segunda-feira, 30 de abril de 2018

Modos de vida

Havia uma bancada enorme. Ao fundo a recta de chegada das corridas de cavalos. Em segundo plano um auditório ao ar livre, onde havia concertos ao domingo à tarde. Para o povo.

sábado, 28 de abril de 2018

Maio


A propósito vem este haiku muito antigo, aqui traduzido duma versão alemã:

"Floresce a giesta negral.
Mas as abelhas evitam-na
Salvo quando constipadas."

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Maus hábitos

Há muitos anos parei o carro à beira da estrada que vinha da Bissalanca e avancei por uma plantação de cajueiros. Os frutos davam um sumo excelente. A certa altura apareceu um fazendeiro, tinha eu o saco praticamente cheio. Os meus argumentos não o convenceram, mas lá me deixou partir, de rabo entre as pernas.
Muito mais tarde parei o carro à beira da estrada, a deslado da barragem de Montargil. De cesta no braço avancei pomar adentro, disposto a refastelar-me com uma barrigada de pêssegos.
E foi o dono que me surpreendeu, protestando com tanto desaforo.
Pedi desculpa, voltei ao carro, e prometi a mim mesmo que perderia os maus hábitos.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

E depois do adeus!

Quando o 25 de Abril aconteceu em Lisboa estava eu na Guiné, a escapar aos mísseis Strela que o PAIGC utilizava.
Chegaram as férias e vim para Lisboa. Mas já não regressei porque as guarnições do mato tinham começado a jogar à bola com os guerrilheiros.
O 25 de Abril depressa me transformou a vida num trinta e um enorme. Porque eu nunca tive o espírito de me deitar debaixo da figueira e ficar à espera que os figos maduros me caíssem na boca.
No princípio de 1976 parti para o primeiro exílio, a que outros se seguiram. Lembro-me disso e penso: 25 de Abril sempre, que tarde veio!

terça-feira, 24 de abril de 2018

Necrófagos

Os abutres do Egipto e os britangos habitam nas falésias do Penedo Durão, no Douro internacional. Raramente aqui aparecem. Mas o mundo está mudado até para os necrófagos. Vieram aqui à procura dalguma cabra velha, ou duma rês perdida no monte.
Eram seis, e nunca agitam as asas. Aproveitam as correntes ascendentes, rodam a várias alturas, observam e aguardam.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Ama-seca

Gosto de animais, por razões que não carecem de explicação. Um rebanho de ovelhas era muito, e além disso guardador de rebanhos já temos um. Assim trouxe para casa dois gatos. Um macio e timorato, o outro explorador e aventureiro. Um dia cuspi nas mãos e fiz de mim ama-seca.
O aventureiro feriu-se seriamente, numa vedação, num resto qualquer de arame farpado, eu sei lá. A veterinária coseu-lhe a pele ferida e meteu-lhe a cabeça num funil que tinha à mão. O bicho parece um astronauta, mas não consegue comer nem beber água à vontade.
Durante uma semana, até ele se refazer, depende da minha mão.
É o que nos vale a ambos.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Cuco apressado

Encontrei um ovo de cuco à beira do caminho. Como todos os pulhas, este precipitou-se. Foi à procura dum ninho de pássara ingénua mas é cedo. Deixou o ovo ali e foi à vida.

quinta-feira, 19 de abril de 2018

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Rebeldes

Não contam argelinos nem marroquinos: esses tinham, uns e outros, bairros inteiros por conta, só em Paris. Não era assim no resto dos países árabes.
Começaram na Tunísia a ouvir-se as vozes da primavera árabe. Logo depois veio a Líbia, onde o Kadhafi dormia numa tenda guardado por amazonas. A Nato andou à caça dele e encontrou-o escondido num esgoto. Depois disso a Líbia desapareceu.
A seguir veio o Egipto, o Iraque e as fictícias armas químicas do Saddam. Até chegarmos à Síria.
Com as costas quentes por Moscovo, o Assad não cedeu. Despejou bombas barril sobre os rebeldes e mandou bugiar os anunciadores da Primavera árabe.
Restam as tropelias do palhaço pintado de amarelo, que manda na Casa Branca.

domingo, 15 de abril de 2018

Basta

Sobe a encosta, embebeda-te de  azul e não penses. Sente, silencia, e basta.
Se chover abriga-te numa lapa. 

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Tempos

A Primavera já se mostrou sete vezes, mas sete se arrependeu.
O camponês foi à horta e atolou-se.
As andorinhas tremeram de frio, cruzaram o estreito e voltaram ao deserto.
As florinhas das fruteiras são promessas de açafates de ameixas doces.
De horas em quando o sol ainda desponta mas fica-se na promessa.