quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Dickens

["Por favor, meu senhor, quero mais."
Ilustração de Cruikshank, para Oliver Twist, Charles Dickens, 1838]
(in HAJA LUZ! Uma história da química através de tudo. Jorge Calado]
Trabalho
«(...) Não era só o trabalho mecânico feito pelos sólidos. Havia também a nora posta a trabalhar pela água corrente dos rios, e o êmbolo a movimentar-se dentro do cilindro da máquina a vapor, graças ao trabalho das forças de pressão do vapor de água; e a electricidade que fazia saltar as pessoas, etc. Mas para o povo, o que contava verdadeiramente era o trabalho físico do homem e da mulher, do velho e da criança. Mencionaram-se já os efeitos terríveis do sobre-emprego causado pela Revolução Industrial.  A oferta era tanta, e na generalidade tão mal paga, que sobrava trabalho e não chegavam os trabalhadores, mesmo depois de contabilizados os filhos e os avós.
Ideologicamente, havia duas saídas para esta situação: a denúncia e a rebeldia (que algures conduziria à revolução), ou a sublimação e enobrecimento do trabalho, com as concomitantes reformas sociais para melhorar as condições dos trabalhadores. Filósofos e artistas distribuíram-se pelos dois campos. Em Inglaterra, em meados do século XIX, os romances serializados de Charles Dickens fizeram mais pela consciencialização do novo estado de coisas que havia que mudar, do que muitos discursos dos políticos e investigações dos sociólogos. 
Dickens tinha sentido na pele os excessos horrendos da industrialização capitalista. O pai fora preso por dívidas, e aos doze anos Charles teve de arranjar trabalho para ajudar a mãe e os sete irmãos - uma experiência negra que o marcou para o resto da vida. Negra também na cor. Cabia-lhe rotular e embalar frascos numa fábrica ou armazém de graxa preta, e ficava todo enfarruscado. O trabalho infantil e a exploração da criança viriam a ser alguns dos grandes temas da sua obra (...).
Para Dickens, a máquina a vapor era "um elefante louco e melancólico". Tal dialéctica concretiza-se numa combinação verdadeiramente shakespeareana de humor com horror. (...) É, porém, nos romances da sua última fase, nomeadamente em Tempos Duros e A Pequena Dorritt, que Dickens ataca o egoísmo económico e denuncia as condições sórdidas, verdadeiramente degradantes para a natureza humana, da vida industrial. Dickens revela-se como um grande e empenhado reformador social, que acredita na regeneração do homem e da mulher. O escritor exsudava energia. (...)
Dickens ganhou rios de dinheiro a dar recitais em que lia extractos dos seus romances, vivendo todos os personagens como um actor de muitas partes, extremamente comunicativo. O público chorava e desmaiava de emoção a ouvi-lo. A sua última digressão pela América, em 1867, deixou-o exausto. Tinha cinquenta anos e era um velho. Três anos depois morria. (...)
Pela mesma altura, Friederich Engels, o filósofo e empresário alemão com interesses em Inglaterra (o pai fundara uma fábrica de têxteis em Manchester), estudava a condição da classe trabalhadora inglesa. (...) Engels achava que as condições proletárias existiam "na sua forma clássica, na sua perfeição, apenas no Império Britânico, em especial na Inglaterra". Além disso os ingleses dispunham já nessa altura dos inquéritos e dados estatísticos essenciais a qualquer investigação sociológica séria. (...)
Em 1848, Friederich Engels assinava com Karl Marx o Manifesto do Partido Comunista. O resto é história que durou, pelo menos, até 1989, quando caiu o muro de Berlim. (...)»

À troika

O hóspede e a lebre
aos três dias fede.

É isso que diz o aforismo. Nem mais!

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

HAJA LUZ - 19

Ford Madox Brown, Trabalho, 1865
[Clicar]
«(...) Na pintura não há tempo, e portanto não há movimento. Há, como na fotografia, instantes congelados. Por isso, aqui, o trabalho é virtual, isto é, possui um carácter potencial. Quem admira um quadro fica à espera que a cena se anime, como no cinema. É o que acontece na obra-prima de Ford Madox Brown, Trabalho (1865) - um verdadeiro compêndio do trabalho e da estratificação das classes sociais. (...) Obviamente inspirada na Escola de Atenas (1510) de Rafaello Sanzio, até no formato arqueado - Brown andou associado à Irmandade Pré-Rafaelita de pintores - a obra representa a apologia victoriana do trabalho. (...)
Um grupo de cabouqueiros musculados afadiga-se a abrir uma vala, algures em Hampstead, um distrito de Londres. Enquanto dois deles vão extraindo terra às pazadas, um terceiro emborca uma cerveja. (...) Vendedores ambulantes há vários, desde o andrajoso e efeminado florista irlandês, à esquerda, à vendedeira de laranjas sentada debaixo da árvore, à direita. (...) A venda, tal como o trabalho, pode ser activa ou passiva. Na curva da estrada, à direita, homens-sanduiche anunciam qualquer coisa com os seus cartazes. No centro pode ver-se também o comerciante de cerveja, marreco e de baixa estatura. (...)
A ocupação não é inocente. Naquele tempo a cerveja era uma bebida bem mais saudável que a água do poço ou da fonte, esta em geral contaminada pelas imundícies dos despejos, lançados no campo e na via pública, um pouco ao deus-dará. Epidemias de febre tifóide e cólera eram frequentes. (...)
Sistemas separados de água e esgotos começaram a ser instalados. Percebeu-se que esgotos ao ar livre wcontaminavam a água das fontes. (...) É este o pano de fundo que justifica a azáfama do quadro de Ford Madox Brown. Mesmo assim, as novas e melhores condições de salubridade não impediram que Albert, o príncipe consorte, viesse a morrer de tifo em 1861, deixando a Rainha Victoria inconsolável para o resto da vida.
Voltando à pintura de Brown: o trabalho que não suja as mãos nem cansa os pés também está representado. Como era da praxe, os ricos vestem respeitavelmente de escuro. Na extrema direita dois sujeitos observam a cena. Representam os intelectuais, cujo trabalho faz a felicidade dos outros. (...)
Ao fundo, a cavalo, vê-se um abastado membro do Parlamento britânico, de chapéu alto, acompanhado da filha. Há também imigrantes irlandeses, outra vez reconhecíveis pela predominância do verde no vestuário.
Em primeiro plano, um grupo de quatro crianças sujas, órfãs de mãe (como se vê pelas fitas pretas que adornam o bebé ao colo da irmã) estendem a mão à caridade dos outros - a última forma de trabalho para quem não pode ou não quer trabalhar. A mais velha, que não terá mais do que dez anos, veste um vestido da mãe, ou mais provavelmente duma alma caridosa. Magra e escanzelada que é, o vestido de adulta desdobra-se e quase lhe escorrega pelos ombros desnudados. À esquerda o irmão do meio rói uma cenoura, enquanto o mais velho, à direita, fez alguma tropelia que levou a irmã a puxar-lhe os cabelos.  (...)
Afinal esta pintura contém não um, mas muitos instantes congelados. Narra uma época. Com base neste quadro, poder-se-ia construir um romance como os de Charles Dickens. O tempo saltara da novela popular e entrava nas artes-plásticas. Ao contrário dos Gregos, os victorianos exaltavam o valor ético do trabalho. Para eles o trabalho - qualquer trabalho - enobrecia. A virtude do trabalho manual funcionava nos dois sentidos. Para o operário era uma ferramenta de promoção, que lhe permitia subir na escala e classe social. Quanto ao intelectual, a prática de mesteres como a carpintaria ou a mecânica temperava-lhe a vaidade, punha-o em contacto com o mundo real, fazia-o sentir-se útil. Isto deu no movimento das 'Arts & Crafts', ou Artes e Ofícios (artesanais).(...).»

