sábado, 31 de maio de 2008

O homem em duplicado I

O texto seguinte veio a seu tempo à rede, em forma de comentário. Aparentemente a despropósito, aqui regressa agora. Lá tem as suas razões, que adiante se verão.

Qualquer um reconhecerá em Miguel Sousa Tavares o cronista exemplar das fealdades paisagísticas a que uma corja de patos-bravos, e os portugueses em geral, vêm sujeitando o país todos os dias. Ou o que nos ajuda a distinguir a América da liberdade original e dos direitos fundadores, da perigosa América actual conduzida por fanáticos medíocres. Ou o autor de reportagens e relatos de viagem como os que nos deixou em SUL.
MST tem a ousadia, a lucidez e o desassombro que ao jornalista competem. O que ele não tem é o sentido estético do ficcionista. E não manifesta saber, em EQUADOR, que o trajecto da ficção narrativa é multifacetado, mas segue um caminho tão estreito como o fio duma navalha. Onde o artista se estatela ao mais ligeiro escorregar do pé.
Tendo presente quanto há de pessoal e subjectivo na apreciação duma obra, dir-se-á que EQUADOR não passa do sofrível. Tem uma história a contar e muito para dizer, já isso não é pouco, se anda este mundo pejado de figuritas imberbes a dar-se por escritores. Mas é um trabalho desequilibrado e prolixo, a espraiar-se em secundárias peripécias longuíssimas, que apenas lhe roubam vigor e o empobrecem. O todo ganharia com outra economia.
Há nele situações mal cosidas, em que o pesponto se vê. Mas o grande senão é o modo de contar, que nada de novo nos propõe. Não se conta hoje uma história com as técnicas narrativas, o tipo de linguagem, os mesmo exercícios e recursos dos finais do séc. XIX. Ainda por cima sem a artilharia requintada que nesse tempo alguns sabiam usar. A técnica primaríssima e descuidada de que MST faz uso, se é apropriada e eficaz num trabalho jornalístico, resulta de todo inadequada, e gasta, e anacrónica, em literatura. Por isso o seu efeito estético é nulo, já que também o jogo sonoro da frase, a harmonia e o ritmo do discurso utilizado são ausências. Ora nada disto a literatura pode dispensar, por infindável que seja a discussão sobre o que ela é.
Lá onde MST brilha, em EQUADOR, é quando se conserva no seu campo. Quando analisa, quando aponta, quando denuncia, quando levanta o véu da nudez dum império a fingir. O seu EQUADOR vendeu muito, com mais proveitos para o editor do que para a literatura. Mas sobretudo para os leitores.
Outubro de 2006

A emergência da linha

Diz-se que em 2007, só na região de Leiria, o número 112 foi activado meio milhão de vezes por falsos alarmes.
Numa emergência assim, estou como diz o outro. Em lugar de acudir a desastres, melhor serviço faria provocá-los!

