«(...) Considerem um discurso recente do português mais poderoso da União Europeia, o número dois do Banco Central Europeu, Vítor Constâncio. Falando em Atenas no passado 23 de Maio, sobre as causas e transmissão da actual crise, Constâncio foi taxativo: a dívida pública não foi a causa da crise.
Em primeiro lugar, países que tinham dívida pública muito baixa, e em tendência descendente, como Espanha e Irlanda, acabaram por ter uma crise difícil. Países que não respeitaram os limites do défice, como Alemanha e França, têm-na passado incólumes.
Em segundo lugar e, mais importante, mesmo em países como a Itália e Portugal, a dívida estava a descer antes da crise, e na Grécia (com os números verdadeiros) a dívida estava a aumentar pouco. As dívidas públicas só aumentaram depois da crise, em consequência da crise. Logo, não podem ter sido a causa. São a febre e não a doença.
Já a dívida privada, essa sim, aumentou significativamente antes da crise nos países que viriam depois a "rebentar": Grécia (217%), Irlanda (101%), Espanha (75,2%) e Portugal (49%). E este endividamento é, em larga medida, catapultado pelo aumento de actividade interbancária europeia, para lá das fronteiras nacionais, potenciado pela introdução do euro. Numa palavra, foram os bancos.
Nos anos 90 os bancos europeus, em particular do centro, encheram os periféricos de crédito fácil como parte das suas estratégias de crescimento. O comportamento não era muito diferente dos seus colegas dos EUA, em cujos produtos tóxicos os bancos europeus se alambazaram. A liberdade de circulação de capitais não deixou os Estados controlarem este processo. Quando a bolha rebentou nos EUA, os bancos europeus estavam expostos, e os dos países periféricos fragilizados dos dois lados, dos seus clientes e dos seus credores. Os bancos foram salvos pelos Estados, e em troca mantiveram as torneiras da economia fechadas. Com privados desempregados e empresas a falir, os Estados tiveram que entrar com subsídios de desemprego e aguentar a descida na recolha de impostos.
A melhor parte do discurso de Constâncio vem depois. É aquela em que ele diz, após falar do desemprego jovem: "Não obstante tudo isto, agora não é o momento para mudar de rumo".»
[Rui Tavares, in PÚBLICO]