segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Portugalmente (59)

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Porém esse pouco dá trabalho. Não consta que renda votos, nem garante famas mediáticas a esta hidra delirante, que em cada terra mostra uma cabeça nova. Já se viu como em Trancoso é antiga a pecha dos visionários, dos troveiros utopistas que sonham com o 5º Império. Por isso vai ela erguer um museu às memórias do Bandarra, e já tem prometida uma catedral do tempo, assente em espirais vertiginosas. As castanhas desses soutos, único, real e específico padrão do município, vendem-nas os aldeãos ao desbarato, à mistura com a lama que trouxeram das encostas, deixando a mais-valia nas mãos do traficante. E acabaram englobadas no labéu da origem protegida dos Soitos da Lapa, em condição subalterna, por inépcia do concelho. Mas duas vezes por ano albergará Trancoso os Encontros do Tribunal Europeu do Ambiente, que hão-de colocá-lo nos mapas do mundo, nos caminhos da ciência, nas páginas dos jornais. O próximo, que não tarda, vai questionar As Origens do Futuro. E a audácia do desafio espicaça o viajante, que promete acompanhá-lo, tão depressa ele aconteça.
Há que atentar na história dos Encontros de Trancoso. Aqui há uns anos, numa feliz conjugação astral, veio à fala o presidente da câmara com dois cidadãos do mundo. Eram eles um brasileiro de lusas raízes, arquitecto e compositor entre mais dotes, e um tal Barbas de méritos prováveis de quem nada se apurou. Logo os três se deram conta de não existir no país uma entidade que congregasse os labores de artistas, filósofos, pensadores e cientistas. E consideraram Trancoso o lugar ideal para uma contínua reflexão sobre os males do planeta, através da Arte, da Ciência e das Novas Tecnologias. Os três criaram a FACTO, logo ali, como quem diz a Fundação para as Artes, Ciências e Tecnologias - Observatório. O objectivo da FACTO era a promoção de projectos de carácter transdisciplinar, transcultural, transnacional e intermediático. Seja lá isso o que for, em boa hora lhe deram nascimento, que assim veio a ter lugar o primeiro Encontro Internacional de Arte e Ciência, a que chamaram o Espírito da Descoberta. Um tal espírito visava promover um momento de informação e debate, gerando uma visão mais ampla, diversificada e profunda de algumas das mais fascinantes descobertas da ciência e das propostas da arte, questionando a sua natureza, os seus fins e o universo humano nelas envolvido. Perante o duvidoso jargão da propaganda, cresce ao viajante a muita perplexidade. Mas logo veio em apoio de tão peregrino evento uma procissão de aclamadores, entre eles um filósofo europeu, presidente da Associação Mundial de Críticos de Arte, e também a cabeça honorária do Tribunal Europeu do Ambiente.
Uma tal instituição, que anos atrás já naufragara na Bélgica por culpa dos governos que faltam aos compromissos, das multinacionais cuja bandeira é o dividendo, e de corrupções avulsas, achara por fim em Londres um porto de acolhimento. Foi nessa altura que o brasileiro-luso se tornou seu director. E os Encontros Internacionais de Arte e Ciência, já firmados em Trancoso, deram então lugar às sessões do Tribunal Europeu do Ambiente. O Espírito da Descoberta cedeu passo às Origens do Futuro, muito embora pareça ao viajante, em linguagem mais terrena, que à tal fome de aventuras visionárias se juntou aqui a mais simples vontade de comer.
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