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Era uma vez um cavalo

Toco o rebanho dos anos e o tropel das lembranças pela ruela estreita, entre casas cinzentas. Atravesso a abertura da muralha, e logo me dão os olhos neste barracão, à minha mão esquerda. É uma construção tosca mas firme, tanto como os blocos de cantaria de que é feita, roubados um dia à muralha do castelo, porque a história da selvajaria é mais velha do que o mundo.
O barracão tem largo portão de ferro, chapeado a folha castanha. Terá a minha idade, ou talvez mais, e foi mandado fazer por um doutor, para dar albergue a um cavalo que lá tinha.
O doutor foi sempre uma estranha figura de avarento, nado e crescido num tempo de pura rapina. Há cem ou cinquenta anos, as aldeias que há dispersas por essas penedias formigavam de gente miserável, sempre a disputar uns palmos de terra às fragas do monte, para semear uns grãos de cereal que granjeavam na razão de um para quatro.
O pai do doutor fora um andejo almocreve, que fazia no macho carregado de pregaria todas as feiras e mercados desta raia. Eram brochas e tachas para tamancos de amieiro, relhas de arado, pregos de solho e meio, aldrabas de postigo. Levou três mulheres à igreja, umas donzelas e outras nem tanto, mas donas todas elas de terras e haveres, que ele foi adicionando pacientemente. Repousa agora num jazigo de aldeia, abandonado e tão supérfluo como o gira-vidas do seu autor, que nele quis perpetuar a memória da geração. Acreditava, quem sabe, na imortalidade, não sabia que o tempo passa e o mundo é mais que tudo mudável e os homens inconstantes, tiram-nos hoje o chapéu porque disso depende encherem a barriga, e amanhã, saciados, viram-nos as costas, por lhes termos maltratado o amor-próprio.
O falado doutor, logo que o foi, continuou a obra mesquinha do pai, prisioneiro destes arcaicos modos de pensar e de juntar fortuna. Dois palmos de terra à beira dum caminho, um pinheiro mal nascido numa extrema indefinida, uma pedra aparelhada de algum portal em ruína, tudo era disputado ao pormenor, numa lógica insensata de acumulação. Lia o jornal público no café, comprá-lo era manifesto desperdício. E quando se deslocava a Lisboa, não era pelas boas razões que o fazia na terceira classe do comboio, misturado com as galinhas e o suor encardido dos viajantes mais humildes, que estendiam os farnéis nos mesmos bancos de pau onde alapavam os traseiros esgaçados.
Inimigos tinha muitos, faziam parte da sua concepção do mundo, em que só os fortes e os soberbos têm garantia de futuro. Uma vez mandou um criado seu vedar a tiro um atalho de passagem pela extrema duma courela. Meteu-lhe nas mãos uma pistola, e ordenou-lhe que abatesse o primeiro atrevido, terra sua não era pisada por qualquer um. A madrugada fria de Fevereiro espantou os madrugadores, e lá se livrou o forçado guerrilheiro duns anos de calabouço.
Casou entretanto o doutor com uma fidalgota de fortuna, com taras venéreas na família. Cedo havia de cegar de todo, vítima indefesa do dragão do marido, e uma filha do casal prolonga ainda hoje a sina fatídica da geração. Pastoreia fantasmas num enorme casarão duma praceta de Lisboa, sem marido nem filhos, quem sabe o que dali ainda estará para vir.
Desvaloradas as terras pelas mudanças do mundo, porque fugiram as mãos que as saberiam cuidar, deu a morgada em tomar o único gesto lúcido, que foi saldar o condado. E assim, por inesperada providência, voltaram as oliveiras à mão de quem delas tirava alguma vida, e as cepas de videiras por podar, e algum pinheiral que resistiu aos incêndios, e as corgas, e as courelas, e as tapadas, e as moitas de carvalhos onde já nem cabras entram, e os lameiros onde nenhuma vitela pasta, e as casas abandonadas, dispersas por cinco concelhos. A morgada vendeu tudo, mesmo este barracão encostado à muralha, que o pai mandara fazer, para usufruto do cavalo.
E eu passo aqui, e deparo com o portão de ferro, que hoje guarda as veniagas dum comerciante de secos e molhados. E fico-me a pensar em como um leve gesto muda tantas vezes o correr duma vida. Tinha eu os meus oito anos, já sabia ler, e contar, e assinar o nome próprio, continuar na escola seria desperdício. Que o serviço de menino há-de ser pouco, mas quem o perder é louco. O doutor tinha um cavalo, e o cavalo precisava de um paquete que lhe ajeitasse o penso à manjedoura, lhe mantivesse em ordem os arreios, e lhe apertasse a cilha havendo cavaleiro. Não era função que estivesse para além das minhas fracas forças, por alguma ponta há-de um homem começar a meada da vida.
Assim foi a proposta do doutor, seguro de que o contrato respeitava as normas do bom viver e da sã sociedade. O mundo inteiro não chegava para todos, por força caberia a uns servir, e a outros o cuidar. Mas a isso o caseiro disse não.
O doutor alvoroçou-se, pensou que o mundo ficara incompreensível. E tinha toda a razão. O mundo deixou de ser o que era, e nunca mais foi possível entendê-lo. Eu não vim a conhecer o bicho que me esperava. E o doutor, que o era da medicina, acabou às mãos dum cancro qualquer. Dorme aí nalgum jazigo que ninguém visita nunca, e nem em dia de finados há quem se dê ao cuidado de o lembrar.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Deus-ex-machina?

E não vem isto no mapa, que faria se viesse?!
Se o município, rural e deprimido, tiver oito mil habitantes, já é muito. Funcionários municipais são trezentos e cinquenta. Destaca-se, entre todos, o presidente da câmara, que o foi há uns anos, e acabou finalmente condenado a seis anos de prisão. Por corrupção passiva e branqueamento de capitais, por abuso de poder e peculato. Por uma vida à grande e à francesa, dizemos nós, levados no tropismo, quando devíamos dizê-la à portuguesa. Só num ano pagou o fundo permanente da autarquia 74 contos de despesa, por cada dia útil. Que o homem corria mundo ao serviço dos munícipes.
Ele era o Gigi, o Pap'açorda, o Ritz, o Sheraton, a Quinta das Lágrimas em Coimbra, O Baía Cabrália Hotel no Brasil, um Cumulus Oulu finlandês, a Pen Shop de Londres, a Royal Copenhagen, a Franz Schulz de Oslo, a Macy's nova-iorquina, as pousadas do Pestana, e até um maço de cigarros do Pedro dos Leitões foi parar ao fundo permanente. Foi o que apurou o tribunal.
Nós concluímos, num linguajar ingénuo, que ainda acontecem milagres na justiça. Por não nos darmos conta de que isto é apenas o primeiro andamento. O drama verdadeiro não há tribunal que o possa resolver. E os deus-ex-machina já os gastámos todos.

Ecos da Sonora II

Ainda de Ruben A., obra citada, espaço e tempo idênticos.

