sábado, 15 de agosto de 2015

Kassinga

Sobra-me nos arquivos da memória o recorte dum monte, escuro e negro, a ocupar ao longe o horizonte. Um monte feito de ferro. As máquinas chegavam, amarelas, a empurrar umas pás, e despejavam-nas em vagonetas que serpenteavam nuns carris. Depois paravam num cais onde resfolegava uma locomotiva, à frente duma centopeia de vagões. Levava os minérios para o Lobito, numa linha de bitola estreita. e lá os embarcavam para o Japão.
Eu chegara ali na véspera, com um amigo, ao fim de dois dias de viagem por sertões, num Morris Mini que viera de Lisboa. Ele entrara de férias e aproveitava para visitar o pai, a trabalhar ali no estaleiro na manutenção das máquinas. E eu aguardava transporte, evacuado para o Hospital da Estrela, depois dum berbicacho muito sério.
De Carmona até Nova Lisboa foi um dia, por estradas e rectas que não tinham fim. Mal dormidos numa pensão manhosa, no dia seguinte arrancámos para Sul. As estradas boas acabaram, era apenas questão de seguirmos o mapa e acertar com a picada e com a bússola. Atravessámos um rio transparente numa ponte de troncos de madeira, e entrámos num mar de areia onde a caravela assentou a barriga. Mas o carrito portou-se como um herói e retomou, até que o pai do meu amigo lhe limpou o motor.
Chegámos ao fim do dia e eu deitei-me, de exaustão. Quando acordei, a tarde seguinte estava a terminar. E da viagem de regresso não guardo qualquer lembrança. Porque odisseias a dobrar não contam.