Já me tem acontecido desejar ter um tractor e esfalfar-me em cima dele, e acabar o domingo a jogar no café. Mas nunca o fiz, na verdade não me puxa. E o que mais me sucede é acordar de madrugada, repetir os gestos do pequeno-almoço e ficar três horas a escrever. Se o não fizer, sinto um buraco negro.
Depois claudico, falta-me a energia. Regresso à cama, durmo ainda uma horita, fico recompensado e normalmente sonho. Às vezes são pesadelos, e muitos reproduzem-me peripécias do carro, esse fiel e já antigo amigo: um incêndio em que ardeu, um vandalismo qualquer que lhe infligiram, um comboio que o reduziu a metade. Saio deles e só fico apaziguado, quando constato que não eram verdadeiros.
Mas nem sempre me acontecem pesadelos, já cheguei a sonhar o que nunca vivi. Muitas vezes são entradas em mundos movediços, em cenários nunca imaginados, que não sei donde nascem, e as lógicas que perseguem, e o que me querem dizer.
A paisagem é campestre, sem referências concretas. Passa um rio, lento e fundo, que lá em baixo acaba num açude. Cai-me nele o porta-moedas preto, e eu fico a vê-lo, levado pela corrente. Sei muito bem que não sou bom nadador, mas decido ir atrás dele. Mergulho e acabo por alcançá-lo, antes que chegue à cascata, lá ao fundo, onde nos perderíamos os dois.
Volto a terra satisfeito e logo acordo, a perguntar-me donde é que isto vem. Serão ecos dum texto que escrevi de madrugada, réplicas de sismos de alma?
Não seria melhor arranjar um tractor e esfalfar-me em cima dele, e acabar o domingo numa batota qualquer?