(...) Na sociedade portuguesa há um ciúme indescritível perante a coragem e perante a cultura. Que um dos seus membros se liberte pelo espírito ou pelo seu valor humano é o maior insulto que eles, atrasados culturais, julgam que se lhes pode fazer. Sentem-se ofendidos, reagem de certo modo com maledicência, uma vez que não tendo grandes amores nem grandes ódios oferecem apenas o mesquinho da perseguição, fechando as casas, achando as pessoas uns pesos, ou votando a um ostracismo aqueles três ou quatro - em cada década só há também três ou quatro aves migradoras - bodes expiatórios da purga mental da sociedade, ancorados para toda a vida a um inferno. (...)
Não compreendem, porque está fora do seu alcance, o sentido de plenitude contemplativa que paira em seres semelhantes, mas de idioma mais delicado. O dinheiro move-os, e não só o dinheiro mas também o agradável de comer, beber, dormir, fornicar, passear os dias atrás dos dias e ir a enterros à espera resignada do próprio enterro. Uns enriquecem mais, outros trabalham nas companhias do gás, de seguros e muito poucos em grémios e associações corporativas. São os cadáveres adiados que procriam, de que fala o genial Pessoa.
Apenas uma excepção: se algum rico prevarica, basta a simples razão de ser rico, neste caso bastante rico, para ter a gradual aceitação de qualquer acto julgado menos bem. Os ricos podem fazer limites à moral, podem impor a moral que criaram, erguem a sua moral à base da sociedade que os procura. Os escândalos que provocam são pequenas flatulências de ligeiro efeito, para pouco depois terem à roda o enxame de insectos nocturnos encostados à lâmpada que os ilumina de whisky, cartas de jogar e remotos empregos de conto e quinhentos. (...)

terça-feira, 27 de maio de 2008

Ecos da Sonora I

Gravo obras para invisuais, na Sonora de S. Lázaro, e não escondo o prazer que isso me dá. Mas prefiro um embondeiro a enfeitar a paisagem, às mil páginas impressas no seu tronco, mastigado em pasta de papel. Sobretudo se ele é gasto na impressão de impressões, dos mil nadas de meninices perdidas, ou de memórias passadas que o mundo desmerece.
Ainda assim topo com páginas que não conheceria doutro modo e era uma pena perder. Ajudam a entender o real que nos cerca, e resiste a entrar-nos na cabeça. Como esta, de Ruben A., O Mundo à Minha Procura I, edição de 1966. Na Quinta do Campo Alegre, cidade do Porto, classe A.

(...) É uma sociedade onde os homens vivem na pedra lascada, caçando de arpão, fazendo lume no friccionar de duas pedras e trazendo a tanga remendada de peles ainda das caçadas de África. (...) E é uma sociedade onde as mulheres não precisam de ser heróis, basta-lhes dar à luz, fazer um pouco de cozinha e coabitar, em muitos casos, até aos quarenta anos, idade em que as mulheres cultivam, sem altivez ou imaginação, a pequena intriga de pulga e o gregário feminino motivado pelos maridos que as deixaram penduradas em casa, junto ao cabide da impaciência. Os homens satisfazem-se, as mulheres bastam-se, os cães rodeiam a cidade e as cadelas aluadas uivam de tantos mortos com vida. Em cima dos beirais a gataria entretém-se no assim mesmo. E as mulheres murcham à nascença, sem liberdade, sem a iniciativa que apenas ganham quando caducas, na idade em que já as esperanças de alegria e felicidade se rasparam para os filhos ou netos. O homem, tendo tirado em Portugal, por instinto de defesa do adultério, a iniciativa e a liberdade à mulher, secou-a por dentro e, no seu egoísmo, querendo evitar a desonra, o que por vezes consegue, vai em contrapartida procurar no café ou em reuniões de homens a expressão da sua personalidade viril. (...)
A mulher, deixada ao abandono desde pequena, primeiro pela liberdade coarctada, depois pelo casamento e caprichos do marido, vê-se a braços com uma tragédia em que aguenta estoicamente, por convenção de usos e costumes, o sacrifício da sua vida ao ranço familiar. (...) E se acaso na vida portuguesa uma mulher tenta evitar a pouca-vergonha, incluir-se no sério da sua própria personalidade, (...) o mundo escorraça-a, a sociedade deita-lhe a língua de fora, aceitando e convidando em contrapartida para suas casas quem tem as mais íntimas ligações sexuais com os convidados sentados à mesma mesa, quando não entre os donos da casa e os concubinos.
Mas se uma mulher é séria, se dá o alerta da sua infelicidade, o mundo raro a compreende, extorquindo-lhe as básicas qualidades de heroína que ela precisava de ter para se libertar de anos e anos de frustração, de frustração na cama, frustração ao almoço, frustração às tardes, mortificação a seguir e aniquilamento parcial, excepto do corpo que se move e até às vezes se excita, onde o calendário é cumprido segundo os preceitos da Era cristã. (...)
De forma que é preciso uma coragem indómita para a mulher sair da jaula, sair com a dignidade de quem esteve prisioneiro anos sem conta, e por essa mesma razão está apta a viver só, base humana, verdadeira, para a vida em companhia. Só aqueles que aprenderam a estar sós, que engoliram o fel da solidão, estão preparados de corpo e alma para sentir o feliz da vida conjugada. (...)

