Eduardo Lourenço
«Em Heterodoxia (I), Lourenço atribui o atraso português
à ausência de uma mentalidade europeia desde a segunda metade do séc. XVI. O
primeiro parágrafo de “Europa ou o diálogo que nos falta” refere que o mundo da
cultura portuguesa arrasta há quatro séculos uma existência crepuscular. (…)
Esta existência crepuscular deveu-se e deve-se a três absolutas ausências com
que o nosso país respondeu “à cisão religiosa das reformas, à criação da físico-matemática
e à filosofia cartesiana”. Assim, o caudal de conhecimentos que tínhamos
erguido com a empresa dos Descobrimentos “perdeu tudo o que tinha de vivo e
prometedor, para conservar apenas o comentarismo ruminante estéril. Nascera
assim o sebastianismo, como não-resposta de Portugal ao avanço científico,
religioso, cultural e económico da Europa Ocidental. O sebastianismo é uma
não-resposta que nos compromete num outro caminho mental – o do “irrealismo
prodigioso”. (…)
Operando uma ligação histórico-cultural com o povo
judaico, Lourenço explica que “Portugal não espera o Messias, o Messias é o seu
próprio passado, convertido na mais consistente e obsessiva referência do seu
presente, constituindo até o horizonte mítico do seu futuro. ” Numa palavra, Portugal
esconde-se no seu passado, incapaz de abordar desinibidamente o presente. (…)»
Boaventura
de Sousa Santos
«Sousa Santos compreende o mito sebastianista como
representativo de um tempo português passado, “sem tradição filosófica nem
científica”. “Enquanto objectos de discursos eruditos, os mitos [como o
sebastianismo e o V Império] são as ideias gerais de um país sem tradição
filosófica nem científica. O excesso mítico de interpretação é o mecanismo de
compensação do défice de realidade, típico de elites culturais restritas,
fechadas no brilho das suas ideias.”
Neste sentido, o mito sebastianista coincide
temporalmente com o início de um período de obscurantismo cultural: “A partir
do séc. XVII, Portugal entrou num longo período histórico dominado pela
repressão ideológica, a estagnação científica e o obscurantismo cultural, um
período que teve a sua primeira manifestação na Inquisição, e a última nos
quase 50 anos de censura salazarista. A violação recorrente das liberdades
cívicas e a atitude hostil à razão crítica fez com que acabasse por dominar a
crítica da razão geradora dos mitos e esquecimentos com que os portugueses
teceram os seus desencontros com a história. (…) O Encoberto [o mito
sebastianista] é a imagem da ignorância de nós mesmos reflectida num espelho
complacente.” (…)
“Dada a distância entre as elites culturais e o cidadão
comum, o nível de interiorização é relativamente baixo, e portanto o
sebastianismo, se teve amplo apoio popular no séc. XVII, foi gradualmente
perdendo este apoio nos séculos seguintes até não passar, hoje, de um discurso
registado por uma ínfima elite cultural. (…)
É um discurso de decadência e de descrença, e quando
projecta uma ideia positiva do país fá-lo de um modo elitista e desfocado, e
por isso está sempre à beira da frustração, da queda e do ressentimento.”»