[«Ao falar em poder, estou a referir-me ao poder oficial, ao poder político, a que em latim chamamos imperium, o poder de vida ou de morte, que o Estado concede a um determinado indivíduo.» Tirão, servo/secretário de Cícero, século I a. C.]
Depois da morte do senador, Tirão comprou uma herdade nas vizinhanças de Putéolos, para onde se retirou e onde viveu, segundo Jerónimo,até fazer uma centena de anos.
«Chamo-me Tirão. Durante trinta e seis anos fui secretário pessoal do estadista romano Cícero. Uma tarefa que começou por ser excitante, para depois se ir tornando espantosa, árdua e, por fim, extremamente perigosa. No decorrer desses anos, acredito que ele passou mais tempo comigo do que com qualquer outra pessoa, incluindo os próprios familiares. Assisti às suas reuniões privadas e fui correio das suas mensagens secretas. Registei por escrito os seus discursos, cartas e trabalhos literários, até a poesia; um tal dilúvio de palavras obrigou-me a inventar uma escrita abreviada, a chamada estenografia, um sistema que continua a ser usado para registar as deliberações do Senado e pelo qual me foi atribuída, há pouco tempo, uma modesta pensão. Esta, juntamente com alguns legados e a generosidade dos amigos, é suficiente para me manter durante a reforma. Não sou muito exigente. Os velhos vivem do ar e eu sou muito velho: terei perto duma centena de anos, segundo me dizem. (...)
O meu propósito é tratar do poder e do homem. (...) Um poder que foi pretendido por muitas centenas de homens, mas, em toda a história da República, Cícero foi o único que o procurou sem recursos que o pudessem ajudar, para além do seu próprio talento. (...) Não dispunha dum exército poderoso para lhe apoiar a candidatura, como acontecia com Pompeu ou com César. Não possuía, como Crasso, uma vasta fortuna que lhe aplanasse o caminho. Só dispunha da sua própria voz, que, graças a um extraordinário esforço de vontade, se tornara a mais famosa voz de todo o mundo.
Tinha vinte e quatro anos quando entrei ao seu serviço. Ele tinha vinte e sete. Eu era um servo doméstico, nascido na propriedade da família, situada nos montes que rodeiam Arpino, e nunca tinha visto Roma. Ele era um jovem advogado, que sofria esgotamentos nervosos e lutava para vencer consideráveis deficiências naturais. Poucos apostariam nas hipóteses de qualquer de nós. (...)»
Quando se juntam um assunto fascinante, um autor notável e uma tradução de artista (Saul Barata), é de esperar festa na literatura. Já uma vez se falou do romance histórico, e é disso que aqui se trata a sério. E uma vez que, entre as funções da literatura, se contam justamente edificar, ensinar, divertir, comover e dar prazer estético ao leitor... vamos a isso! Alea jacta est! - dizia o outro.