Mais de meio século decorreu, já muita coisa mudou. Mas nós ainda não entendemos porque é que a sociedade moderna demora tanto a chegar. Cobiçamos exemplos lá de fora, mas hibernamos cá dentro!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

In illo tempore

Então não havia Cátias nem Vanessas, ela chamava-se Teresa e eu ainda hoje sou a Mariana. Íamos juntas à escola e éramos as melhores amigas. A mestra tinha-a, a ela, em boa conta, eu era a melhor da classe. Criei-me em África, no meio do sertão, e a minha mãe ensinara-me em casa uma gramática antiga, confirmada por exames duns frades combonianos.
De vez em quando havia sabatinas, um dia chegou a das preposições. E a Teresa, chamada a contas, embateu na barreira dum perante. A mestra foi complacente, mandou voltar ao princípio. Ela repetiu a ladainha, mas de novo tropeçou no sobressalto. Tinha-o debaixo da língua, a sala toda viu isso, só não achava maneira de o cuspir.
Quando havia estas brancas na memória, ninguém escapava à lei sacramental. Era estender a mão à palmatória, manejada pela melhor amiga da infractora. E a Teresa, entre o pânico e a vergonha, abriu a mão e ficou na expectativa.
Eu recebi a vara da justiça, mas não aguentei o peso dela. Era toda a gente à espera, nunca o mundo foi tão silencioso. A mestra puxou-me pelos brios, certa e segura de que o meu lugar era ao lado dos bons. Eu é que não atava nem desatava. E quando ela perdeu a paciência, foi-se ao artigo final dos códigos em vigor.
- Tu levas uma por causa da cobardia! E tu apanhas o dobro, por recorrer ao supremo!
A Teresa, logo ali, desfez-se em lágrimas. E eu saí, de mão inchada, a consolar, com as minhas, dores alheias. Irritei gerações de pedagogos. Mas desde então nunca mais fui boa aluna.

A um potro impaciente, mas não só

A obra de arte, mormente a literária, dirá alguma coisa, ou não é mais que nada.
Que ainda não tenha sido dita, pois doutro modo será repetição.
Ou repeti-la-á de forma renovada, para que não seja cópia do já visto.
Foi Horácio quem o disse (terá sido?), guarda o que escreveste na gaveta durante nove anos. Se resistir, fizeste obra de jeito.
Parece opinião exagerada um tanto. Mas atenta-me nela, que a vida é bem mais longa do que a pressa que tens. Evitarás assim o lixo e o ruído, esses inimigos públicos que transtornam a cabeça dos simples, e ajudam a ensandecer o mundo.

Tufão caseiro

Este inverno já dura há tanto tempo, que até o desgraçado guarda-chuva chinês me ultrapassou o prazo de validade.
O pobre enferrujou e já lhe caem varas.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Primavera indecisa

Tenho à espera a Feira Cabisbaixa atrás dum microfone, a Feira do O'Neill, a feira de nós todos, que um cego encomendou à biblioteca sonora. Mas encontro no jardim de S. Lázaro a primavera a hesitar.
As camélias já andam pelo chão e a primavera a hesitar, incham os botões dos rododendros e a primavera a hesitar, os rebentos das tílias a explodir e a primavera a hesitar, os velhos da sueca, são quinhentos, a improvisar a banca e a primavera a hesitar, e a mimosa das coxas tentadoras a faltar-me no passeio, o riso quotidiano, bons-dias mimosinha, e os dentes de marfim, o drapejar da pestana, o peito da mimosa a faltar-me nos olhos, as formas arredondadas a morder-me no ventre e os pombos num badanal, a mulher desdentada a pedir-me um cigarro, a levar dois para a amiga encostada na esquina, a solicitar-me o favor dum lume, a mesura brejeira a agradecer-me, a aventurar se gosto de ir ao quarto e eu a dizer-lhe que não, um trunfo a cair na mesa a esquartejar a manilha e os pombos amotinados, e a mimosa que lá vem dobrando a esquina num riso de Gioconda a tentar-me de longe, os pés que já não comando na direcção dela, um instinto a farejá-la, a correr-lhe a garupa, o flanco acolchoado, o lago misterioso, quanto vale o teu riso mimosinha, a primavera ainda a hesitar e eu a deslizar-lhe a nota na palma acetinada, um roçagar de leve, uma aflição de seda...
E vou-me então à Feira Cabisbaixa, à Feira do O'Neill, à feira de nós todos, que um cego precisa dela, e a primavera enfim se decidiu.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Aniversário

