sábado, 30 de abril de 2016

Boa lupa

Para entrar nas trevas mentais e no lodaçal de elites inúteis e parasitas que florescem por aí. E sempre floresceram, no palco das nossas comédias tristes.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Catembe

1 - Não entendo, nunca poderei entender! Ainda quando se trata de gente rotinada, ignorante e estúpida, vá que não vá! Mas não tratando-se de gente inteligente e lúcida, como acontece com a palestrante de hoje! 
E no entanto quatro quintos do tempo da palestra são consumidos na exposição do assunto, onde parece não se distinguir o essencial do acessório, onde parece que toda esta gente gosta de se ouvir, e esgota a paciência do auditório, e a tolerância geral e o contributo particular... para chegar ao fim e já não haver lugar para o debate indispensável, a conversa colectiva, a controvérsia fértil e fecunda... É uma pena, se não se desse o caso de ser uma grande porra!
2 - O assunto da palestra é A Propaganda no Cinema do Estado Novo, que deus haja. E a palestrante é uma jovem doutorada pela Universidade Nova de Lisboa. Ilustrada, inteligente e lúcida, coisa rara. Ela contextualiza explanando detalhes do Acto Colonial de 1930, que definia as formas de relacionamento da metrópole com as colónias, no fascismo aparentemente delicodoce que nos coube. E introduz artigos relacionados da Constituição de 1933. Abre luzes sobre o luso-tropicalismo de Gilberto Freire, que adoptou e seguiu os mitos salazaristas do modo português de estar no mundo, de ser colonizador e multirracial e multi-étnico e pluri-continental. Não explica as hesitações e contradições aparentes do regime, que começou por negar as relações inter-raças e acabou a avalizá-las. Portugal foi o maior produtor europeu de mestiços, a maior indústria colonial.
A palestrante mostrou claramente que o império português salazarista foi uma construção ideológica propagandística, sem consistência real nem substância, para além da mó de moinho que pendurou ao pescoço do velho Portugal. Nas suas investigações, ela viu em Londres o documento em que a Inglaterra e a Alemanha, depois da I Guerra, partilhavam as colónias portuguesas. Pois quem vai a construir um império leva uma carta de saque, e os impérios que a não cumprem não existem, e acabam-lhe soterrados nos destroços. 
Ora o império português, criado numa estufa, foi um grande logro colectivo, que só podia acabar na tragédia que o dissolveu: dez mil mortos numa guerra inútil de treze anos, trinta mil estropiados físicos, dezenas de milhares de stressados pós-traumáticos que a pátria ainda hoje desconhece, uma economia metropolitana em ruínas, um milhão de camponeses fugidos a salto para escapar à miséria, cerca de um milhão de retornados de África a regressar em desespero, sem contar aqui as vítimas africanas.
3 - Faria de Almeida era um jovem cineasta de origem moçambicana, que foi bolseiro brilhantíssimo do SNI em Londres, onde aprendeu as técnicas do cinema documentário directo do quotidiano. Em 1965 realizou em Lourenço Marques o filme Catembe. Ficou no Guiness Book como o filme mais cortado de que há memória: dos 120 minutos originais sobraram 45, que acabaram proibidos pela censura. Só em 1985 é que foi por duas vezes mostrado ao público pela Cinemateca de Lisboa. Faria de Almeida abandonou a realização, e acabou em tarefas de circunstância na televisão estatal.
Aqui o que restou do Catembe e ali uma entrevista oportuna com a palestrante.

No Mazouco

[clicar]
Pobres das laranjas algarvias, pobríssimas as da Sul-África e mais origens exóticas que o mercado nos oferece! Boas são as laranjas do Douro Internacional, a Norte de Barca de Alva, os espanhóis que o digam! Eu lembrava-me bem delas, na margem da Congida, e fui lá ver. O dono não estava em casa, e eu fiquei-me pelos eflúvios aromáticos da floração. Era assim no éden que já houve, antes da expulsão do Paraíso. 
Foi deste modo que fui parar ao Mazouco, onde encontrei as laranjas e fui ver o cavalinho. Depois de muito penar, ladeira abaixo, lá desci até à margem, valeram-me os dois bastões. E os cavalinhos são dois, velhos de vinte mil anos. Têm à disposição uma angra exclusiva, que o rio lhes preparou como um espelho. Nela se miram, vaidosos, a rir-se dos curiosos.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Calçada de Alpajares


[clicar]
A leste do vale da Vilariça, para quem vinha do Sul e pretendia aceder ao planalto transmontano de Miranda e Bragança (almocreves e bufarinheiros do sal, dos ferros, dos panos e outros produtos do seu mercadejar), a margem direita do Douro constituía uma cadeia ininterrupta de alturas intransponíveis. Foi aí que ganhou a importância que teve a fissura de Alpajares, o único, embora penoso, ponto de penetração.
A sua utilização foi mais um processo do que um momento datável. Desde as transumâncias milenares dos auroques do Côa aos rebanhos posteriores, os eruditos admitem que os tempos do rei D. Dinis, com a sua organização territorial e administratriva, são um momento a levar em conta. Mas não existem verdades definitivas. 
A caminhada de Alpajares, levada a efeito anualmente pela câmara do Freixo e a freguesia de Poiares, é um momento de celebração e romaria de caminheiros urbanos. Desta vez anteciparam-na um mês, por haver queixas de altas temperaturas em finais de Maio. Não foi uma boa opção, que alguma chuva e pavimento molhado são condimentos penosos. E perigosos. Eu já lá vi 250 caminheiros e melhor organização. 
Pessoalmente saiu-me do pêlo, mas ganhei um novo lugar de peregrinação, que é Freixo de Espada à Cinta. 

quarta-feira, 27 de abril de 2016

A coisa no Brasil é de tal ordem, que 8 mil juristas de lá falam assim!

A Presidenta Dilma Roussef tem sido alvo de ataques sistemáticos provenientes de políticos da oposição, da grande mídia e de setores conservadores da sociedade desde o anúncio oficial de sua vitória no segundo turno das eleições de 2014. (...)
Cá entre nós o fenómeno tem ecos parecidos!

País doente, no "dia inicial, inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio"

Em todo o distrito da Guarda, teve ontem lugar em Almeida o único momento popular de celebração do 25 de Abril. Uma centena de cidadãos encontraram-se num almoço, trocaram palavras e emoções e saudaram a data. Tive a alegria de poder participar.
No resto do distrito inteiro não se vislumbrou um gesto, nem sequer na cidade capital. Nem por iniciativa do PS, nem do PCP, nem do BE, nem dos sindicatos, nem de todos em conjunto. Tudo se ficou pelas rotineiras manifestações institucionais, vazias e propagandísticas.
Isso quer dizer que, se o cabrão do Passos tivesse tomado a iniciativa de abolir o feriado do 25 de Abril, a maior parte dos portugueses não teria dado por isso. Se ele pudesse, ainda hoje!...