Dobrado contra singelo

Quem é afinal Vitor Gaspar senão um governador nomeado pelos credores?*
A prova dos nove tira-se quando o Gaspar devolver à pátria, um dia destes, a chave do ministério.
Tem à espera uma das múltiplas alfurjas onde se acoitam os corsários da finança, pagos a peso de ouro. Dobrado contra singelo!
São eles quem melhor paga a traidores, hoje em dia.
[*Boaventura Sousa Santos, in PÚBLICO]

Fado

Voltou a troika. É tarde já para guardares a vida, menos ainda a bolsa.
Guarda-te ao menos do fado. E de ti próprio, que o teces.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Piruetas

Não te amofines,que não é nada connosco! O flic-flac é mesmo inacreditável mas não é surpreendente, e apenas se dirige aos eleitores de Gaia. 
O artista é candidato à câmara municipal nas próximas eleições. E apoiar um ministro lunático e ortorrômbico dum governo de marginais autistas (que só a fatalidade e a cinética mantêm de pé), é exercício que não garante futuro. Isso explica a pirueta.

Lambéconas e empatáfodas - 2ª parte

Nunca foi novidade para ninguém que o Viegas só fugazmente fez o frete da Cultura para alindar o portfolio. Entrevistas na biblioteca da Ajuda vendem bem. Mas a sua verdadeira especialidade, (aparte as aventuras do inspector Jaime Ramos), é um bom charuto cubano depois do almoço, toda a gente sabe isso.
À entrada da Cultura já o Viegas era membro da seita dos Empatáfodas, de quem diz a voz comum nem lá vou nem faço minga, nem o pai morre nem a gente almoça. Nem fode nem sai de cima! - em versão menos poética.
Saiu de lá entronado na confraria dos Lambéconas, como este caso nos mostra. É o daqueles videirinhos, corajosos e muito iconoclastas. Tão ousados que um dia vão às meninas, fazem dois salamaleques, mas não passam da antecâmara. O nosso mundo anda cheio destas consciências cívicas, onde o respeitinho a quem manda é o mais bonito.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

HAJA LUZ! - 18

«(...) Se é verdade que foram a respiração e a combustão viva que deram origem à química moderna, então os antecedentes mitológicos da química podem ir buscar-se a Prometeu, o titã que roubou o fogo a Zeus, deus dos deuses, para o entregar aos mortais. (...) O fogo é energia - a primeira arma - e esta tanto serve para o bem como para o mal.
É no grande poema épico, Teogonia, que Hesíodo apresenta a sua versão da Criação. Tudo começa com a emergência do Caos, da Terra e de Eros (o agente da procriação). A Terra gerou Urano (céu), as montanhas e Ponto (mar) e, depois de se unir a Urano, gerou outros deuses, entre os quais Cronos, que deu origem ao tempo. Cronos revoltou-se contra o pai Urano e assumiu o poder, até ser, por seu turno, destronado pelo filho, Zeus, que assim se tornou o deus dos deuses. Em qualquer genealogia que se preze, o filho afirma-se matando o pai. A isto chamou Freud o complexo de Édipo. (...)
Para os Antigos, o fogo era a origem da luz, tanto na Terra como no céu. Os gregos viam o universo em termos de esferas concêntricas, cada uma correspondendo ao seu elemento. Para além da atmosfera - domínio do ar - estender-se-ia a esfera do fogo, tão alta e distante que só nos apercebíamos das tempestades que a assolavam através do relâmpago ou do rasto das estrelas cadentes. Acima da esfera do fogo haveria o éter, também chamado quinta-essência (o vácuo não era permitido). (...)
O povo - cristãos incluídos - acreditava que as tempestades eram castigo dos deuses. Uma das montanhas míticas da Suíça, o monte Pilatus, perto de Lucerna, deve o nome (séc. XII) à crença de que Pôncio Pilatos, o Prefeito da Judeia e político perfeito que soubera lavar as mãos do julgamento de Jesus Cristo, acabara os seus dias nestes confins montanhosos do Império Romano. O monte atinge apenas os 2118 metros, mas a zona é famosa pelas frequentes e terríveis tempestades. (...)
Na Idade Média acreditava-se que as trovoadas locais eram causadas pelo fantasma de Pilatos, amaldiçoado por Deus-Pai. Para ajudar à catástrofe, a região seria também habitada por dragões, responsáveis pelas avalanches de neve e pedra. Tudo isto levou os autarcas de Lucerna a proibir, em 1370, o acesso ao Monte e ao lago Pilatus, para não perturbar ainda mais o espectro do juiz de Cristo, e assim prevenir maiores calamidades. As penas eram severas para os prevaricadores - prisão, exílio e até a morte - e o edital foi sendo periodicamente renovado. (...)
A subida do monte Pilatus passou a ser "de rigor" para os turistas ilustres de Lucerna. Lev Tolstói fez o percurso a pé em 1857; a Rainha Victoria preferiu o desconforto do cavalo em 1868; Richard Wagner tornou-se um habitué, com ascensões registadas em 1852, 1866, 1867 e 1870. Exilado na Suíça por razões políticas, a partir de 1850, Wagner viveu num arrabalde de Lucerna, na Villa Tribschen. (...)
Hoje, qualquer turista que se preze não deixa de visitar Tribschen, como também não perde a subida ao monte Pilatus, utilizando o famoso comboio que trepa os quatro quilómetros e meio do declive de 48% (máximo) em cerca de meia hora. A primeira linha de comboio, construída entre 1886 e 1889, foi um dos prodígios da Revolução Industrial na Suíça; a locomotiva a vapor fazia a viagem em setenta minutos. (...)»

[Idade semelhante e beleza parecida tem a nossa Linha do Tua, até Mirandela. Vamos enterrá-la à profundidade de cento e tal metros de água. Sobejamente merecemos o albardão que trazemos ao lombo há muitos anos.]

Por então, os donos do proletariado consideravam o "ódio a Sócrates" mera "barganha política".

Mas era, e ainda é, outra coisa bem mais séria.

A desinformação dos papagaios

Dizem eles que o SIRESP (o sistema de comunicações geral que baqueou nos últimos temporais), foi adjudicado por Rui Pereira, que em 2007 sucedeu ao MAI António Costa no 1º governo de Sócrates. Será uma pequeníssima parte da verdade. 
A sua adjudicação inicial foi, na altura, muito polémica, com suspeitas de informação privilegiada e tráfico de influências. E realmente ela foi feita à pressa, já depois das eleições de 2005, já em governo de gestão de Santana Lopes, por Bagão Félix (Finanças) e Daniel Sanches (MAI) este como ministro pau-mandado de Dias Loureiro e da SLN, entidade que beneficiou da adjudicação.
Pelo meio houve peripécias várias (em que Dias Loureiro e Ricardo Espírito Santo tiveram razões para sorrir), as quais incluíram um inquérito do Ministério Público que acabou arquivado. O Sindicato dos Magistrados do MP também meteu a colherada.
O primeiro MAI de Sócrates, António Costa, anulou a adjudicação feita por Sanches logo que tomou posse. Mas acabou por renegociar o contrato com a SLN, baixando 50 milhões, restringindo funcionalidades e reduzindo a área abrangida. Substituído mais tarde no MAI por Rui Pereira, talvez tenha sido então que este interveio, assinando a renegociação.
Assim é que as coisas se passaram. E não como os papagaios as embrulham para nos fazer a cabeça, ao serviço do patrão.

Satie - 10

All together now!!!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Resumindo: Sócrates tinha razão!

"Se o Sócrates tivesse aguentado na altura do PEC4...
 Se o Sócrates tivesse sido apoiado na ideia de não pedir ajuda financeira..."
Adivinha quem é que finalmente o atesta?!
Uma cegueira oportunista e manobrista na Alemanha, semelhante à de Março 2011 com o PEC IV, custou no século passado 50 milhões de mortos. Cerca de metade... russos!
É útil ouvir tudo. Mas a partir do minuto 13:58...

Lambéconas e empatáfodas - 1ª parte

«(...) Seria pois de toda a lógica que Francisco José Viegas, sabendo o que sabe e pensando o que pensa, mandasse "tomar no cu" não o pobre funcionário que não tem culpa nenhuma, mas o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio, ou o ministro de Estado e das Finanças Vítor Gaspar, que têm toda a culpa que o próprio funcionário não tem. Mas não.
Francisco José Viegas sabe que o respeitinho é uma coisa muito bonita. E mostra que o respeitinho brejeiro pode ser ainda mais respeitoso pois, se declara que a brejeirice existe, garante que ela nunca será posta ao serviço da iconoclastia. Uma mão lava a outra e ambas lavam o cu.»
(José Vítor Malheiros, in PÚBLICO)
[Viegas tornou depois mais claro que a ousadia brejeira não visava o governo... mas a administração fiscal... e coisa e tal... a desgraça habitual!]

