.

Viúvas

Em Novembro, quando os castanheiros se vestiam de fulgores antes de adormecerem, passavam na vereda escuros vultos. Eram viúvas, arrimadas num apoio, com capas improvisadas. Traziam no braço, nas cestas de verga, as últimas castanhas, e os martelos de madeira da função.
Os homens delas morreram há muito e algumas têm pena. Quando eram vivos, a aldeia fervilhava de gente que não tinha um palmo de terra onde plantar uma couve. As terras tinham dono, os castanheiros eram dos senhores, os pinhais eram dos senhores que viviam lá longe. Há trezentos anos que o mundo se não movia, num silêncio medievo. Nesse tempo eram eles que iam lá a casa a arrecadar as castanhas do dia, que apanhavam de meias, ou de terças, ou de quartas. A casa também era dos senhores e o meu pai era o feitor.
As coisas começaram a mudar a partir de 60, quando os servos da gleba se puseram a fugir para as obras de França, pela mão de passadores. Os senhores foram vendendo as terras a troco de moeda forte. Mas a idade média só deu sinais de findar quando Abril aconteceu e cá chegou.
Hoje são elas as donas dos castanheiros ainda vivos. E são elas que passam, em Novembro, uns vultos alquebrados de guardiãs do mundo. Lá estarão para lhe fechar os olhos, se um dia ele acabar.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Eleições?! Uma tropa de "candidatos" sem-abrigo!

Tomado AQUI:

«(...) O PS direitista está a estender a passadeira vermelha ao seu carrasco próximo futuro.

Costa acaba de declarar guerra aberta à direita, fazendo suas as bandeiras da governação de Sócrates: novas oportunidades, energias renováveis, mobilidade electrica, inovação tecnológica, simplex… Vai-lhe cair em cima o poder esmagador da comunicação social totalmente dominada pela direita. Penso que nem a ajuda, agora, do BE e do PCP, lhe vão valer. Se Marcelo ganhar, preparemo-nos para o pior. Penso que as esquerdas que sustentam o governo não viram bem o que faziam ao dividirem-se para este acto eleitoral. Para mim, é um erro semelhante ao do BE e do PCP quando, em 2011, se aliaram, alegremente, à extrema direita para derrubar Sócrates e provocar a vinda da troika.
Com políticos tão curtos de vista nas esquerdas, estamos bem fodidos.»

Geada

É de prados brancos, a manhã, pintados pela geada. Os gados ainda dormem, recolhidos, se andassem ao relento não saberiam que fazer do pasto. Ruminam na penumbra.
Não fora ele o frio, a preguiça domingueira, bom era uma caminhada. Mas fico-me a ruminar.
Chegam ecos de longe, dum carrilhão de Braga, trazidos pelo suão. Lá pela tarde é certo que haverá chuva. E os trinados românticos, lá dentro, são de Schubert.

CEP 7

O dia 13 de Junho / que é dia de Santo António / esse dia é tão santo / mas para nós foi o demónio.
Nunca durante a guerra / tive a morte tão chegada / era meia-noite em ponto / tivémos que fazer retirada.
Esse dia já todos rezavam / padre-nossos à virgem maria / mas nada disso valeu / morreu quase uma companhia.
O 28 e o 34 / são os que se rendem os dois / os soldados que morreram / eram todos do 22.
Estávamos à direita deles / todos no mesmo sector / tudo estava a fazer fogo / parecia ali um tremor.
Eram tiros de granadas eram tiros de morteiros / parecia ali o demónio / tudo isto aconteceu / no dia de S. António.
Deitavam então um veneno / disso ninguém escapava / eram gases asfixiantes / morria quem os cheirava.
A mim também me cheiraram / que foi quando fiquei mal / até fui para Calais / estive um mês no hospital.
Nunca tive a morte tão perto / desde que sou de pequeno / uma coisa tão afrontosa / que só parecia veneno.
Não eram dos de cilindro / eram gases de granada / foi quem nos valeu / senão ninguém escapava.
E eu como escapei / quero a minha vida contada / para que vejam meus senhores / que tem sido arriscada.
Tenho tanto combatido / já nada me dá cuidado / falta-me ir ao inferno / a lutar com o diabo.
As balas dos alemães / queriam-me o chapéu furar / mas como é todo de ferro / não as deixou cá entrar.
Por isso hei-de o estimar / como que seja meu amigo / que me tem livrado da morte / quando é no maior perigo.
Eu já disse aos camaradas / até mesmo na fronteira / se algum dia eu morrer / que mo ponham à cabeceira.
É um chapéu inglês / feito na Inglaterra / reparem bem meus senhores / que até o chapéu anda em guerra.
Andamos em guerra os dois / ali firmes a pé quedo / para que digam os aliados / que aos alemães não temos medo.  

sábado, 16 de janeiro de 2016

Estilhaços 14

Se não crimes?!