E já passaram dez anos. Depois da feijoada sobre a ponte, que bateu recordes mundiais, abriram finalmente as portas da Expô.
A princípio, os pais da coisa juravam a pés juntos que o projecto se auto-financiava. Eram os tempos do país do sucesso. E os portugueses, longamente educados a embarcar em balelas e milagres, acreditaram que a Expo 98 não custaria um cêntimo ao país.
A conta afinal chegou, depois do estralejar do foguetório, havia já quem andasse a recolher as canas e os proventos. Por junto custaria ao orçamento... em percentagem do PIB... huumm... é só fazer as contas! E o orçamento pagou.
Mas tudo fora um sucesso. E ainda hoje é razão de grande orgulho para os lunáticos impenitentes, que desde há séculos confundem o país com a praceta onde nasceram. Não está ele aí o Parque das Nações, e o Pavilhão Atlântico, e o Teatro Camões, e um Oceanário que nem nos países ricos?
É certo que não sabem que destino dar ao Pavilhão de Portugal, um remorso que persiste, esse símbolo do vazio. Nem para armazém de mitos, mas que importância tem isso? Viver com os pés no Portugal real não é um exercício prazenteiro. E as luminárias sonhadoras há muito se demitiram de o fazer.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

O bom indígena

Mal chega, o bom indígena encosta-se ao balcão. Dos correios, do talho, duma retrosaria.
Planta os cotovelos na bancada, e aconchega nos punhos a cabeça exaurida. Inclina-se para a frente e lá explica ao que vem, baralhando redundâncias.
É-lhe custosa a postura vertical, por isso ajeita o canastro a tudo quanto for sólido, como fazem as videiras de enforcado. De vez em quando muda de quadril de apoio.
Visto de trás parece um manipanso, seguro por arames. Mas trata o mundo de modo sobranceiro, por ter as cotas em dia com o manual da etiqueta. E é sempre muito senhor das suas cidadanias, era o que mais faltava!
Por vezes ganha uma vida inesperada, empina-se-lhe o ventre, compõe-se-lhe a figura. Mas é só para responder ao telemóvel basculante.

terça-feira, 20 de maio de 2008

da capo - 1

ÓDIOS VELHOS
Chegavam sempre no começo do outono, quando os corvos passavam ao fim da tarde, a grasnar às frialdades que vinham de Além-Douro. Interrompiam-nos a bola no terreiro, saltavam das carripanas escuras, abriam as gaiolas das matilhas. E caíam nos braços dum lavrador lá do povo, inchado por ter amigos na cidade. Soltavam palavrões que eu julgava proibidos, numa língua esquisita de pagãos, e escarravam muito pelo chão.
Manhã cedo faziam-se aos caminhos, de espingarda na ombreira, a açular a canzoada. E não havia brejo em todo o vale inteiro que escapasse à invasão. O cainçar dos podengos ouvia-se nas quebradas, e os ecos da fuzilada faziam ricochete nas encostas do vale, monte cá, monte lá, até ao cair da noite.
Retiravam-se ao terceiro dia, com as grelhas de metal enfeitadas de perdizes a largar nuvens de penas, e rosários de coelhos a pendular nos telhados das carripanas escuras.
Hoje vivemos paredes-meias. Os palavrões já me são familiares, e ao sotaque de pagãos acostumei-me aos poucos. Mas não sei como indultá-los do olhar morto das lebres, enforcadas nas janelas, a mandarem-me corrê-los à pedrada.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Contrição ou desvergonha

Já era funda a suspeita, agora feita certeza. De que as governações da mão do PPD fazem corar de vergonha o próprio PSD. Dito assim, ou vice-versa.
O partido pegou de estaca há-de haver trinta e tal anos, num composto de antigas ruralidades, gerido por diletantes, pilotado por caciques, encomendado por padres. E foi servindo de palco a figuritas cinzentas, fiéis assíduas das missas da ditadura, sem a mais leve noção do que pudesse ser um país diferente e novo. Nelas só a incompetência era maior que a sofreguidão. E o poder foi-lhes apenas trampolim.
Agora andam à deriva, e vão fazer eleições. E têm um candidato melhor que todos os outros, é uma figura importante quem o diz. O candidato é novato, mas porém nisso reside a sua maior vantagem. Em estar isento de qualquer responsabilidade, nas governações passadas.
O PSD é actor primeiro no palco da tragédia nacional, que não ocupa sozinho. É ele o melhor espelho da sociedade que somos, no que ela tem de pior. Assim, ao candidato e ao partido, valerá a desmemória do país. Ao país é que nem partido nem candidato.

