sábado, 8 de junho de 2013

Imperium - 2

Pompeu regressara vitorioso das campanhas da Hispânia, Crasso vencera na Sicília a revolta dos escravos. Júlio César não era ainda o que viria a ser, depois de vencer os Helvécios e subjugar as tribos da Gália. Estava em germinação o 1º triunvirato, e a guerra civil, e o fim da República Romana. É este o tempo da história.
Tirão é personagem e narrador, neste ilustrativo e seriíssimo romance histórico. Nele se misturam as realidades da história (que não pode ser adulterada) e da ficção que a recobre. E o leitor não saberá destrinçar onde se acaba a primeira e a segunda começa.
A construção da figura de Cícero, protagonista e centro do labor narrativo, é excelente em todos os aspectos.
«(...) Conquanto ninguém pusesse em dúvida o talento de Cícero para a oratória, a sua constituição física era demasiado frágil para lhe suportar toda a ambição; por isso, o esforço suportado pelas suas cordas vocais durante várias horas de argumentação, muitas vezes ao ar livre e em qualquer estação do ano, podia deixá-lo rouco ou afónico durante dias. A estes desastres juntavam-se a insónia persistente e as digestões difíceis. Dito em palavras simples, Cícero precisava de ajuda profissional. Portanto, decidiu ausentar-se de Roma por algum tempo, com o duplo objectivo de refrescar as ideias e de consultar os mais famosos professores de Retórica, que, na sua maioria, viviam na Grécia e na Ásia Menor.
Por eu ser responsável pela pequena biblioteca do pai dele, e por possuir conhecimentos razoáveis de grego, Cícero pediu-me emprestado, como quem leva para casa um livro da biblioteca, e levou-me com ele para o Oriente. A minha função era dirigir os preparativos, arranjar transportes, pagar aos professores e tudo o que fosse necessário; ao fim de um ano seria devolvido ao meu antigo senhor. No final, como acontece com tantos livros úteis, acabei por nunca ser devolvido.»
Ambos começam por se dirigir a Atenas, onde a "escola dominante" de Retórica era o "Método Asiático". «Elaborado e florido, cheio de frases pomposas e ritmos sonoros, a explicação era acompanhada de muitos desvios, com pequenos passos para lá e para cá.» Justamente o método praticado por Hortênsio, o maior rival de Cícero nas disputas jurídicas do forum. Por isso queria o jovem advogado ouvir todos os mentores do rival: Ménipo de Estratoniceia, Dioniso de Magnésia, Ésquilo de Cnido, Xenócles de Adramite.
Depois dessa experiência, Cícero decide partir para a ilha de Rodes e frequentar a escola de Apolónio Mólon. «Este Mólon era um advogado natural de Alabanda, que tinha pleiteado brilhantemente nos tribunais de Roma, sendo até convidado a dirigir-se ao Senado em grego, uma honra nunca antes concedida. Mas depois retirara-se para Rodes, onde abrira a escola retórica. A sua teoria da Oratória, exactamente o contrário do Modelo Asiático, era simples: não andar demasiado, manter a cabeça erguida, não se afastar do tema, fazê-los chorar, fazê-los rir e, uma vez conquistada a simpatia deles, sentar-se calmamente. - Nada seca com maior rapidez do que uma lágrima - dizia. Esta teoria estava mais de acordo com a maneira de ser de Cícero e ele entregou-se inteiramente a Mólon.»
O mestre começou por se ocupar da alimentação do discípulo. Depois passou ao exercício físico, que começava ao amanhecer. «Cícero voltou a dormir bem e também deixou de ter problemas de digestão.» Seguiu-se o treino da declamação propriamente dita. Mólon dirigia-se para uma praia, afastava-se do discípulo uns 70 metros, e fazia-o declamar contra o marulhar das ondas, «o som mais parecido ao do murmúrio de três mil pessoas ao ar livre.»
Cícero quis ocupar-se por fim dos conteúdos, dos argumentos. «O conteúdo não é da minha esfera. Lembra-te de Demóstenes: Na Oratória contam três coisas: a dicção, a dicção, e uma vez mais a dicção.»
No final da frequência, depois dum exercício prático do discípulo, o mestre despediu-o: «Cícero, dou-te os parabéns e digo que estou espantado contigo. É a Grécia e o destino que a espera que eu lamento. A supremacia da nossa eloquência era a última glória que nos restava; e agora até essa nos foi retirada. Vai, meu filho, e conquista Roma!»
Enquanto vai desfiando as actividades de Cícero, na advocacia e na vida pública, Tirão dá uma visão da história e da sociedade romanas, e das figuras que a habitam. São os tempos do fim da República e das suas políticas, onde não falta a corrupção, o crime, o tráfico de influências e os jogos do poder. Olhamos hoje em volta e concluímos que já estava tudo feito, não há nada de novo naquilo que hoje vivemos.