Três dias

[Manhã de geada na Lapa]
O Porto não acabará sem chuva, mas são três dias e o tempo vai dar para tudo. As gaivotas grazinam nas chaminés, a patrulhar o bairro. Que está mudado, parece-me, enquanto mato as saudades que nunca tive dele. Na loja do rés-do-chão já não lêem o tarot à sombra de imagens pias; agora fazem-se nails de silicone às cores. A vizinha que tanta vez encontrei a escrever na esplanada está nos cuidados continuados da oncolologia, por certo não escreve mais. A tabacaria nova tem uma dona galega, a velida que alva se levantava para ir lavar camisas eno alto, e veio parar aqui. A pastelaria do pão-de-ló de Ovar, despachada e matinal que sempre foi, tem agora um balcão exclusivo para a raspadinha. E a gorda da frutaria expõe cada vez mais fruta. Nas bichas da caixa do Pingo Doce há viúvas que levam sacos de areia, e sardinhas congeladas, e lâminas de gelatina, e chocolates escuros. Deixam de lado embalagens de fisálias, que vieram da Colômbia a oito euros o quilo. Mais barata talvez a folha da coca, mas o mercado é que manda. Na avenida dormem os carvalhos, indiferentes à pressa dos automóveis no semáforo. O autocarro ainda passa, mas mais raro. E o Licas não aparece, desde o dia em que ficou sem o pato de borracha, a melhor prenda que tinha para me dar. O chinês lá continua na esquina, e ao jantar mata-me a fome com um chau-min duns rebentos que subtraiu aos pandas da montanha, pobres deles. Regresso pela praceta. E lembro que já é tempo de plantar na Lapa os agapantos, onde a cascata ressoa, em cachão, fragas abaixo. A mulher do horto já me deu notícia deles.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

CEP 6

Somos 3 soldados da mesma terra / somos 3 homens guerreiros / eu sou 1 atirador / e os outros são granadeiros.
Tenho uma arma muito boa / faz-me muito bem a vontade / em vendo um alemão / dá-lhe fogo sem piedade.
Tenho um dedo na mão direita / que está muito bem ensinado / em ela querendo dar fogo / ele logo está preparado.
Tenho uns olhos muito guerreiros / para os ajudar a (bitar?) / em vendo um alemão / é muito raro escapar.
E eu como comandante / eu é que sei comandar / dou conta do inimigo / vamos todos a lutar.
Os outros dois camaradas / somos todos duma aldeia / deitam granadas de mão / parece a chover areia.
Daquilo que os alemães não gostam / que é comida muito seca / põem-se a pedir socorro / mas nós não queremos treta.
Quando estão a pedir socorro / muitos lá dão o quartilho / parece que anda lá o diabo / anda tudo num sarilho.
As nossas tropas são boas / fazem muito boa pontaria / os alemães sofrem perdas / morrem-lhe muitos por dia.
Aos alemães é-lhes bem feito / que ninguém os provocou / só eles queriam mandar / mas ninguém os ensinou.
Não sabiam da nossa força / que estava sossegada / agora já dizem eles / tomáramos a guerra acabada.
Nós havemos de os atacar / até ao interior da nação / havemos de lhes acabar com a raça / àquele cruel alemão.
Eles dizem que não querem guerra / já não têm que comer / ninguém os desafiou / agora têm que sofrer.
Eu queria-os matar a todos / se eu puder resistir / eu queria acabar com eles / para que não me fizessem cá vir.
Depois da guerra acabada / há-de haver muito que contar / uns hão-de se estar a rir / outros hão-de estar a chorar.
Ao menos os pais e as mães / pelos filhos que lá morreram / que lhes custaram a criar / e tanto martírio sofreram.
Esses não dizem bem da guerra / porque lhes tirou alegria / mataram-lhes lá os seus filhos / que tanto bem lhes queriam.
Ainda não é só morrer / há morte de muita maneira / é ficarem despedaçados / e enterrados na trincheira.
Aflição para toda a vida / é uma morte sem confissão / se ao menos os querem ver / nem sabem onde é que estão.
Bem sei que havemos de morrer / que é uma coisa que está certa / estas mortes são causadas / lá no campo do deserto.
Dizem que o campo de batalha / é um lugar sagrado / eu antes me queria afogar / do que lá ser enterrado.
Também dizem outra coisa / que é um lugar honrado / se ali se ganham honras / eu não queria ser honrado.
(Cont.)