sábado, 17 de maio de 2008

Morte matada

A noite desta história era assim, molhada e lenta como a noite que hoje aí está. Rumores só os da água a cair, persistente. E por sobre eles, distante e sem origem, como se viesse do coração fundo da terra, o troar do ribeiro que da serra vem e por entre fragas se despenha, apertado entre silvados, algum loureiro velho amedrontado e paredes de hortas.
A aldeia encosta-se ao monte, a nascente voltada. Plantada aqui por um saber antigo, logo nela dão os primeiros afagos do calor, mal o sol se levanta dos lados de Castela. Porém em vão se enrolam nas mantas os homens, e nas palhas os gados, quando não todos juntos, para aquecer os corpos. É que nenhum sol é bastante para adoçar o rigor destemperado destes invernos.
A deslado, raia natural, a fronteira do ribeiro a descer a encosta. Acanhado entre paredes ou fragas naturais, é no verão uma doce veia que rega hortas. Mas nos invernos ganha corpo e voz, a espumar no orgulho das pedras, despenhando-se cascata abaixo, esfacelando bichos incautos.
Eu tinha nessa altura, lá por cima do povo, um improvisado barracão de cimento onde criava frangos. E porque os frios eram persistentes, e os bichos miúdos de penugem escassa, dava-me eu a frequentes cuidados de ir e vir, a atiçar-lhes algum calor nos queimadores. Já era tarde, nessa noite, quando a caminho passei pela taberna, ainda me lembro como se fosse hoje. Entre conversas de façanhas e áfricas, e cães de caça de venta rachada, que desenterravam qualquer porco bravo das profundas dos brejos, ouvi claramente o Zé dizer, ao Manholas mais novo, é hoje que lá vou a casa e tendes que me pagar. Questões atrasadas de gados e pastagens, e de ervas arrendadas, julguei eu entender.
Fui à minha vida, cuidei dos animais, e era uma da manhã quando desci a casa, aconchegando no sovaco o volume da pistola. Eu não acredito em bruxas, nem sou de grandes temores, mas já estou como diz o outro. Não é a primeira vez que elas aparecem nestas encruzilhadas, assim a desoras. Cruzei o ribeiro no pontão do Cabeço, à direita desabavam as águas da serra pelas fragas do moinho velho, à esquerda clamavam no escuro os cães do Pitorro, rua abaixo, numa raiva insistente. Aproveitei a esquina, fiquei a observar. E não tardou que um par de figuras, vindas da ruela esconsa, entrassem no fraco funil de luz do poste público, uma delas mulher. Abeiraram-se do ribeiro, que ali segue encanado acompanhando a rua, uma obra dos antigos, sem guardas nem protecção, maré de cair uma criança lá dentro, um velho burro trôpego, um trolaró qualquer com dois copos a mais. O Zé, por exemplo, todas as noites por aqui regressa das suas devoções na taberna. Nem a alma se lhes aproveita, caindo pelas fragas que dali se despenham até ao fundo da Aldeia Nova. Pois só ali, passado o moinho do conde, é que o ribeiro sossega e as águas se espreguiçam entre campos, antes de embarcarem na ribeira que lá segue para norte, a caminho do mar do Douro. Dizem porém que esta febre se não acalmará antes dos despenhadeiros do Vesúvio, ao certo não sei, que nunca lá fui.
Mais vultos de má morte do que figuras de gente, assim surgidos do escuro, não se demoraram os dois entrudos à beira do paredão, onde se acocoraram um migalho. Eu dei-lhes o tempo de desaparecerem outra vez ruela abaixo, e não resisti ao bicho da intriga. As águas, que eram muitas, ferviam sôfregas no apertado leito. E ali à beira, debaixo dum calhau, ficara um chapéu de homem, desses de todos os dias, já sem cor certa nem forma consistente, comido já do tempo e do suor.
Apanhá-lo do chão, mirá-lo à escassa lâmpada do candeeiro público e pô-lo de novo debaixo do calhau, foi tudo o mesmo gesto de sobressalto. Ia jurar que era o chapéu do Zé. E de repente faiscou-me na ideia um relâmpago de mau agoiro, ficou-me acelerado o compasso do peito. Eu não sou de grandes temores, já uma vez o deixei dito, mas sei que há forças no mundo contra as quais o coração descoberto dum homem nada pode. E foi ao galope do peito que me afastei dali. Os cães ficaram sossegados, a chuva caía como o céu a mandava, e o estrondo da corrente era um espesso véu.
Não fui capaz de me conter em casa, apesar da chuva. Aquele chapéu era do Zé, tão certo como eu dizê-lo, o que me faltava era entender a estranha encenação que o abandonara ali. Eu tinha visto no olhar mortiço do Manholas mais novo, na cena da taberna, os sinais escuros duma selvajaria antiga e assustadora, do tempo em que o sangue dum homem valia menos que o ronco duma praga atirada ao ar. Senti medo quando saí de casa, não me envergonho de o dizer.
A portinhola do Zé estava fechada e resistiu a um par de encontrões. O clamor das águas, a desabar na cascata por trás do casinhoto, afogava tudo. Fiquei sem saber o que fazer, fiquei sentindo o medo a crescer-me no peito, a arrepiar-me o corpo, os homens de agora são bacalhau demolhado, já não sabem resistir às antigas formas de violência, crua e clara, será isto a civilização.
A parte de trás da casa dos Manholas, lá em baixo na Aldeia Nova, era de pedra solta, feita à antiga, que a miséria da gente nunca permitiu rebocos nem luxos modernos. E eu encostei-me a ela como se quisesse meter-me lá dentro, a um lado para me abrigar da chuva, e a outro para escutar melhor o que para ouvir houvesse.
- Ai que desgrácia tão grande! – era a voz da mulher, um ror de tempo depois, para qual dos dois irmãos não sei. Casada era ela com o mais velho, mas o povo ia jurando que alguns dos filhos eram do mais novo, vá lá a gente saber. E depois que a voz deste respondeu – cale essa puta de boca! – não voltei a ouvir-lhes mais palavra.
Eu nunca fui de grandes temores, pelo menos não me canso de o dizer. Mais pelo frio, decerto, entraram a fraquejar-me as pernas, a tremer, a tremer, sem eu poder fazer nada por elas. E ademais porque dali não se via a entrada da casa, resolvi dar a volta à esquina da ruela, e buscar um mirante melhor. Subi a parede do quinteiro que fora da Rita velha, encostei-me ao telhado, abri o guarda-chuva e deixei a noite correr.
Uma vez aqui chegado já tenho poucas dúvidas. Mas quero ver o resto, tenho que ver o resto, sou com toda a certeza o único estranho em condições de meter as mãos no mistério que aqui se desenrola. O mundo inteiro está por completo adormentado, acaso o próprio Deus, que por cima desta grande chuva estará, nada consegue ver através dela, se não aproveitou para dormitar um pouco numa noite assim.
Até que alguma coisa aconteceu, e foi que um vulto veio à rua, olhou em volta e depois recolheu. E logo após saem dois vultos de homem, aos ombros trazem um volume enrolado, não posso dizer o que vai embrulhado nesta manta ruça de burel antigo, atrás vem uma mulher encapuchada. E saindo todos da fraca luz do candeeiro, lá vão, debaixo da chuva, na direcção do Caminho Mau, ali a dois passos do moinho do conde. Em cinco minutos voltaram, um dos homens traz agora a manta a cobrir a cabeça.
O nascer do dia apanhou-me na cama, com pontadas no peito. E ao fim da manhã trouxe-me a mulher o burburinho da rua. Que o Zé estava lá em baixo afogado no ribeiro, numa das presas do conde. Corri para lá, e com estas minhas mãos o arrastei para o caminho, onde ficou estendido. Tinha vestida a camisita de ontem, na taberna, inteira, sem um rasgão. Não lhe vi sinais nos braços, nem ferimentos na cara, nem mataduras no corpo. Tinha apenas um fundo golpe no crânio, por cima da orelha esquerda. E outro golpe de ferro num ombro, a derrear-lhe o braço do mesmo lado. A tremer das mãos dei-lhe um jeito no corpo, por forma a que mostrasse a melhor face.
O doutor delegado chegou era já noite. Encolhido na casaca, mal olhou para o cadáver do Zé, que estava ali estendido e regelado. Esfregou as mãos uma na outra, bateu no chão os pés impacientes, decretou que o homem tinha morrido afogado, e correu para um automóvel preto, que o esperava.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Escritor?