Machina ex-deus

Fosse isto uma tragédia à moda antiga, e este nefando governo já tinha limpado a cena pendurado num guindaste.
Como é um drama lusitano, não há máquina que valha. Só a mão do próprio deus, se algum houvesse. 

Ver a realidade

Poderá ser, como aqui, tropeçar num pedregulho.
Muitas vezes esmurra-se o nariz.
Mas morrer estúpido e cego é bem pior.

Ainda

Um Rossini.
Que também serviu para isto, lembras-te?! 
É que isto anda tudo ligado, história, música, arte, vida, luta, energia, humanidade! E só ligado funciona!
Não te esqueças e agradece-o ao grande foco vivo do universo, seja lá ele qual for!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Thatcherites

Donde vem o título desta belíssima balada contra as políticas funestas da Thatcher, que já andou aqui?! São contas velhas!
[Destruidores de máquinas ("Luddites") em acção, 1812]
[in HAJA LUZ! Jorge Calado]
(...) «Quando Mary Shelley escreveu a sua obra-prima [Frankenstein], já os Luddites estavam em acção. A Revolução Industrial criava emprego, até em demasia, pois punha todo o agregado familiar a trabalhar, das crianças aos velhos; mas também acabava com muita manufactura caseira, de apreciável qualidade. 
Liderados por um mítico King Ludd, bandos de arruaceiros começaram, por volta de 1811, a destruir maquinaria e a incendiar fábricas. Eram os primeiros ataques à inovação e ao progresso técnico e a uma incipiente globalização. O movimento começou em Nottingham, mas os distúrbios depressa se estenderam às outras regiões industriais inglesas.
Charlotte Brontë usou os acontecimentos no seu romance de 1849, Shirley. Donos de fábricas foram assassinados, desordeiros e manifestantes mortos à queima-roupa pelo exército. O Parlamento legislou (1812) e introduziu severas medidas de punição (aliás atacadas na Câmara dos Lordes pelo libertário Lord Byron). Depois, com a prosperidade económica, regressou a bonança.» (...)

Ecos da Sonora - LII


Os gatos

Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem

Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa

Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos


Talvez de noite 
4.
Não abras a porta,
se for o sublime diz que não estou,
já temos palavras de mais, sentimentos de mais.

A glicínia não floriu este ano, 
antes floria à volta de
tudo o que resta de azul à nossa volta,
envelheceu, anima-a só o desejo de voltar a casa, de ser uma casa.

Vê-me só!

Primeiro aqui.
Depois ali.
[Harmónica de vidro (instrumento moderno segundo o modelo de Benjamin Franklin)]
[in HAJA LUZ! Jorge Calado]
« (...) A música também não o deixava indiferente. Durante a sua primeira estada em Londres, apreciara o som da harmónica de vidro, principalmente depois de ter ouvido o virtuoso irlandês Richard Pockrich. O instrumento derivava do vérillon francês e consistia numa bateria de copos de vidro, afinados com quantidades variáveis de água; o som era produzido esfregando o rebordo do copo com um dedo molhado. 
Franklin pensou que seria mais prático dispensar a água e trabalhar com copos de vários tamanhos, enfiados uns nos outros, trinta e sete ao todo. Mecanizou o aparelho com um sistema rotatório semelhante ao da dobadoira, accionado por um pedal. O novo instrumento (1761), a que chamou armonica por causa dos sons harmoniosos que produzia, foi um sucesso. A rainha Marie-Antoinette aprendeu a tocá-lo. Em 1791, o ano da sua morte, Mozart compôs o Adagio e Rondó para Armonica, Flauta, Oboé, Viola e Violoncelo, K617. Para Goethe, a música da harmónica de vidro revelava o "sangue do mundo". (...) Ao todo fabricaram-se uns quatro mil instrumentos de vidro.
Franklin achava que a sua 'armonica' era particularmente adequada à música italiana, "especialmente aquela mais suave e lamentosa". Tinha razão. Gaetano Donizetti compôs a famosa cena de loucura de Lucia di Lammermoor (1835) para a harmónica de vidro, (e só mais tarde a reescreveu para duas flautas). Tristeza maior não há: depois de ser forçada pelo irmão a fazer um casamento de conveniência, Lucia mata o noivo na noite de núpcias. Desgrenhada, de punhal na mão, o robe manchado de sangue, Lucia deixa a mente vaguear ao som etéreo da harmónica. 
Com o tempo, o instrumento caiu em desuso. Dizia-se que os seus sons cristalinos actuavam sobre os nervos dos ouvintes, causando depressão. Quem tocava a harmónica de vidro adquiria um temperamento melancólico (talvez sintoma de envenenamento pelo chumbo, um componente comum do vidro, absorvido através da pele).» (...)

Grândola

Algures por aí.

Vozes

Da razão e do decoro.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

HAJA LUZ! - 17

[Execução de Luís XVI, 21 de Janeiro de 1793]
[Clicar!]
«(...) Lavoisier teve mais sorte com o esquema da construção duma grande muralha à volta de Paris para impedir o contrabando, estimado em cerca de um quarto de todas as mercadorias e mantimentos que entravam na capital. (...) Paris ficou envolvida por uma muralha de vinte e tal quilómetros de extensão, realçada por seis barreiras ou pavilhões magníficos (as portas principais da Alfândega), mais sessenta repartições de impostos. Como era de esperar, o esquema não contou com a benevolência dos habitantes, pôs Paris a murmurar ("Le mur murant Paris rend Paris murmurant...") e durou pouco tempo. Com a Revolução de 1789, a Ferme Générale foi das primeiras coisas a ser abolida, e boa parte da muralha e várias Portas de Alfândega foram incendiadas e destruídas pela população. (...)
Como padrinho de obras e legislação controversas, Lavoisier era objecto de uma publicidade negativa. Na frente científica também fora criando inimigos poderosos. O mais acirrado era Jean-Paul Marat, um médico ambicioso, com pretensões a filósofo e cientista, oriundo do cantão de Neuchâtel, na Suíça. (...) Como médico dos ricos ganhou influência, mas queria fama e entrar à viva força na Academia das Ciências. (...) Coube a Lavoisier denunciar as pretensões do arrivista, que clamava ter isolado o tal elemento do fogo. Marat nunca entrou na Academia, e Lavoisier ganhou um inimigo figadal para o resto da vida. Sem se aperceber disso, Lavoisier ia acrescentando achas à fogueira do seu trágico destino. No Verão de 1793 Marat seria, com George Danton e Maximilien de Robespierre, um dos três homens mais poderosos de França. (...)
Perante o amontoar de crises, Luís XVI foi aconselhado a convocar os Estados Gerais, que não se reuniam desde 1614. (...) É justo dizer que Lavoisier defendia as ideias progressistas duma monarquia constitucional - nem outra coisa seria de esperar dum iluminado que, embora nunca tendo saído de França, conhecia e privava com algumas das maiores figuras da cena internacional, inglesa e americana. Aos olhos do povo, porém, estava demasiado enredado na Ferme Générale [recolha de impostos]. (...)
Lavoisier ia aguentando quase tudo com o estoicismo dos homens inteligentes de consciência limpa, mas no final de 1790 parecia decidido a renunciar à política para se dedicar exclusivamente à pesquisa científica (fenómeno da respiração) e quando muito a acções de carácter social. "No silêncio do seu laboratório, o físico também pode desempenhar as funções de patriota". (...) Entretanto a Assembleia tomara conta do Tesouro Público e nomeara uma comissão de seis membros - entre os quais Lavoisier - para o administrar. O patriota não resistira, uma vez mais, a dar a sua colaboração. (...)
Entretanto Marat, virado panfletista, atacava-o duramente no seu pasquim, L'ami du peuple. Lembrava que o famoso químico fora responsável pela construção da muralha da capital, que impedia a circulação do ar e sufocava Paris (!), listava os múltiplos cargos do seu inimigo, chamava-lhe o "corifeu dos charlatães". (...)
O círculo apertava-se em torno de Lavoisier. Fechadas as Academias (1793), nada impedia que os académicos continuassem a reunir-se em comissões e a continuar o seu trabalho, como aconteceu com a comissão de Pesos e Medidas. Nas palavras de Lavoisier, a grande reforma do sistema de medidas era "um momento erigido à glória da Revolução Francesa". O pai da química também se envolveu nos problemas da educação pública, que se queria livre, laica e apolítica. (...) Preconizava uma instrução primária universal e gratuita, e uma instrução secundária com relevo nas ciências, pois "as artes, as ciências, as próprias letras são unidas por laços invisíveis que não se podem romper impunemente". (...)
Julgado pelo Tribunal Revolucionário a 8 de Maio de 1794, foi condenado à morte juntamente com 37 fermiers généraux, e todos guilhotinados em pouco mais de meia hora na Praça da Revolução (hoje da Concórdia). (...)»