Educação educação

Educação educação educação!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Pós-palestra

Nota prévia: o palestrante que lê é um palestrante com defeito. E quando lê à pressa, no afã de não deixar nada por dizer, é tão pesado à plateia como um cilindro da estrada. Adiante.
Na circunstância tratava-se de analisar o riso e o cómico em três trabalhos de Virgílio Ferreira, mais marcadamente políticos: Estrela Polar (1962), Nítido Nulo (1971) e Signo Sinal (1979). "As diferentes ideologias e facções presentes neste tríptico surgem causticadas pela escrita sarcástica e irónica do autor."
Em qualquer tempo, a criação literária nasce dum quadro social concreto, alimenta-se duma cultura. Sob pena de ser uma inútil flor de estufa. Foi reticente e crítica a recepção que tiveram estes trabalhos de VF. De sublinhar foi a reacção de Alexandre Pinheiro Torres e de Baptista-Bastos que, muito ao seu jeito, foi ao ponto de ameaçar ir às fuças ao autor!
À época, os tempos eram de grande miséria geral. E há décadas que era determinante, nos círculos da literatura, o peso da escola neo-realista. É de pensar que uma obra não mais que sofrível, a propugnar valores estéticos divergentes, por força teria fraca recepção.
A sociedade, o pensamento e a cultura francesas, tomadas por modelo, levavam a Portugal um século de avanço. E os ecos do nouveau-roman, dos surrealistas, existencialistas e outros cultores da liberdade da arte formalista eram em Portugal reais anacronismos de nicho classista.
A dada altura, o palestrante caracterizou VF como um escritor muito competitivo. Se este eufemismo quis significar que VF tinha um vastíssimo desmesurado e verrinoso umbigo... não andou muito longe da verdade. Para não dizer que trouxe a justificação daquela seca inteira.
Adenda: um autor que, em 1979, apresenta um retrato do orador Salazar, e ao lado um retrato de Vasco Gonçalves do comício de Almada, é um artista que padece de imbecilidade. É um pensador formalista, excelente para pendurar no secador da roupa. A esse propósito, vale a pena ouvir isto aqui!

Uns e outros

- Uns vêm, os outros vão! - Estes são, aqueles não! - Em que é que se ficarão?!

Definição

XXX

Se quiserem que eu tenha um misticismo, está bem, tenho-o.
Sou místico, mas só com o corpo.
A minha alma é simples e não pensa.

O meu misticismo é não querer saber.
É viver e não pensar nisso.

Não sei o que é a Natureza: canto-a.
Vivo no cimo dum outeiro
Numa casa caiada e sozinha.
E essa é a minha definição.

Poemas de Alberto Caeiro, Ed. Ática, Lisboa

domingo, 10 de janeiro de 2016

Os efeitos e as causas

A nossa ignorância torna-nos ingénuos. E permite-nos atribuir efeitos essenciais a causas de acidente.
Por isso nos espanta a quantidade e a qualidade da produção musical de J.S.Bach, como se fosse um milagre. Por não sabermos que ele aparece no seio da terceira geração de músicos. Com todos os elementos exclusivamente ligados à música.

O filho da puta candidato, o javardo, o psicólogo da puta que o pariu!

E o jornalista mercenário e cúmplice.