Enquanto profissão, é muito raro que passe dum equívoco. O que existe são autores de algumas obras em que um dia tropeçamos, e nos surpreendem, e trazem à nossa vida algo de novo, em conteúdos ou formas que vale a pena ler.
Um carpinteiro pode fazer cadeiras indefinidamente, do ponto em que disponha de madeiras, de pregos, e dum mercado que lhes dê utilidade. Não creio que um escritor o possa ser de modo semelhante. Por força há um limite para a sua criatividade, uma fronteira para a inovação. E a partir daí já não há arte. Haverá rotinas burocráticas, explorações de imagem, repetições do já visto, modos de passar o tempo quotidiano. Haverá produtos de mercado, ou no limite objectos culturais, que nos enfeitam o espaço das vidas. Mas já deixou de haver literatura que nos surpreenda, e nos traga um prazer estético novo, e nos ofereça ensinamentos renovados, e mereça a nossa atenção.
Incomoda o ruído frenético de tantas palavras que há no mundo, sem que por isso haja nele mais verdade, mais beleza ou mais sabedoria. Assusta, como a enxurrada. É por isso que me bastam, da forja dos escritores, as que chamo "obras de culto". As mais das vezes restritas, se não mesmo ignoradas pelas multidões, vivem por aí refugiadas e guardam-se lá em casa. Quando voltamos a elas, têm sempre algo de novo para dizer.
Literatura e mercado são coisas muito diferentes, e não raro dão-se mal. A primeira há-de lograr comover-nos, dar-nos vida, ou simplesmente alegrar-nos. O segundo apenas nos agita, quando nos não defrauda.

terça-feira, 13 de maio de 2008

O tal NAL

Com vénia ao dr. Luís Queirós, presidente do grupo Marktest e da Fundação Vox Populi.