Quando uma loira bêbeda põe um cravo na lapela e abre a boca

Sai-lhe disto!

domingo, 24 de abril de 2016

Freixo

Chego lá depois de muito rodar por estradinhas modernas, que das antigas nem me quero lembrar delas. E encontro nele uma tarde serena, placidíssima. Já em tempos pernoitei no local onde me alojo, que encontro modernizado. Por este preço o quarto é de cinco estrelas, de seis seria com a estalajadeira. Mas isto é um pensamento solto e reservado.
As ruas que então havia eram um estaleiro de obras, com nuvens de poeirada. Hoje é um gosto andar nelas, atravessar os largos e as pracetas, encontrar nelas as marcas semitas de judeus homiziados. As andorinhas, essas, andam numa azáfama em roda dos beirais, indiferentes aos alpendres de madeira e às nossas escuridões.
Num mural estão reproduzidos versos excessivos de Abílio Guerra Junqueiro, de há um século e meio. Copio-lhe o mais pagão, que não conheço.
"Uma manhã Júpiter apareceu-me em Barca de Alva
e disse-me, pondo a mão familiarmente no meu ombro:
- Queres fazer um poema homérico?
Vês esta terra selvagem?
Rasga-a, ergue-a de socalcos!
Planta-a de vinha!
Dar-te-ei o sol para casar com ela!
Ingénuo e deslumbrado, lancei-me ao trabalho.
Um dia, anos mais tarde, Júpiter voltou.
- Belas cepas, Abílio!
- Cem mil, senhor Júpiter!
- Cem mil versos de ouro!
Fizeste o teu melhor livro!"
E vou recolher-me cedo, que amanhã há Calçada de Alpajares.

Adenda: Este Freixo ensinou-me hoje esta coisa: mais que a dum prosador ou um romancista, a obra dum poeta só pode ser vista no seu tempo e no seu lugar. É só aqui que o Guerra Junqueiro ainda está vivo.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

O que tu querias era que ele se calasse!

Meu filho da puta refinado!
(DAQUI!)

Bons sinais

Em Junho de 1974 pusemos a hipótese de trazer para Lisboa os aviões, costa acima, em escalas sucessivas. Sendo a primeira da Bissalanca ao Sal, com oitocentas milhas sobre o mar, a missão era medir com exactidão o raio de acção da aeronave. Com carga máxima de combustível, aos 40 mil pés de altitude, para consumo mínimo. 
Em parelha, comigo a asa do coronel comandante, desenhámos triângulos sucessivos dentro das fronteiras da Guiné, uma pérola do império. A essa altitude, na fronteira do  Senegal, o avião mais parecia barcarola à deriva.
Jacaré – Ó dois, passa a chefe!
Jagudi – Entendido, a chefe!
O coronel cola-se à minha asa.
– Estabiliza a altitude, ó Jagudi!
– Estabilizada!
O coronel dá-se conta do meu voo irregular e errático.
– Ó Jagudi, estabiliza a altitude, porra!
- Estabilizada, Jacaré!
(...)
– Jagudi, sintoniza o rádio-farol (frequência tal)!
– Sintonizado!
– Rumo indicado! Potência 60%! Iniciar descida a 7 mil pés/min! Rumo indicado!
- 50%! Freios fora!
(…)
– Nivelar aos 3 mil! 70%! Freios dentro!
- Rodar pela direita, 60%, descer para 1.500!
- Rumo indicado! Nivelar aos 1.500!
- 160 nós!
- 60%! 150 nós! Rumo indicado, Jagudi!
- 140 nós! Trem em baixo!
- 135 nós! Flaps 50%!
- 130 nós! Flaps 100%!
(...)
E o coronel colado a mim.
- Jagudi, tens a pista à vista?!
- Negativo!
- Potência 70%! 140 nós! Flaps 50%! Rodar pela direita! Manter 1.500!
- Rumo indicado, Jagudi!
(...)
- Jagudi, Tens a pista à vista?!
- Afirmativo!
- 40%! Freios fora! Flaps 100%! Aterra essa merda, porra!
Só quando me vê no asfalto é que o coronel mete gás à tábua, recolhe a hortaliça toda e vai-se embora. Eu despejo na pista a passarola, puxo o pára-quedas de travagem e paro mesmo na pista. Alguém virá rebocá-la para a placa, a mim levam-me para a enfermaria.
Desabituado de tamanhas altitudes, o regulador cortara-me o oxigénio. E eu entrei lentamente na hipóxia, insidiosa, melíflua, fatal. Estava a levar-me a visão.
O velho coronel apercebeu-se disso, tinha o rabo mais pelado que um chimpanzé do mato. Tratou de me pôr no chão. E agora revejo o filme, posso pará-lo em qualquer momento. O que não posso parar são estas lágrimas, que ainda caem. Bom sinal.

Igualdades de género

Ao tempo não existiam ainda conceitos tão rebuscados. Vivia-se sob um manto de atavismos muito antigos, muito mais que os torreões da sé de Braga.
O infante andava enfezadito, de ventre inchado, que lá dentro havia fluidos fora do recipiente. Era hacite. E o Crespo é que lhe acertara no mal e no remédio, que exigia a aplicação de correntes galvânicas. Mas corrente eléctrica na vila só havia à noite. 
A mater-dolorosa subia para a Marquesa, aconchegava nos braços o enfezado infante e lá seguia, estrada fora entre pinhais escuros. O pai não pensava em tais assuntos. O regresso era tão tarde, o filho era tão pesado, e as noites eram tão frias, que o médico muitas vezes lho trazia à Catraia, de automóvel, para ela folgar um pouco.
O filho desta mater-dolorosa acabou por se salvar, muito ao contrário do outro. Porque o mundo, e a vida nele, não seguem o guião dum testamento. Novo ou velho.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Romagem

É de afectos e paisagens que se trata, motivos de perdição. E eu avancei, no cúmplice do panzer. 
De casa até Coimbra demorei três horas, num IP3 decrépito, debaixo duma cortina de chuva ininterrupta e sacrílega. O panzer limitou-se a não gemer.
No Entroncamento fui ver lugares antigos, que precisavam dum afago último antes de adormecerem.
Em Lisboa tive inveja dos que a habitam, sem disso terem consciência clara. Assim é a natureza dos paraísos perdidos, que só chegam a sê-lo quando deixam de o ser.
Recebi dum editor 300 quilos de livros, porque ele mudou de instalações. Logo lhes chamei um figo e amontoei-os no panzer. A ASTA, esse lugar radioso em terras de Riba-Côa, teve o seu jantar no salão dum hotel, organizado por amigos solidários. Eram duzentos e cinquenta. E a Asta perdeu a oportunidade de viver o seu alento de alma. Deixou o cardápio dos momentos do jantar na mão de empedernidos institucionais, mais activos no uso do power-point do que no das humanas emoções.  A ASTA ficou a perder, mas não o sabe.
E uma vez sossegados uns afectos arrastei-me até Monforte, à  procura das alentejanidades  da charneca. Não há hospedaria no antigo burgo, nem um lugar onde arrumar o cansaço. Mas há um wine hotel no arrabalde, com spa e ares modernos. Foi no século I (santo deus!) uma villa romana da família Basilli, chamada Torre de Palma. E lá cheguei depois de muito penar. O ajoujado panzer só gemeu a sério nos últimos 3 kms. São de terra batida, com um rendilhado infindável de buracos lamacentos. Mas lá chegámos os dois. Chovia grosso, e as alentejanidades não as encontrámos, porque não estavam lá, que a primavera ainda não entrou. 
Não me interessa nenhuma prova de vinhos, e os vinhedos não os vi, concentrado nos buracos. Nem tratos de beleza ou banhos turcos! Improviso uma frugalidade para matar a fome, que me servem no quarto. E regalo-me com um banho de imersão, o spa que me permito em troca da muita chuva.
O preço duma pernoita no wine hotel pede meças à dívida soberana. Mas um dia não são dias! Pensava eu que afectos e paisagens não tinham preço, mas têm.
Deixo em Monforte uma parte dos livros, a leitores que os merecem. E rumo a norte onde a Lapa já me chama, talvez o panzer me ature.
Fica a memória duns cavalos célebres e antigos, que se criavam aqui na charneca, hoje terra de abetardas. Acabavam eles atrelados às quadrigas no fórum de Mérida, a magnífica. No tempo em que os montados ainda não morriam por aqui, dizimados por qualquer moderna peste.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Ó Vasco, tu vê-me lá!