Segredo

Ruge lá fora a tormenta no telhado. Serão tudo raivas de Saturno, por saber que o solstício está de volta. O único segredo é já sabê-lo. 

sábado, 9 de janeiro de 2016

CEP 5

Ali é que era o bonito / para a gente passear / tínhamos dias inteiros / de estarmos sempre a caçar.
Os coelhos não eram iguais / uns grandes outros pequenos / não os pudemos esfolar / alguns até os queimámos.
Tínhamos um caçador / muito bom para caçar / tinha muitas ocasiões / de a cinta rodear.
É muito bom caçador / criado lá na Beira / não sei se o conheceram / o nome dele chama-se Pereira.
A caçada terminou / porque entrava a (?) / e também já os não  havia / que lhes acabámos com a geração.
Por ali andámos 3 meses / sem termos nenhum ataque / até ao dia 3 de Maio / é que entrámos em combate.
Nós andávamos todos tristes / sem termos alegria / a primeira vez que lá fomos / até foi por companhia.
Só lá estivemos 2 dias / mas chegou para aflições / até me doíam os ouvidos / com o troar dos canhões.
Eu estava de sentinela / aos bocados espreitando / veio de lá uma granada / logo me ali ia matando.
Eu fiquei atrapalhado / e o fogo continuou / a que caiu ao pé de mim / foi sorte não rebentou.
Era granada de grosso calibre / trazia uma força bruta / mas não vi quem a deitou  / aquele grande filho da puta.
Rapazes estamos desgraçados / temos o inimigo à frente / arma-se hoje algum combate / que fica aqui toda a gente.
Aquilo foi passando / nós ainda matámos 1 / e cá do nosso lado / mortos e feridos não foi nenhum.
Estávamos já para abalar / ferido não havia ninguém / dissemos uns para os outros / isto é sorte que a gente tem.
Voltámos para a retaguarda / 12 dias a descansar / e no fim dos 12 dias / tornámos para lá voltar.
Íamos todos formados / ao mando dum capitão / a segunda vez que lá fomos / já fomos por batalhão.
Dessa vez foram 6 dias / a combater com o inimigo / eu disse cá para mim / aqui perco o nome de Egídio.
Deram-se grandes combates / de parte a parte a matar / vimo-nos ali perdidos / em termos de não escapar.
A primeira vez não sabia / o fim que aquilo dava / agora já vou sabendo / já lhe vou dando porrada.
(Cont.)

Gesticulações graciosas

Duns tempos muito empoados.

Afinal

Deus não tinha adormecido debaixo do capote, a ruminar excessos do réveillon!

Maldita corvina!!!

O professor-analista-comentador-explicador dos sermões semanais da televisão, que lê 50 livros por noite, que é chefe da Fundação da Casa de Bragança e candidato a Presidente da República é este sempre-em-pé de barro.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Perfis