O NOVO AEROPORTO DE LISBOA E O PREÇO DO PETRÓLEO

Com o preço do barril de petróleo (WTI) a roçar os 120 dólares na Bolsa de Matérias-Primas de Nova Iorque, é urgente que se revejam os cenários e os custos - feitos num pressuposto de energia abundante e barata - que estiveram na base da decisão de construir Alcochete.
O sector do transporte aéreo tem crescido muito acima da economia global. De acordo com dados apresentados pelo comandante Cristopher Smith, da British Airways, nos últimos 10 anos o sector do transporte aéreo cresceu 2,4 vezes mais depressa do que o PIB mundial.
Cerca de 90% da energia utilizada nos transportes deriva directamente do petróleo. A dependência dos combustíveis líquidos derivados do petróleo é particularmente elevada - deve mesmo dizer-se total - no sector aeronáutico, pois não existem alternativas energéticas ao fuel usado nos aviões. Está fora de questão, num futuro próximo, a utilização de energia eléctrica ou nuclear para propulsionar aeronaves comerciais.
O fuel sintético já produzido na África do Sul a partir do carvão (CTL- coal to liquid) não se mostra económica nem ambientalmente viável. Outras opções, como o etanol ou o biodiesel, têm fortes limitações técnicas, relacionadas com a sua baixa densidade energética e com o seu comportamento físico, nos intervalos de temperatura a que podem estar sujeitos.
A nível mundial consomem-se diariamente cinco milhões de barris de petróleo na aviação comercial, o que equivale a cerca de 15 vezes o consumo de Portugal. Um tal volume corresponde a cerca de 6% do consumo mundial de petróleo e só é superado pelo consumo individual de três países (EUA, China e Japão). Num cenário de business as usual, os crescimentos previstos para o sector aeronáutico nos próximos anos, que é o mesmo que dizer para o tráfego aéreo, indicam que a procura de fuel irá aumentar acima da média, mesmo que se encontrem formas de optimizar os consumos (...).
Mas é hoje opinião consensual que a maior ou menor disponibilidade de um combustível líquido derivado do petróleo, relativamente barato e adequado à aviação, terá fortes implicações no futuro do transporte aéreo e nos sectores da economia que lhe estão associados.
Até agora a produção de petróleo respondeu à procura sempre crescente. Contudo, sendo o petróleo um recurso limitado e por isso esgotável, a grande questão é saber como se vai comportar a curva de abastecimento no futuro, para responder ao acréscimo de procura.
Entretanto surgem um pouco por toda a parte sinais preocupantes: os EUA, desde 1970, deixaram de ser auto-suficientes, entraram em declínio de produção e já importam 60% do petróleo que consomem; a Noruega e o Reino Unido já estão a retirar cada vez menos petróleo do Mar do Norte (este, auto-suficiente nas últimas décadas, já teve de recorrer a importações em 2006!); no México, a jazida de Cantarel, a segunda maior conhecida no mundo, está em rápido esgotamento e este ano já produzirá menos 400 mil barris por dia do que no ano passado.
Países de economias emergentes, como a China e a Índia, estão a aumentar o consumo e a importar cada vez mais petróleo, e os novos produtores (Angola, Ásia Central, Brasil) parecem não chegar para compensar as perdas devidas às decrescentes produções de outras fontes, e são igualmente insuficientes para responder ao aumento da procura.
É certo que existem recursos abundantes daquilo a que se chama petróleo não convencional (deep water, areias e xistos betuminosos do Canadá e Venezuela, exploração de zonas polares, produção a partir do carvão - coal to liquid) mas com custos de produção bem mais elevados, prazos de exploração pouco confortáveis e implicações ambientais assinaláveis.
A generalidade dos analistas, já contabilizadas todas as formas de produção incluindo os biocombustíveis, prevê que a breve prazo haverá um desajustamento entre a procura e a oferta de petróleo a nível global. Os mais pessimistas (Colin Campbell, Matt Simmons, Deffeyes) falam em dois a cinco anos; e os mais optimistas (CERA - Cambridge Energy International Administration) admitem que isso só acontecerá daqui a duas ou três décadas. Contudo, todos são unânimes em que o desajustamento acontecerá mais cedo ou mais tarde.
Grandes projectos, com custos energéticos de construção avultados, ou sujeitos a forte impacto energético na sua exploração, têm de ser avaliados também nessa perspectiva. Ainda há meses, a propósito duma notável conferência sobre o tema "The low carbon economy" proferida por David Miliband, na altura ministro inglês do Ambiente, e que alguns chegaram a apontar como provável sucessor de Tony Blair, alguém questionava a oportunidade de investimentos como a construção ou ampliação de aeroportos.
O Novo Aeroporto de Lisboa entrará em funcionamento, na melhor das hipóteses, em 2017, e isso, tudo o indica, acontecerá num cenário de grande penúria energética. A qual irá certamente motivar fortes aumentos de preços dos combustíveis, que afectarão os custos de construção, e irão alterar de forma significativa as previsões de evolução do número de passageiros, e consequentemente do número de voos.
Reavaliar será, neste caso, sinónimo de sensatez.

domingo, 11 de maio de 2008

No princípio...


... diz-se que era o Verbo, mas não é verdade.
No princípio tudo era este olhar inquieto, pesquisador.
A orelha fita, a venta escancarada, o músculo tenso, o instinto em alvoroço.
Muitíssimo antes do Verbo.
E ainda hoje assim é.