As sete vidas da inteligência

Estava ali caído no cimento, rai do bicho, enrolado no veludo das patitas a servir de capacho. No caminho dos carros e das correntes de ar, onde alguém por força havia de passar. Julguei-o um bicho doméstico vitimado pela crise, a morte duma dona... De modo que ele arriscou a janela da garagem e aguardou, descaradamente à espera de algum madrugador. Rouquejava uma gosma que me pareceu fatal.
Aconcheguei-o a um canto e fui-me aconselhar. O bicho estava a morrer, melhor seria levá-lo ao consultório e ajudar-lhe o passamento. Mas voltei a encontrá-lo no meio do cimento.
A jovem veterinária desenhou-lhe o perfil de macho dominante. A bochecha façuda, a cicatriz na cara, dois cortes na orelha... eram medalhas de guerra dum campeão da rua. Diagnosticou-lhe a coriza das vias superiores, injectou-lhe na coxa um elixir e guardou-o numa jaula. Não era caso de morte, avisou, maternal. Pediu-me uma semana. E o preparo custou-me uma fortuna.
Quando ela telefonou eu fui saber novidades, que a decisão era minha. Sofria de sida, o pobre, tinha a leucemia dos felinos, engordara como um marajá. E retomara tiques do tareco doméstico que já voltara a ser. Rebolava-se no chão, prometia o cetim da barriga em trejeitos dengosos, uma beleza e uma rebaldaria. Caso voltasse para a rua não chegava ao Natal, mas um dono aberto e complacente podia garantir-lhe anos de vida. A única questão era arranjar-lhe um lar.
A decisão era minha e não tardei a tomá-la, em vista das mais-valias garantidas por tão fraco investimento. Pois se albergo Epicuro ali no oratório em lugar de destaque, e às vezes me confundo com o patrono, não me é menos pesada e verdadeira a tentação impudente duma costela hedonista. E mais suspeito, com estes ventos à solta, que a lição de mais proveito e bom exemplo me há-de vir dos apuros de estoicismo, que este filósofo carraga no currículo.
[Texto revisto]

Segundo momento

Em que o vozear pop anglo-saxão foi arte

Naquele tempo

Era preciso e urgente desacreditar o Sócrates, um tipo que apareceu aí vindo das berças e dava mostras de ser capaz de pôr em causa o estado das coisas.
Era preciso que o Sócrates fosse um aldrabão licenciado ao domingo, para ser igual aos iletrados da Lusófona, da Lusíada, da Moderna, da Atlântica, da Internacional, da Portucalense, da Independente e doutras semelhantes, igual a todos os Relvas que começavam a enxamear na paisagem da doutorice e hoje governam o país. Dum Sócrates aldrabão é que eles precisavam e foi nisso que o transformaram, na cabeça da opinião pública. Para relativizar, e justificar, e branquear os restantes. Não é o comité central que ainda hoje segue o dogma de que são todos iguais, venha o diabo e escolha?!
Era preciso que o Sócrates fosse um vigarista que vendia favores a meio mundo, um corrupto que recebia envelopes castanhos por baixo da mesa, para autorizar os Freeports que aparecessem. Era preciso relativizar, na cabeça do povo, o escroque Dias Loureiro, o Oliveira e Costa, o Caprichoso, o Arlindo de Carvalho, o Joaquim Coimbra, o Daniel Sanches, o Isaltino, o Duarte Lima, esses e os Cavacos todos, os Ângelos, os Mendes, os Catrogas e os quejandos, toda a escumalha que nunca fez outra coisa pela pátria senão governar a vidinha. 
Era preciso deixar nas entrelinhas que as altas instâncias da Justiça eram coniventes e cúmplices do Sócrates. Só por isso é que ninguém o acusava apesar das evidências, só por isso nunca ninguém o condenou, apesar dos esforços duns patriotas, magistrados em Aveiro.
Era preciso que o Sócrates quisesse empalmar a TVI através dos paus-mandados da PT, para controlar a imprensa e a comunicação social, para calar a heroína Moura Guedes, para instaurar a "asfixia democrática" da dama Ferreira Leite e do guarda-nocturno Pacheco Pereira.
Era preciso que o Sócrates fosse um mentiroso patológico, que até aldrabou o respeitável Parlamento a propósito duma merda qualquer. Foi para averiguar um tal assunto que uma ilustre comissão de deputados (fascistas remodelados ou nem tanto, marxistas aflitos, leninistas órfãos, maoístas envergonhados, madraços todos eles), andou meses a masturbar-se em grupo à custa da paciência da pátria. Antes de concluir por fim que o Sócrates era um mentiroso patológico.
Era preciso que o Sócrates tivesse montada uma central de propaganda que vivia de aldrabices e truques de marqueteiros, e alimentava o governo pela mão do Silva Pereira, e do Santos Silva, e outros.
Era preciso que o Sócrates fosse um megalómano doente, que arruinava o país com utopias inúteis, como planos tecnológicos, energias alternativas, apoios à ciência, estradas modernas, alta velocidade ferroviária, eficácia dos docentes e modernização da escola pública. 
Era preciso que o Sócrates fosse um intratável arrogante e paranóico, incapaz de algum diálogo e consenso. E durante seis anos foi assim. Porque o Sócrates chegava à Assembleia e metia num chinelo, em oratória clara e em conhecimento, os bandos de inúteis diletantes que se apresentavam ao debate.
Era preciso que o país se livrasse do Sócrates, para ter credibilidade nos mercados. Nem era bem o governo, nem o Mariano Gago, nem a Lurdes Rodrigues, nem o Luís Amado, nem o Teixeira dos Santos, nem o Vieira da Silva, nem outros pobres coitados. Era o Sócrates o fulcro do tumor e o objecto do ódio. Tão desacreditado internacionalmente estava o Sócrates que não paravam de subir os juros da dívida, e ninguém era capaz de satisfazer a gula da matilha das agências de rating, a não ser escorraçando o Sócrates para preservar a nação.
Era preciso recusar o PEC IV que o Sócrates acertara com as instâncias europeias para responder à crise, em boa parte resultante das políticas contra-cíclicas recomendadas pelas instâncias da Europa. Era preciso impedir um tal modo de enfrentar a borrasca financeira que o sub-prime dos banqueiros de Wall Street ofereceram ao mundo.
Era preciso recusar o PEC IV porque "há limites para os sacrifícios que se podem exigir aos portugueses". Isto afirmou, nesse tempo, de coração condoído, a múmia que ainda está asilada em Belém.
Era preciso que viesse a troika, que o Sócrates não queria, mas acabou por chamar. Todos os cabrões rugiam que já chegava tarde. Para oferecer à oligarquia antiga a oportunidade, o programa de reformas e a cobertura de que ela precisava. Para pôr de novo o povo todo a pão e água, conforme lhe competia, conforme determinara a finança internacional.
Naquele tempo, a comunicação social mercenária alimentou-nos a ignorância e a cegueira. E nós fizemos, ao eleger o Relvas, o pouco que ainda faltava fazer. Não é esta a vez primeira, em longa história, que um tal absurdo acontece. Vem à lembrança o Infante D. Pedro, o príncipe das sete partidas, que à falsa-fé matámos em Alfarrobeira em favor da oligarquia aventureira. E o Damião de Góis, que empurrámos para a lareira em Alenquer, em favor da Santa Igreja. E o Marquês de Pombal, que ostracizámos e ainda hoje execramos em segredo, em favor duma e da outra. Fora os mais que aqui não estão.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Sem retorno

O Relvas foi sempre uma obscenidade cívica e um abcesso político no corpo da nação. Mas agora transformou-se num motim. Sem retorno. 