«(...) Para muitos europeus, que apenas tinham olhos para o atraso de Portugal e para a tirania do Marquês de Pombal, a morte pelo garrote e pelo fogo de Malagrida, o jesuíta meio louco, foi a última gota. Foi, porém, uma curiosa ironia que o último indivíduo a ser queimado no pelourinho pelas autoridades portuguesas fosse padre e membro de uma ordem religiosa que fora a verdadeira ponta de lança da Contra-Reforma. Como que a acentuar este ponto, o Cavaleiro de Oliveira, um aventureiro português que tinha aconselhado D. José I a fundar uma igreja lusitana, segundo o modelo da igreja de Inglaterra, e que mais tarde se tornou luterano, foi queimado em efígie ao lado do jesuíta. (...) Pombal usou a tentativa de assassínio de D. José I para esmagar tanto a aristocracia como os jesuítas. (...) 
Portugal foi mais profundamente marcado pela Contra-Reforma do que qualquer outro país da Europa, e foi o país que aceitou melhor a ordem que exemplificava o ultramontanismo da afirmação da supremacia papal - a Companhia de Jesus. Em nenhum outro país os jesuítas conseguiram um predomínio semelhante na educação da elite. (...)
A última década do governo de Pombal assistiu a mudanças dramáticas nas condições económicas, que tiveram consequências significativas para a economia política portuguesa, Foi um período de paradoxos, marcado pela recessão económica e pela concentração de poder económico nas mãos dos amigos de Pombal. Na década iniciada em 1770 deu-se a quebra mais importante da produção de ouro do Brasil, que esteve na base da alteração das circunstâncias vividas por Portugal. A exaustão do ouro de aluvião e a incapacidade de encontrar técnicas mais adequadas a uma economia demasiado dependente da riqueza aurífera do sertão brasileiro, tiveram consequências muito graves. Acima de tudo levou a um declínio prolongado da capacidade de importação do país, especialmente de produtos britânicos. Mas essa alteração substancial também permitiu que Portugal atingisse um dos objectivos das políticas nacionalistas de Pombal: a balança comercial entre Portugal e a Grã-Bretanha quase atingiu o equilíbrio. (...)»
Tínhamos partido dos pontos de vista de Camilo Castelo Branco sobre o Perfil do Marquês de Pombal, a propósito de Sócrates! Daí derivámos para uma visão inglesa, que agora chega ao fim.
« (...) Quase um ano e meio depois de ter sido afastado do governo, as queixas contra Pombal levaram à elaboração duma famosa acção judicial. O idoso Marquês teve que enfrentar acusações graves: abuso de poder, corrupção e outros tipos de fraudes. Empregou toda a energia que lhe restava para enfrentar esses ataques e defender-se de maneira muito judiciosa. O interrogatório do Marquês prolongou-se de Outubro de 1779 a Janeiro de 1780. (...) As provas foram examinadas por um tribunal de cinco juízes, mas não houve unanimidade quanto à maneira de proceder. D. Maria I resolveu acabar com o processo em 1781, declarando Pombal merecedor de "castigo exemplar". Mas por causa da sua idade e saúde precária, não lhe aplicou qualquer pena. (...)
Os historiadores portugueses, como sucedeu com os contemporâneos do Marquês, continuam divididos quanto aos méritos e à importância das medidas que tomou. Só um século e meio depois mereceu o reconhecimento nacional sob a forma duma grande estátua que, do cimo da Avenida da Liberdade, agora domina Lisboa. (...)
Se tivermos em conta a posição de Portugal no sistema de comércio internacional do séc. XVIII, concluímos que Pombal seguiu uma política lógica. (...)»

CEP 4

O comboio estava à espera / para todos embarcarmos / nem sequer nos deram tempo / para ao menos descansarmos.
Embarcámos a toda a pressa / sem perder ocasião / o frio era tanto / que cortava o coração.
O comboio deu partida / para o caminho seguir / íamos todos desanimados / por não poder resistir.
Levávamos a cara fria / e o coração gelado / chegámos a um certo sítio / que até morreu um soldado.
Era nosso camarada / e muito bom soldado / e para falar a verdade / era primeiro cabo.
Daquele não se fez caso / do que tinha acontecido / muitos dos que lá iam / nem sabiam que tinha morrido.
Dizíamos uns para os outros / não há quem no daí leve / o comboio não parava / não se via senão neve.
Chegámos a uma estação / já via gente francesa / lá deixámos o camarada / enterraram-no com certeza.
Nós seguimos a jornada / levávamos muitas paixões / daí a poucos minutos / sentiu-se o toar dos canhões.
Já íamos muito longe / íamos sempre a navegar / a primeira coisa que vi / foi um aeroplano alemão no ar.
Pus-me para ele a olhar / que me causava admiração / daqui a poucos minutos / atiraram com ele ao chão.
Ele andava tão alto / até por cima das névoas / e já vinha da Alemanha / de uma distância de léguas.
Atirava muito tiro / e deitava-os lá do ar / já sabia que nós que íamos / que já nos estava a esperar.
Ali não matou ninguém / não lhe calhou o que queria / por fim deitaram-no abaixo / a nossa artilharia.
Nós tratámos de formar / e o nosso batalhão à parte / marchámos para uma povoação / chamada Iquinegate.
O povo já era perto / já víamos a torre do sino / porque a neve era tão forte / que não víamos o caminho.
Íamos de mochila às costas / uns tristes outros alegres / e passámos lá num campo / onde andava um rebanho de lebres.
Eu não as cheguei a contar / digo a verdade não into / elas eram mais de vinte / a trinta a quarenta e cinco.
Chegámos à povoação / já estava a nascer a lua / não tínhamos onde dormir / dormimos cá fora na rua.
Reparem bem no (?) / como é a cama dos soldados / vinha a manhã em Castela / já estávamos todos levantados.
Estivemos lá oito dias / para gente descansar / mas cama não havia / para se a gente deitar.
Findaram-se os oito dias / lá naquela povoação / logo no dia a seguir / fomos ao raio da instrução.