« (...) Um dia, deve ter sido em Maio, chegou a casa de Cícero um mensageiro para entregar uma carta. (...) Entregou-ma e li a frase com que começava: "De Marco Licínio Crasso, Imperator, para Marco Túlio Cícero: Saudações".Era um simples convite para, na manhã seguinte, ele se encontrar com o general vitorioso na estrada de Roma, perto da cidade de Lanúvio, no décimo oitavo marco miliário. (...)
Deixou cair o queixo para o peito e não disse mais nada até termos passado o décimo oitavo marco miliário e nos encontrarmos em campo aberto, não muito longe de Bovilas. Foi aí que me chamou a atenção para algo de estranho: os piquetes que guardavam o que nos pareceu serem estreitas pranchas de madeira. Já tínhamos passado por uns quatro ou cinco, espaçados entre si cerca de meia milha (1480 metros), e, quanto mais nos internávamos no campo, maior parecia ser a actividade: pregavam, serravam, cavavam. Os legionários estavam a fazer cruzes. Não tardou que encontrássemos uma coluna de infantaria de Crasso a marchar na nossa direcção, a caminho de Roma, e tivemos de nos afastar para a berma da estrada para a deixar passar. Atrás dos legionários vinha uma trôpega procissão de prisioneiros, centenas deles, de mãos atadas atrás das costas: um terrível exército cinzento, emaciado, de fantasmas, a caminho do destino que víramos estar a ser-lhes preparado, mas que provavelmente desconheciam. Mais ou menos uma milha depois, em pequenos recantos de cada lado da estrada, onde os prisioneiros eram suspensos das cruzes, começava a matança. Tento não me lembrar, as cruzes com as vítimas espetadas a gemer, cada madeiro a ser levantado e a cair com um som cavo no buraco aberto para ele. Não consigo esquecer, isso e o momento em que atingimos o topo de uma lomba e avistámos uma longa avenida de cruzes que se estendia diante de nós, milha após milha, a cintilar no calor do meio da manhã, o ar que parecia tremer com os gemidos dos moribundos, o zumbido das moscas e o grasnar dos corvos que voavam em círculos. (...)
(Crasso) parecia especialmente orgulhoso da logística que lhe permitira crucificar seis mil homens ao longo das trezentas e cinquenta milhas da estrada, desde o campo de batalha onde vencera até às portas de Roma, sem se registarem, segundo as palavras dele, "quaisquer cenas de violência". Havia dezassete crucificações por cada milha, o que dava cento e dezassete passos entre cada cruz. E a artimanha estava em não causar pânico entre os prisioneiros, pois, de contrário, teria de travar outra batalha. Portanto o número prefixado de escravos recapturados era retido ao lado da estrada, enquanto o resto da coluna continuava a marchar em frente; só depois de os seus camaradas estarem fora da vista é que começavam as execuções. Desta forma, o trabalho fora executado com um mínimo de perturbações e obtido o máximo efeito de dissuasão, pois a Via Ápia era a estrada mais concorrida da Itália.
- No futuro e depois de terem ouvido falar disto, duvido que haja muitos escravos dispostos a revoltar-se contra Roma! - sorriu Crasso.