Um da Pozzi

Tempo

Enquanto dormes
passam as estações
sobre a montanha.

A neve no alto
derretendo-se de vida
ao vento:
atrás da casa o prado fala,
a luz
bebe restos de chuva nos caminhos.

Enquanto dormes
passam anos de sol
entre as copas dos lariços
e as nuvens.

[Antonia Pozzi nasceu em Milão em 1912; suicidou-se naquela cidade em 1938]

HAJA LUZ! - 16

[Nativos e moais da ilha da Páscoa, desenhados por Duché de Vancy, que acompanhou parte da expedição de La Pérouse, 1796]

«Além de ser um químico genial, Lavoisier era também um patriota dedicado, sempre pronto para servir a nação. Em 1785, no auge da fama científica, foi eleito director da Academia; como membro da Comissão Administrativa competia-lhe pronunciar-se sobre as mais variadas e importantes questões económicas, sociais e políticas, além das científicas. Aos poucos, na sua vida, iam-se diluindo as fronteiras entre ciência, economia e política - até porque o profundo envolvimento de Lavoisier nos assuntos da Renda Geral faziam dele um grande especialista de finanças, consultado amiúde pelo rei e pelo governo. Seria preciso esperar quase um século para encontrar, na história da química, outra figura com um comparável espectro de interesses: Dmitri Mendeleev.
Um dos assuntos que ocupou Lavoisier em 1785 foi o problema da produção de água potável no alto mar: a sua contribuição para os preparativos da grande viagem de exploração marítima do Compte de la Pérouse. Patrocinada por Luís XVI, a expedição de La Pérouse destinava-se a ofuscar as célebres viagens de circum-navegação de Fernão de Magalhães e de James Cook. (...) Uma curiosidade: um tal Napoléon Bonaparte, prestes a fazer 16 anos, inscreveu-se para a viagem mas não foi aceite. (...)
As duas fragatas, L'Astrolabe e La Boussole, fizeram-se ao mar em Brest a 1 de Agosto de 1785 rumo ao Atlântico Sul. Contornaram o cabo Horn e visitaram e mapearam sucessivamente as ilhas da Páscoa, Hawaii, Alaska, California, Filipinas, Macau (1786), Coreia, Japão, Rússia e Austrália, onde chegaram em Janeiro de 1788. La Pérouse esperava estar de volta a França em Junho de 1789. Após a partida da Austrália nunca mais foram vistos. Só décadas mais tarde se percebeu a tragédia que os vitimara: os navios tinham naufragado nos recifes de coral, e a tripulação fora massacrada pelos nativos da ilha de Vanikoro (Salomão). Os restos de La Boussole só foram encontrados e identificados em Maio de 2005. (...)»

Podes preferir ser toureado, ou fazer o papel do corno, que é o último a saber.

Se assim não for, vai aqui.
Se tiveres tempo e paciência, e quiseres ver o número completo em 6 horas de paleio, vai ali.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A pedido de várias famílias

Soumbu ya ya!

HAJA LUZ! - 15

«Nos anos de 1770 vivia-se o auge da época pneumática, com os químicos entusiasmados a preparar gases (ou "ares", com então lhes chamavam), por reacção entre substâncias, combustão de outras, ou, melhor ainda, aquecendo certos minerais. Apenas os metais pareciam ser incapazes de produzir gases por aquecimento. Basta evocar os nomes de Black, Cavendish e Priestley para se perceber que o centro de gravidade de tantas descobertas estava, indubitavelmente, na Grã-Bretanha. (...)
Em França, no início da década de 1770, aquele que viria a ser o maior químico do último quartel do séc. XVIII, andava muito ocupado com a composição química das águas e respectiva potabilidade. (...) Antoine-Laurent Lavoisier era um ambicioso cientista em início de carreira, determinado a trepar os degraus hierárquicos da Academia das Ciências. Um dos homens mais influentes na política científica francesa era Trudaine de Montigny (...). Lavoisier respeitava-o e admirava-o.
Trudaine de Montigny estava bem informado dos progressos científicos ingleses, pois herdara do pai um espião científico, Jean-Hyacinthe Magellan, a viver em Londres. Digamos que João Jacinto de Magalhães - para o apresentar sob o seu nome de baptismo - era um daqueles iluminados que acreditava nas vantagens da comunicação e difusão rápidas das descobertas científicas, e que, por isso, dedicava a sua vida a espalhar o que sabia e ouvia pelos cientistas de vários países. Foi através de Magalhães que Montigny soube, em 1772, dos trabalhos de Priestley sobre a impregnação da água com ar fixo (água gasosa, carbonatada). Percebeu a importância militar do assunto, dado que se julgava que as águas gasosas eram um bom impeditivo do escorbuto. Montigny ordenou a Lavoisier para repetir as experiências com urgência e fazer ele próprio novas investigações com o ar fixo e outros ares. A química estava em vias de mudar radicalmente.
Quem era e donde vinha aquele João Jacinto de Magalhães que introduziu as ideias de Priestley em França? (...) Nascera em Aveiro em 1722, estudara no Colégio do Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra, ingressara na ordem dos frades Crúzios. Em 1754 conseguiu dispensa papal para abandonar a vida monástica para se dedicar à ciência. Viajou pela Europa, ganhando a vida como tutor de jovens. Em Paris conheceu o médico António Nunes Ribeiro Sanches - outro português estrangeirado - que deve tê-lo ajudado. (Abra-se aqui um parêntesis para informar que Ribeiro Sanches, um cristão-novo forçado a emigrar para escapar às penas da Inquisição, correu a Europa até se fixar em São Petersburgo em 1731 como médico militar, especializado em doenças venéreas; Em 1747 mudou-se para Paris, com uma tença de Catarina II da Rússia; aí passou o resto da vida, praticando medicina e colaborando com os enciclopedistas). 
Após o seu longo tour philosophique, Magalhães assentou em Inglaterra, terra de liberdade, em 1764. Sabe-se que foi instado a fazê-lo por Daniel Trudaine, o grande senhor das estradas, pontes e calçadas, pai de Trudaine de Montigny. (...) Estava pronto a revelar aos europeus continentais o que de melhor se ia fazendo na Grã-Bretanha. (...)
Em 1784 foi eleito sócio da American Philosophical Society, fundada por Franklin em 1744. Doou 200 guinéus à Sociedade e estabeleceu o "Magellanic Premium" destinado à "melhor descoberta ou melhoramento útil nas áreas da navegação ou filosofia natural". Mais de 200 anos passados, o prémio é o mais antigo galardão americano para êxitos científicos e continua a ser atribuído. Na sua mais recente atribuição (2008), foi parar a Margaret J. Geller pelas observações pioneiras da estrutura do universo. (...)
João Jacinto de Magalhães morreu em Londres em Fevereiro de 1790, após longa doença, tendo sido sepultado no cemitério de Islington (hoje um bairro chique de Londres). (...)»

Eppur...

... si muove!

A despropósito

Vian - Le déserteur

Monsieur le Président
Je vous fais une lettre
Que vous lirez peut-être
Si vous avez le temps
Je viens de recevoir
Mes papiers militaires
Pour partir à la guerre
Avant mercredi soir
Monsieur le Président
Je ne veux pas la faire
Je ne suis pas sur terre
Pour tuer des pauvres gens
C'est pas pour vous fâcher
Il faut que je vous dise
Ma décision est prise
Je m'en vais déserter

Depuis que je suis né
J'ai vu mourir mon père
J'ai vu partir mes frères
Et pleurer mes enfants
Ma mère a tant souffert
Elle est dedans sa tombe
Et se moque des bombes
Et se moque des vers
Quand j'étais prisonnier
On m'a volé ma femme
On m'a volé mon âme
Et tout mon cher passé
Demain de bon matin
Je fermerai ma porte
Au nez des années mortes
J'irai sur les chemins

Je mendierai ma vie
Sur les routes de France
De Bretagne en Provence
Et je dirai aux gens:
Refusez d'obéir
Refusez de la faire
N'allez pas à la guerre
Refusez de partir
S'il faut donner son sang
Allez donner le vôtre
Vous êtes bon apôtre
Monsieur le Président
Si vous me poursuivez
Prévenez vos gendarmes
Que je n'aurai pas d'armes
Et qu'ils pourront tirer

Fado antigo

[Clicar]
Durante séculos, três quartos do país viveram condenados ao abandono e à penúria, para que o restante quarto vivesse à tripa forra. Só não sabe isso quem lá não viveu.
Um tal fadário mudou há 30 anos. Mudou mesmo, apesar dos palermas e dos cínicos que dizem o contrário. 
Agora, aos poucos, ao mesmo vai voltando. Porque os palermas são mais do que parecem, e os cínicos ainda pior.

