quarta-feira, 25 de julho de 2018

T'arrenego bicho mau!

Os direitolas andam aí a exigir honras de Panteão aos restos de Sá Carneiro, que deus haja. Não foi ele mais que uma espécie de D. Sebastião, o tal que ficou na história não pelo pouco que fez, mas pelo muito que havia de fazer, se não tivesse morrido tão cedo.
Do mal o menos, bem pior foi a múmia do Cavaco, que andou pelo poder uns belos trinta anos. Um partido como o PPD, (a quem o poder caiu no regaço um dia, graças às graças da santa madre igreja e à cretinice dos eleitores indígenas), só podia presentear-nos com políticos dessa estirpe.
Mas houve aí bem pior! Lembremos só as manobras do pantomineiro Relvas, que levaram ao governo o Passos da Tecnoforma, e uma gaja das finanças que era a ignorância em pessoa, e outra gaja da Justiça que andou a fechar tribunais… T'arrenego, bicho mau!
Os CTT eram uma empresa eficaz e séria. Pois chegou essa canalha, privatizou aquilo, passou tudo a patacos, e hoje em dia é o que se vê. Phoska-se! 

segunda-feira, 23 de julho de 2018

O mulataz

A Aninhas foi com duas irmãs encontrar-se com o irmão, que estava rico no Congo. E um dia deixou-se levar pelas hormonas e achou-se debaixo dum preto. Lá teve um filho mulato. E voltou à aldeia por imposição do irmão, que não queria essas misturas.
O mulataz veio parar à Torre. Porém a Aninhas não queria que lhe chamasse mãe, não fossem os patrícios pensar o que não deviam.
O rapaz cresceu, e como todos os pretos pelava-se pela aguardente dos brancos. Voltava tarde a casa e sempre bêbado. A Aninhas não gostava de o ver nessa figura e não queria abrir-lhe a porta.
- Se não me abres vou dizer que és minha mãe!
A cirrose tomou conta dele e resolveu depressa a maka.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Num país profundo

No deprimido burgo são de notar três coisas:
- abundam os gabinetes de estética, onde as damas pintam coloridas nails de mãos e pés;
- abundam as tascas que servem copos de vinho, onde eles apanham carraspanas;
- e abundam os carros de tripas ferrugentas que os alemães distribuem, apodrecidos pelo sal das estradas de inverno.
O burgo ao lado é ainda mais insignificante, embora os autarcas de agora o tenham promovido a cidade. É um muito antigo cenóbio de frades beneditos, e tem ao meio uma avenida de quilómetro. Lá dentro vive um dentista que tem um Ferrari vermelho, e acelera com ele cá e lá. É que o resto das estradas não serve para aquela máquina.

domingo, 15 de julho de 2018

Fim do dia

Os estorninhos voam como torpedos, mas são poucos. Lembro-me de ver um dia o cume dum cabeço todo pintado de negro.
As pombas migrantes voltaram a aparecer mas os bandos são pequenos. Porque os pombais já ruíram.
As andorinhas vão na segunda criação e alargaram o condomínio do alpendre. Há um terceiro casal que construiu um ninho e se instalou.
Os gatos são os que ficam mais contentes quando me vêm chegar. Põem-se a jogar às escondidas no meio dos agapantos e comovem-me.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Natureza

Devem ser os netos do corvo vaidoso, daquela história do queijo da velha que o tinha a secar ao sol. Andam aqui à beira da represa, na relva onde os pescadores lançam o isco à truta e os banhistas se bronzeiam.
Mas eu vinha era à procura da raposeta, que muitas vezes vem aqui matar a sede. E logo que ela apareceu, os corvos levantaram voo. Não lhes agradava nada ter que repetir a história do avô que era vaidoso.

domingo, 8 de julho de 2018

Mater dolorosa

O infante era enfezadito e tinha uma grande barriga. O médico disse-lhe que o tratava com correntes galvânicas, mas no burgo só havia corrente eléctrica ao final do dia.
Todos os dias, ao cair da noite, lá ia ela a cavalo na Marquesa, à consulta do doutor. E quando ela acabava regressava já de noite, com o cachopo aconchegado ao peito.
O infante lá se salvou. O pai é que não foi chamado ao caso.

sábado, 7 de julho de 2018

Sezões

Nesse tempo não havia farinhas para os animais. Por isso se cultivavam garrobas* nas colinas de Foz-Côa, e a bicharada chamava-lhe um figo.
No Verão, Adelaide, ainda cachopa, saía da aldeia num grande rancho. O mesmo que no Inverno ia para a azeitona na terra quente. Lá iam apanhar garrobas nas colinas.
Ficavam por lá a semana inteira. Dormiam onde calhava, bebiam água dos charcos, apanhavam sezões, e regressavam a casa quando a semana acabava. 

Espécie de lentilha, dic. Morais.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Marialvas marados

Cá na horta, os divertimentos que envolvam violência contra animais são expressamente proibidos. Não está prevista a estadia de toiros de lide, já que não há ambiente para eles. Mas os gatos vivem aqui como peixe na água, e são benvindos cachorros, andorinhas, poupas e outros migrantes. Só está interdita a entrada de marialvas marados dos cornos e outros parasitas.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Papa-léguas

Hoje o Trabant ainda sobrevive em filmes do Kusturika. Mas a história mostra que ele era um papa-léguas a dois tempos.
Logo que teve as fronteiras abertas, a Christina foi de Berlim a Belgrado porque queria conhecer o pai. Lá foi e lá regressou. Mas contar isso obriga-nos a voltar atrás algumas décadas.
Em 1943 todos os varões alemães eram poucos para a guerra. Os novos e os velhos. Por isso as tarefas de gestão da visa em solo alemão eram obrigação das mulheres. E a mão de obra agrícola principal era constituída por prisioneiros arrebanhados pela Wehrmacht onde os houvesse. Foi nos arredores de Belgrado que Bogdan foi aprisionado e mandado para a Alemanha.
Foi trabalhar para uma quinta em Eichsfeld, onde tudo era mulheres. E não tardou que a filha da proprietária se tomasse de amores por Bogdan. A guerra um dia chegou ao fim e Bogdan regressou a Belgrado. E Christina lá foi, a conhecer o pai.
Ele era agora jogador de futebol. E só não apareceu no campeonato do mundo, porque a Jugoslávia também já não existe.