Sabes muito bem que bater no ceguinho é teimosia de cego!

Tá bonita a brincadeira!

´Tão é assim! Os políticos de agora, subalternos ou dominantes, actuam em roda livre. Não se reúnem para discutir, analisar, definir, ordenar, escolher ou decidir. Não usam gabinete nem privacidade. E quando tomam qualquer iniciativa, dirigem-se à casa de putas geral (honni soit|) e mandam uma boca para o ar.
É por aí que o cidadão fica a saber as linhas com que o cosem. E a mim só me apetece lançar mão do bom vernáculo e mandá-los foder. Não o faço porque não frequento o fècebuke.

Sag mir!

Sag mir wo die Blumen sind
wo sind sie geblieben!
Sag mir wo die Blumen sind
was ist geschen!

Ensaio de tradução:
Diz-me o que é feito das flores
onde é que elas nos ficaram!
diz-me o que é feito das flores
e o que lhes aconteceu!

... -colheram-nas as cachopas!
-quando é que a malta percebe!

... -e o que é feito das cachopas!
- os homens as desfolharam!

... -o que é feito desses homens!
-a guerra vai começar!

... -onde é que estão os soldados!
-corre o vento sobre as campas!

... -onde é que as campas ficaram!
-as flores abrem ao vento!

... -diz-me o que é feito das flores!
-colheram-nas as cachopas!
-quando é que a malta percebe!

terça-feira, 12 de abril de 2016

Blow-Up

No tempo em que os animais ainda falavam na Europa, os portugueses viviam na Idade Média. Mas já havia modernidade e arte pura neste mundo. Foi por então (1965) que Antonioni realizou esta pérola das artes cinematográficas.
A História dum Fotógrafo é o mergulho na sociedade inglesa da época, mormente de Londres. E vem recheado de episódios antológicos: a persona do fotógrafo que se desloca em Rolls-Royce, as noites da juventude londrina desse tempo premonitório, a cena final do jogo de ténis num parque, em que não havia bola, mas é exactamente como se houvesse.
Casualmente, o fotógrafo captura imagens num parque londrino. E só mais tarde, nos seus trabalhos de câmara escura, vem a descobrir que fotografou um assassinato. Volta ao parque e vê o cadáver, estendido no relvado. Agitado, procura o seu editor. E é enquanto o procura que nos permite o acesso à noite londrina: a liberdade à solta, as drogas, a cultura alternativa, a alienação, o simulacro, a violência, a ratoeira da indiferença… Quando, num desalento, volta ao parque, o cadáver já tinha desaparecido. E vem a cena final do simulacro vazio.
Nesse tempo vivia Portugal (Lisboa, que o resto não existia!) nas trevas da Idade Média. Mas cinquenta anos depois chegámos lá. Quem, a duras penas, lá chegou.

Os canalhas e os náufragos

O escarro do jornal do cabrão do arquitecto, que é também ficcionista activo de naufrágios, vive disto e a gente sabe! Mas aqui dispõe-se a tirar proveito dum deslize futrica dum ministro do Costa. 
Pensará o lastimoso arquitecto náufrago que o governo do Costa se vai afundar, apesar dos icebergs?

Com a futricagem relativista em roda livre

Só curto e grosso!

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Ferrolho

E o Ladrar empurra aqui a porta e corre assim o ferrolho, por tempo incerto

Sonderkomando

Através do cineclube, é possível escapar ao grande abraço de urso do cinema de embrutecimento global americano. E aos seus horrores como assaltos a Londres, onde o herói presidente da América é salvo dum rapto pelo DAESH.
No universo dos Kz nazis, um Sonderkomando era um grupo especial de prisioneiros com vida breve e funções especiais e muito duras.
O filme é húngaro, duma experiência-limite: o pai, cujo filho é medicamente aniquilado para experiências; a luta do pai para impedir que o filho seja cortado, estudado, objecto de experiências.
Já visitei um Kz, vi fornos em Sachsenhausen, e alguma coisa em Teresienstadt. Vi os fornos crematórios, e barracas, e arames-farpados electrificados. Mas uma coisa é vê-los onde estão, ou lê-los; e outra bem diferente é observá-los em acção. 
Aqui apareceu-me a descoberta em que nunca pensara: há tipos de narrativa aos quais muito melhor serve a imagem do que a palavra. O livro é melhor que o filme, ou vice-versa.
No fim apareceu a decepção: o exérccito vermelho já não andava longe. Mas a sublevação dos judeus amotinados, com bombas e granadas e armas dentro do campo, possibilitou a fuga.
A inverosimilhança doeu-me, nem conheço que alguma vez tenha tido lugar. Saí logo, sobravam poucos minutos.

Governo-sombra

O Governo-Sombra é mesmo sombra, na programação da TSF. Partindo de alguns equívocos, a coisa funciona dum modo peculiar. Percebe-se que o leit motiv original era o comentário político, no registo dum saudável humor. Mas descambou no que é: uma palhaçada de comediantes, que repetem os refrões da indústria da calúnia, sem criatividade nem graça. Com danos públicos graves e muito sérios. 
João Miguel Tavares (JMT) faz parte do elenco de comediantes. É um jornalista opinador, muito básico e ignorante, inchado de prosápia. E atingiu um dia o estatuto dos adultos ao sair dum saudável anonimato, graças ao desfecho favorável dum processo de calúnia que Sócrates lhe moveu. É ele a sua presa, dela é que se alimenta.
Eis a sua base de partida:
Em Portugal a corrupção existe, Sócrates é dela a prova mais provada. Apenas que é difícil formular-lhe acusação dos crimes, e mais ainda condená-lo e sentenciá-lo em tribunal. Mas isso só acontece porque há uma falha na lei. Se houvesse a aprovação do legislador para o crime do enriquecimento ilícito, o mesmo seria crime público. Isso transferia para qualquer arguido a obrigação legal de demonstrar, ele próprio, sem mais trabalhos de investigação, como é que ele tomou posse, e como terá gastado, a riqueza constante da suspeita do investigador. Isso inverte o ónus da prova
No caso concreto acresce a confissão voluntária do que apenas parece plausível, na suspeitosa ficção de que nasce a investigação: os milhões em causa pertencem ao amigo Santos Silva, ou são, de facto, de Sócrates? Mostre lá que não são seus!
É justamente por isto que o crime do enriquecimento ilícito não foi aprovado pelo legislador, e contraria a Constituição, como ela existe. Além de inverter o ónus da prova (um princípio em vigor), configura um atentado contra as normas da democracia. Para JMT, que parou na Inquisição medieval, é só isso que provoca o prolongamento indefinido dos prazos de que dispõe a investigação.
Visto em conjunto, o Governo-Sombra da TSF é a sombra de três equívocos:
- O RAP é humorista de raiz, obrigado a provocar o riso quando fala de coisas sérias;
- O JMT é uma escuridão mental, forçada a mostrar-se inteligente; quando faz rir, não é por ironia;
- O P. Mexia é um espírito sisudo, culto e produtivo, forçado a acompanhar o riso dos humoristas. Ele fá-lo como pode, orientando-se pela vulgata dos comediantes.
O resultado deste cozinhado é indigesto. E a TSF deveria saber isso!

