Fui surpreendido há dias por uma útil tertúlia de eruditos, a divagar na rádio sobre o Padre António Vieira. Partiam de Saramago, e dum comentário seu sobre o "imperador da língua", nos Cadernos de Lançarote. O que ouvi deixou-me embasbacado. Pois custa muito assistir a desconchavos donde eles menos se esperam.
Os eruditos misturavam alegremente o Vieira literato, sermonista e cultor maior da língua, com o Vieira jesuíta e o Vieira visionário, messiânico, utópico e nefelibata. Vamos lá então por partes!
O Vieira literato não tem discussão, é realmente o "imperador da língua". O Vieira jesuíta é para esquecer, como todos. O Vieira anti-esclavagista é uma idiotice. O Vieira amiguinho dos índios do sertão é um mito. (Apenas se levantou contra os bandeirantes broncos e sanguinários, por demorarem demais a perceber que não era possível domesticar os índios, como os pretos do Congo. Os índios preferiam morrer, a submeter-se à escravidão dos engenhos. E os jesuítas sabiam que apenas eram manuseáveis pelo encantamento dos rituais. Os cânticos, o brilho das luzes e o esplendor dos cultos foi a arma de que se serviram para os pastorear nos ajuntamentos católicos.) O Vieira visionário e messiânico do V Império é uma béstia mentalmente nociva, precursora de muitas outras que aí andam. O Vieira da Clavis Prophetarum e da História do Futuro, que anteviu as ONU's e a união dos povos da Europa, é um desejo tomado como realidade, por estes licenciados de Bolonha.
Salva-se o Vieira diplomata, de que não ouvi falar. O dos muitos serviços que prestou por essa Europa, à corte e à afirmação da dinastia do Rei Restaurador. E o dos heterodoxos e bons conselhos que lhe deu (tardios infelizmente), sobre as relações com a Holanda, e mormente com os judeus que lá viviam. Isso a Inquisição não perdoou.