A silhueta real

Das elites da nossa nação.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Pois é!

É que há países e há reservas de caça!

Nem um dia sem vozes na rua!

Isto é o que diz o Arménio, secundado pelo Nogueira, o bigodes dos 300 mil professores já reduzidos a pó. E há mais que razões para isso! O pior é o que ficou do lado escuro da lua!
Com o último governo de Sócrates, passou à história a última réstea de capacidade governativa e respeito pela pátria que o país conhecerá, por muito tempo. Apesar dos vários e inevitáveis equívocos e erros, foi o ódio persistente das campanhas negras da oligarquia indígena, a iliteracia política dum povo alienado e a enorme ratoeira que a finança mundial montou com o subprime da América, servida pelos lacaios caseiros, que lhe foram fatais.
Em Março de 2011, o Arménio, o Nogueira, e outros inúteis que tais, estenderam todos juntos o tapete vermelho aos marginais que hoje nos governam. Traíram o país, e encurralaram-nos no beco sem saída da austeridade e da penúria. Usaram-nos então como carne para canhão, e ainda hoje não pretendem outra coisa.

1967

O momento em que o vozear pop anglo-saxão foi arte.
O meu amigo Alfredo também comprou o disco nesse dia, no PX americano. E a coisa era de tal ordem que ele mal chegou a casa, ouviu duas ou três faixas e logo o passou a alguém à troca. Por uma Aretha Franklin que lá andava.

Barbaridades diplomadas, que são as mais absurdas e fatais

«Os nossos séculos XIX e XX não foram grande coisa, mas fomos muito importantes no séc. XVI e não há nenhuma razão genética para não voltarmos a ser determinantes no futuro. Falta-nos organização, mas isso não basta, precisamos também de saber estar de acordo  sobra a forma de arrumar o que está desarrumado (!). Somos um país mentalmente desorganizado, ao contrário da Alemanha. (...)
Irrito-me com o lusitano "logo se vê". A incompetência desorganiza-me as ideias. Mas há que reconhecer o lado positivo, que é a nossa capacidade de adaptação. (...)
No séc. XVI estivemos no sítio certo na hora certa. E tínhamos uma vontade decorrente da curiosidade. (...)»
[Carlos Fiolhais, in PÚBLICO] 
É físico e professor. Olha só se ele o não fosse!

Quanto custa um poema?

Questões pertinentes de José Tolentino Mendonça, há dias no PÚBLICO:

«Se aceitássemos sem mais que o valor intrínseco de um bem é aquele determinado pelo seu potencial económico, a poesia já há muito teria desaparecido.»

«Sabemos que uma carcaça anda à volta dos vinte cêntimos, que um litro de leite anda à roda dos sessenta e por aí fora. São números que nos preocupam, enquanto indicadores de linhas de sobrevivência. Mas quanto custa um poema

«Quanto é que nos custou o poema nacional "Os Lusíadas", e quanta pobreza custou a Camões? Quanto custou a obra de Álvaro de Campos, que é tão extraordinária como o claustro do mosteiro do Jerónimos onde jaz o seu criador? Quanto nos custou "Um adeus português" do Alexandre O'Neill (...)?»

«A poesia, e a arte em geral foi, é e sempre será, na sua forma mais pura, um problema do indivíduo, (...) pois a poesia é de facto uma questão que (os poetas) têm consigo. Seria, contudo, muito estranho desconhecer a função antropológica e social da poesia.»

«"A poesia é uma água à qual podemos pedir a sede". (...) Mas os poetas precisam que a sociedade pergunte se tem a pagar alguma coisa

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Mesmo prolixo e algo confuso...

Vai ver ali. E ali. Para não seres tangueado por qualquer cafre iletrado.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Haja Deus!

Por baixo da sotaina já não cabe tudo.

Satie - 9

Gnossienne 6.

HAJA LUZ! - 14

«Várias décadas passaram sobre a morte de Gusmão, até que os ecos do feito dos irmãos Montgolfier em 1783 ressuscitaram o interesse pela aeronáutica em Portugal. O episódio seguinte teve como protagonista outro padre. A 3 de Abril de 1784, um dos membros fundadores da Academia das Ciências de Lisboa, o padre João Faustino, fez subir, perante os soberanos no palácio da Ajuda, um balão de ar quente com 15 metros de diâmetro. O balão manteve-se no ar durante 20 minutos, atravessou o Trjo e foi cair em Cacilhas. Parece que nesse mesmo ano o padre Faustino realizou mais três ascensões, uma delas com um macaco. Também há notícia de que em 1784 o padre Jerónimo de Allen espantou os lisboetas com uma subida em balão. (...)
O curioso é que Lunardi também veio a Lisboa. Após os sucessos na Grã-Bretanha, viajou pela Europa, fez voos de demonstração na sua Itália natal e em Madrid, e em 1793 chegou à capital portuguesa. Lunardi montou uma barraca no Terreiro do Paço e aí instalou o globo aerostático para gáudio do público que pagava 100 réis por entrada (o preço baixou depois para 20 réis ou um vintém); aos domingos fazia-se a demosntração da preparação do hidrogénio.
O pior é que Lunardi caiu sob a alçada do intendente geral da polícia, o famigerado Diogo de Pina Manique, que o mandou prender a pretexto dumas licenças e editais. Correram uns boatos que o acusavam de feitiçaria, ou no mínimo de ser uns estrangeiro dado a actividades subversivas. Com o tempo tudo se foi esclarecendo, e Lunardi obteve as necessárias autorizações. Depois de vários adiamentos, a viagem aérea ficou marcada para 24 de Agosto de 1794, das três às cinco da tarde, tendo o anúncio sido feito no recém-construído Real Teatro de S. Carlos. Pelo sim, pelo não, Pina Manique mandou infiltrar a multidão de espectadores com polícias à paisana.
No Tejo apinhavam-se as embarcações apinhadas de gente para ver de perto a proeza. Pouco depois da hora aprazada, eram 4 horas e 40 da tarde, Lunardi subiu no balão até à altura duma légua e ficou a parar sobre o Tejo, para regalo de todos, durante quase uma hora e meia. O resto da viagem foi muito acidentado. Chuva e vento irregulares fizeram o balão perder altura, Lunardi deitava lastro borda fora ou deixava entrar ar para fazer subir ou descer a aeronave, que ora roçava a terra ora subia demais. O aeronauta acabou por aterrar a duas léguas de Vendas Novas, por volta das oito horas da noite. (...)
Lunardi veio a falecer em Lisboa em 1799. Apesar de Pina Manique, deve ter por cá ficado.»