domingo, 10 de abril de 2016

Comentário

Que se transcreve:
«Sócrates, lúcido e sem medo, como só ele sabe ser !
Miguel Sousa Tavares (um dos poucos não contaminados pela “indiferença”) no jornal Expresso:
“Amadeu Guerra, o director do DCIAP e chefe hierárquico do procurador Rosário Teixeira, produziu um despacho fixando o prazo final para ser deduzida acusação contra José Sócrates: seis meses e meio, a contar de agora. Porém, o prazo não é final nem definitivo: pode ser prolongado se sobrevierem “razões excepcionais, devidamente fundamentadas”. Três anos e meio decorridos desde o início oficioso das investigações, isto é o melhor que o MP tem para apresentar: mais seis meses ou um ano de investigações, sem acusação no processo. Mas nem é o tempo da investigação que mais choca (no processo Freeport, Sócrates esteve seis anos a ser investigado sem qualquer acusação no final e sem sequer chegar a ser ouvido): o que choca é que, à luz deste despacho, tudo o que a lei estabelece como limites de prazo para o MP não conta para nada — são eles próprios que fixam os seus prazos. No processo penal português, passámos assim a ter dois tipos de prazos: os prazos para a defesa, que são imperativos, e os prazos para a acusação, que são “meramente indicativos”. No limite, um processo pode nunca mais ter fim, pode durar eternamente, mergulhando ou saindo da gaveta ao sabor dos ímpetos do MP.
Aos poucos, vamo-nos habituando a que a anormalidade e o abuso se tornem regra. Sem o mais leve vestígio de incómodo, antes pelo contrário, o “Correio da Manhã” lá prossegue a divulgação sistemática das escutas feitas a José Sócrates, ultrapassando despreocupadamente o que poderia ainda ser visto como matéria criminal para entrar já no domínio da vida privada — a parte mais sinistra de qualquer escuta. Fazem-no ao abrigo do estatuto indigno de “assistentes do processo”, que é uma fórmula encontrada para que a justiça promova os julgamentos populares enquanto arrasta as investigações eternamente. Mas há quem ache que isto é jornalismo que se recomenda. Aqui ou no Brasil, fazem-no porque entendem que os meios são justificados pelos fins que anseiam — no caso, a liquidação política e moral de Sócrates ou Lula da Silva. Alguns que assim pensam, conviveriam sem problemas com os métodos instrutórios da PIDE e pouco lhes importa a contribuição decisiva que um jornalismo do tipo “Correio da Manhã” dá para a corrosão do sistema democrático. Outros, apenas não se deram ao trabalho de pensar a sério antes de escrever. Quando João Miguel Tavares, por exemplo, escreve que os que são contra a divulgação pública de escutas feitas num processo sob segredo de Justiça estão a defender “uma visão profundamente passiva da cidadania, que apenas atribui a cada um de nós e à comunicação social o triste dever de aguardar pacientemente que o poder judicial faça o seu caminho, sem vigilância nem escrutínio”, no fundo o que ele faz é a reclamar contra a Justiça, tal como ela é e deve ser, e preconizar a alternativa paralela da justiça popular. E quando defende que situações destas “exigem um exercício de contraditório que os meios judiciais, pela sua própria natureza, não estão em condições de oferecer, mas a comunicação social está”, não apenas defende o abjecto jornalismo do “Correio da Manhã”, mas também lhe reconhece uma abjecta função judicial, tão válida quanto a desempenhada por magistrados. Creio sinceramente que um dia, quando possivelmente já for tarde demais, serão os próprios magistrados a dar-se conta das consequências trágicas a que conduzirá a promiscuidade entre justiça e jornalismo justiceiro, que eles levianamente consentiram ou promoveram. Uma vez instalados, os tribunais populares não se contentarão em partilhar com a justiça comum esse novo poder: vão querer tudo o que à Justiça cabe.” MST»
Lido Aqui!

"Nunca houve tantos abusos ao mesmo tempo!"

Em Portugal ainda há gente que sabe porquê!

Da capo

Perdida entre as páginas da Viagem A Portugal (anos oitenta?), fui encontrar esta nota:
«Desde Aristóteles, que se saiba, se teoriza sobre a obra poética. E o facto de que, até hoje, ainda se não ouviu a última, a definitiva, a irrecusável palavra, mostra apenas que há indizíveis num texto, que qualquer definição é restritiva. E esta, que é a característica mais fecunda, quase misteriosa, do texto poético, é também a fenda por onde passa tantas vezes o sub-produto, a pomada de feira, o enlatado lírico. Porém, as múltiplas e conflituosas contribuições que os séculos produziram, fornecem-nos a base conceptual e técnica suficiente para a sua descrição, para o seu reconhecimento, para o individual ensaio de leitura. 
Dizer que um elefante não é um embondeiro é talvez a mais primária definição do que ambos sejam. A mais elementar, a mais desconcertante, talvez a mais estúpida, mas também a mais útil. A que nos livra de enganos»...

Augúrios

Paragem do solstício, para mudança de cavalos do faetonte. Manhã molhada e agreste, batida pelo suão. Até as andorinhas se arrepiaram no choco. Tempo de toca, para leituras mais urgentes.
Pior augúrio tem este neófito, que hoje vai ao baptistério. Paganismos e águas frias... ariscas. Nem todas bentas... o pobre!

Os três da vida

Animavam os bailes no terreiro, às tardes de domingo. Eram pendão e bandeira onde outras não havia. 
O Dinis tocava na concertina as harmonias celtas que sabia. O António acompanhava na palheta do banjo. E o Antero pontuava nos ferrinhos e na pena do chapéu. Nas arruadas de festas e romarias, punham os três o mais florido ramo.
Antero foi para o Brasil e lá morreu. António matou um homem numa tarde de mais vinho, e apanhou a pena máxima. Na prisão, aprendeu a marceneiro, aprendeu de entalhador. E foi parar a Nampula, a carpinteirar madeiras num aeroporto novo. Já o Dinis morreu no fim da vida, herdou-lhe um filho as harmonias celtas. 
A concertina ficou, já tem um rasgão no fole. Foi por ele que escaparam as melodias celtas, e a lembrança das tardes no terreiro, e os risos, e as emoções. E todas as vidas que deixou de haver ao sol.

sábado, 9 de abril de 2016

Don Delillo

Nunca li. E enquanto desço a ladeira, chegam-me na rádio uns excertos de entrevista (em tradução caseira):
- Como vê, agora que está no fim, o mandato do Presidente Obama?
- De forma geral, dum modo positivo. Embora não tenha alcançado certos objectivos que eram seus. Por ex. o conflito com o lóbi das armas!
- E como é que comenta esse falhanço de Obama?
- Prefiro não comentar!
- E como é que encara a perspectiva de Donald Trump vir ser o próximo presidente da América? 
- Não vou pronunciar-me sobre isso!

Don Delillo nunca li. Nem hei-de ler, que tenho mais que fazer. Ao contrário do que alguém sustenta, a literatura (a arte) não é um bouquet a-pragmático em cima duma consola. Entre as múltiplas finalidades dela vem a edificação, a criação de consciência por parte do leitor.
Se a literatura fosse a-pragmática, para quê o esforço de a criar, e o tempo, e o trabalhão de a ler?!

Gatos

[foto de a. c.]
Um dia terei um gato em casa. Ou dois, não sei. Um não será mais que preto, cá por coisas. Homenagens! Outro talvez seja fulvo. 
Isto só depois de visitar a Itália e de voltar a Berlim. Tão senhores do seu nariz, os bichanos prendem-nos em casa. Ou acabam no regaço da vizinha, julgarão que este mundo é o da Joana. Ora não é!   
Quem dá boa conta disso é o António Guerreiro, a propósito de Veneza, do que em tempos ela foi, do que o turismo faz dela, dos urbanistas modernos... 
Tudo aqui, n'A cidade moribunda.
Ao sabor de ecos distantes!

