sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Sebastianismo 9

Dois sobre a seita:
Eduardo Lourenço
«Em Heterodoxia (I), Lourenço atribui o atraso português à ausência de uma mentalidade europeia desde a segunda metade do séc. XVI. O primeiro parágrafo de “Europa ou o diálogo que nos falta” refere que o mundo da cultura portuguesa arrasta há quatro séculos uma existência crepuscular. (…) Esta existência crepuscular deveu-se e deve-se a três absolutas ausências com que o nosso país respondeu “à cisão religiosa das reformas, à criação da físico-matemática e à filosofia cartesiana”. Assim, o caudal de conhecimentos que tínhamos erguido com a empresa dos Descobrimentos “perdeu tudo o que tinha de vivo e prometedor, para conservar apenas o comentarismo ruminante estéril. Nascera assim o sebastianismo, como não-resposta de Portugal ao avanço científico, religioso, cultural e económico da Europa Ocidental. O sebastianismo é uma não-resposta que nos compromete num outro caminho mental – o do “irrealismo prodigioso”. (…)
Operando uma ligação histórico-cultural com o povo judaico, Lourenço explica que “Portugal não espera o Messias, o Messias é o seu próprio passado, convertido na mais consistente e obsessiva referência do seu presente, constituindo até o horizonte mítico do seu futuro. ” Numa palavra, Portugal esconde-se no seu passado, incapaz de abordar desinibidamente o presente. (…)»

Boaventura de Sousa Santos
«Sousa Santos compreende o mito sebastianista como representativo de um tempo português passado, “sem tradição filosófica nem científica”. “Enquanto objectos de discursos eruditos, os mitos [como o sebastianismo e o V Império] são as ideias gerais de um país sem tradição filosófica nem científica. O excesso mítico de interpretação é o mecanismo de compensação do défice de realidade, típico de elites culturais restritas, fechadas no brilho das suas ideias.”
Neste sentido, o mito sebastianista coincide temporalmente com o início de um período de obscurantismo cultural: “A partir do séc. XVII, Portugal entrou num longo período histórico dominado pela repressão ideológica, a estagnação científica e o obscurantismo cultural, um período que teve a sua primeira manifestação na Inquisição, e a última nos quase 50 anos de censura salazarista. A violação recorrente das liberdades cívicas e a atitude hostil à razão crítica fez com que acabasse por dominar a crítica da razão geradora dos mitos e esquecimentos com que os portugueses teceram os seus desencontros com a história. (…) O Encoberto [o mito sebastianista] é a imagem da ignorância de nós mesmos reflectida num espelho complacente.” (…)
“Dada a distância entre as elites culturais e o cidadão comum, o nível de interiorização é relativamente baixo, e portanto o sebastianismo, se teve amplo apoio popular no séc. XVII, foi gradualmente perdendo este apoio nos séculos seguintes até não passar, hoje, de um discurso registado por uma ínfima elite cultural. (…)
É um discurso de decadência e de descrença, e quando projecta uma ideia positiva do país fá-lo de um modo elitista e desfocado, e por isso está sempre à beira da frustração, da queda e do ressentimento.”»