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

HAJA LUZ! - 13

Mais leve que o ar
«Lá mais atrás deixei esquecido um dos convidados para a festa em honra do poeta Robert Burns: o toscano Vincenzo Lunardi, secretário do embaixador do rei de Nápoles em Londres e um dos primeiros aeronautas. A era das subidas e viagens em balão - outro resultado da pneumática - tinha sido inaugurada em França pelos irmãos Montgolfier a 4 de Junho de 1783, utilizando ar quente. (...) Lunardi efectuara a primeira viagem em balão em Inglaterra, voando de Londres para Standon a 15 de Setembro de 1784, usando um balão de 32 pés de diâmetro (cerca de 10 metros) cheio de 'ar inflamável' (hidrogénio). (...)
Mas teriam sido os irmãos Montgolfier os primeiros a voar em balão? A dúvida persiste, até porque houve um famoso antecedente em Portugal: o projecto dum aeróstato em forma de pássaro - a lendária 'Passarola' - do padre brasileiro Bartolomeu de Gusmão, por alcunha o 'Voador'. (...) A 8 de Agosto de 1709 fez subir a quatro metros de altura um pequeno balão de papel pardo grosso na Sala dos Embaixadores da Casa da Índia, perante D. João V e o núncio apostólico, o futuro papa Inocêncio XIII. Os testes continuaram com balões de maior envergadura, constando que a dita Passarola chegou a voar da praça de armas do Castelo de S. Jorge em Lisboa até se despenhar no Terreiro do Paço.
Infelizmente a história não passa dum boato, e a verdade é que não se sabe se a Passarola chegou mesmo a ser construída, ou se não passou dum mero projecto utópico.José Saramago recriou a experiência numa das suas obras-primas, o Memorial do Convento. O romance gira à volta duma dupla construção: a do Convento de Mafra por um lado, e a montagem da Passarola pelo padre Gusmão, na quinta (expropriada) do duque de Aveiro a S. Sebastião da Pedreira, por outro. Ajudam o padre na sua tarefa os protagonistas da história - o maneta Baltasar Sete-Sóis e a sua mulher Blimunda Sete-Luas.
O Memorial é uma obra profundamente musical. Saramago notou que o compositor Domenico Scarlatti - o Escarlate - era um contemporâneo exacto do padre Gusmão, e que estivera ao serviço da corte de D. João V de 1720 a 1724. (...) Daqui a ligar a música de Scarlatti à Passarola vai um passo. (...)
A música, porém, não se limitou a Scarlatti. Ao ler o romance, o compositor Azio Corghi viu nele um Orfeu no feminino. (...) Blimunda passa o resto da vida a correr Asseca e Meca e olivais de Santarém, à procura do seu homem - qual Orfeu em busca de Eurídice. A ópera de Corghi, com libreto do compositor e do escritor português, veio a chamar-se Blimunda, e estreou-se no Teatro Lírico de Milão em 1990. No ano seguinte voou até ao Teatro de S. Carlos, em Lisboa. (...)
Quanto ao padre Gusmão, a história verdadeira regista que teve um fim triste. Intrigas de corte e perseguições inquisitórias levaram-no a fugir a pé para Espanha em 1724, vindo a morrer na penúria em Toledo, nesse mesmo ano. (...)»

Amor de Perdição

[Fotos de J.J.Roseira]
No Porto há um boneco novo. Fica ali mesmo à esquina da eira de secar milho, que uns paisagistas da 2001 estenderam em frente à Relação. E vem muito a propósito dos 150 anos da publicação do Amor de Perdição. 
Há qualquer coisa de rigoroso, de real, de luminoso, nos trabalhos de Francisco Simões que se ocupam da figura humana. Sempre me deleitaram, mormente quando escapam à sua obsessão pelas infindáveis modulações do feminino.
Já o manto que recobre o posterior da figura, do lado do casario... Faz-me lembrar o deus-ex-machina que os gregos inventaram, quando não havia outra saída para o imbroglio em cena. Mas isto é já linguajar de sapateiro a ir além da chinela.

Em Júpiter

« (...) "Ele já tem medo, quando me vê sair, de que eu volte com um animal qualquer no carro." (...)
Mas para lá dos maus tratos, também há motivos económicos a ditar a doação ou venda de cavalos (para guarda ou abate). (...)
O mesmo aconteceu à família de D.... residente numa aldeia perto de Óbidos. No último dia de Janeiro, concretizou a difícil resolução que tomou com a mãe e as irmãs: entregar a Curiosa, a Carlota e o poldro Gandim à Their Voice, para não os ver a emagrecer todos os dias. 
"Há cinco anos que tenho estes cavalos", conta."É claro que foi uma decisão difícil, mas teve de ser: o meu pai, que é construtor civil, foi para Moçambique há um ano, à procura de trabalho. E o ordenado que manda já não dá para sustentar os cavalos. Por mês, entre palha e ração, gastávamos cerca de 500 euros. Não conseguíamos. Daqui a duas semanas partimos para a Suíça. Vamos ter com um tio e uma irmã, para ver se arranjamos trabalho." 
Mas diz que gostaria de reaver os seus cavalos, se a sua situação melhorar.»

Há quem viva já na Lua. Quem sabe se não em Marte. Mas bom, bom, há-de ser Júpiter! Dizem que é grande, estável e sereno.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

domingo, 10 de fevereiro de 2013

HAJA LUZ! - 12


EDUCAÇÃO À VISTA
«(...) É sabido como a iconografia religiosa que enchia as igrejas e catedrais medievais - frescos, vitrais,esculturas e pinturas - era, para uma população esmagadoramente analfabeta, um livro aberto de educação cristã. As invenções técnicas da era industrial desempenharam um papel semelhante no que respeita à educação científica e técnica. Tome-se o caso da máquina a vapor. Ao longo do séc. XVIII tornaram-se tão ubíquas como hoje o são as bombas oscilantes, com as suas cabeças de martelo, nos campos de petróleo do Texas e da Califórnia; tão comuns como as actuais bombas de gasolina. Do residente ao viajante, ninguém as pode ignorar. Chegavam a atingir a altura dum edifício de quatro andares, e a cacofonia de sons que produziam fazia lembrar uma orquestra à base de sopros, metais e percussão. A boca da fornalha vomitava labaredas, os braços da alavanca agitavam-se numa movimentação febril, as narinas das válvulas sopravam nuvens de vapor queimante. Eram os novos dragões do imaginário popular, capazes de meter medo às crianças, sendo por isso extraordinariamente apelativas. O equivalente actual, no imaginário infantil, serão os dinossauros. (...)
Entretanto, de vila em vila, de feira em feira, começou a aparecer um novo personagem - o filósofo natural (cientista) visitante, hábil nas demonstrações experimentais, para instrução e gáudio do povo. Era o princípio dum despertar para a ciência, através do mais expedito e fiável dos métodos: ver para crer. A cena era tão popular e excitante que interessou os pintores da época, à procura de assuntos novos. O caso mais exemplar é o de Joseph Wright, natural de Derby, um dos berços da Revolução Industrial. (...)»

Respeito

Carlos Brito fez 80 anos. Para um encontro ao jantar foi convidada a multidão da esquerda, por natureza vária e caprichosa, multímoda se não contraditória, quantas vezes umbiguista. O comité central nem se dignou responder ao convite.
Já este gesto seria uma vergonha, se não viesse provar coisa pior. Que o PCP é uma seita irrelevante, para não dizer funesta. E o comité central uma múmia enfaixada.
A questão não me diz nenhum respeito, nem faço aqui sermões encomendados. Porém os portugueses, e a história do partido, mereciam outro respeito.

Os que vão e os que ficam

 [Autor desconhecido]
[Autor desconhecido]
Idênticos há séculos, apenas os distingue uma aparência vaga. Uns a sonhar com quimeras ao longe, outros a temer aflições que rondam perto.  

Satie - 7

Gnossienne 4.

Balanço

Tudo o que sei, do mundo, aprendi-o com os homens. E aquilo que, da vida, me chegou, foi das mulheres que o soube. O bom o mau e o pior, bastas vezes o péssimo.
Que fazer com tão pouco aprendi-o comigo e com algum sofrimento. Mais vezes por erro do que por ensaio.  

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Na mouche!

Melhor que isto só no meio da testa. 

Privilégio


Pagão e frio com o santo Senhor da Pedra, marra o mar contra o rochedo há um milhão de anos. Vi o sol, calcei as botas, lancei mão dos bastões e fui lá ver. Vinte quilómetros de puro privilégio.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Satie - 6

Gnossienne 3.