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Freud e política

Os calvinistas do Norte escutam isto e patinam. Não identificam nem recusam, como bichos apanhados na armadilha. Dos jogos excessivos do desejo só conhecem a desmesura obscena. E dissimulam a inveja.

Aberrações

Foi da boca duma dama de ferro inglesa (morta insana) que saiu há trinta anos esta obscenidade:
«Não existe isso a que chamam a sociedade. Tudo o que há são indivíduos.»
O resultado trágico deste axioma é hoje social e materialmente conhecido, experimentado e dorido. Mas é exactamente esta aberração do pensamento que o desquadrilhado mental do Passos continua a tomar como dogma, sempre que lhe dão tempo de antena.

Equívocos de futricas

Eis o grande equívoco da futricagem relativista, no caso da homossexualidade no Colégio Militar, que já custou a demissão dum CEME: 
"Nas situações de afectos, não fazemos a transferência dos alunos. Falamos com os encarregados de educação, para que percebam que o filho acabou de perder espaço de convivência interna, e vai ter dificuldades de relacionamento com os pares."
Quer dizer: em relação à homossexualidade, à droga e aos roubos, os putos da barretina cultivam o seu tabu. E agora pretendem uns futricas impor-lhes por decreto o seu relativismo politicamente correcto.
Será preciso fazer-lhes um boneco?! 

Nada a opor!

Numa sociedade de carneiros amansados, há ilhas de dignidade. Com a mesma que o ministro da Cultura usou nas bengaladas a dois biltres alcoólicos, decadentes e inúteis, com essa mesma pediu a demissão perante a vozearia. O Costa, bom diplomata, mostrou a cor das cuecas, é com ele.
Muito embora lamentando... nada a opor à lição!
[A este propósito gasta hoje o DN duas longas páginas, para nos dizer que "Costa põe João Soares na ordem e obriga-o a pedir desculpa." Depois dentro do texto não nos explica como, nem quando, nem onde... Afinal o título é enganador!
É assim o tipo de jornalismo controlado por lacaios, que faz gato-sapato dos leitores e os emprenha de ouvido. Tal jornalismo é que merecia bem ser posto na ordem!]
Nota: Alta e abrangente AQUI!

Deixem-se de merdas, ó senhores!

Ainda estão a falar das bengaladas do ministro Soares?! E desse par de biltres assustados?!
Sejam adultos e deixem-se de merdas! Parem de armar-se em virgens ofendidas! Há mais mundos para lá duma bengala e dos umbigos dela! Na vida há mais que fazer!

Subjectividade e lirismo poético

O pecado original de tantos poetas que o arriscam é o lirismo confessionalista, lamecha e privativo. Reduzem o leitor à condição de confidente, de confessor e de padre. Porque escrevem um poema como quem vai ao confessionário, trocam um psi pelo poema.
Ora o leitor não é padre, nem tem por força que o ser. Não tem nada que ver (nem a esperar) com as pessoais dores de alma do poeta.
A pecha é muito comum. Vide o caso do próprio Almeida Garrett, dramaturgo e prosador notável, que deixou aí umas folhas caídas, há muito irrelevantes e hoje esquecidas.
Pertencendo à natureza do texto poético a expressão subjectiva dum sujeito enunciador, o que ele não pode ser é o estendal da roupa onde se põem a corar ao sol emoções próprias. 
O lirismo poético não pode ser pessoalizado. É o humano lirismo geral das vidas deste mundo, que os homens dele não podem dispensar. Mas não é, nem pode ser, confidência pessoal.  
Eis um exemplo positivo. insólito e moderno:
Até que um dia

A vida corria-lhe bem.
Estava muito satisfeito com a profissão
que tinha escolhido:
Narrador omnisciente.*
Era pago por escritores e
ocasionalmente
por personagens emancipadas, proactivas,
curiosas sobre o seu destino.**

Até que um dia...

Não sabia.***
É que não sabia mesmo.
Morreu instantes depois
- logo no parágrafo seguinte -
com os olhos muito abertos de perplexidade.
[Poemas e outros poemas, Pedro Dias de Almeida]
[Pistas de leitura:
*Um narrador omnisciente erigido em sujeito do poema.
**Sobre o seu próprio destino futuro, que ele, enquanto omnisciente, não pode desconhecer.
***Ele não sabe o que devia saber, contradição fatal. Morre ali mesmo, o pobre narrador!]

quinta-feira, 7 de abril de 2016

CEME ao fundo!

Porque os futricas são mesmo engenheiros sociais, a operar por decreto. São relativistas militantes, se não forem apenas politicamente correctos. Andam de facto marados dos cornos!

O Orelhas

Além de equlibrar a cabeça entre duas próteses da sonotone, o Orelhas possui outros traços marcantes.
Produz literatura de massas como quem seca adobes ao sol. Como se não houvesse amanhã, para nos lapidar a inteligência de leitores.
Já enquanto pivot da RTP1, saca-nos do bolso um salário de sheik do Dubai, para nos piscar o olho e nos chamar idiotas. 
Abre o seu circo das vinte a proclamar que o ministro Soares recolheu o trem, pediu desculpas públicas e se retratou, na história das bengaladas-promessa a AMS e a VPV.
E afinal era uma aldrabice para pacóvios. Pois nem o ministro recolheu as rodas, nem os biltres do insulto respiraram com sossego. E o PPD vai rosnando para o largo, visa o Costa e o governo, por causa da liberdade! Que outra coisa poderá isso fazer?

Rigores

1 - Ninguém sabe como acabará o vulcão brasileiro. Depende da consciência que dele tiverem os manuseáveis caprichos dos mais pobres da escala, que são muitos.
Uma elite julgou chegado o momento de aplicar o seu golpe, alguns apelam às armas. E já não era sem tempo, vindo da parte de quem despreza os povos, e não sabe como viver sem os ter ao seu serviço: atentos, obrigados e veneradores.
2 - O Soares promete bengaladas, e deve aplicá-las com rigor. A A.M.Seabra e a V P Valente. É que eles são os destroços alcoólicos dum decadentismo antigo, arrojados à praia pela maré. O PPD urra e compreende-se, tanta merda que há no mar!
3 -  Vê-se que o Alegre tem o presidente que queria. Sabotou as perspectivas do Nóvoa, ao pôr canela num pastel de Belém. É lá com ele.
Só lamenta não poder sentar-se no Conselho de Estado. Mas sempre lhe sobra uma lembrança vaga duns antigos versos épicos, e a presença assegurada em júris de prémios literários, e um vastíssimo umbigo para afagar.

Adenda: Têm-se ouvido aí umas gralhas avulsas, que são de Inverno e são falsas. Chegaram hoje à Lapa as gralhas verdadeiras, as de Verão.

Língua na caixa

O nosso presidente dos afectos, que é versátil e multi-abrangente, dá às juventudes uma sugestão: fosse ele um refugiado a atravessar o mar, já levava na mochila o Ulisses do Joyce. 
Sabemos como ele já leu trinta romances por noite, agora não. Mas meter o irlandês na mochila de emergência parece-nos exagero.
O mais provável, mais subtil, mais ardiloso é tratar-se de uma farpa a tantíssimos letrados, a eruditos variados, a alguns especialistas do cânone literário, que da literatura constroem currículos. Mas do Ulisses não chegaram a ir além da página trinta.
Fora eu um académico, metia a língua na caixa. E suspirava pela paz dum presidente que havia, a viver na ataraxia. Dos dez cantos d'Os Lusíadas ele nem sequer sabia!

