sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Equívocos e a força deles

Guardo no arquivo um par de imagens de há vinte anos. A primeira é do Carlos Cruz, por então publicista e estrela maior da comunicação. Exultava ele numa emissora qualquer, duma capital do centro da Europa. Alguém algures tinha presenteado os portugueses com a benesse de organizar o Euro 2004. Mais do que eufórico, o homem estava fora de si. Portugal tinha vencido uma grande batalha, e realmente o país não coube em si de contente. (Hoje é sabido no que esse equívoco deu.)
A segunda imagem é do Jorge Coelho, ministro das Obras Públicas. De sorriso aberto às câmaras, anunciava os planos dum túnel na Serra da Estrela, entre a Covilhã e Seia. Os próprios ecologistas (e os amadores da Serra e do ambiente) exultavam com o projecto, pois desse modo o mundo cruzava a Estrela sem molestar as urzes e as carquejas. O túnel nunca se abriu, e aos morcegos coube a maior perda. Foram privados dum tecto, numa galeria escura, onde dormiriam regalados de cabeça ao pendurão.
Dizem que as ideias ganham força quando tomam conta da cabeça das massas. E os equívocos também. De tais matérias se fez a lucidez honrada do Velho do Restelo. Taxado de cobarde e pusilânime, indiferente a insânias colectivas, ficou na Praia das Lágrimas a vociferar sozinho, contra a temeridade e a vã cobiça. A história andou quinhentos anos até lhe dar razão.