Literatura para Totós - Tese 5

Os vícios custam bem caro, há quem sustente ser razoável e salutar que assim seja. Não estou muito seguro quanto a isso. Por puro vício entro na livraria, logo tropeço numa Maria dos Canos Serrados. Um título muito altamente!
Vejo a contra-capa, passo pelas badanas, assalta-me a lembrança duma tal Mizé galdéria, que um dia trouxe para casa e há-de andar por aí. Quis ver na altura o andar da carruagem, mas a viagem deu-me em estampanço na primeira curva. E depois de folhear um par de páginas, concluí que desta vez seria a morte certa.
Quem sabe de mercados fala dos nichos deles. Mas neste espaço ao mercado chamam-lhe Literatura, e é pelas esquinas dela que vicejam muitos criativos. Em conteúdos e formas, em substâncias e vazios, por força há-de ser aqui o beco da javardice.
No que a tais criativos diz respeito, já se viu como baralham facilmente a criatividade e o estado das cuecas, a modernidade e o rabo mal lavado. O cu com as calças, enfim, uma questão já velha! Mas deixemos cada um pastar no prado mais a gosto, sem moralismos falsos. 
Já quanto aos editores, neste caso a Alfaguara, protestemos em dobro. A um lado por reproduzir frases de encómio, que algum incauto crítico cedeu em obra antiga, como se desta fossem. Cheira a abuso de confiança, a vã invocação do santo nome de deus. E a outro por assim avacalhar, por uns míseros patacos, o que já foi tarefa de nobreza.
De forma que, leitor empedernido, se te quiserem mostrar, também em literatura, a vida tal como é, diz-lhes que já estás servido, e com vantagem, pelo Correio da Manhã e a grelha da TVI. Digo-te isto para teu bem. E para veres como o lixo atrai as moscas, ora toma, e toma, e toma.

No fim da festa...

... veremos o que resta!

HAJA LUZ! - 11

[Old Bess, a primeira máquina a vapor com movimento rotativo e condensador separado]

«(...) Na base da pirâmide dos saberes estão as ciências mais básicas, exactas e duras. A sua dureza faz com que aguentem as ciências que vieram depois. A pirâmide vai crescendo em altura, sendo-lhe sucessivamente adicionadas as ciências mais recentes e moles. A química explica-se com a física e a matemática; a biologia, com a física, a química e a matemática; a psicologia, com a biologia, a química, a física e a matemática, e assim por diante. A complexidade crescente do problema percebe-se na sequência: átomo (física), molécula (química), célula (biologia), planta (botânica), etc. O peso das ciências mais novas faz endurecer as ciências mais velhas, sobre as quais aquelas se apoiam. Com o tempo, as ciências moles também endurecem, tornam-se mais rigorosas e matematizadas, permitindo o aparecimento de novas ciências moles. Esta é, obviamente, uma descrição metafórica, mas que ajuda a compreender em termos muito gerais, a evolução da pirâmide ou árvore das ciências. (...)

(...) Black faz parte da ínclita geração responsável pelo chamado Iluminismo Escocês. Nascido em 1728, pertencia à geração doutros escoceses ilustres, como o filósofo David Hume, o economista político Adam Smith, o geólogo e médico James Hutton. (...) Tornaram-se amigos íntimos, viam-se praticamente todos os dias e não dispensavam as reuniões semanais no Clube da Ostra de Edimburgo. A estas luminárias devem-se ainda adicionar o nosso conhecido James Watt e Adam Ferguson, filósofo e homem de letras. (...)
Em 1763, Adam Smith renunciou ao cargo de professor para ser tutor de Henry Scott, duque de Buccleuch. Os dois viajaram pela Europa onde se deram com personalidades importantes como d'Alembert e principalmente o fisiocrata François Quesnay. Terminada a tarefa de educador, Smith refugiou-se em Kirkcaldy, a terra natal no condado de Fife, a fim de se dedicar à escrita da sua obra magna. Numa paisagem dominada por minas de carvão, salinas e fábricas de pregos, o ambiente ajudava ao raciocínio económico. Uma década depois, aparecia a Pesquisa sobre a Natureza e Causas da Riqueza das Nações (1776), o mais influente tratado europeu de economia política. (...)

Os inventos de Watt marcam o começo duma nova era - a era da energia. O curioso é que isto sucedeu antes da palavra energia ter adquirido o seu significado preciso e moderno, o que só veio a acontecer em 1807 com Thomas Young, outro médico físico. (...) 
Abriam-se novas perspectivas para a Humanidade. Até então pensava-se que a capacidade de transformação da natureza dependia quase exclusivamente do esforço muscular de homens e animais. Havia ainda a energia eólica, que fazia mover os moinhos; a hidráulica, que fazia rodar a roda da nora, e pouco mais. Com a sua máquina a vapor aperfeiçoada, susceptível de múltiplas aplicações, Watt aumentou exponencialmente a energia utilizável, inaugurando uma nova etapa. Seria preciso esperar mais de um século para que acontecesse uma mudança qualitativa e quantitativa semelhante com o advento da energia eléctrica, e quase dois séculos para a generalização da energia nuclear. (...)
A utilidade da nova máquina media-se pela sua capacidade de produzir trabalho, num determinado intervalo de tempo. Sem se saber bem o que era a energia e muito menos medi-la, o termo comparativo era a potência do cavalo. Parece ter sido Savery quem primeiro empregou o termo horsepower e Watt generalizou-o. A máquina a vapor era vendida na base do número de cavalos necessários para produzir rendimento semelhante.(...)»

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Mais uma

Do Mali.

Sociedade de anónimos

Visito quotidianamente uma dezena de blogues de índole diversa. À procura de saber. Para não ser, como o corno, o último a saber. Cornos já fomos nós todos, durante metade da vida, pelo menos.
Leio textos e comentários, quando os há. Para tomar o pulso. Para medir alguma febre que haja. E uma sensação desagradável me salta sempre à vista.
Uma ínfima parte são assinados com nome que há-de ser verdadeiro, e só não identifica porque a blogosfera não usa a cor dos olhos, nem a covinha no queixo, nem a verruga na ponta do nariz. 
Uma boa parcela dos comentadores usa um pseudónimo, um nickname, que individualiza mas não identifica. E a esmagadora maioria prefere o magma do anonimato, onde todos são rigorosamente iguais a nada. Fundem-se todos num só, que por acaso não será o mesmo.
Não me importaria muito, se isto não quisesse dizer aquilo que significa: somos uma triste sociedade de anónimos cobardes que recusam ficar no retrato, incapazes de assumir a palavra que ousaram. Arremessam muitas vezes uma pedra, mas retiram logo a mão que a disparou.

Boa, Júlio!

Ler-te é útil e agradável! Coisa rara! Não é o mais pintado que o consegue!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

HAJA LUZ! - 10

«O homem do séc. XVIII era eminentemente sensível. O "penso, logo existo" de Descartes, fora substituído pelo "perceber é sentir" de Rousseau, e essa foi, também, a atitude dos filósofos da natureza, ou cientistas. Entretanto a sociedade mercantil evoluía para a sociedade industrial e nascia a engenharia. Fazer coisas era tão motivador (e enriquecedor) como trocá-las, trazendo-as e levando-as dum lado para o outro (comércio). Sintomático desta nova atitude é o facto do problema da longitude ter sido resolvido por um modesto relojoeiro de aldeia, John Harrison, enquanto os astrónomos e matemáticos da capital e das universidades se afadigavam a seguir e interpretar o movimento dos astros. A experiência prática impunha-se à teoria. (...)

Em termos de inovação e descoberta, o Norte de Inglaterra e a Escócia passaram a competir com a metrópole londrina e as universidades clássicas. É típico dos novos tempos que uma personalidade superior como o filósofo escocês David Hume, cansado da capital e duma longa vida pública, acabasse por se refugiar em Edimburgo, apesar da sua fama europeia. Era no Norte que estavam a acontecer as coisas interessantes. O Sul agrário da Inglaterra não apreciava a ciência. A Revolução Industrial facilitou uma nova interdisciplinaridade, fruto do companheirismo e da amizade entre os homens cultos e curiosos da época. Industriais e poetas, químicos e engenheiros, economistas e pintores, médicos e homens da Igreja, filósofos e matemáticos, etc, juntavam-se para discutir questões particulares ou de interesse comum, formavam tertúlias, clubes e sociedades (...). Os dois exemplos mais patentes foram a Sociedade Lunar, que emergiu à volta de Birmingham, e o Clube da Ostra, em Edimburgo. (...) 
Foi a Revolução Industrial que possibilitou o florescimento da química. (...)»