Mulheres de Atenas

Durante a guerra colonial, 46 mulheres praticaram a igualdade de género antes de ela florescer, onde a deixarem florir. Eram as enfermeiras pára-quedistas. 
Na Guiné, nos macondes e em Angola mastigaram o pão duro que competiu aos homens. E não discriminavam os soldados, bem antes os confundiam: um amigo outro inimigo, um por baixo outro por cima, nas macas dos helicópteros.
Rosa fala. E durante três segundos ainda hoje as lágrimas lhe correm. Depois prossegue, sem mais embargos na voz.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Mais estilhaços!

Da loira dos balões de hélio! Pois de quem?!

Estes futricas andam marados dos cornos, ou quê?!

Serão eles engenheiros sociais que operam por decreto?
Por acaso o Stalin ensaiou isso, e vê-se no que deu!

Concordemos hoje, ou não

Por mais que nos fartemos de espirrar, isto é produto dum génio criativo. Situado, claro, em 67. Cinquenta anos em breve. 

Cristão novo

[clicar]
Na igreja desta Lapa há um baptistério, no rés-do-chão da torre campanária. E tem lá dentro uma pia baptismal dum granito muito antigo, onde um cristão-novo imerge inteiro.
Vai haver um baptizado, dum neófito distante. Cá não há. Só falta a água na pia, um Jordão repleto dela.
Porém o padre é moderno, é generoso. Transformará o vinho em água benta.

Um liberal

Do caralho!

Manipulação de imprensa


«BES "traiu" Ministério Público
Dez meses antes das detenções o MP pediu informações ao BES sobre as contas de Carlos Santos Silva. Mas o banco enviou o pedido e os dados das contas que têm o dinheiro de Sócrates para o próprio cliente. Os dois amigos trocaram de telefone. » 

É assim a manchete do SOL. E o Saraiva, que escreve naufrágios destes, que é arquitecto e director do jornal, é um canalha manipulador, com pouca barba na cara. E noutros cantos também!                                              

terça-feira, 5 de abril de 2016

Exemplos exemplares

Muito pequenos mas bons.

Bossas

"Viajar é perder países", se um poeta o disse é verdade. No caso só perco um, quando viajo. O meu.
Percorro aldeias desertas, que já nem no mapa existem. Mas os autarcas de agora encontraram no alquimista um elixir muito simples: plantam lá no meio um semáforo vermelho, activado por um sensor. E levantam na estrada umas lombas exóticas, que reproduzem os Alpes. É uma prova indiscutível de existência. Aos deuses é que a ideia não chegou. 
Entendo a lógica delas, ergo-lhes a mão e passo no vermelho. Nesse altar não sacrifico o tempo escasso que tenho. O mais das lombas não têm advertência nem sinal. As riscas enviesadas no chão tanto podem ser os avisos do Código, como diarreias dum lagarto. Mais que uma vez deu-me a cabeça no tecto.
Tomara eu poder fugir para Timbuktu! Montava-me nas bossas dum camelo, e viajava nas lombas da Natureza.

Perplexas Perguntas Matinais

As andorinhas andam num badanal, vão e vêm no alpendre. Sabem que o tempo está aí, preparam a criação e o futuro. Qualquer espírito vagamente cristão lhes entende o frenesi.
Mas a manhã trazia outras questões. Será muito difícil percebê-las? Mesmo a uma opinião pública maiormente ignara e alheada, tocada pela arreata por uma comunicação social povoada de jornalistas proletarizados e mercenários, que salivam à voz do dono porque têm que pagar o pão dos filhos?
1 - O Marcelo presidente, o Costa primeiro-ministro, o Draghi do BCE e o Costa que ainda é governador do BdP, vão conversar à volta duma mesa . O Marcelo é herdeiro dum fantasma, auto-centrado e pacóvio. Mas traz no ADN a geração, o sentido do exercício do poder. Exerce-o com à-vontade e organizou o meeting.
O Costa é um PM com maneiras, sabe para que servem as visitas e o que pode extrair delas. Sabe comportar-se à mesa e participa.      
O Draghi, mais mal que bem, vem tomar o pulso às coisas, no burburinho que aí vai na romaria.
O Costa do BdP quer-se explicar. Andou aí a servir de pau-mandado, e agora doem-lhe os dentes. Malbaratou as funções de supervisor, foi vendedor de bancos e quinquilharias, aviou copos de vinho a madraços trauliteiros, pôs-se ao serviço dum PM analfabeto e cobarde, e duma ministra loira que o pôs a lavar a loiça de avental, enquanto ela encaixava as mamas no wonderbra.
Será demasiado complexo, mesmo a indígenas que a história deformou, entender este encontro dos quatro cavaleiros, a propósito duma reunião do Conselho de Estado?
2 - O cavaquismo transformou o ensino superior num mercado ao ar livre. Numa batida de caçadores de propinas, em que participam universidades e institutos politécnicos. Feita de cursos de papel e lápis, Neste quadro, será exercício rebuscado perceber que o copy-paste e a prática do copianço são exercícios não só generalizados, mas tão normais como as cenas animalescas da praxe académica? Foi isso que um recente estudo concluiu.
3 - Na distrital de Coimbra do PS, foi convidada a ir dar uma volta ao Portugal dos Pequeninos a tropa das fichas falsas de há uns anos. Uns apaniguados seguristas inscritos à última hora, por causa das distritais? 
Custa muito a perceber que a vida agora é diferente? Mesmo aos avulsos artistas do comentário político?!

Toma lá, ó tu!

E cura-te, se puderes, antes que morras estúpido!

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Ia jurar!

O Tacheira e o Alex não ficaram contentes. Mas vão investigar isso.

domingo, 3 de abril de 2016

Excepção 1

Um almoço em Mogadouro, mais da alma que do corpo. Puro júbilo. E no fim tive um romance novo, que hei-de ler. Visitei um cemitério dos antigos. Um rectângulo entre quatro paredes, quatro fiadas de sepulturas térreas, com muitas flores que não murcham. Uma lasca-lousa à cabeceira e outra aos pés. Umas lápides antigas, de granito. Duas de mármore recente. Quatro cruzes.
É isto a vida, o resto é chuva a cair. E as nostalgias dum paraíso perdido, onde havia ecos de harmonia e tempestades.

Alba na Lapa

Hoje mesmo foi assim, pela manhã. E assim vai permanecer, pois que o Ladrar vai deixar de se ouvir. Enquanto tiver que ser, por razões imperiosas.

