domingo, 21 de fevereiro de 2016

Nem só de limões se vive

O viajante vai particularmente atento à arquitectura e ao urbanismo, durante a sua Viagem a Itália. E em Vicenza, entre Verona e Pádua, visita edifícios de Palladio*** e assiste a uma assembleia da Academia dos Olímpicos.
« (...) Um grande salão ao lado do teatro de Palladio, bem iluminado, presentes o Governador e uma parte da nobreza, em geral um público de pessoas cultas, muitos religiosos, ao todo talvez uma quinhentas pessoas.
A questão proposta pelo presidente para a sessão de hoje era: o que terá trazido mais vantagens às artes, a invenção ou a imitação? A ideia era bastanre feliz; pois se separarmos os termos da alternativa contida na questão, é possível falar durante cem anos de ambas as coisas. E os senhores académicos não desperdiçaram esta oportunidade, discursando abundantemente em prosa e em verso, com algumas boas peças de permeio.
E o público é o mais animado que se possa imaginar. Os ouvintes gritavam "bravo!", batiam palmas e riam. Se pudéssemos estar assim perante a nossa nação e diverti-la pessoalmente! Damos-lhe o nosso melhor, preto no branco, e cada um esconde-se com isso num canto e vai remoendo a coisa como pode!
Era de calcular que também desta vez Palladio viesse sempre à baila, quer se tratasse da invenção ou da imitação. No final, quando se exige sempre a intervenção mais bem humorada, houve um que teve a feliz ideia de dizer que, já que os outros lhe tinham roubado o Palladio, ele iria louvar o Franceschini, o grande fabricante de seda. E começou a mostrar como a imitação dos leoneses e florentinos tinha trazido grandes vantagens a este eficiente empresário, e com ele à cidade de Vicenza, do que concluiu que as excelências da imitação são muito superiores às da invenção. E tudo isto com tanto humor que se gerou uma risota incontrolável.
No geral os defensores da imitação tiveram mais aplausos, porque disseram coisas que as massas também pensam e são capazes de pensar. De uma das vezes o público deu grandes aplausos a um sofisma muito pouco convincente, enquanto que não entendeu nada de muitos e certeiros argumentos em favor da invenção. (...)»
[Goethe, Viagem a Itália 1786/1788, trad. de João Barrento]

*** Andrea Palladio (1508/1580), nascido em Pádua, é um dos arquitectos do Renascimento que mais sistematicamente estuda e aplica os Antigos neste domínio. Goethe, como aliás toda a Europa classicista, conhece Palladio.

[NOTA: Por essa altura, por cá, os indígenas continuavam a fazer mulatinhos nas pretas debaixo das palmeiras, enquanto uns castiços marialvas cantavam ao fado. E ainda hoje nos esgotamos a dizer mal da sorte!]