sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Post scriptum

Embora sejam originais, estes desenhos foram retocados por um familiar, muito depois do regresso do combatente. A caderneta apresenta, no final do relato, uma interessantíssima cantiga de mote (1)), que parcialmente também foi retocada. Certamente um exercício de memória, foi escrita originalmente pelo soldado. E embora dela constem dados biográficos, nada indica que seja criação integral dele. 
E uma segunda composição poética (2)).  

1)
Fui tocador de rabeca
estive três anos em Angola
sem ser padre disse missa
já sei cantar a espanhola

Sem cantar fui um poeta
sem arma fui caçador
sem ir à igreja fui prior
sem ser galo tive crista
sem trajar fui um fadista
calado fui um poeta
sem cabeça fui careca
sem pensar deitei (?) planos
antes de nascer 9 anos
fui tocador de rabeca

Quieto fiz espalhafatos
gente ao pé sem me escutar
sem lume pus-me a fumar
sem nariz cheirei tabaco
sem ter corpo rompi fato
sem calçado rompi sola
sem dedos toco viola
nasci ao mundo sem mãe
sem passar o mar além
estive 3 anos em Angola

Fui sábio sem descrição
fui doutor sem livraria
antes de eu nascer um dia
fui jogador de pião
sem baptismo fui cristão
sem gosto tomei cobiça
era esperto na preguiça
a mentir falo verdade
com esta minha habilidade
sem ser padre disse missa

Deitado armava bulhas
calado cantava aos fados
com os olhos habituados
de noite enfiava agulhas
sem lume via fagulhas
sem estudo jogava à bola
sem cordas toco viola
tenho um realejo inglês
na Itália fui francês
já sei cantar a espanhola.

2)
Jacinta caso com ela
não sei que sinto no peito
quando te não vejo querida
só tu és a minha vida
só por ti ando sujeito

quando na cama me deito
sinto então terrível dor
logo se me alegra o peito
debaixo do cobertor

Às vezes fico cismando
nas perfeições que te vi
meu rosto alegre se ri
esperando ter melhor sorte
eu quero antes da morte
entregar-me todo a ti

Teu (?) corpo gentil airoso
é o símbolo da bondade
por isso cara beldade
cativou-me o teu semblante.