Juventude

Às primeiras páginas toma-se-lhe o gosto. Depois já se não dispensa, e acaba-se a lamentar que tenha chegado ao fim. A literatura é assim.
O autor nem sequer teve o desplante de lhe chamar romance. E ainda bem, embora o seja, e bom. Demarcou-se da febre que aí vai. Publica-se um mau ensaio a explicar a bomba atómica, uma choraminguice porque alguém morreu, um queixume porque falta a namorada, a nostalgia das saudades dum sertão, e ala moleiro: saiu mais um romance para a banca das frutas, que é onde os fregueses mais passeiam!
É um prazer raro, hoje em dia, encontrar um oásis com palmeiras novas, nestes desertos da literatura. Os próprios críticos dela se foram para parte incerta, deixaram de ter função. E um leitor deixou de ter quaisquer bóias de sinalização.
Aproveitem o livrinho e usufruam-no, disto há pouco, no mercado. Lá dentro vem um romance dos de agora, com setenta e cinco peripécias que o constroem, à maneira de capítulos. Parecem independentes, mas formam um conjunto organizado, dentro duma narrativa em que personagens evoluem e se deixam ver por dentro. Como a vida, que muda e se transforma. E envelhece.
De dimensão variável, os mais deles são textos de página, ou bem menos. Concentrados e concisos, dizem o que há para dizer, sem os antigos pecados da retórica, da acumulação e da prolixidade. Um conto, qualquer novela, um romance dos de agora, já não são a escombreira duma mina, mesmo porque minas já não há. Para longe foram deslocalizadas, e levaram de avião os catrapilos e as gangas.
Por isso é que os textos de hoje não é à página que se mercadejam. É à letra, à sua sílaba, à palavra muitas vezes, desengordurada e estreme. À frase curta, fluente e quase crua, na aparência. É assim a literatura que trouxer arte lá dentro. A de agora.
A versão para português é irrepreensível, com minúsculos reparos.E quando acabarem a leitura dela, façam favor de voltar ao princípio. Depois não digam que ninguém avisou!

Fred Ballinger e Mick Boyle (o compositor reformado e o realizador de cinema ainda activo), dois octogenários hospedados num misto de hotel, casa de saúde e spa de lazer, à vista dos Alpes do Norte italiano. Um ambiente que evoca o sanatório da Montanha Mágica, e que felizmente lhe não segue os passos. Nos excêntricos figurantes reconhecemos Maradona, um actor californiano, a mulheraça duma miss Universo e um folksinger da América.
64
«Fred e Mick estão no quarto de Fred. 
Um deles está na poltrona e o outro está sentado à beira da cama a olhar para fora da janela. Está calmo e desiludido. Fred observa-o, consciente do momento difícil que o amigo está a atravessar. 
- Falaste com o produtor?
Mick vira-se e olha para ele.
- Fred, faço este trabalho há demasiado tempo para saber que, com a rejeição da Brenda, este filme nunca se irá fazer.
Silêncio. Mick reflete. Depois desvia o olhar para a mesa de cabeceira de Fred. Observa a fotografia em que Fred está abraçado à mulher, dez anos antes. Idosos, mas felizes. E bonitos.
- A Melanie está tão bonita nessa fotografia.
- Sim, é verdade. Está bonita.
- Sabes, percebi uma coisa, Fred. As pessoas ou são bonitas ou são feias. No meio há as giras.
Fred sorri com amargura. Mick também sorri com amargura. 
- E também estas férias já estão a acabar. O que é que vais fazer depois, Fred?
- O que é que queres que faça? Volto para casa. A rotina do costume.
- Eu não. Eu não sei viver na rotina. Sabes o que é que eu vou fazer, Fred? Vou dedicar-me a outro filme. Tu disseste que as emoções estão sobrevalorizadas, mas é uma parvoíce. As emoções são tudo o que temos.
Mick levanta-se, vai à janela, abre-a, sai à varanda e, com grande simplicidade, coloca um pé na cadeira de vime da varanda, outro no parapeito e deixa-se cair do quarto andar lá para baixo.
Fred apenas tem tempo de se levantar, mas Mick foi suficientemente rápido e imprevisível para não lhe ter dado a possibilidade de fazer nada para o salvar.»

Meia-noite


Algo atrasado, com pressa, vi-a de repente no meio da estrada. Em cima da ponte sobre a ribeirinha, ao fundo da ladeira. Mas dei-me conta e parei.
Ela fez luzir dois olhos e seguiu, ao longo do traço branco. Lenta e baixa, cinzentona, de barriguita no chão. Desviou-se para a direita, sumiu-se na escuridão, a caminho das margens da ribeira. 
Lembrei-me que era uma lontra, lenta e baixa, não sei bem. Só a conheço de imagens. Mas agradeci-lhe o grande contentamento que ela tinha à minha espera na ponte da ribeirinha, àquela hora. 
Exótica e desgarrada, chegou a vir-me à lembrança que tinha ido a um congresso e desistira, daquela salgalhada de retóricas vazias e mistificações performativas. E antes que lhe chamassem conselheira, ou no mínimo assessora, foi-se embora. 
Foi por certo meu injusto pensamento, pobre bicho! Acelerei.

sábado, 2 de abril de 2016

Tipos assim

São artistas?, criativos?, engenhocas?, madurões?, ou serão ilusionistas?!
[pescado aqui]

Bombarral, Europa, Síria, Putin, Trump e posta à mirandesa

O Pacto de Varsóvia acabou há 25 anos, houve peitos que então descontraíram. Alguém esperou que a Nato, (um tratado de países do Atlântico Norte) se dissolvesse também. Em vez disso dedicou-se ao bullying sobre Moscovo e a Rússia, garrotando-lhe o pescoço. Globalizou-se, instalou radares e mísseis na Checoslováquia, na Polónia, na Turquia... E participou alegremente, com franceses e ingleses ao serviço da América, na caça ao Kadhafi da Líbia, e depois no Egipto, e no Afeganistão, e no Iraque do Saddam Hussein, o tal das armas de destruição maciça que estavam enterradas no deserto. Esse pouco em apoio dos "rebeldes das primaveras árabes", que se levantavam contra os tiranos despóticos opressores dos seus povos. Em defesa, assim, da liberdade e dum mundo de direitos humanos.
Esta febre só amainou quando chegaram à Síria os ditos libertadores pentagonais; o Bashar al-Assad pôs-lhes à frente um pirete das Caldas, porque tinha as fracas costas aquecidas do Putin. E empenhou-se a metralhar os seus "rebeldes" caseiros, empanturrando-os com bombas-barril. É claro que houve muito mexilhão sírio que apanhou com a vaga em cima, ossos do ofício. O déspota não se deixou comover. E foi assim que os ditos libertadores não chegaram ao Irão, que era a estação terminal dos planos de viagem do Pentágono.
Nesse interim, o Putin pôs o dedo no nariz da Ucrânia pós-nazi, pôs a Crimeia na ordem, por questões da Frota do Mar Negro. E fez avisos à navegação, através duns bombardeiros que vieram ver as Berlengas. 
Entretanto já tinham tomado corpo uns xiitas radicais, uns do DAESH, saudosos das glórias do Califado. Minaram lá por dentro uns despojos inúteis da al-Qaeda do bin Laden. que uns cobóis do Seal marine tinham ido buscar ao Paquistão, para o atirarem ao mar. Os Daesh's já mandavam no Iraque (que era um campo de ruínas, desde o Bush), e ameaçavam tomar conta da Síria, reduto do bom Assad entrincheirado. E puseram-se a fazer barbaridades e ofensas à etiqueta.O Putin aí não foi de intrigas: mandou-lhes tropas e esquadrilhas de aviões, e bombas inteligentes a pedido. E eles tiveram que abandonar Palmira, que levava a Samarcanda, na velha rota da seda, e deixaram-se de negócios de antiquário. Depois disso Putin mandou regressar as tropas, por considerar alcançados os objectivos delas.
Agora o resto da história está no cardápio do ilustríssimo Trump, o provável presidente republicano da América mais profunda, mais genuína e mais poderosa. Os EUA não podem ser governados por um etíope pintalgado, bem capaz de se esmerar, agarrado a uma argentina, num tango à Carlos Gardel.
A velha Europa, coitada, fecha os olhos, é o último a saber. Anda nas mãos dumas elites bastardas de burocratas pagos a peso de ouro, inundada de problemas e migrações miseráveis, que afrontam o Mediterrâneo por um sonho. A pobre Europa hostiliza Moscovo, às ordens da América, por causa da Crimeia. Priva-se da energia que a Rússia tem disponível ali ao lado, e decreta sanções à nova Praça Vermelha. Putin responde fechando as portas a importações da Europa. E os últimos a apanhar com tamanha bolada são uns tipos que persistem em produzir pêra-rocha ali no Bombarral, e em criar leitões de engorda, e vacas para ordenhar, que os empurram para a ruína.
Antes que me fique tarde, vou amanhã almoçar com um amigo, a um estanco do Mogadouro. Oxalá esteja bom tempo e haja posta de Miranda.

