domingo, 6 de setembro de 2009

Portugalmente (54)

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Ao viajante veio mesmo a calhar este compasso de espera, enquanto aguarda a visita aos cavalinhos do Côa. Há-de parecer que entrou na vila com auras de leão e acaba a sair dela com orelhas de sendeiro. Espera, não espera, há-de aproveitar o tempo. Há-de hoje ver outras terras, indagar-lhes formosuras e primores, cotejá-las com Trancoso. Pôs-se em campo ao princípio da manhã e achou algumas surpresas.
A primeira foi na Meda, onde chegou depois de ver novamente o Solar dos Brasis, ali atrás falado. Passado mais um projecto de floresta falhada nas quintas de Matamá, desceu as ribanceiras do Aveloso, passou a ribeira Teja numa ponte que os romanos fizeram, trepou a ladeira do Outeiro de Gatos e logo arribou à vila. À medida que se foi aproximando, o viajante encontrou vinhas, e olivais, e campos de amendoeiras, sinal de que deixou para trás a terra fria.
Encostada a um morro de granito onde guardavam o celeiro, a Meda foi durante muito tempo um cenóbio de frades beneditos. Só tardiamente um rei lhe deu foral, já o Gama regressara da Índia. Hoje continua a ser a mesma aldeia com uma avenida no meio e o jumento preso à ferradura entalada na parede. Só lhe está faltando à porta o estendal do milho, ao sol do fim do verão, porque o verão ainda não acabou e o milho não está criado.
Igual como em Trancoso, a câmara é do mesmo partido há trinta anos, desde que há eleições. E se o concelho albergar por junto uns seis mil habitantes, não chega na sede a residir um terço. Recentemente fizeram dela cidade. E o viajante pôs-se à procura das razões, que são duras de encontrar. As uvas dos pequenos vinhateiros encontram escoamento na adega cooperativa, que as vai pagando aos sócios quando pode, enquanto se aguentar. E a outra adega, há poucos anos aberta por empresários paisanos, tem hoje as portas fechadas. Foi tudo parar ao tribunal, entre rumores de trapaças e pipas de vinho fabricado a martelo.
Mas quem procura sempre acha, se não for prego é uma tacha. Andando e andando, depois de passar uma rotunda complicada, foi o viajante parar a um arrabalde, onde a câmara local tem devotado o melhor dos orçamentos ao serviço dos munícipes escassos. O complexo das piscinas mete respeito e enxerga-se à distância, com os seus relvados, e sebes, e instalações imponentes a dominar o conjunto. Entre o seu muro e uma estrada periférica, há-de haver um dia um parque de campismo, e outro parque de desportos radicais. Mas isso vai sabê-lo o viajante quando entrar no complexo. Espreitando pelo muro, vislumbram-se dois campos de ténis gémeos, com bancadas à inglesa, e um complicado circuito de mini-golfe, deserto como os irmãos. Desconhece o viajante em que fadigas se perde a juventude da Meda, tão solitária se encontra esta piscina de dimensões olímpicas, e o natatório infantil logo abaixo, na encosta. O viajante rodeia a vedação e chega finalmente à entrada do complexo, onde estão expostos os horários de abertura. Devido à falta de utentes, segundo diz esta nota, forçoso foi encerrar a piscina descoberta, antes do fim da estação. E a piscina de interior, que é aquecida para os rigores do clima, também se encontra fechada, por causa duma avaria maçadora. Aos utentes pede-se compreensão.
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