Do CM, quando Sócrates não há!

O sexagenário de Paços de Ferreira engole quatro Viagras. E aproveita a embalagem do sobressalto de hormonas para abordar a "esposa", que tem 58. Sexualmente.
Ela recusa, e apanha logo ali pela medida grossa. Depois recebe na boca uns goles de ácido sulfúrico, que lhe dissolve as estranhas. Só depois disso é que o sexagenário lançou fogo à casa.
A GNR entregou o crime público ao procurador do tribunal. E seis meses depois, que foi agora, foi o mesmo engavetado por ordem dum juiz. À espera de julgamento.
No entretanto, o PPD foi a congresso em Espinho, donde o Passos vai sair em ombros, com percentagens de norte-coreano.
Donde virá esta nossa doença, em que 30% tem nos anti-depressivos a derradeira defesa? 

A história do soldado esquecido

(cont)
Se este leitor tivesse a fraca sorte de fazer parte do júri dum prémio literário, já tinha na manga dois argumentos pesados: lera cuidadosamente o objecto em questão, e tinha fortes razões para defender esta dama. 
Não tinha que inventar nada, com satisfação geral: para o leitor, que não desperdiçara tempo nem dinheiro, nem o conhecimento que um livro traz, mesmo quando é só sofrível; para o editor, que receberia lucros de venda; para o mercado, que funcionara enfim de modo limpo; para o autor, que exultara com o sucesso; para os membros do júri, que não perderam prestígio nem fama; para o patrocinador, que justificaria o panache; para a visão da História, que não saíra enviesada; para a memória da guerra das colónias, porque tinha a seu propósito uma obrinha de levar a sério; para os stress-pós-traumatizados dela, que encontrariam aqui algum consolo e justificação; para a tropa em geral, vista aqui através dum teso militar que a não desmerecia; para o acervo sobre a guerra colonial, que não tem aqui mais um desses contributos pessoalíssimos, irrelevantes e muito dispensáveis, bem haja e muito obrigado; para a tribo dos revolucionários, que não são vistos com palas de mula nem filtros de protecção; nem o subgénero do romance, que não é aqui utilizado em vão; nem a imaginação criadora, que tem aqui exemplo vivo e pujante; nem a trama que é narrada, e tem a complexidade dum labirinto; nem a verosimilhança, que nunca é posta em causa; nem o caldo composto de realidades e ficções, que é aqui uma constante; nem o modo de narrar, que é o mais vulgar e corriqueiro, sem novidades maiores; nem a estrutura narrativa, que não tem aqui inovações idiotas, modernaças e muito precoces; nem os teóricos da escrita criativa, que têm aqui à mão modelo prático. Só a literatura sairia alcunhada disto, e maltratada, mas essa já nem se queixa, já ganhou calo no rabo. 
Depois deste milagre das rosas, comecemos nós pela transcrição dum trecho, exemplar em tudo o que atrás foi dito:
«(...) O relato de Matias aproximava-se do ponto alto que me interessava, o do confronto com Che.
"O Afonso insistiu para que observássemos o aquartelamento durante umas boas horas para compreender a sua organização antes de darmos qualquer passo. À primeira vista parecia ser uma praça forte de pouca importância, pois o que se observava era um conjunto de tendas decrépitas em redor de uma casa tosca, coberta de colmo. Não tendo a imponência que esperava, era no entanto o local que eles estavam e o Afonso localizou o nosso alvo rapidamente: ali estava Che, um homem não tão aprumado na vestimenta como se observaria nas fotografias que correriam o mundo depois da sua morte. Mas era ele, não havia dúvida. Raramente estava só, cada passo que dava era vigiado por membros do MPLA ou cubanos. Mas, no dia seguinte, o Afonso, que continuava a vigiar o local com uns potrentes binóculos, viu Guevara afastar-se um bom bocado do acampamento e enfiar-se na floresta ali próxima."
Matias ainda se entusiasmava ao contar aquele encontro como se fosse a primeira vez. A memória era muito nítida, como confirmavam as descrições exactas de cada passo que Guevara tinha dado até ser apanhado pela dupla.
"O motivo que fizera o Che ir até à floresta era muito prosaico, precisava de se aliviar, doutor. Ali, a floresta era a casa de banho, claro. Aconteceu tudo muito depressa. O Afonso disse que não podíamos perder a oportunidade para chegar até ao homem que procurávamos.Fez-me sinal para me manter em silêncio e pôs a arma pronta a disparar, iniciando em seguida uma corrida rápida até ao local onde Che estava.
Graças à agilidade do militar, Matias, que o seguia muito mais atrás, não presenciou o momento em que Afonso se abeirou de Guevara e o obrigou a pôr as mãos no ar.
"O Afonso era bom naquilo e quando lá cheguei deparei com uma cena bastante caricata: Che de cócoras e de mãos no ar! Este impasse demorou uns instantes até que Guevara disse ao Afonso uma frase que eu nunca esqueci.
"Hombre! Não sei quem és, mas se me queres apanhar tens de me deixar acabar de cagar porque eu não vou sair daqui sem o fazer. Se me queres matar, tem algum respeito e deixa-me vestir depois de acabar isto. (...)
O Afonso não se riu, como me aconteceu, e só pediu que se despachasse porque tinha pressa. (...)"
Afonso, o militar que foi esquecido em Angola depois da independência, é a personagem principal. Depois que ele foi descoberto por uns alemães, escondido numa mina abandonada, um psiquiatra militar da Estrela recebe a missão de ir a Luanda buscá-lo, e de acompanhar em Lisboa a sua reentrada na vida normal. O narrador é, assim, o psiquiatra.
Para além dos factos aduzidos nas conversas com o próprio Afonso, dá-se o caso de a informação mais importante apenas lhe chegar através de antigos companheiros de campanhas. A seu tempo apresentará o psi o relatório médico de que fora encarregado. 
A trama narrativa, as inumeráveis encruzilhadas ficcionadas e o volume das peripécias vividas é surpreendente. Só lendo, meu bom leitor!
Já o registo discursivo é básico, elementar. E constitui a grande fragilidade do trabalho, porque não é este o patamar da linguagem que a literatura exige. Ossos dum ofício estranho a Céu e Silva, que não é um criador de artes literárias... ou contaminação inevitável da carta de jornalista?
Foi Saramago quem disse que "oitenta por cento da literatura é linguagem". Por ser verdade se recorda aqui, a quem o não souber ou já esqueceu.
[O Casteleiro, (logo esse do AO!), está ali na rádio a endeusar o Virgílio Ferreira como o grande autor português, a par do Eça. Pobre Ferreira e pobre Casteleiro! Se o entrevistador pergunta por que razão anda hoje Ferreira tão esquecido... o Casteleiro rumina, culpa o google, responsabiliza o facebook. Esquece-se do tempo, esse juiz da arte, a última instância dela. Porque só a arte vence o tempo. O resto é ignorância a falar.]